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quinta-feira, 13 de março de 2025

Reflexões Astrológicas 2025: Eclipse Lunar Total (Lua Cheia Virgem-Peixes)

Reflexões Astrológicas

Eclipses 


Eclipse Lunar Total

(Lua Cheia: Virgem-Peixes)

Lisboa, 06h58min, 14/03/2025

 

Lua

Decanato: Mercúrio 

Termos: Marte

Monomoiria: Saturno      

 

Sol

Decanato: Marte

Termos: Marte

Monomoiria: Sol    

 

  O Eclipse Lunar Total de dia 14 de Março ocorre com a Lua no signo de Virgem e com o Sol no de Peixes, com Leão a marcar a hora e num momento quase coincidente com o nascer-do-sol (hora de Lisboa), logo no Segmento de Luz (αἵρεσις) do Sol, estando este acima do horizonte, na I, no lugar do Leme e da Vida (οἴαξ e ζωή), já a Lua está abaixo do horizonte, na VII, no lugar do Poente (δύσις). A Lua encontra-se pois no decanato de Mercúrio, nos termos de Marte e na monomoiria de Saturno, enquanto o Sol encontra-se no decanato e nos termos de Marte e na sua própria monomoiria. Pela preponderância dos termos de entre as três dignidades, é fácil constatar o poder que Marte exerce. Depois da sua retrogradação, Marte despede-se de Caranguejo, numa posição actual cujos aspectos abraçam o eixo luminar umbral (trígono ao Sol e sextil à Lua).

  A questão dos eixos é bastante evidente neste tema ao vermos entrelaçados o eixo luminar, o do Dragão da Lua e o do horizonte. A sombra do eclipse deita-se sobre estes eixos restringindo os seus sentidos, as suas potencialidades radicais. É também significativo o facto do eixo luminar e nodal se encontrar agora nos mesmos signos, o que não acontecera nos dois eclipses lunares de 2024. O eixo Virgem-Peixes, ou seja, o eixo de integração torna-se agora assombrado. A sombra tolhe pois a integração da parte no todo, deixando que o obscurecimento dracôntico recaia sobre o sentido da parte e o valor da totalidade.  

  Epicuro, num dos seus fragmentos, diz-nos o seguinte: “Nunca pretendi agradar ao vulgo; daquilo que eu sei o vulgo não gosta, daquilo que o vulgo gosta não quero eu saber.” (fragm. 187 Usener Οὐδέποτε ὠρέχθην τοῖς πολλοῖς ἀρέσκειν. μὲν γὰρ ἐκείνοις ἤρεσκεν, οὐκ ἔμαθον· δʼ ᾔδειν ἐγώ, μακρὰν ν τῆς ἔκείνων αἰσθήσεως. A tradução da minha responsabilidade). A visão da totalidade não é a visão do comum. Esta última pode sim assombrar aquele que procura a totalidade pela via do vulgo. Entre o comum, o valor extraordinário está na unicidade. É, por exemplo, uma experiência cada vez mais rara, por vezes surge apenas uma vez na vida, mas felizes são aqueles que encontraram, no meio da multidão, aquela pessoa que anula tudo o resto, que é a totalidade na unicidade. É uma experiência que transcende o vulgo e que exemplifica nomeadamente a exaltação de Vénus no signo de Peixes. 

  Neste sentido, e utilizando a significação radical do eixo Virgem-Peixes, a totalidade não é uma mera soma de partes, permite que uma parte ganhe a luz de totalidade, vencendo a perda de sentido que existe no vulgo. Pode não ser consensual, mas é a ideia de que a totalidade não provém nem do rebanho, nem da manada, daí a beleza da máxima de Epicuro. As ideias do vulgo são como a sombra do eclipse, estendem-se e alastram-se não pelo seu sentido e valor, mas sim pela sua extensão e permanência. Não é por acaso que a visão da montanha, de Heraclito a Nietzsche, seja uma visão solitária. A sombra quando colocada sobre o eixo Virgem-Peixes impede que a parte siga a luz da totalidade e, por outro lado, a totalidade não chega às partes, não as torna sementes da sua intuição radical. O actual eclipse adquire, desta forma, um sentido profundo nessa significação.

  Com a Lua numa condição pós-poente, conjunta à Caput Draconis, estando esta acima do horizonte, o destino força assim a sua gravidade sobre a luz de cada parte, de cada partícula de estrela. A sombra, com o seu manto, cobre essa luz inata, constrangido o seu potencial de totalidade. Contrariamente, o Sol sobe com o manto umbral, elevando a mensagem da Caput Draconis, da necessidade como razão de ser de tudo o que acontece e como finalidade de tudo o que acontecerá. Os eclipses no eixo Virgem-Peixes têm o valor de ciclo, de eterno retorno, uma vez que, dado a natureza do movimento do Dragão da Lua, iniciou-se um novo ciclo da integração à identidade, ou seja, de novo, retornando, até ao eixo Carneiro-Balança. De acordo com a herança estóica, é uma nova possibilidade de integrar a Alma do Mundo na alma humana, pedindo-se assim uma compreensão da simpatia universal.

  O eclipse lunar de dia 14 terá uma influência temporal, se atentarmos à declinação dos luminares, próxima dos dois meses e meio. Já se observarmos a duração do período umbral e total, excluindo-se o tempo penumbral, o tempo de influência fixar-se-ia entre um mês e cerca de três meses e meio. No entanto, o período até ao eclipse solar de 29 de Março e depois todo o mês de Abril será o mais intenso. Os eclipses lunares trazem um influxo de sombra à relação primordial entre a Lua e a Terra, o que pode levar, como já vimos em diversos momentos, a desastres naturais e, dada a concentração planetária no eixo Virgem-Peixes, os sismos com origem no mar e as erupções vulcânicas com origem semelhante, por exemplo, o vulcão submarino Columbo em Santorini ou Thera, estão potenciados. Por outro lado, os surtos de certas doenças podem também tomar umas proporções maiores, sobretudo quando ligados à vacinação. Por exemplos, os surtos de sarampo, devido a uma diminuição da vacinação por loucura ideológica, podem aumentar, tais como os de outras doenças cujas vacinas tinham tornado o número de casos residuais.

