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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Marte Retrógrado

  Reflexões Astrológicas


Retrogradações


Retrogradação de Marte

Lisboa, 23h33min, 06/12/2024

 

Marte

Decanato: Saturno

Termos: Vénus

Monomoiria: Marte     

 

   Marte inicia a sua retrogradação no signo de Leão, no grau 7 (6º10΄), estando Sagitário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XII, no lugar do Mau Destino ou Mau Espírito (κακός δαίμων), no decanato de Saturno, nos termos de Vénus e na monomoiria de Marte. A retrogradação começa assim de noite, acima do horizonte, com o Sol e a Lua sob a Terra. O movimento retrógrado de Marte estender-se-á até 24 de Fevereiro de 2025. Marte vai recuar até ao grau 18 (17º00΄) de Caranguejo, ou seja, no decanato e termos de Mercúrio e na monomoiria de Marte. Regressará depois a Leão a 18 de Abril, onde vai permanecer até 17 de Junho.

   Como já se analisou noutros momentos, neste ano na retrogradação de Saturno e, em 2023, nas de Vénus e Júpiter, o fenómeno astrológico de retrogradação é como uma semente. Uma vez que o movimento retrógrado é visualmente aparente, o termo fenómeno pode parecer estranho, todavia, é um fenómeno astrológico porque é percepcionado não pelo movimento natural, mas sim pelo movimento como sentido primordial, como experiência. Ora, neste caso, o movimento retrógrado retoma o valor de potência, de regresso a si ou de negação de acção, daí que, na Antiguidade, tenha uma significação nefasta. Doroteu dizia, por exemplo, que os planetas retrógrados causam dificuldade e infortúnio (Carmen Astrologicum, I, 6).

   Marco Aurélio afirma que “Todo o ser, de certo modo, é a semente daquilo que há-de sair dele. Tu naturalmente estás a pensar que sementes é só o que se deita à terra ou num ventre: mas isso é ter noções vulgaríssimas!(Pensamentos IV, 36, trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995). Ora a retrogradação, pelo seu retorno da acção ao potencial, tem este valor de semente. No entanto, devemos também considerar, seguindo as lições da mitologia, que a semente pertence ao domínio de Hades/Plutão. A σπέρμα grega, devido ao seu lugar sob a terra, lembra-nos que, para ser vida, a semente tem de morrer. Esta condição atribui naturalmente certas qualidades agrícolas a Plutão. Nesta retrogradação, Plutão em Aquário opõe-se a Marte em Leão, os regentes de Escorpião, tradicional e moderno, fazem colidir os seus olhares. Este aspecto vem ressalvar essa qualidade de morte que é própria da semente. A astrologia, quando assolada por um espírito positivista de querer ser ciência, tende a rejeitar a sabedoria astrológica, esquecendo-se que esta é uma súmula de saber mitológico, filosófico e científico.  

   Na mitologia grega, para a arte da guerra, Ares concedia a força e Atena a estratégia, daí que seja comum, sobretudo na expressão artística, imagens de Atena a derrotar Ares. A inteligência domina a força. Esta derrota de Ares/Marte é também uma leitura da retrogradação do planeta vermelho, quando a força se vê diminuída. É uma vitória do pensamento sobre a paixão, da reflexão sobre a acção. Naturalmente é uma situação difícil para Marte. Para os gregos, o deus da guerra não era invencível. Na Guerra de Tróia, Diomedes ataca o deus e consegue feri-lo com uma lança, mostrando assim uma mestria em combate que só ficava atrás da de Aquiles. Já em Roma, a situação é um pouco diferente. Marte representa um tipo de virtude, associado à coragem, à masculinidade e à excelência. O seu sagrado animal de Marte é o lobo, associado, como é bem sabido, ao mito fundador da cidade.

   Seguindo também uma linha de sentido astro-mitológica, podemos associar também a retrogradação de Marte ao mito de Adónis. Neste mito, e contrariando a tradição clássica, são as divindades femininas que se enamoram de um humano, de um jovem nascido de uma relação incestuosa. Adónis era filho de Mirra e de seu pai Ciniras, o rei de Pafos do Chipre. Afrodite punira a jovem com um desejo impróprio e, ciente da sua desmedida, fugiu errante, acabando por clamar aos deuses o fim das suas penas. Estes acederam ao pedido da suplicante e transformaram-na numa árvore perfumada, a árvore da mirra. Dez meses lunares depois, a árvore foi cortada e, do seu interior, saiu uma criança. Afrodite, enternecida com a beleza do pequeno rapaz, entregou-o a Perséfone para o criar. Este cresceu e a deusa do submundo recusou-se a devolvê-lo. Zeus teve de mediar o conflito entre Afrodite e Perséfone, entre o amor e a morte. Decidiu que Adónis passaria quatro meses com Afrodite, outros quatro com Perséfone e os restantes seria ele a decidir com quem os passaria, o que nos remete para os ciclos da natureza.

   O amor de Afrodite pelo jovem era intenso e apaixonado. No bosque onde se encontravam, a deusa alertou Adónis do perigo de caçar os animais selvagens. Ora Nono de Panópolis, entre os séculos IV e V EC, contou-nos o seguinte: Ela [Afrodite tendo dado à luz uma filha a Adónis] virou seus olhos redondos e deleitados em todas as direções; apenas os javalis não observava ela nos seus prazeres, por ser uma profetisa sabia que, sob a forma de javali, Ares com presas irregulares e cuspindo veneno mortal, numa loucura de ciúme, estava destinado a tecer o destino de Adónis.” (Dionisíaca 42. 1, tradução do grego é da minha responsabilidade). Existem várias versões para o culpado da morte de Adónis, todavia, esta é nos interessa, pois coloca Ares (Marte) no mito. Ares é aqui a personificação do ciúme e da violência a partir desse ciúme, dessa suposta ofensa.

