sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Eclipse Lunar Parcial (Lua Cheia Touro-Escorpião)

  Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Lunar Parcial 

(Lua Cheia: Escorpião-Touro)

Lisboa, 21h14min, 28/10/2023

 

Lua

Decanato: Mercúrio

Termos: Vénus

Monomoiria: Marte   

 

Sol

Decanato: Marte

Termos: Marte

Monomoiria: Saturno

 

  O Eclipse Lunar Parcial de dia 28 de Outubro ocorre com a Lua no signo de Touro e o Sol no de Escorpião, com Gémeos a marcar a hora e menos de três horas após o pôr-do-sol (hora de Lisboa), logo no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, estando esta acima do horizonte, na XII, no lugar do Mau Espírito ou do Mau Destino (κάκον δαίμων), já o Sol está abaixo do horizonte, na VI, no lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη). A Lua encontra-se no decanato de Mercúrio, nos termos de Vénus e monomoiria de Marte, enquanto o Sol encontra-se no decanato de Marte, nos termos de Marte e monomoiria de Saturno. Após o crepúsculo, caída a noite, o eclipse colocará a sua sombra sobre o horizonte e, a partir da Pós-Ascensão, trará consigo o peso do destino.

  Acerca do eixo de lugares (XII-VI) onde este plenilúnio obscurecido se estende, Manílio diz o seguinte: “a porta do trabalho serão: por uma se sobe e pela outra se desce” (Astronomica II, 870: porta laboriis erit: scandendum est atque cadendum). O conceito fundamental que se extrai deste verso é o de labor, de trabalho, que tem aqui o sentido de dificuldade, de esforço, de pena, mas também, inevitavelmente, de desafio. Lembremo-nos, por exemplo, dos trabalhos de Hércules. Ora Virgílio, na Eneida, refere os eclipses solares como labores solis, os trabalhos ou labores do sol (I, 742). Esta é uma ideia preciosa, pois diz-nos que a sombra coloca a luz, seja ela directa (Sol) ou reflectida (Lua), sobre esforço. Desta forma, se o eixo do eclipse lunar cair sobre o eixo da VI-XII este sentido sai reforçado, sobretudo se se conjuga com o sentido negativo ou obscurecido dos conceito de τύχη e δαίμων. A fortuna e o destino são colocados assim, não perante a dualidade dos acontecimentos, mas sob a potencialidade da acção humana e o modo como esta apreende os acontecimentos. Para ascender ou descender, como diz Manílio, a luz terá de passar por esse pórtico penoso onde o seu espectro se sujeita à dificuldade e ao esforço. Os eclipses, face ao estender da sombra a partir da própria luz, são necessariamente tempos de angústia e agrura.

  Nas Meditações, Marco Aurélio diz-nos seguinte: “Abandona-te de boa mente a Cloto; deixa-a tecer a tua vida com os acontecimentos que lhe aprouver.” (IV, 34, trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995). No que aos acontecimentos concerne, a acção humana é determinada pela aceitação do fio das Meras, do destino, todavia, existe liberdade na forma como acolhemos, ou não, a luz e a sombra. O imperador romano continua, afirmando: “Considera de contínuo que o mundo é como um ser único, contendo uma substância única e uma única alma; e que tudo vai desaguar à mesma e única percepção que é a sua; ele tudo realiza por força do mesmo impulso; todas as coisas ao mesmo tempo concorrem para causar o que acontece e que trama cerrada e complicada é o que elas produzem” (IV, 40). Esta causalidade não só é natural como é provida de sentido, de finalidade, contudo, a sua interiorização exige esforço. Para tudo e para cada um, existe um trabalho que lhe é devido. As portas do trabalho são portanto os desafios desta causalidade.  