  A influência geográfica do eclipse de dia 14 tem o seu centro no Oceano Pacífico, ao largo das Ilhas Galápagos. O manto umbral e penumbral expandir-se depois pelas Américas, pela Europa e pela África. Nestes dois continentes, o manto penumbral tocará apenas as áreas ocidentais. Segundo as regências geográficas antigas, Vétio Valente (Antologia I, 2) diz-nos que Virgem rege a Mesopotâmia, a Babilónia, a Grécia, a Acaia (Grécia), Creta, Cíclades (Grécia), Peloponeso, Arcádia, Cirene (Líbia), Dória (Grécia), Sicília e Pérsia ou Parsa (Irão). Manílio, por seu lado, afirma que a Jónia (Turquia), a Cária (Turquia), Rodes e a Grécia estão sob a sua influência (Astronomica IV, 763-8).Peixes exerce influência sobre o Eufrates e o Tigre, a Síria, o Mar Vermelho e o Mar Arábico, a Índia, a Média-Pérsia e as regiões circundantes, o rio Borístenes ou Boristene (Dniepre), a Trácia, a Ásia e a Sardenha. Manílio, por seu lado, concede a Peixes o Eufrates, o Tigre e o Mar Vermelho, as terras da Pártia, a Báctria, a Etiópia, a Babilónia, Susa e Nínive (Astronomica IV, 800-6).

  Se compararmos estas áreas de influência com o avanço do manto umbral e penumbral, observamos que as mudanças estão próximas da divisão das placas tectónicas dessa área geográfica, começando na Placa de Nazca, passando pelas várias placas americanas e terminando no início da placa africana e da placa euro-asiática. De um ponto de vista astrológica, os temas dos dois eclipses de Março mais a passagem de Saturno e Neptuno de Peixes para Carneiro vai agravar a acção destrutiva de Gaia. As regências antigas vão colocar o nosso olhar sob a Grécia, a Turquia e a Sardenha, sem que Portugal e Marrocos percam a atenção. O sentido desta análise não é catastrofista, pois foca-se, pelo contrário, na ideia estóica de que o cosmos se renova por conflagração e dilúvio. Estes movimentos da cosmologia de Cleantes, de uma διακόσμησις, e de uma transformação elemental de fogo para ar e de ar para água, não têm um carácter valorativo ou axiológico original, ou seja, não podemos dizer que é bom ou mau. Desta forma, é preciso ver em Gaia vida e morte, criação e destruição, e amá-la de todas as formas, não esquecendo que quanto maior for a agressão humana, maior será a reacção.

  O eclipse lunar de 14 de Março pertence à série Saros 123, sendo o 53º eclipse de um total de 73. É o 23º eclipse dos 25 eclipses totais da série, o que já revela uma maturação da sua proposta significativa. Como já considerámos por diversas vezes, o eclipse inicial serve de matriz de sentido para toda a série. Ora o primeiro eclipse desta série ocorreu a 16 de Agosto de 1087 (Calendário Juliano). A Lua estava em Peixes e o Sol em Virgem, já o Dragão da Lua estendia-se de Aquário (Cauda) a Leão (Caput). Mercúrio e Vénus estavam em Virgem, Marte em Capricórnio, Júpiter em Gémeos e Saturno em Touro. No transaturninos, Úrano estava em Carneiro, Neptuno em Caranguejo e Plutão em Peixes. Nesta data e na hora de Lisboa, Touro marcava a hora e Capricórnio culminava. A série Saros 123 terminará a 8 de Outubro de 2367, com um eclipse no eixo Carneiro-Balança, ou seja, com a Lua em Carneiro e o Sol em Balança.

  O tema do eclipse-matriz apresenta-nos vários indicadores de sentido do eclipse de dia 14. A inversão do eixo luminar face ao actual é assinalável, bem como a relação com o período anterior ao que vivemos, ou seja, com marcadores no eixo Carneiro-Balança. Veja-se, por exemplo, que é neste eixo que termina a série. Na génese, Plutão em Peixes revelava o potencial de transformação, da destruição que antecede o lugar da semente e que assistimos hoje com as presenças astrológicas neste mesmo signo. Já Júpiter em Gémeos, tal como agora, transporta-nos para o valor da dádiva. Estamos nos últimos meses desta posição benéfica, pois, a 9 de Junho, Júpiter ingressará em Caranguejo, trazendo-nos depois outras bênçãos.

  Do ponto vista histórico, aquando do eclipse-matriz, podemos assinalar a morte de Guilherme o Conquistador, o primeiro rei normando de Inglaterra, a 9 de Setembro. Este será sucedido pelo filho, Guilherme, o ruivo, futuro Guilherme II, coroado na Abadia de Westminster. Ora este teve de ser ágil a subir ao trono, pois não havia sido designado formalmente como sucessor. Em Londres, um grande fogo destrói uma parte assinalável da cidade, inclusive a Catedral de São Paulo, que será reconstruída em dimensões bem maiores. Por outro lado, a 16 de Setembro, morre o Papa Vítor III, com apenas um ano de pontificado. Um facto também assinalável neste período é a acção de Rodrigo Díaz de Vivar, conhecido por El Cid, na estabilização da região em torno de Valência que se havia revoltado contra o governante muçulmano Al-Qadir. Este foi um ponto de viragem na guerra entre os espanhóis e os muçulmanos pelo controlo territorial da Península Ibérica. 

  No tema do eclipse lunar de dia 14, estabelecido para a hora de Lisboa, podemos observar que, face ao segmento de luz dominante, tanto os benéficos como os maléficos têm posições muito bem definidas. Por ser um tema em que segmento dominante é o do Sol, o grande maléfico é Marte em Caranguejo que, como já se disse, se une por sextil à Lua em Virgem e por trígono ao Sol em Peixes. Este Marte em Caranguejo une-se por sua vez também em trígono a Saturno em Peixes. A união dos maléficos, mesmo que em trígono e lembrando a lição de Petosíris, teve ser sempre considerada com atenção. Neste caso, a tensão traduz-se como expressão do destino. Se pensarmos que Saturno em Peixes é, por excelência, o Cronos do mito da Idade do Ouro e que Marte em Caranguejo é o jovem deus ou herói sob a protecção da Grande Mãe, podemos ver aqui uma proposta escatológica de sentido. Do mar primordial, a Deusa ressurgirá. Com a tempestade, a humanidade terá de escolher a sua via.

  Paralelamente, o benéfico potenciado pelo segmento de luz, Júpiter em Gémeos, une-se quadrangularmente a cada do um dos planetas e pontos astrológicos colocados no eixo luminar umbral. É como uma dádiva oculta que serve de fiel da balança entre a luz e a sombra. Existe algo de voluntário na ocultação desta bênção, ou seja, ela é visível, mas a humanidade escolhe ignorá-la. Está portanto oculta, mas à vista de todos. A palavra que transforma, que leva consigo o valor do bem é deliberadamente corrompida. A comunicação serve hoje a corrupção de uma dádiva e, seja por esvaziamento ou simplificação, seja por distorção ou malícia, a capacidade de mediar o eu e o outro segundo os dons de Hermes vive hoje tempos sombrios. Se negarmos continuamente essa capacidade e esses dons, a humanidade perde-se e a bestialidade vence.