   Nestas significações astro-mitológicas, a força de Marte não se traduz nem na agressão bélica de Carneiro, nem na vingança calculada de Escorpião. Encontramos neste mito uma outra natureza. O ciúme, uma raiva interiorizada, muito semelhante à inveja, potencia um acto, uma violência que nasce desta dinâmica interior. O processo de retrogradação de Marte encontra o seu sentido no mito da morte de Adónis pelas presas de Ares, transformado num javali enraivecido. Consequentemente, esta retrogradação apresenta uma expressão da irracionalidade, dos vícios da desmedida, do eu que se ofende para além do seu limite.

   Séneca diz-nos que “Nem tudo quanto nos atinge nos fere; é a nossa vida de luxo que nos torna propensos à ira, a ponto de a mínima contrariedade gerar uma explosão de cólera. Criamos em nós próprios uma soberba de reis. E os reis, por seu lado, esquecendo-se do próprio poder e da fraqueza dos outros, enfurecem-se e lançam-se como feras, como se tivessem recebido alguma ofensa, quando a grandeza da própria fortuna os mantém ao abrigo total das ofensas. Eles bem sabem que é assim, só que buscam todas as oportunidades para fazer mal. Sentir-se lesados é para eles um meio de poderem lesar os outros.” (Ep.47.19-20; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). Devemos interrogarmo-nos que tipo de natureza tem aquele que ao “sentir-se lesado” assume nessa impressão uma permissão para lesar os outros? E não será essa impressão o resultado de uma falsa representação? A ofensa pode não estar assim naquele que nos ofende ou que julgamos que nos ofendeu, mas sim no foco que colocámos na sensação de nos sentirmos ofendidos.

   A “soberba de reis” é uma bela definição da retrogradação de Marte pelo signo de Leão, pois vai revelar uma interiorização distorcida do princípio da força. A ilusão do poder, seja pela inveja e pelo ciúme, seja pela falsidade e pela corrupção da vontade, vai exemplificar os estados individuais e colectivos deste fenómeno. Quando retornar a Caranguejo, por estar na sua queda, Marte vai trazer a realidade do falso herói e as vicissitudes das falsas noções de origem e do poder que se exerce sobre essa ilusão. As representações colectivas histórico-escatológicas em torno de povos eleitos e de terras prometidas conduzem necessariamente às piores atrocidades. Existe uma agressão quando a origem de uns é considerada melhor, com mais direitos, à de outros e esse tipo de agressão insere-se neste retrogradação e pode encontrar neste período uma renovada pulsão ideológica.   

   O facto do movimento retrógrado, no tema de Lisboa, iniciar-se na XII consubstancia este peso, esta gravidade. Se regressarmos à ideia da retrogradação como semente, temos também de considerar que nem tudo o que germina é sinal de sucesso, de abundância. Existem sementes que criam ervas daninhas que se enraízam e envolvem boas culturas, mas também bons espíritos. A semente nociva tende a brotar junto da boa semente. Desta forma, quando os antigos astrológicos alertavam para a acção deletéria do movimento retrógrado, contemplavam também esta realidade. Associada à “soberba de reis” de Séneca, esta posição enraíza comportamentos narcísicos e egocêntricos, centrados numa falsa divindade, κακός δαίμων, e assombrados pela visão distorcida que tem de si mesmo.

   A análise da actual retrogradação de Marte terá necessariamente de observar a oposição entre este e Plutão em Aquário. É fundamental para um entendimento astrológico esclarecido não nos deixarmos cair num certo deslumbramento incoerente da passagem de Plutão por este signo. Se os antigos conhecessem a existência de Plutão e pensassem no seu deus Hades/Plutão ou nos elementos mitológicos da constelação de Aquário, por certo não iriam ver as interpretações efabuladas que têm sido proferidas. Plutão em Aquário é um vulcão em erupção cuja nuvem piroclástica se estende pelo céu e se espalha pelo ar. Ora é esta realidade que se vai unir em oposição ao Marte retrógrado em Leão. Noutros tempos, poderíamos falar da capitulação de líderes face a situações extremas. Hoje, para a astrologia mundana, podemos falar de crises nas lideranças, em especial, nas lideranças democráticas face às lideranças extremistas. Não serão tempos fáceis para a humanidade.

   No início da retrogradação, o Sol está em trígono, onde dois signos de Fogo, Sagitário e Leão, tentam unir as forças, e segundo a sabedoria antiga Marte é o único que não se deixa queimar pelos raios solares. No entanto, o Sol em Sagitário encontra-se sob os raios quadrangulares de Saturno em Peixes, o grande maléfico do tema, e sob o olhar diametral de Júpiter retrógrado, o benéfico que por via do segmento de luz se encontra diminuído. Por outro lado, o luminar que rege o segmento dominante, a Lua, encontra-se em Aquário, com Plutão, adensando o sentido anteriormente explanado. Neste tema, a luz não colabora com a retrogradação.