  As raízes desta ideia atravessam, na Antiguidade, o pensamento filosófico e a astrologia. Já Platão, no Timeu, afirmava que Com efeito, o deus, ao fazer girar em torno do eixo todos os círculos dos astros, como uma espiral, fazia parecer que o movimento era duplo e em sentidos opostos e que o que se afastava mais lentamente do que era mais rápido era o que estava mais perto. Para que houvesse uma medida evidente para a lentidão e para a rapidez com que se cumprissem as oito órbitas, o deus instalou uma luz na segunda órbita a contar da Terra, a que agora chamamos Sol, de modo a que o céu brilhasse ainda mais para todos e que os seres-vivos aos quais isso dissesse respeito participassem do número de modo a ficarem a conhecer a órbita do Mesmo e do Semelhante. Deste modo e por estas razões foram gerados a noite e o dia – o percurso circular uniforme e regular.” (39A-B, Timeu – Crítias, trad. R. Lopes. Coimbra, 2011: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos). Existe tanto uma diversidade nesta unidade como uma harmonia de opostos que conduz a essa unicidade. Ora é neste ponto que um eclipse e, em especial, um eclipse lunar se torna particularmente significativo.

  A harmonia dos opostos funda-se, numa perspectiva divina, na união da Mãe Divina ao Pai Divino, ou seja, por amor o mundo se criou e por separação assim permaneceu, daí que Tábua de Esmeralda diga que Todas as coisas provêem de uma, por mediação de uma única, assim todas as coisas nasceram desta única realidade por um único processo de adaptação. O seu pai é o Sol; a sua mãe é a Lua.(TH 30, in Hermetica II -The Excerpts of Stobaeus, Papyrus, and Ancient Testimonies in an English Translation with Notes and Introduction., ed. M. D. Litwa, 2018: 315.  Cambridge: Cambridge University Press. A tradução é da minha responsabilidade). Na astrologia, o Sol é o Pai Divino e a Lua a Mãe Divina, são Osíris/Serápis e Ísis. Os antigos astrólogos conservaram sempre esta matriz de sentido. Os eclipses são a sombra que estende junto ao casal. Essa sombra é Set que, embora seja um inimigo, não deixa de ser seu irmão.

  Existe uma afinidade natural entre a luz e a sombra. Ora, para a significação do actual eclipse lunar, esta harmonia dos opostos vai para além do Sol e da Lua, pois a regência domiciliar dos signos do eixo luminar e do Dragão da Lua alimentam esta dicotomia. De um lado, temos a Lua em Touro (Vénus) e a Caput Draconis em Carneiro (Marte) e, do outro, temos o Sol em Escorpião (Marte) e a Cauda Draconis em Balança (Vénus). Sob a égide da luz e da sombra, existe pois uma força cósmica de união e separação, criando e destruindo.

  A influência do eclipse lunar de dia 28 não é das temporalmente mais longas, mas é espacialmente expressiva. Segundo o método ptolemaico, podemos fixar a influência entre um mês e nove dias e quatro meses e catorze dias, isto se considerarmos primeiro a duração do manto umbral e depois a do manto penumbral. Já a técnica que concilia a duração da escuridão do eclipse com o tempo de ascensão dos signos coloca a influência entre um dia e meio e um mês e oito dias. É significativo que duas técnicas com pressupostos diferentes tenham, neste caso, um período de influência tão aproximado. Já a influência espacial coloca o centro do eclipse ao largo do Iémen, entre a costa mais próxima da fronteira com Omã e a ilha de Socotorá (Suqutrah), um paraíso natural pertencente ao Iémen. No entanto, o eclipse tem um manto extenso que cobre o continente africano, europeu e asiático. 

  Quanto às regências espaciais antigas, temos de observar primeiramente as do signo de Touro, pois é onde se encontra a Lua. Segundo Vétio Valente (Antologia I, 2), Touro vai reger as regiões da Média (o actual noroeste do Irão, o Azerbaijão, o Curdistão Iraniano e o Tabaristão ou Mazandarão), da Cítia (Irão, mas também uma área que se estendeu da Bulgária às fronteiras da Rússia, Mongólia e China), do Chipre, da Arábia, da Pérsia e das montanhas do Cáucaso, da Samártia (junto à Média), de África, de Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), de Cartago, da Arménia, da Índia e da Germânia. Para Manílio, Touro rege Cítia, a Ásia (por causa dos Montes Tauro) e a Arábia. (Astronomica, IV, 744-817).