  Úrano em Touro, ocupando no tema de Lisboa o Lugar da Deusa, vem dar aos dons de Hermes a revolução da Terra. Ao unir-se em sextil ao Sol em Peixes e em trígono à Lua em Virgem vai participar deste manto umbral, concedendo pela sua mensagem as bênçãos do destino. Úrano em Touro vai destruturar os padrões cristalizados e possibilitar um sentido de mudança. Devemos ter também em consideração que, em 2025, Úrano vai ingressar pela primeira vez em Gémeos (7 de Julho), logo o valor da sua presença ao deixar o signo de Touro tornar-se-á mais evidente. O facto de ser encontrar em sextil tanto com Marte em Caranguejo como com Saturno em Peixes acentua o elemento de liberdade sobre os padrões negativos actuais, ou seja, só seguimos as estruturas cristalizadas se quisermos. O pensamento ecológico e a necessidade de uma economia verde, bem como o imperativo da criação de um novo modo de vida, serão cada vez mais evidentes. O sextil com Neptuno contribui para que juntos, Úrano e Neptuno, valorizem e promovam uma outra forma de estar, de estar uns com os outros e estar no mundo, em especial, neste planeta. A Mãe-Terra tende ser uma deusa benévola. No entanto, a quadratura com Plutão em Aquário, ocupando a XII, o Mau Destino (κακν δαίμων), vem relembrar aquilo que os gregos definiam por ὕβρις, a desmedida. A ignorância e os erros, a acção que fere o limite, têm um preço e são a origem de uma reacção, uma que tendemos a desvalorizar.

  No tema do eclipse, e face aos sentidos já enunciados, o facto de Plutão ser o astro mais alto, aquele que se aproxima mais da culminação, traz consigo a significação da máxima ou mote Et in Arcadia ego, traduzida por E a morte também vive na Arcádia. A possibilidade de acolher a morte na bem-aventurança, no lugar idílico da Terra-Mãe, um lugar perdido, serve hoje de elemento de transformação. A finitude torna-se também finalidade. A união por sextil de Plutão em Aquário a Mercúrio e Vénus retrógrada em Carneiro e por trígono a Júpiter em Gémeos partilha esse sentido de morte da semente como dádiva da flor e do fruto. Existe uma acção (Carneiro) e uma mediação (Aquário e Gémeos) nessa condição natural de possibilidade. O fim colhe a bênção da morte, todavia, existe aqui um elemento de vontade, ou seja, temos de ser levados pelo ar como a semente, mas como acolher voluntariamente as profundezas da terra. Para ser a transformação, temos de ser, temos de escolher ser, a morte e o renascimento.

  Mercúrio e Vénus em Carneiro, com a Vénus retrógrada e com Mercúrio prestes a iniciar o seu recuo (15 de Março), promovem o significado da acção reflexa, da recuperação do acto suspenso. Existe uma palavra que regressa, um amor que retorna. É como recuperar a linha na meada, a linha perdida. Nessa via, a acção olha para si mesma e recupera o sentido. Porém, o olhar quadrangular destes a Marte em Caranguejo coloca a tensão no perigo de se perder de origem, de não se ver essa linha perdida e não se recuperar o centro do novelo. Contrariamente, o sextil de Mercúrio e Vénus a Júpiter dão-nos a possibilidade de escolher a acção de chamar o outro, de escolher quem se une e enlaça nesse regresso ao sentido original. É a recuperação da via do bem.

  O Eclipse Lunar Total de 14 de Março, assinalando uma transição entre o ano astrológico de 2024 e o de 2025 e também a mudança no eixo nodal, é um momento de passagem em que o manto umbral firmará a necessidade de integrar o valor de cada parte, de cada partícula de ser, no sentido do todo, na proposta de totalidade. Se somos sombra, sombra vemos, mas se somos luz, só a luz vemos.   

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Eclipse Lunar Parcial (Lua Cheia Touro-Escorpião)

  Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Lunar Parcial 

(Lua Cheia: Escorpião-Touro)

Lisboa, 21h14min, 28/10/2023

 

Lua

Decanato: Mercúrio

Termos: Vénus

Monomoiria: Marte   

 

Sol

Decanato: Marte

Termos: Marte

Monomoiria: Saturno

 

  O Eclipse Lunar Parcial de dia 28 de Outubro ocorre com a Lua no signo de Touro e o Sol no de Escorpião, com Gémeos a marcar a hora e menos de três horas após o pôr-do-sol (hora de Lisboa), logo no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, estando esta acima do horizonte, na XII, no lugar do Mau Espírito ou do Mau Destino (κάκον δαίμων), já o Sol está abaixo do horizonte, na VI, no lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη). A Lua encontra-se no decanato de Mercúrio, nos termos de Vénus e monomoiria de Marte, enquanto o Sol encontra-se no decanato de Marte, nos termos de Marte e monomoiria de Saturno. Após o crepúsculo, caída a noite, o eclipse colocará a sua sombra sobre o horizonte e, a partir da Pós-Ascensão, trará consigo o peso do destino.

  Acerca do eixo de lugares (XII-VI) onde este plenilúnio obscurecido se estende, Manílio diz o seguinte: “a porta do trabalho serão: por uma se sobe e pela outra se desce” (Astronomica II, 870: porta laboriis erit: scandendum est atque cadendum). O conceito fundamental que se extrai deste verso é o de labor, de trabalho, que tem aqui o sentido de dificuldade, de esforço, de pena, mas também, inevitavelmente, de desafio. Lembremo-nos, por exemplo, dos trabalhos de Hércules. Ora Virgílio, na Eneida, refere os eclipses solares como labores solis, os trabalhos ou labores do sol (I, 742). Esta é uma ideia preciosa, pois diz-nos que a sombra coloca a luz, seja ela directa (Sol) ou reflectida (Lua), sobre esforço. Desta forma, se o eixo do eclipse lunar cair sobre o eixo da VI-XII este sentido sai reforçado, sobretudo se se conjuga com o sentido negativo ou obscurecido dos conceito de τύχη e δαίμων. A fortuna e o destino são colocados assim, não perante a dualidade dos acontecimentos, mas sob a potencialidade da acção humana e o modo como esta apreende os acontecimentos. Para ascender ou descender, como diz Manílio, a luz terá de passar por esse pórtico penoso onde o seu espectro se sujeita à dificuldade e ao esforço. Os eclipses, face ao estender da sombra a partir da própria luz, são necessariamente tempos de angústia e agrura.