   O trígono de Mercúrio retrógrado em Sagitário a Marte retrógrado em Leão merece uma análise distinta, pois este aspecto é uma síntese dos tempos, uma que transmite as dificuldades de comunicação, a violência da palavra e a manipulação do discursos. Por ser uma união triangular, esta relação traduz naturalmente o peso da necessidade, do destino, revelando que existem sentidos que colocam o carácter diante do destino. Nestes momentos, ou se segue ou se resiste, pois o desafio não é mudar os acontecimentos, mas mudar aquele que caminha sobre a sua linha. Por outro lado, quando a desmedida toma a palavra e a acção, o silêncio trilha a própria via. A paz interior face ao tumulto não se inquieta, permanece constante na certeza da sua harmonia. O facto de Mercúrio estar como o Sol em oposição a Júpiter e em quadratura a Saturno e Neptuno vai adensar esta mensagem. De uma outra forma, a quadratura de Marte retrógrado em Leão a Úrano retrógrado em Touro firma uma corrupção das estruturas de poder e de comunicação a partir do seu interior.

   No tema do início da retrogradação, a relação entre benéficos e maléficos é particularmente significativa. Por o segmento de luz ser o da Lua, Marte tem a sua força maléfica diminuída, embora o lugar que fez morada contrarie esta contracção. Desta forma, por força do segmento, Saturno torna-se o grande maléfico. No entanto, de acordo com os aspectos ptolemaicos, entre os maléficos não existe, de momento, qualquer relação. Quando Marte, por força do movimento retrógrado, regressar a Caranguejo, aí sim estes dois unir-se-ão triangularmente. Este será um momento em que lição de Petosíris (fragm.38 Riess) de que nem todas as quadraturas são más, nem todos os trígonos são bons trilhará o seu sentido. 

   Na relação com os benéficos, Marte não se une a Vénus, o benéfico do seu segmento de luz. Porém, quando a 7 de Dezembro Vénus ingressar em Aquário, opor-se-á a Marte retrógrado em Leão. Até 3 de Janeiro de 2025, as pulsões primordiais do desejo (Vénus) e da força (Marte) vão colidir, todavia, face a retrogradação, a força estará num estado inactivo e com uma natureza potencial. A 6 de Janeiro, Marte regressa a Caranguejo e une-se a Vénus que já se encontra em Peixes. Será um período em que o destino irá favorecer esta interacção entre o desejo e a força e, apesar da acção da força estar comprometida, poderá favorecer o carácter essencial dos lugares que ocupam e daqueles que com eles se relacionam. Para os temas nocturnos, a retrogradação de Marte pode até ser a semente de bênçãos futuras. 

   Vénus, ainda em Capricórnio, no tema do início da retrogradação, une-se em sextil a Saturno em Peixes. Já este último une-se quadrangularmente a Júpiter retrógrado em Gémeos que, por sua vez, se une em sextil a Marte retrógrado em Leão. Este é um bom exemplo de que como a realidade se faz de pesos e contrapesos. Naturalmente, a tensão entre o espaço (Júpiter) e tempo (Saturno) condiciona a liberdade de acção das matrizes primordiais do desejo (Vénus) e da força (Marte). Porém, o dom da vida que é, em certa medida, a dádiva da humanidade é o de encontrar caminho, mas este não surge aqui de uma qualquer acção que tenda a contrariar os acontecimentos e a causalidade natural, surge sim da acção sobre si mesmo, da possibilidade de transformar em nós a realidade interna. Essa é a verdadeira liberdade. Se olharmos ao redor e pensarmos que o planeta está no limite e as expressões da humanidade em ruptura, torna-se fácil concluir que a via do bem é a única que brilha do interior para exterior, podendo assim levar a luz ao mundo.

   Face a esta conjuntura astrológica, a actual retrogradação de Marte não vai suspender os desafios, vai pelo contrário enraizar as suas sementes, sobretudo porque, como se viu, ela se relaciona com outras forças que colocam em causa, em suspensão, a natureza daquilo que é criado. Do interior para exterior, a força de Marte traz consigo o gérmen de uma outra destruição, uma que pode corromper o carácter. Devemos portanto cuidar daquilo que criamos em nós, pois, para o bem e para o mal, permanecerá connosco. Em suma, este é um tempo de domar as pulsões e transformar a irracionalidade em sabedoria.  

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Leão

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Leão

Lisboa, 10h38min, 16/08/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Marte

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Mercúrio      

 


  A Lua Nova de Agosto ocorre no signo de Leão, estando Balança a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XI, no Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), no decanato de Marte, nos termos e na monomoiria de Mercúrio. A sizígia dá-se assim acima do horizonte e cerca de quatro horas após o pôr-do-sol. Os luminares, estando o Sol no seu próprio segmento, encontram-se num caminho ascendente, onde a luz sobe e fita a culminação. Este é o novilúnio que expressa o sentido da individualidade, em que o eu reconhece a alma e a vê como luz. Se pensarmos no Thema Mundi, onde Leão e o Sol ocupam a II, a origem da vida passa a ser o valor da vida, logo um viver, um modo de vida. Ora esta é a transformação pela luz, a revelação do mistério.

  Na ordem vernal, Leão ocupa a V, a Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), aquele lugar que diametralmente observa o espaço onde agora se dá a sizígia, a XI, o Bom Espírito. Na V, a luz é a dádiva da abundância. Se recordarmos os Trabalhos de Hércules, o herói para vencer o Leão de Nemeia, para trazer o leão até si, tem tapar uma das duas entradas da caverna, da gruta, onde o animal vivia. A gruta é naturalmente um lugar, um símbolo, de Caranguejo, da Lua, da origem, já as duas entradas são os lugares onde o Sol nasce e se põe. Para vencer o leão, Hércules terá pois de trazer a luz até si, ou seja, para que a luz viva no humano, terá de se extinguir no animal. Esta é elevação que pede o signo de Leão.