  De seguida, por a Caput Draconis se encontrar num signo diferente, temos de considerar as regências de Carneiro. Vétio Valente (Antologia I, 2) diz-nos que as seguintes regiões pertencem a Carneiro: a Babilónia, Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), a Pérsia, a Palestina e as regiões circundantes, a Arménia, a Trácia, a Capadócia, Susã (cidade antiga, capital do Elão ou Susiana, hoje sudoeste do Irão), o Mar Vermelho e o Mar Negro, o Egipto e o Oceano Índico. Para Manílio, rege o Helesponto (Estreito de Dardanelos), Propontis (Mar de Mármara), a Síria, a Pérsia e o Egipto (Astronomica, IV, 744-817). Embora com menor influência, o lugar do Sol também é significativo e Valente diz-nos que Escorpião rege a Metagonitis ou Numídia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Mauritânia, a Getúlia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Síria, Comagena (Ásia Menor), a Capadócia, Itália, Cartago, Líbia, Amom (Jordânia), Sicília, Espanha e Roma. Já para Manílio Escorpião rege Cartago, a Líbia, o Egipto, Cirene, a Itália e a Sardenha (Astronomica IV, 777-82).

  O eclipse lunar actual pertence à série Saros 146 que se iniciou a 11 de Julho de 1843 e que terminará a 29 de Agosto de 3123. É portanto uma série recente que se estende a partir do eixo Capricórnio-Caranguejo até ao eixo Peixes-Virgem. O seu eclipse inaugural, que serve de matriz genetlíaca de sentido, ocorreu com a Lua, a Caput Draconis e Saturno em Capricórnio, o Sol e a Cauda Draconis em Caranguejo, Mercúrio e Vénus em Gémeos, Marte em Sagitário, Júpiter e Neptuno em Aquário e Úrano e Plutão em Carneiro. A conjunção da Lua e Saturno e a quadratura destes a Úrano e Plutão em Carneiro, bem como a conjunção de Júpiter e Neptuno, levou por exemplo à erupção do Monte Etna a 25 de Novembro.

  No mesmo período, destaca-se também o terramoto na ilha Terceira, nos Açores. Por outro lado, a posição de Mercúrio e Vénus favoreceu, por exemplo, a publicação das obras de Charles Dickens, Edgar Allan Poe e Ada Lovelace. Kierkegaard publicou, pouco meses após o eclipse, a obra Temor e Tremor. Os eclipses, face à sua tensão uterina de luz e sombra, tendem a provocar elementos disruptivos. O pensamento e a arte são, por excelências, vectores de transformação, pois nascem do que transcende o comum.

  A relação do eclipse inicial da série Saros 146 com o actual eclipse é particularmente significativa, sobretudo se considerarmos a quadratura entre o eixo nodal do primeiro eclipse e a posição actual dos luminares. Entre os dois temas, a par da quadratura dragontina, os trígonos do Sol e da Lua tornam-se um intenso potencial de sentido. Existe nestes dois eixos zodiacais (Capricórnio-Caranguejo e Touro-Escorpião) uma qualidade, sob os desígnios eclipsais do destino e da necessidade, que é tanto dinâmica como estruturante, conciliando o tempo e o valor. Estendido entre a vida (Touro) e a morte (Escorpião), o valor encontra o seu sentido, mas hoje, coberto pelo manto umbral, o sentido daquilo que tem valor encontra-se difuso, obscurecido pelo peso do erro, da ilusão e do engano, por esta prole que a ignorância humana criou.

  Os tempos que vivemos com guerra, com inflação e especulação, com interesses e corrupção, com populismos e extremismos, ameaçando as democracias e os cidadãos, pervertem o valor da dignidade humana. A ideia de que existem humanos de primeira e de segunda e de que existem povos e terras eleitas são uma clara ameaça a nossa civilização e ao futuro da humanidade. A sombra sobre a Lua, Júpiter e Úrano em Touro pede-nos para repensar o planeta que habitamos e diz-nos que o direito à propriedade não pode pesar mais que o direito à dignidade. O planeta não pode ser um propriedade tem de ser um lar. É preciso repensar os valores do elemento Terra. O grande trígono de Terra, entre os planetas em Touro, já indicados, Plutão em Capricórnio e Vénus em Virgem, convida-nos a essa reflexão, não apenas como exercício espiritual, mas também base de uma nova práxis.     