  Nas Meditações, Marco Aurélio diz-nos seguinte: “Abandona-te de boa mente a Cloto; deixa-a tecer a tua vida com os acontecimentos que lhe aprouver.” (IV, 34, trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995). No que aos acontecimentos concerne, a acção humana é determinada pela aceitação do fio das Meras, do destino, todavia, existe liberdade na forma como acolhemos, ou não, a luz e a sombra. O imperador romano continua, afirmando: “Considera de contínuo que o mundo é como um ser único, contendo uma substância única e uma única alma; e que tudo vai desaguar à mesma e única percepção que é a sua; ele tudo realiza por força do mesmo impulso; todas as coisas ao mesmo tempo concorrem para causar o que acontece e que trama cerrada e complicada é o que elas produzem” (IV, 40). Esta causalidade não só é natural como é provida de sentido, de finalidade, contudo, a sua interiorização exige esforço. Para tudo e para cada um, existe um trabalho que lhe é devido. As portas do trabalho são portanto os desafios desta causalidade.  

  As raízes desta ideia atravessam, na Antiguidade, o pensamento filosófico e a astrologia. Já Platão, no Timeu, afirmava que Com efeito, o deus, ao fazer girar em torno do eixo todos os círculos dos astros, como uma espiral, fazia parecer que o movimento era duplo e em sentidos opostos e que o que se afastava mais lentamente do que era mais rápido era o que estava mais perto. Para que houvesse uma medida evidente para a lentidão e para a rapidez com que se cumprissem as oito órbitas, o deus instalou uma luz na segunda órbita a contar da Terra, a que agora chamamos Sol, de modo a que o céu brilhasse ainda mais para todos e que os seres-vivos aos quais isso dissesse respeito participassem do número de modo a ficarem a conhecer a órbita do Mesmo e do Semelhante. Deste modo e por estas razões foram gerados a noite e o dia – o percurso circular uniforme e regular.” (39A-B, Timeu – Crítias, trad. R. Lopes. Coimbra, 2011: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos). Existe tanto uma diversidade nesta unidade como uma harmonia de opostos que conduz a essa unicidade. Ora é neste ponto que um eclipse e, em especial, um eclipse lunar se torna particularmente significativo.

  A harmonia dos opostos funda-se, numa perspectiva divina, na união da Mãe Divina ao Pai Divino, ou seja, por amor o mundo se criou e por separação assim permaneceu, daí que Tábua de Esmeralda diga que Todas as coisas provêem de uma, por mediação de uma única, assim todas as coisas nasceram desta única realidade por um único processo de adaptação. O seu pai é o Sol; a sua mãe é a Lua.(TH 30, in Hermetica II -The Excerpts of Stobaeus, Papyrus, and Ancient Testimonies in an English Translation with Notes and Introduction., ed. M. D. Litwa, 2018: 315.  Cambridge: Cambridge University Press. A tradução é da minha responsabilidade). Na astrologia, o Sol é o Pai Divino e a Lua a Mãe Divina, são Osíris/Serápis e Ísis. Os antigos astrólogos conservaram sempre esta matriz de sentido. Os eclipses são a sombra que estende junto ao casal. Essa sombra é Set que, embora seja um inimigo, não deixa de ser seu irmão.

  Existe uma afinidade natural entre a luz e a sombra. Ora, para a significação do actual eclipse lunar, esta harmonia dos opostos vai para além do Sol e da Lua, pois a regência domiciliar dos signos do eixo luminar e do Dragão da Lua alimentam esta dicotomia. De um lado, temos a Lua em Touro (Vénus) e a Caput Draconis em Carneiro (Marte) e, do outro, temos o Sol em Escorpião (Marte) e a Cauda Draconis em Balança (Vénus). Sob a égide da luz e da sombra, existe pois uma força cósmica de união e separação, criando e destruindo.

  A influência do eclipse lunar de dia 28 não é das temporalmente mais longas, mas é espacialmente expressiva. Segundo o método ptolemaico, podemos fixar a influência entre um mês e nove dias e quatro meses e catorze dias, isto se considerarmos primeiro a duração do manto umbral e depois a do manto penumbral. Já a técnica que concilia a duração da escuridão do eclipse com o tempo de ascensão dos signos coloca a influência entre um dia e meio e um mês e oito dias. É significativo que duas técnicas com pressupostos diferentes tenham, neste caso, um período de influência tão aproximado. Já a influência espacial coloca o centro do eclipse ao largo do Iémen, entre a costa mais próxima da fronteira com Omã e a ilha de Socotorá (Suqutrah), um paraíso natural pertencente ao Iémen. No entanto, o eclipse tem um manto extenso que cobre o continente africano, europeu e asiático. 

  Quanto às regências espaciais antigas, temos de observar primeiramente as do signo de Touro, pois é onde se encontra a Lua. Segundo Vétio Valente (Antologia I, 2), Touro vai reger as regiões da Média (o actual noroeste do Irão, o Azerbaijão, o Curdistão Iraniano e o Tabaristão ou Mazandarão), da Cítia (Irão, mas também uma área que se estendeu da Bulgária às fronteiras da Rússia, Mongólia e China), do Chipre, da Arábia, da Pérsia e das montanhas do Cáucaso, da Samártia (junto à Média), de África, de Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), de Cartago, da Arménia, da Índia e da Germânia. Para Manílio, Touro rege Cítia, a Ásia (por causa dos Montes Tauro) e a Arábia. (Astronomica, IV, 744-817).

  De seguida, por a Caput Draconis se encontrar num signo diferente, temos de considerar as regências de Carneiro. Vétio Valente (Antologia I, 2) diz-nos que as seguintes regiões pertencem a Carneiro: a Babilónia, Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), a Pérsia, a Palestina e as regiões circundantes, a Arménia, a Trácia, a Capadócia, Susã (cidade antiga, capital do Elão ou Susiana, hoje sudoeste do Irão), o Mar Vermelho e o Mar Negro, o Egipto e o Oceano Índico. Para Manílio, rege o Helesponto (Estreito de Dardanelos), Propontis (Mar de Mármara), a Síria, a Pérsia e o Egipto (Astronomica, IV, 744-817). Embora com menor influência, o lugar do Sol também é significativo e Valente diz-nos que Escorpião rege a Metagonitis ou Numídia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Mauritânia, a Getúlia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Síria, Comagena (Ásia Menor), a Capadócia, Itália, Cartago, Líbia, Amom (Jordânia), Sicília, Espanha e Roma. Já para Manílio Escorpião rege Cartago, a Líbia, o Egipto, Cirene, a Itália e a Sardenha (Astronomica IV, 777-82).