  É um erro pensar-se a mimésis astrológica, zodiacal e planetária, apenas na finalidade do seu sentido. No tiro de arco e flecha, são maiores as possibilidades de falhar o alvo do que acertar. Os sentidos astrológicos espalham-se assim mais pelas suas possibilidades do que na sua finalidade. Desta análise ou conclusão, extrai-se, como consequência, o cuidado em avaliar-se, pessoal ou mundanamente, um sentido astrológico na sua finalidade. É preciso, como metodologia existencial, domar as possibilidades, do bem e do mal, para alcançar a finalidade. Em Leão, mais do que em qualquer outro signo, para se alcançar essa luz é preciso domar as vaidades e vencer as paixões.  

  Séneca, nas Cartas a Lucílio, descreve-nos este caminho da luz até nós, do reconhecimento da divindade que habita em nós, quando diz queOs deuses não nos desprezam nem invejam, antes nos admitem à sua presença e nos estendem a mão para ajudar-nos a subir! Admiras-te que um homem possa ascender à presença dos deuses? A divindade é que vem até junto dos homens e mesmo, para lhes ficar mais próxima, penetra até ao interior dos homens, pois sem a presença divina não é possível existir a virtude! As sementes divinas existem dispersas no corpo humano: se foram tratadas por quem as saiba cultivar, elas crescerão à semelhança da sua origem, desenvolver-se-ão em plano idêntico ao da divindade de que provieram; mas se caírem nas mãos de um mau cultivador então este, tal como um terreno estéril e pantanoso, matá-las-á, produzindo ervas daninhas em vez de searas.(Ep.73.15-16; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). O Bom Espírito, o δαίμων, é agora o lugar de passagem onde a sizígia acontece, onde a luz pede caminho e o divino se vislumbra.

  É, nesse mesmo sentido, que Marco Aurélio afirma o seguinte: O meu guia interior não se perturba a si mesmo; quero dizer, nenhuma paixão o altera. (…) O guia interior, por si, de nada necessita, a menos que a si mesmo dite uma necessidade; por isso nada o pode perturbar nem entravar, se ele mesmo se não apoquenta e embaraça.(Pensamentos VII, 16, trad. J. Maia, Lisboa, Relógio D’Água, 1995). Esse guia é τὸ ἡγεμονικόν, mas podia também ser o δαίμων, um conceito tão caro à astrologia helenística. O sentido profundo da luz é, primeiramente, o do reconhecimento de si e, de seguida, o da mediação divina. A luz é o elemento de passagem, de integração da divindade na individualidade. Este é o caminho que se inicia em Leão. Marco Aurélio dá-nos a chave para essa rejeição da vaidade e das paixões leoninas, para a anulação de tudo o que impede a vitória do herói sobre o leão que atormentava as gentes. O imperador romano diz-nos que Dentro de pouco te esquecerás de tudo; dentro de pouco todos te esquecerão.” (VII, 21).

  A ordem do tempo é a derradeira forma de conflagração das vaidades e das paixões. Nesse sentido, o Dragão da Lua consume a luz, eclipsando-o. Este aviso que, em qualquer tema astrológico, coloca o peso do tempo, do destino e da necessidade sobre a luz, sobre o seu potencial ou acção. Na disposição actual, sobre o eixo Carneiro-Balança, terá uma acção de anulação da identidade, dos seus excessos, da sua desmedida. Ora esta é particularmente expressiva no novilúnio de Leão, com o eixo nodal sobre o horizonte, estendendo-se de Balança a Carneiro, do orto ao poente. Note-se também que o regente de Balança é Vénus, o planeta que apanha retrogradamente a sizígia.

  A Cauda Draconis em Balança consome a procura de harmonia, de equilíbrio dos contrários, diminuindo o seu potencial, já a Caput Draconis em Carneiro pede o nascimento de um novo eu, uma renovação da identidade sob a égide da Necessidade. Este aspecto encontra também um sentido que concederá valor ao lugar que, durante a viagem do Dragão da Lua por este eixo, consumirá a luz. Nos signos de Caranguejo e Capricórnio, a 90 graus da Caput e da Cauda, e segundo a lição dos astrólogos antigos, será o lugar onde a luz se extingue, ora é para um desses lugares que os luminares se encaminham, subindo até ao Ponto de Culminação em Caranguejo. A rejeição da origem devora a luz, a mesma que dela surgiu.      

  No novilúnio, o caminho luminar, a via ascendente, estende-se assim desde Marte em Virgem, o maléfico fora do seu segmento e cujo mal está exacerbado, até à Vénus Retrógrada em Leão. Encontramos também aqui uma senda onde a luz luta, combate, contra a desarmonia dos opostos, a desagregação dos contrários. Porém, o Dragão da Lua concede ainda a bênção de um bom aspecto (trígono à Caput e sextil à Cauda), permitindo que o mal anterior seja colocado em contexto, interiorizado pela aceitação do destino. Com a retrogradação, o amor é potência, palavra sussurrada que deseja unir, mas ainda não une, e a força traz agora aspereza à palavra (conjunção de Marte e Mercúrio em Virgem), a voz torna-se cruel, fere e desune, assombrada pelo peso da Necessidade e a suspensão da empatia, Saturno Retrógrado em Peixes, conjunto a Neptuno, também ele retrógrado. 