  Por outro lado, o facto de Saturno em Peixes, conjunto a Neptuno, ser o astro mais alto adensa a gravidade do destino sobre o momento. A concórdia conceptual e espiritual entre as ideias de tempo e de totalidade fazem de Saturno em Peixes, segundo a matriz mitológica do deus romano da agricultura, o mestre do acto de semear, esperar e colher. Caído o manto da sombra, este é o tempo das colheitas, não das trazem os frutos da terra, mas sim das cumprem a consequência da desmedida. O trígono de Saturno e Neptuno em Peixes ao Sol, a Mercúrio e Marte em Escorpião, seguindo a lição de Petosíris de que nem todos os trígonos são bons, nem todas as quadraturas são más, consubstancia a gravidade didáctica do destino enquanto disrupção causal da Providência.

  A ὕβρις representa uma quebra na justa medida das coisas, naquilo que ocorre como é suposto que aconteça. A guerra representa um corte na ordem natural das coisas, pois conduz a uma destruição que não é própria da natureza cíclica de Gaia, mas sim da natureza humana, das suas franquezas. O terrorismo é uma outra face desta desmedida, levando o mal que nos consome ao outro. No entanto, o mito da violação de Alcipe, filha de Ares, por Halirrótico, filho de Posídon, mostra o outro lado de Escorpião, ou seja, a vingança como forma de resistência e reposição da justiça (Figueiredo, R.M. de, 2021, Fragmentos Astrológicos, 126). Este é o mito que está na origem do Areópago. Pela ofensa cometida, Ares mata Halirrótico. Posídon exige o julgamento e a respectiva condenação. No entanto, Ares é absolvido, pois o seu acto foi considerado legítimo. Os tempos que vivemos revelam esse fio ténue entre a vingança e a justiça, entre opressão e resistência.  

  Neste eclipse lunar, a tensão que ocorre no eixo Touro-Escorpião fundamenta o sentido profundo do actual manto umbral, fazendo deste choque entre a vida e a morte, entre criação e destruição, um elemento estruturante. Se considerarmos a relação de aspectos nos elementos Terra e Água (trígono), aqueles que fortalecem este fenómeno astrológico, observamos que, como um pentagrama imperfeito, existe um signo que não é habitado por nenhum planeta. Caranguejo, como signo da origem, torna-se agora um sinal de incompletude e isso é bastante significativo. Falta-nos hoje, por ocultação luminar, uma matriz feminina, lunar, de sentido. O mundo, a humanidade, devido às suas próprias escolhas, vive sem a Mãe Divina e, com o signo de Touro obscurecido, exaltando-se a Lua na sombra, a Terra não consegue ser Mãe.

  A grande maioria das posições e aspectos astrológicos presentes no tema do eclipse lunar já foram analisadas na reflexão do eclipse solar, todavia, é necessário destacar a posição dos maléficos e os seus movimentos futuros, pois, dentro do período de influência do eclipse lunar, Saturno iniciará, a 4 de Novembro o seu movimento directo e Marte ingressará em Sagitário a 24 do mesmo mês. A ligação entre os dois planetas passará do trígono à quadratura, agravando assim o seu carácter maléfico e a sua acção disruptiva. Os próximos meses vão indicar um desafio, um trabalho severo, para a humanidade. As nossas palavras e as nossas acções, mais do que nunca, vão determinar quem somos e para onde vamos. Estamos à beira do abismo.

  O eclipse lunar de dia 18 é o último neste ciclo nodal actual, no eixo de Touro-Escorpião. Passaremos definitivamente para o eixo Carneiro-Balança, deixando o sentido de valor para encontrar-se o sentido de identidade. No entanto, até à primeira época de eclipses de 2024, os eclipses no eixo Touro-Escorpião ainda estarão presentes, perdendo progressivamente a sua influência. O actual eclipse pela sua área geográfica de influência e pelas significações que o tema astrológico introduz vai, por força do destino e da necessidade, mas também pelo efeito da desmedida, trará desastres naturais e humanos. Sem amor e sem sabedoria, a humanidade perder-se-á.  

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