  O eclipse lunar actual pertence à série Saros 146 que se iniciou a 11 de Julho de 1843 e que terminará a 29 de Agosto de 3123. É portanto uma série recente que se estende a partir do eixo Capricórnio-Caranguejo até ao eixo Peixes-Virgem. O seu eclipse inaugural, que serve de matriz genetlíaca de sentido, ocorreu com a Lua, a Caput Draconis e Saturno em Capricórnio, o Sol e a Cauda Draconis em Caranguejo, Mercúrio e Vénus em Gémeos, Marte em Sagitário, Júpiter e Neptuno em Aquário e Úrano e Plutão em Carneiro. A conjunção da Lua e Saturno e a quadratura destes a Úrano e Plutão em Carneiro, bem como a conjunção de Júpiter e Neptuno, levou por exemplo à erupção do Monte Etna a 25 de Novembro.

  No mesmo período, destaca-se também o terramoto na ilha Terceira, nos Açores. Por outro lado, a posição de Mercúrio e Vénus favoreceu, por exemplo, a publicação das obras de Charles Dickens, Edgar Allan Poe e Ada Lovelace. Kierkegaard publicou, pouco meses após o eclipse, a obra Temor e Tremor. Os eclipses, face à sua tensão uterina de luz e sombra, tendem a provocar elementos disruptivos. O pensamento e a arte são, por excelências, vectores de transformação, pois nascem do que transcende o comum.

  A relação do eclipse inicial da série Saros 146 com o actual eclipse é particularmente significativa, sobretudo se considerarmos a quadratura entre o eixo nodal do primeiro eclipse e a posição actual dos luminares. Entre os dois temas, a par da quadratura dragontina, os trígonos do Sol e da Lua tornam-se um intenso potencial de sentido. Existe nestes dois eixos zodiacais (Capricórnio-Caranguejo e Touro-Escorpião) uma qualidade, sob os desígnios eclipsais do destino e da necessidade, que é tanto dinâmica como estruturante, conciliando o tempo e o valor. Estendido entre a vida (Touro) e a morte (Escorpião), o valor encontra o seu sentido, mas hoje, coberto pelo manto umbral, o sentido daquilo que tem valor encontra-se difuso, obscurecido pelo peso do erro, da ilusão e do engano, por esta prole que a ignorância humana criou.

  Os tempos que vivemos com guerra, com inflação e especulação, com interesses e corrupção, com populismos e extremismos, ameaçando as democracias e os cidadãos, pervertem o valor da dignidade humana. A ideia de que existem humanos de primeira e de segunda e de que existem povos e terras eleitas são uma clara ameaça a nossa civilização e ao futuro da humanidade. A sombra sobre a Lua, Júpiter e Úrano em Touro pede-nos para repensar o planeta que habitamos e diz-nos que o direito à propriedade não pode pesar mais que o direito à dignidade. O planeta não pode ser um propriedade tem de ser um lar. É preciso repensar os valores do elemento Terra. O grande trígono de Terra, entre os planetas em Touro, já indicados, Plutão em Capricórnio e Vénus em Virgem, convida-nos a essa reflexão, não apenas como exercício espiritual, mas também base de uma nova práxis.     

  Por outro lado, o facto de Saturno em Peixes, conjunto a Neptuno, ser o astro mais alto adensa a gravidade do destino sobre o momento. A concórdia conceptual e espiritual entre as ideias de tempo e de totalidade fazem de Saturno em Peixes, segundo a matriz mitológica do deus romano da agricultura, o mestre do acto de semear, esperar e colher. Caído o manto da sombra, este é o tempo das colheitas, não das trazem os frutos da terra, mas sim das cumprem a consequência da desmedida. O trígono de Saturno e Neptuno em Peixes ao Sol, a Mercúrio e Marte em Escorpião, seguindo a lição de Petosíris de que nem todos os trígonos são bons, nem todas as quadraturas são más, consubstancia a gravidade didáctica do destino enquanto disrupção causal da Providência.

  A ὕβρις representa uma quebra na justa medida das coisas, naquilo que ocorre como é suposto que aconteça. A guerra representa um corte na ordem natural das coisas, pois conduz a uma destruição que não é própria da natureza cíclica de Gaia, mas sim da natureza humana, das suas franquezas. O terrorismo é uma outra face desta desmedida, levando o mal que nos consome ao outro. No entanto, o mito da violação de Alcipe, filha de Ares, por Halirrótico, filho de Posídon, mostra o outro lado de Escorpião, ou seja, a vingança como forma de resistência e reposição da justiça (Figueiredo, R.M. de, 2021, Fragmentos Astrológicos, 126). Este é o mito que está na origem do Areópago. Pela ofensa cometida, Ares mata Halirrótico. Posídon exige o julgamento e a respectiva condenação. No entanto, Ares é absolvido, pois o seu acto foi considerado legítimo. Os tempos que vivemos revelam esse fio ténue entre a vingança e a justiça, entre opressão e resistência.  

  Neste eclipse lunar, a tensão que ocorre no eixo Touro-Escorpião fundamenta o sentido profundo do actual manto umbral, fazendo deste choque entre a vida e a morte, entre criação e destruição, um elemento estruturante. Se considerarmos a relação de aspectos nos elementos Terra e Água (trígono), aqueles que fortalecem este fenómeno astrológico, observamos que, como um pentagrama imperfeito, existe um signo que não é habitado por nenhum planeta. Caranguejo, como signo da origem, torna-se agora um sinal de incompletude e isso é bastante significativo. Falta-nos hoje, por ocultação luminar, uma matriz feminina, lunar, de sentido. O mundo, a humanidade, devido às suas próprias escolhas, vive sem a Mãe Divina e, com o signo de Touro obscurecido, exaltando-se a Lua na sombra, a Terra não consegue ser Mãe.

  A grande maioria das posições e aspectos astrológicos presentes no tema do eclipse lunar já foram analisadas na reflexão do eclipse solar, todavia, é necessário destacar a posição dos maléficos e os seus movimentos futuros, pois, dentro do período de influência do eclipse lunar, Saturno iniciará, a 4 de Novembro o seu movimento directo e Marte ingressará em Sagitário a 24 do mesmo mês. A ligação entre os dois planetas passará do trígono à quadratura, agravando assim o seu carácter maléfico e a sua acção disruptiva. Os próximos meses vão indicar um desafio, um trabalho severo, para a humanidade. As nossas palavras e as nossas acções, mais do que nunca, vão determinar quem somos e para onde vamos. Estamos à beira do abismo.

  O eclipse lunar de dia 18 é o último neste ciclo nodal actual, no eixo de Touro-Escorpião. Passaremos definitivamente para o eixo Carneiro-Balança, deixando o sentido de valor para encontrar-se o sentido de identidade. No entanto, até à primeira época de eclipses de 2024, os eclipses no eixo Touro-Escorpião ainda estarão presentes, perdendo progressivamente a sua influência. O actual eclipse pela sua área geográfica de influência e pelas significações que o tema astrológico introduz vai, por força do destino e da necessidade, mas também pelo efeito da desmedida, trará desastres naturais e humanos. Sem amor e sem sabedoria, a humanidade perder-se-á.  