  Embora os seus raios não incidam directamente sobre a sizígia, o olhar de frente dos maléficos continua a afectar os nossos dias. Até Marte avançar para Balança (27 de Agosto), onde verá os seus raios amenizados pelo exílio, existirá este choque, esta colisão desagregadora, entre as partes e o todo. De uma outra forma, a quadratura entre os luminares e a Vénus em Leão e Júpiter e Úrano em Touro, estando estes dois últimos no lugar da morte, da qualidade da morte, continua a ser um indicador do perigo real que o nosso planeta enfrenta. As alterações climáticas, agora potenciadas pelo calor e pelo fogo (Leão), são cada vez mais evidentes e as suas consequências irreversíveis. O sextil de Júpiter e Úrano em Touro a Saturno e Neptuno em Peixes traz consigo um outro lado: as cheias, o degelo, as inundações e a pressão sobre barragens que afectam outros pontos do mundo.

  Paralelamente, a posição de Júpiter e Úrano em Touro em trígono a Plutão em Capricórnio e a Mercúrio e Marte em Virgem coloca na urdidura do tear do destino tudo aquilo que o elemento terra produz. De um lado, temos a Mãe Terra e as suas dádivas, temos um modo de vida que alternativamente se cria, sustentável e com maior ligação à terra, mas, do outro lado, temos o capitalismo selvagem e o consumismo desenfreado. Ora as actuais posições planetárias pedem que exista um esforço, mas também um imperativo, de rever todas as estruturas materiais e sobretudo os conceitos de valor e de justiça social. A especulação imobiliária é, por exemplo, uma perversão do elemento terra, influenciada aqui pelo outro elemento estruturante, o ar. Quando a terra quer ser ar, ou vice-versa, cria-se um desequilíbrio, uma discórdia. É preciso encontrar em cada elemento o seu valor. A Harmonia é uma lição que nasce por vontade, que se cria em sabedoria, mas sempre a partir do amor e do tempo.

  O sextil de Saturno e Neptuno em Peixes a Plutão em Capricórnio, bem como a quadratura deste último ao Dragão da Lua, está a conduzir-nos, quer por nossa iniciativa, quer pela força dolorosa da necessidade, a um profundo processo de transformação. A humanidade está entre o abismo e a montanha. A morte saiu à rua e, por onde quer que ande, não é reconhecida. Quando o humano não reconhece a morte, esquecendo-se que também ele terá de morrer e de que a vida e a morte correm no mesmo rio, existe uma rejeição disruptiva do tempo e da necessidade e semeia-se a discórdia entre o humano e o divino, entre o humano e a Mãe Terra, entre os humanos, entre a natureza. É a consciência da nossa humanidade que permite a integração do humano, o reconhecimento da simpatia universal que une a alma humana à Alma do Mundo, o microcosmos ao macrocosmos.

  O novilúnio de Leão, face à actual conjuntura astrológica, mundial e humana, mas também à natureza do próprio signo, obriga-nos a repensar o sentido da luz e o seu valor entre a nobreza da alma e a soma de todas as vaidades. Entre a luz e a sombra, podemos ser quem verdadeiramente somos ou aquilo que, por erro, ilusão e ignorância ou por mera vontade, nos tornámos. A nobreza de Leão e do seu novilúnio passa necessariamente pelo reconhecimento da luz em nós.     

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Caranguejo

    Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Caranguejo

Lisboa, 19h31min, 17/07/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Lua

Termos: Júpiter

Monomoiria: Marte     

 

  A Lua Nova de Julho ocorre no signo de Caranguejo, estando Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VII, o Poente (δύσις), no decanato de Lua, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se assim acima do horizonte e a cerca de uma hora e trinta minutos do pôr-do-sol. Os luminares encontram-se no eixo do horizonte, do lado poente, onde a luz se afunda e desaparece. Este é o novilúnio que expressa o sentido da origem, a matriz radical do Eterno Feminino. Caranguejo é o domicílio da Lua e, no Thema Mundi, é partir deste lugar que a vida emerge, marcando-se, deste modo, o Ascendente do Mundo.

  A relação entre a Lua e o Ascendente, entre o leme da vida e a própria da vida, estabelece a fundação da realidade, a sua origem. Naturalmente, esta é a matriz inaugural do Feminino, do Eterno Feminino. Nesta relação, encontramos, nomeadamente, o mito pelasgo da criação, em que deusa Eurínome surge como a senhora da origem, a criadora de tudo o que existe. De um ponto de vista astrológico, a forte herança mitológica em torno de divindade lunares deveria fazer-nos repensar os sentidos profundos da Lua, mas para isso tinha de se relativizar um certo exacerbamento, por um lado, da significação lunar de cariz psicológico e, por outro, da tendência interpretativa de sobrevalorizar o masculino face ao feminino. A Lua astrológica deveria continuar a ser uma deusa da origem.

  Neste novilúnio, existe, porém, uma inversão dos pólos inaugurais no eixo do horizonte, ou seja, Capricórnio está a ascender e Caranguejo a descender. De certa forma, a origem está no fim e o fim está na origem. Ao estender-se no tempo, como a própria Necessidade, o Eterno Feminino faz emergir, no ocaso da realidade, a Senhora da Nova Era. Este é o tempo do Espírito Santo. Partindo da premissa de que o termo hebraico (ruah) para espírito é feminino, o Evangelho de Felipe afirma o seguinte: “Alguns dizem que Maria concebeu do Espírito Santo. Erram não sabem o que dizem. Quando é que uma mulher concebeu de mulher? (55.20-30, ed. Piñero, Torrents & Bazán, II, 31. Lisboa, 2005: Ésquilo). No entanto, um Espírito Santo feminino não nasce apenas de uma significação terminológica, ele é o herdeiro natural da deusa hebraica e da hegemonia do Sagrado Feminino na Antiguidade mais profunda. Esta é uma expressão do numinoso que incomoda, que ofende o androcentrismo do pensamento religioso dominante dos dois últimos milénios, mas também muita da espiritualidade actual. No entanto, mesmo que seguido por poucos, ela existiu e continua a existir.