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Eclipse Lunar Penumbral (Lua Cheia: Touro-Escorpião)

 Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Lunar Penumbral 

(Lua Cheia: Touro-Escorpião)

Lisboa, 18h23min, 05/05/2023

 

Lua

Decanato: Sol

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Marte 

 

Sol

Decanato: Lua

Termos: Júpiter

Monomoiria: Vénus


 

  O Eclipse Lunar Penumbral de dia 5 de Maio ocorre com a Lua no signo de Escorpião e o Sol no de Touro, com Balança a marcar a hora e a cerca de duas do pôr-do-sol (hora de Lisboa), logo no Segmento de Luz (αἵρεσις) do Sol, estando este acima do horizonte, na VIII, no lugar da Morte (θάνατος), já a Lua está abaixo do horizonte, na II, no lugar do Viver (βιός). A Lua encontra-se no decanato do Sol, nos termos de Mercúrio e monomoiria de Marte, enquanto o Sol encontra-se no decanato da Lua, nos termos de Júpiter e monomoiria de Vénus. Se pensarmos que, da Lua até ao Ponto de Culminação, não existe nenhum astro, concluímos então que é o caminho luminar em que Sol se insere, e que é por si dominado, que se torna mais significativo, pois de uma forma mais abrangente é aquele que vai de Marte em Caranguejo a Júpiter em Carneiro ou, se preferirmos uma maior simbólica cadente, dado que Marte está junto à Culminação, será aquele que vai de Vénus em Gémeos a Júpiter em Carneiro. Este é o caminho dos benéficos, ou do bem, rumo ao Poente, onde o Sol se encontra obscurecido. Neste ocaso da realidade, a acção do bem vive na sombra.     

  Existe uma clara aproximação de sentido entre este eclipse e o anterior eclipse solar, visto que, por um lado, Balança marca a hora no actual eclipse e este é um dos signos que integra o eixo para o qual avançará o eixo nodal e marcará a próxima fase de eclipses, iniciada com o eclipse de dia 20 de Abril, e, por outro lado, a Lua recai nos dois eclipses na II, no Lugar do Viver (βιός), exacerbando a sua significação tópica. É igualmente assinalável o facto de em ambos os eclipses a Lua se encontrar sob o horizonte. A ocultação luminar, seja pela sua visibilidade ou, neste caso, também pela sombra do eclipse, adquire sempre um simbólica radical, um valor que transmite uma representação profunda da realidade. Ora a ocultação da Lua, da Deusa, do Espírito Santo ou do Divino Feminino, num lugar que determina o valor do viver, assume um carácter primordial de transformação, ou seja, diz-nos que, na sombra, sob o manto da nossa ignorância, se encontra aquilo que nos falta, a fonte da nossa angústia, da nossa incompletude. Não provimos aquilo verdadeiramente nos sustem.   

  A área geográfica do actual eclipse é maior que a do eclipse solar, embora semelhante. A zona principal incide sobre a Ásia e sobre a Oceânia, expandindo a influência do eclipse de dia 20 de Abril. A segunda zona alcança, já de forma parcial, África e a Europa. No caso de Portugal, este manto chega sensivelmente até ao Tejo, ou seja, cobre apenas metade do país. Se seguirmos, porém, a tradição antiga, a Lua em Escorpião fornece-nos um conjunto de informações adicionais. Valente diz-nos que Escorpião rege a Metagonitis ou Numídia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Mauritânia, a Getúlia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Síria, Comagena (Ásia Menor), a Capadócia, Itália, Cartago, Líbia, Amom (Jordânia), Sicília, Espanha e Roma. Já para Manílio Escorpião rege Cartago, a Líbia, o Egipto, Cirene, a Itália e a Sardenha (Astronomica IV, 777-82).

  No entanto, devemos também considerar o Sol em Touro, embora com uma menor expressão geográfica. Segundo Vétio Valente (Antologia I, 2), vai reger as regiões da Média (o actual noroeste do Irão, o Azerbaijão, o Curdistão Iraniano e o Tabaristão ou Mazandarão), da Cítia (Irão, mas também uma área que se estendeu da Bulgária às fronteiras da Rússia, Mongólia e China), do Chipre, da Arábia, da Pérsia e das montanhas do Cáucaso, da Samártia (junto à Média), de África, de Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), de Cartago, da Arménia, da Índia e da Germânia. Para Manílio, Touro rege Cítia, a Ásia (por causa dos Montes Tauro) e a Arábia. (Astronomica, IV, 744-817). No caso dos eclipses lunares, a questão da influência geográfica é deveras importante, já que, no seu período de influência, encontramos frequentemente a existência de fenómenos naturais extremos, tais como sismos, erupções vulcânicas ou tempestades.

  Em termos temporais, a acção deste eclipse pode ser fixada entre perto dos dois meses até aos seis ou sete meses. O período de cerca de dois meses pode ser estabelecido a partir da ascensão recta, enquanto a linha temporal mais extensa é alcançada pela extensão temporal dos contactos umbrais. No entanto, podemos afirmar que a sua influência será mais intensa nos dois meses que se seguem ao eclipse. Existe, porém, um outro factor a ter em consideração acerca desta influência, pois, segundo a série Saros em que está inserido, este eclipse está intimamente ligado ao eclipse da mesma série que acontecerá a 16 de Maio de 2041, também no eixo Escorpião-Touro. Os sentidos propostos pelo actual eclipse criam uma ponte significativa entre os dois eclipses, estendendo assim a sua proposta de representação da realidade.

  A série Saros 141 é uma série relativamente recente que se iniciou a 27 de Agosto de 1608, com eclipse no eixo Peixes-Virgem, e que terminará a 11 de Outubro de 2888, com um eclipse no eixo Carneiro-Balança. O primeiro eclipse total só acontecerá em 2167 com um eclipse no eixo Aquário-Leão. Nesta série, dado o primeiro e o último eclipse, existe uma união de sentido entre o fim e o início, entre a significação dos dois eixos. Esta ideia matriz serve, face ao actual eclipse, a consolidação, a integração na consciência humana que a Natureza é um ser vivo, com alma, que nasce, morre e renasce. O eixo Escorpião-Touro está a oferecer-nos uma profunda lição acerca do valor da Terra, da Mãe-Terra. Marco Aurélio diz-nos o seguinte: “Contempla o curso dos astros como se levado foras nas suas revoluções, e considera de contínuo como os elementos se transformam uns nos outros. Tal contemplação purifica-nos das nódoas da terra.” (Pensamentos VII, 47, trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995). Fomos nós que colocámos as “nódoas da terra” e somos nós que as temos de tirar. 