  Os versículos de Marcos que dizem que aquele que blasfemar contra o Espírito Santo, nunca mais terá perdão, mas será réu de pecado eterno” (3:29, ed. João Ferreira de Almeida actualizada), mas também de Mateus, Se alguém disser alguma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro” (Mateus 12:32), assinalam esta associação entre o Espírito Santo e a Mãe Divina. Numa trindade de Pai, Mãe e Filho, como, por exemplo, a de Osíris, Ísis e Hórus, a ofensa ao feminino será sempre a mais gravosa. Hoje o que diríamos de alguém de ofende uma mulher, nomeadamente, a sua mãe, a esposa ou a sua filha? Teria perdão o homem que ofende a mulher? O novilúnio de Caranguejo, colocando a luz sobre o feminino, firma também esta questão. Uma outra de forma de a vermos é se pensarmos no fogo de Héstia, na chama do feminino que arde no centro do lar.

  Menandro afirma que “O verdadeiro escravo do lar é o seu senhor” (Frag. 760 Kock: εἷς ἐστι δοῦλος οἰκίας δεσπότης). Ora o fogo de Héstia/Vesta, ardendo no centro do lar, é a imagem quase perfeita de um novilúnio no signo de Caranguejo e desta servidão. Hoje este fogo arde sobre o Poente, mostrando, como uma palavra que range no caminho (Marte en Virgem), que o fogo do feminino continua eclipsado por um modo de ser, uma ponte corrompida entre o carácter e o valor, que tende a rejeitar este fogo primordial. O pensamento androcêntrico dos últimos séculos, ou milénios, fez com que colocássemos nas “cadeiras de poder” (o antigo trono de Ísis, da Terra) figuras masculinos. Zeus/Júpiter, Ares/Marte ou Apolo são a imagem do poder ou da força, todavia, Héstia/Vesta é a primogénita de Reia e Cronos/Saturno e tem um lugar em todos os templos. Sem o fogo de Héstia, os deuses não receberiam as suas oferendas.

  O novilúnio de Julho, não só por ocorrer no signo de Caranguejo, mas por todas as relações que entre os astros se estabelecem, aprofunda o valor universal do feminino. Existem, em termos políticos, económicos e sociais, todo um caminho por trilhar no que ao feminino concerne, porém, em termos espirituais, a senda tem sido frequentemente negligenciado ou desprezado. Na espiritualidade contemporânea, o androcentrismo continua a ser dominante, tocando ainda por vezes uma misoginia patriarcal, totalmente antiquada e bolorenta. Existe, mesmo nos meios mais esotéricos, uma grande resistência ao númen feminino em harmonia plena com o masculino, e não um degrau abaixo. Não precisamos de uma Mãe de Deus, mas sim de um Deus-Mãe.

  A presença do Dragão da Lua no início do eixo Touro-Escorpião, grau zero e minuto zero, marcando a sua despedida deste eixo e o facto de no tema do novilúnio não existir nenhum astro no quadrante da ascensão à culminação, excepto a Cauda Draconis, assinala uma forma muito específica de significação de Feminino sobre o Poente. O Destino está nas alturas, contudo, é a memória do fim no cume da montanha. Esta não é uma cantiga de júbilo, mas sim uma ode de inevitabilidade. Adrasteia diz-nos apenas que o fio está tecido.

  Os dois trígonos que se fundem nos elementos Água e Terra adensam e aprofundam o sentido último de origem e o valor universal do feminino. O Sol e a Lua em Caranguejo unem-se, desta forma, a Saturno e a Neptuno em Peixes e à Cauda Draconis em Escorpião. No trígono de Água, a significação assenta radicalmente na Necessidade ou no Destino como origem. No centro da realidade, as Meras tecem o que foi, é e será. Por outro lado, mas complementarmente, o trígono de Terra estrutura a realidade do feminino na Natureza e no Humano. Neste elemento, unem-se assim em trígono Júpiter, Úrano e a Caput Draconis em Touro, Marte em Virgem e Plutão em Capricórnio.

  O triângulo de Terra vai dizer-nos como a vida e a morte, a criação e a destruição, são os meios através dos quais a Providência se expressa. O destino funda essa passagem entre o que nasce e o que morre, o que ascende e o que descende, o que surge e o que se oculta. Um novilúnio em Caranguejo sobre o Ponto Poente revela, com a voz de sibila, que a origem e o fim são uma e a mesma realidade. Tudo se une pois em um no intelecto do mundo, na Anima Mundi, e o Eterno Feminino é a matriz desse sentido.

  Naturalmente, e de acordo com a beleza geométrica da doutrina de aspectos, os dois triângulos de Água e Terra fazem com que os astros que neles se enraízam se unam hexagonalmente. Convém que se note, porém, que estas uniões resultam da doutrina antiga de aspectos que segue o sistema de casa-signo ou signo inteiro. Segundo esta, os aspectos são ao signo e não ao grau, a orbe traduz-se, deste modo, nos conceitos de aplicação (συναφή) e separação (ἀπορρόη). A Deusa Primeva, senhora da Necessidade, da Vida e da Morte, surge portanto no centro destes dois triângulos e deste grande hexágono.

  Existe, todavia, um elemento disruptivo, uma vez que a oposição da sizígia a Plutão tem um carácter mais destruturante do que disruptivo. As quadraturas de Vénus e Mercúrio em Leão à Caput Draconis, a Júpiter e a Úrano em Touro e dos primeiros à Cauda Draconis em Escorpião revelam a tensão radical em torno do valor de Destino, da Necessidade, e de como este pode colidir com o exacerbamento do eu e com a soma de todas as vaidades. Se a alma for nobre, se brilhar como o sol, o destino não se opõe à identidade, mas se, pelo contrário, a alma beber do lago de Narciso, os lotes que a Necessidade distribuir, vão tornar-se motivo de revolta e contenda. Aquele que julga que o destino lhe furtou o brilho, o reflexo, não pode nunca ser a luz que verdadeiramente é.

  O novilúnio de Julho recentra, porém, a dinâmica nas águas uterinas da realidade, no sentido profundo da origem e, neste lugar, o espelho de Narciso estilhaça-se, pois na radicalidade última ele ainda não existe. No ventre do mundo e da alma, está tudo despojado, livre das amarras que o tempo, a realidade e a vaidade tendem a forjar. O lugar da origem é um espaço matriarcal e o seu tempo, a sua era, é a do Eterno Feminino, a do Espírito Santo. 

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Caranguejo

 Reflexões Astrológicas


Lunações



Lua Nova em Caranguejo

Lisboa, 03h52min, 29/06/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Vénus

Termos: Vénus

Monomoiria: Lua 

 

            A Lua Nova de Junho ocorre no signo de Caranguejo, com Gémeos a marcar a hora para o tema de Lisboa, no Lugar da Porta do Hades (Ἅιδου πύλη), no decanato e termos de Vénus e na monomoiria de Lua. A sizígia dá-se abaixo do horizonte e a cerca de duas horas do nascer do Sol. A Lua encontra-se favorecida por estar no seu próprio domicílio e o Sol com Júpiter está em recepção mútua por exaltação, ou seja, um está no signo de exaltação do outro. Esta constitui, porém, uma relação de aspecto quadrangular, o que permite que se conclua, face a todos os critérios descritos, a prevalência do feminino neste novilúnio.

            Caranguejo é o signo da Origem e, tal como foi referido na reflexão anterior acerca do solstício de Verão, este é, segundo o thema mundi, a porta de entrada do Nascimento, do acto original de criação. É também o signo que está na origem do Verão (hemisfério Norte) ou do Inverno (hemisfério Sul). Quanto às estações e à variação das mesmas em cada um dos hemisférios, convém referir-se que esta distinção determinou que a maioria dos modelos astrológicos, ao longo dos séculos, não se tenha fixado de acordo com as estações. No entanto, existem nelas elementos astro-mitológicos que devem ser considerados e que existem com suas especificidades em qualquer um dos hemisférios. Devemos portanto colher esse contributo que se enraíza, tal como Caranguejo, na tradição.

            A pluralidade de sentidos, sobretudo se procurarmos para além do superficial, permite que se encontre uma urdidura de ligações conceptuais. Quando no tema de Lisboa, a sizígia se fixa no segundo lugar, logo no seguinte àquele em que se encontrava no thema mundi, o sentido primordial de origem e nascimento do signo de Caranguejo é preservado, pois a Porta do Hades (II) é o lugar que antecede o Nascente (I). Ora Manílio (séc. I EC) diz-nos o seguinte acerca do eixo de lugares da II e da VIII: “E nem aquela acima do ocaso, nem a que sob a aurora lhe é oposta/ se afirma no céu como melhor parte: esta se afunda, aquela, inclinada, se pendura; uma teme o fim no vizinho pólo,/ a outra, defraudada, cairá. (Astronomica II, 871-3, Goold 1985: 56: Nec melior super occasus contraque sub ortu/ sors agitur mundi: praeceps haec, illa supina pendens aut metuit vicino cardine finem/ aut fraudata cadet.). Para melhor se compreender esta passagem, deve-se considerar, como aliás é comum entre os antigos e que hoje caiu em desuso, o movimento horário no tema astrológico, aquele que determina o nascimento e a morte, a ascensão e o declínio, mas também o dia e a noite.

            A partir da Porta do Hades, os luminares aguardam o seu nascimento, a sua subida acima do horizonte. A luz, neste novilúnio, é uma luz uterina, que espera, entre o silêncio da noite, o momento de irradiar, de se espalhar como uma dádiva. Por outro lado, esta luz potencial que ainda não brilha alerta, segundo a Astrologia Mundana, que na II os impostos, as receitas e as despesas do Estado, bem como as taxas de juros, os bancos, todos os valores indexantes estão a aguardar o seu nascimento, ou seja, tudo o que está em curso não pode, nem deve, ser tido como definitivo, para o bem e para o mal. Porém, esta luz está guardada em Caranguejo que traça até Virgem o carácter feminino de cuidar e servir. Os bens de primeira necessidade e a dignidade do viver devem ser assegurados a todo o custo e para além de todos os interesses.

            Seguindo a ordem vernal, o primeiro signo feminino é Touro que nos traz a Mãe-Terra, já Caranguejo, o segundo, leva até nós a Mãe do Mundo, aquela que antecede a criação e que nos dará a luz. Contudo, sabendo que a abundância não deve seguir a excepção, mas sim o comum, a Grande Mãe, como estrela do amanhã, pairando sobre a quadratura da actual sizígia a Júpiter e Marte em Carneiro, na XI, no Lugar do Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), revela que existe uma dificuldade imensa de criar uma sociedade mais justa. A XI representa os parlamentos, os partidos e as organizações sociais, porém, com Marte e Júpiter, é transmitida a dificuldade de se estabelecer uma concórdia entre estas duas forças: uma une pela bem e outra afasta pela discórdia.