  O início da série Saros 141 é marcado por alguns acontecimentos em torno da fundação da colónia americana de Jamestown. A 13 de Agosto de 1608 é submetida para publicação a história dos primeiros dias da colónia de John Smith e, a 10 de Outubro, este é eleito presidente do conselho colonial. A história de John Smith e de Pocahontas é um exemplo de aceitação do outro, da diferença e de criar laços afectivos com alguém que a maioria tende a rejeitar. Face à crise dos refugiados, da pobreza e das desigualdades sociais, o simbolismo por detrás desta história torna-se imperativo. Podemos encontrar astrologicamente esse sentido no trígono que, hoje, une os astros nos três signos de água. A sua significação congrega a tensão e a possibilidade. Séneca afirma o seguinte: “Pensa bem como esse homem que chamas teu escravo nasceu da mesma semente que tu, goza do mesmo céu, respira, vive e morre como tu. Tanto direito tens tu a olhá-lo como homem livre como ele a olhar-te como escravo” (Ep.47.10; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). Ora este é também o espírito da Saturnália e de Saturno (e Neptuno) em Peixes.

  A refundação da justiça social e das estruturas políticas, económicas e sociais estará intimamente relacionada com o medo de feminino que se apresenta com Marte em Caranguejo. A respeito de Marte convém referir-se que é o astro mais alto, em conjunção ao Ponto de Culminação. Este factor, aliado à posição de Plutão retrógrado em Aquário, junto ao Ponto Subterrâneo, embora em posição pós-polar e noutro signo, vai colocar sob pressão os fenómenos naturais extremos. O trígono de Água apresenta, neste eclipse, um sentido profundo. O medo de feminino é um sinal dos tempos, mas a forma abusiva como utilizamos os recursos do planeta também o é, e sobre estes dois eixos de acção e reacção vive a morte, a retribuição e a necessidade. A sombra do eclipse, com a Lua em Escorpião, revela-nos que, face à gravidade da desmedida, será apenas sob a terra queimada, sob as cinzas da história, que o renascimento acontecerá. O tempo pede, novamente, que os escravos se ergam e se tornem senhores. Essa é, como já observámos, a lição de Saturno em Peixes e que agora se une à do eclipse lunar.      

  A quadratura de Plutão em Aquário aos luminares e ao Dragão da Lua, a partir do lugar da Boa Fortuna, confirma a sua mensagem fundamental de que a morte paira sobre o humano e de que a semente do amanhã repousa ainda sob a terra, oculta no ventre da Grande Mãe. Não existe criação sem destruição. Essa é a ideia que nos deve servir de guia e que contribuirá para nos redimensionarmos. Os complexos humanos de super-homem deverão cair, pois a actividade humana tem sido exacerbada por um narcisismo desenfreado que quer que esqueçamos a nossa finitude, a nossa incompletude. É esvaziando-nos que nos tornámos plenos. O trígono de Vénus em Gémeos, no lugar do Deus Sol, a Plutão em Aquário indica a palavra do Amor que vence a dualidade, a separação. Porém, é sempre mais fácil distinguir do que congregar. Se por vaidade dizemos que reunimos, estamos a apenas a criar mais separação. A quadratura de Vénus a Saturno e Neptuno aponta para essa dificuldade. A teia que une a necessidade e a compaixão, criando possibilidade e redenção, exige esforço. Temos de primeiro nos perder, para depois nos encontrarmos, renovados e renascidos.

  Na casa da Grande Mãe, da Mãe Natureza, que é o signo de Touro, o Sol, Mercúrio, Úrano e a Caput Draconis expressam uma mensagem que se firma no ocaso da realidade. Fundar um novo modo de vida quando tudo o que se vê é morte é o desafio dos nossos tempos. A qualidade da morte alia-se aqui à noção de poente. O caminho de Júpiter em Carneiro avança para o seu fim, o que, neste tema, assume literalmente esse término. A acção do bem tornar-se-á a bondade da terra. Júpiter em Touro chegará com a dádiva de Gaia. Porém, a actual quadratura entre Júpiter em Carneiro e Marte em Caranguejo revela esse mesma dificuldade de acolher os dons da terra e do feminino. Neste eclipse lunar, este choque entre o grande benéfico e o grande maléfico assume um carácter de definição e prenúncio. A par do trígono de Água e do eixo do eclipse, este é um símbolo do futuro que resume a mensagem da actual ocultação luminar.

  O eclipse lunar de dia 5 de Maio, como lhe é natural, mas aqui um pouco mais acentuado, vai trazer consigo um conjunto de sentidos subliminares, como se sibilados pela Senhora do Tempo e da Necessidade. Nem tudo é literal, directo ou evidente, existem pois sentidos que preenchem a trama de um tear. A união de Júpiter em Touro e Saturno em Peixes, bem como a longa travessia de Vénus em Leão, assinalam uma era do feminino e o actual eclipse é a sombra que antecede a luz. Em suma, é sobre a sombra que se guarda a luz e iluminado é aquele que guarda a centelha da sabedoria.        

sábado, 18 de dezembro de 2021

Lua Cheia - Eixo Gémeos/Sagitário: Reflexões Astrológicas

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Cheia: Eixo Gémeos – Sagitário


Lisboa, 04h35min, 19/12/2021

 

Lua

Decanato: Sol

Termos: Saturno

Monomoiria: Vénus   

 

Sol

Decanato: Saturno

Termos: Marte

Monomoiria: Saturno

 

            A última Lua do Cheia de 2021 coloca a Lua no seu próprio Segmento de Luz (αἵρεσις), acima do horizonte, sendo ela a luz mais alta, embora fixada no Lugar da Morte (VIII), no signo de Gémeos e com a Caput Draconis, no decanato do Sol, nos termos de Saturno e na monomoiria de Vénus. Já o Sol encontra-se em Sagitário, fora do Segmento de Luz, abaixo do horizonte, no Lugar do Viver (II), no decanato de Saturno, termos de Marte e monomoiria de Saturno. Com o Sol, mas para além dos seus raios encontra-se Marte e a Cauda Draconis. Ora este encontro, sem a qualidade abrasiva de que Marte poderia beneficiar, intensifica a força do elemento de passagem e do espírito de viagem, de travessia do rio da realidade, que é própria do eixo Sagitário-Gémeos. Porém e dado o eixo de lugares em que os luminares se firmam, a intensidade não possui um valor próprio e, neste caso, ou se eleva ou se afunda. A transformação nesta qualidade axial tem portanto um potencial de transformação que não é em si mesmo valorativo.