            Por outro lado, a união de Marte e Júpiter produz uma expansão das doenças infecto-contagiosas, como, por exemplo, a monkeypox, cujos primeiros casos foram confirmados uns dias depois do início da conjunção. A quadratura destes a Plutão em Capricórnio vai acentuar a expressão da doença, mas também a forma como é julgada, pois Júpiter, mal aspectado, torna-se aqui uma fonte de preconceitos.

            Estes aspectos confirmam, de um outro modo, os conflitos políticos e morais em torno de direitos fundamentais, veja-se o caso português da aprovação da eutanásia ou o reavivar do acesso ao direito à interrupção voluntária da gravidez. O encontro de Marte e Júpiter em Carneiro pode também reforçar os valores patriarcais e a misoginia. Os homicídios de mulheres em situações de violência doméstica podem aumentar com este aspecto.     

            Na Aretologia de Ísis de Cumas (séculos I AEC – I EC), a deusa diz: “Eu sou a que encontra o fruto da terra para os seres humanos. (§7, linha 12: γεμι καρπννθρποις εροσα). Esta proclamação da Deusa dos Mil Nomes revela como o novilúnio de Caranguejo traz consigo esse potencial de levar à humanidade o fruto da terra, o fruto amadurecido pelo calor luminoso do Verão, ou fruto guardado no Inverno para os que estão no hemisfério sul. O sextil de Úrano e da Caput Draconis em Touro à sizígia, bem como o trígono de Neptuno em Peixes, produzem esse potencial de dádiva.

            No entanto, para isso é necessário transformar, tal como sugere o corpo do Dragão da Lua, o modo de vida e criar novos valores. A humanidade pode sobreviver e prosperar, religando-se, ecologicamente, à terra e fundando as suas dinâmicas político-sociais na compaixão e no acto puro de partilhar, ou pode assistir, como alerta a oposição de Plutão em Capricórnio aos luminares, à destruição de estruturas de poder que alimentaram as bases sobre as quais a humanidade está a ruir, tanto colectivas como individuais. O destino oculto, promovido pelo Senhor do Hades, começará então a revelar-se. A Cauda Draconis em Escorpião vai alertar igualmente para os ditames da Providência

            Já Vénus e Mercúrio estão no Leme da Vida (I), porém ainda não nasceram, permanecem ocultos sob a Aurora. Vénus está peregrina, já Mercúrio encontra-se no seu domicílio e é o regente da triplicidade do seu Segmento de Luz. Este posicionamento de Vénus e Mercúrio em Gémeos, presente, mas não efectivado, por nascer, contribui para uma dificuldade de expressão, sobretudo de Vénus. O signo de Gémeos favorece aqui a criação intelectual e estética. A arte continua a transformar o humano e o conhecimento continua a ser fonte de progresso. Contudo, conhecimento (Gémeos) sem Sabedoria (Sagitário) favorece apenas a superficialidade e esfuma, entre o fanatismo e o narcisismo, os limites do conhecimento, limites estes que só a sabedoria compreende.

            Vénus não contribui, porém, com a dádiva feminina da criação, pois com Mercúrio, numa posição anterior ao Sol, são Estrelas da Manhã, o que enfatiza o lado racional, dedutivo, em detrimento de uma expressão criativa e intuitiva. Estes encontram-se em quadratura a Neptuno em Peixes, logo a expressão superior de Vénus e a própria Vénus encontram-se em conflito. Assim, nem a imaginação criativa (Neptuno) alimenta o pensar e o sentir (Mercúrio e Vénus), nem a razão e a sensibilidade transformam a ilusão em alta fantasia, como diria Dante. Contudo, Vénus continua a ser o grande benéfico do novilúnio.

            O sextil de Vénus e Mercúrio em Gémeos a Júpiter e Marte em Carneiro e o sextil destes a Saturno e trígono deste aos primeiros formam provavelmente o mais profundo elemento formativo deste novilúnio, sobretudo se somarmos a estes aspecto a quadratura de Saturno a Úrano. Estão unidos aqui o benéfico e o maléfico dignificados pelo Segmento de Luz, Vénus e Marte, e o benéfico mitigado pelo segmento, Júpiter, e o maléfico exacerbado, Saturno. Esta é uma estrutura de sentido que pretende dar vida ao tempo, criando um consciência íntima da realidade.

            Ora, nesta Lua Nova, a forma como os raios se expressam vai também determinar a sua acção e esta continua ser a palavra-chave, o timoneiro da nossa viagem. Porém, este profundo elemento formativo coloca a acção não entre o destino e a liberdade, mas sim entre a sabedoria e a ignorância, pois para aquele que vê o destino é a liberdade e liberdade é o destino, enquanto aquele que vive nas trevas quer que o julga ser a liberdade vença o seu próprio destino.    

            Neste novilúnio, e tendo em consideração este elemento formativo, é curioso observar-se a forma como a luz, como a sizígia dos luminares, tanto é a origem desta acção que dá forma à vida e ao humano, como dela recua, deixando um manto de sombra. A Mãe do Mundo é a fonte, a origem, mas é também o fim, a finalidade, e para isso tem de existir caminho e caminhante.