            Os luminares, entre o modo de vida (II) e a qualidade da morte (VIII), concedem a luz que permite encontrar o sentido do real. A união do Sol e da Lua com o corpo do Dragão da Lua, aquele que a 18 de Janeiro de 2022 deixará o eixo Sagitário-Gémeos, faculta a possibilidade de se enraizar o limite e o limiar da mensagem proposta. Essa passagem da Sabedoria à Palavra deixará de ser a luz que guia para voltar a ser mistério. O Dragão da Lua coloca sobre a vida o peso da Necessidade, é um agente do Destino e da Providência, daí que Vétio Valente diga, por exemplo, que o ponto quadrangular à Caput tem uma força anairética (Antologia, III, 9), ou seja, a criação e a destruição ou a acção e a retribuição são expressões do Dragão da Lua. Ora, neste plenilúnio, sobretudo pela proximidade dos luminares ao corpo do Dragão, existe uma dificuldade de efectivação na sua proposta de sentido. O caminho da Sabedoria à Palavra é renegado, é visto por uns e percorrido por poucos, e agora quando a sua proclamação está a terminar, a via da Morte ao Viver já surge no horizonte. Desta forma, será preciso fixar o valor nessa senda e encontrar o sentido da morte para transformar o modo de vida, o que já surge com clareza pelo facto do eixo do horizonte se estender de Escorpião a Touro.    

            O ponto proposto anteriormente por Valente encontra-se no mesmo signo onde está Neptuno e, embora já distante, contamina esse lugar com o elemento destruidor, e também devido à observância quadrangular dos luminares e de Marte, ou seja, a visão de totalidade que é o Amor de Deus (Neptuno em Peixes) não alimenta nem a Sabedoria, nem a Palavra, não é acolhida como a luz que guia, a grande iluminadora. Porém, Neptuno está na V, no Lugar da Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), mostrando como tanto a compaixão como a imaginação continuam a dar novos mundos ao mundo. E, no final do ano, quando Júpiter se juntar Neptuno, essa mensagem ganhará um novo fôlego, revelando-se, novamente, o poder da solidariedade.  

            Por outro lado, se Marte coloca a força e a tensão sobre os luminares e o Dragão da Lua, então Júpiter e Saturno estruturam a sua acção, concedendo-lhes tanto a matéria e a forma como a consciência íntima do espaço e do tempo, da justiça e da necessidade. O sextil de Júpiter e Saturno ao Sol, a Marte e à Cauda e o trígono à Lua e à Caput conduzem o humano e a humanidade à sua proposta de sentido, ou seja, a partir do Lugar sob Terra (IV) e junto ao Ponto Subterrâneo (IC), Júpiter e Saturno permitem a refundação das bases da realidade quer ao nível individual, quer na dimensão colectiva ou social. As lições do passado tornar-se-ão mais vivas, assinalando que se a história não se repete, repete-se o humano.  

           Contudo, por estarem fora do segmento dominante, a luz dos senhores do espaço e do tempo está diminuída, o que enfraquece a qualidade a benéfica de Júpiter e exacerba a qualidade maléfica de Saturno. Nestes tempos que vivemos, o bem e a justiça que a humanidade poderia criar e seguir desagregam-se e dispersam-se, esvaziando-se na espuma dos dias, e, de um outro modo, a retribuição, a consequência de uma ὕβρις, torna-se mais evidente e activa. Neste plenilúnio, a acção humana estará sobre um olhar atento e vigilante das Meras e a Roda da Necessidade há-de impor a sua gravidade, pois só assim poderá existir transformação.

        Um outro encontro que marca de forma indelével este plenilúnio é o de Mercúrio, Vénus e Plutão em Capricórnio, no Lugar da Deusa (III). No signo do poder e da culminação, a Palavra, o Amor e a Morte unem-se num único sentido, concentrando o potencial do futuro. Entre outras significações, esta é uma co-presença que pode dar origem a um novo movimento artístico, literário ou filosófico. Encontramos aqui as bases de um movimento assente num novo realismo que contraria as interpretações líquidas, dispersas e disformes que dominam o olhar actual sobre o mundo e sobre o humano. Capricórnio irá conceder o rigor que falta e a exigência que se rejeita, dar-lhe-á a precisão de uma finalidade.

        Face ao segmento de luz dominante, Vénus apresenta-se como o grande benéfico e, se pensarmos que Vénus está no Lugar da Deusa e a Lua é a luz mais alta, então concluímos, uma vez mais, que o Eterno Feminino marca o fim deste ano de 2021. Ora Vénus, com Mercúrio e Plutão, agrega-se numa simbiose de bênção e dádiva a Úrano em Touro (trígono) e a Neptuno em Peixes (sextil). A Revolução da Terra (Úrano em Touro) e o Amor de Deus (Neptuno em Peixes) fundem-se com o Poder da Palavra, do Amor e da Morte (Mercúrio, Vénus e Plutão em Capricórnio), concedendo ao mundo e ao humano um intenso potencial de transformação. Note-se que também aqui o feminino traz consigo a sua dádiva, pois estes aspectos têm a sua raiz em signos de Terra e de Água. Algo que é igualmente visível no trígono de Úrano a Plutão e nos sextis de Úrano a Neptuno e de Neptuno a Plutão. A Grande Mãe estende as suas mãos a quem luta pelo planeta e pela humanidade, desvelando o quanto ela se insurge e se revolta. Gaia é o ventre e o túmulo, a mãe, mas também o vulcão e o sismo.    

        Quando se fala de mudança, de transformação, ou até mesmo de revolução, existe sempre um movimento contrário, uma resistência que só é natural, porque a sombra continua a pesar sobre o humano. A sombra da personalidade e a penumbra que se estende sobre as relações sociais assenta numa teia de vaidade, de ilusão e de superficialidade. O lago de Narciso continua a colher o olhar e, numa Lua Cheia, onde os luminares se contemplam de frente, unindo-se e opondo-se, é fácil confundir a luz com o fogo-fátuo.

            Desta forma, a quadratura de Júpiter e Saturno a Úrano, unindo-se a partir do Lugar Sob a Terra (IV) com o Poente (VII), assinala que também as fundações da realidade encontram o seu fim, renovando-se e recriando-se, fazendo do velho o novo e do novo o velho. Os pilares do templo podem ruir para depois se erguerem num dolce stil novo, como diria Dante no Purgatório (XXIV, 57). Com esta quadratura, podemos ser os barqueiros das profundezas da realidade, sombrias e cristalizadas, ou os timoneiros da luz prometida e anunciada. Sob o brilho da Lua, de uma Lua Cheia, alta no céu, a Senhora da Luz, illuminata et iluminatrix, consagra a Nova Era, o Novo Humano.