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segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Brevemente: Reflexões Astrológicas 2024


Sairá em breve o meu 16º livro: Reflexões Astrológicas 2024. Este livro pertence a um conjunto de obras que procura analisar algumas das efemérides astrológicas anuais. Podem encontrar-se neste livro todas as reflexões astrológicas de 2024.


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sábado, 7 de dezembro de 2024

Catálogo de Natal 2024: Livros de Astrologia




Catálogo de Natal 2024

Livros de Astrologia


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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Marte Retrógrado

  Reflexões Astrológicas


Retrogradações


Retrogradação de Marte

Lisboa, 23h33min, 06/12/2024

 

Marte

Decanato: Saturno

Termos: Vénus

Monomoiria: Marte     

 

   Marte inicia a sua retrogradação no signo de Leão, no grau 7 (6º10΄), estando Sagitário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XII, no lugar do Mau Destino ou Mau Espírito (κακός δαίμων), no decanato de Saturno, nos termos de Vénus e na monomoiria de Marte. A retrogradação começa assim de noite, acima do horizonte, com o Sol e a Lua sob a Terra. O movimento retrógrado de Marte estender-se-á até 24 de Fevereiro de 2025. Marte vai recuar até ao grau 18 (17º00΄) de Caranguejo, ou seja, no decanato e termos de Mercúrio e na monomoiria de Marte. Regressará depois a Leão a 18 de Abril, onde vai permanecer até 17 de Junho.

   Como já se analisou noutros momentos, neste ano na retrogradação de Saturno e, em 2023, nas de Vénus e Júpiter, o fenómeno astrológico de retrogradação é como uma semente. Uma vez que o movimento retrógrado é visualmente aparente, o termo fenómeno pode parecer estranho, todavia, é um fenómeno astrológico porque é percepcionado não pelo movimento natural, mas sim pelo movimento como sentido primordial, como experiência. Ora, neste caso, o movimento retrógrado retoma o valor de potência, de regresso a si ou de negação de acção, daí que, na Antiguidade, tenha uma significação nefasta. Doroteu dizia, por exemplo, que os planetas retrógrados causam dificuldade e infortúnio (Carmen Astrologicum, I, 6).

   Marco Aurélio afirma que “Todo o ser, de certo modo, é a semente daquilo que há-de sair dele. Tu naturalmente estás a pensar que sementes é só o que se deita à terra ou num ventre: mas isso é ter noções vulgaríssimas!(Pensamentos IV, 36, trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995). Ora a retrogradação, pelo seu retorno da acção ao potencial, tem este valor de semente. No entanto, devemos também considerar, seguindo as lições da mitologia, que a semente pertence ao domínio de Hades/Plutão. A σπέρμα grega, devido ao seu lugar sob a terra, lembra-nos que, para ser vida, a semente tem de morrer. Esta condição atribui naturalmente certas qualidades agrícolas a Plutão. Nesta retrogradação, Plutão em Aquário opõe-se a Marte em Leão, os regentes de Escorpião, tradicional e moderno, fazem colidir os seus olhares. Este aspecto vem ressalvar essa qualidade de morte que é própria da semente. A astrologia, quando assolada por um espírito positivista de querer ser ciência, tende a rejeitar a sabedoria astrológica, esquecendo-se que esta é uma súmula de saber mitológico, filosófico e científico.  

   Na mitologia grega, para a arte da guerra, Ares concedia a força e Atena a estratégia, daí que seja comum, sobretudo na expressão artística, imagens de Atena a derrotar Ares. A inteligência domina a força. Esta derrota de Ares/Marte é também uma leitura da retrogradação do planeta vermelho, quando a força se vê diminuída. É uma vitória do pensamento sobre a paixão, da reflexão sobre a acção. Naturalmente é uma situação difícil para Marte. Para os gregos, o deus da guerra não era invencível. Na Guerra de Tróia, Diomedes ataca o deus e consegue feri-lo com uma lança, mostrando assim uma mestria em combate que só ficava atrás da de Aquiles. Já em Roma, a situação é um pouco diferente. Marte representa um tipo de virtude, associado à coragem, à masculinidade e à excelência. O seu sagrado animal de Marte é o lobo, associado, como é bem sabido, ao mito fundador da cidade.

   Seguindo também uma linha de sentido astro-mitológica, podemos associar também a retrogradação de Marte ao mito de Adónis. Neste mito, e contrariando a tradição clássica, são as divindades femininas que se enamoram de um humano, de um jovem nascido de uma relação incestuosa. Adónis era filho de Mirra e de seu pai Ciniras, o rei de Pafos do Chipre. Afrodite punira a jovem com um desejo impróprio e, ciente da sua desmedida, fugiu errante, acabando por clamar aos deuses o fim das suas penas. Estes acederam ao pedido da suplicante e transformaram-na numa árvore perfumada, a árvore da mirra. Dez meses lunares depois, a árvore foi cortada e, do seu interior, saiu uma criança. Afrodite, enternecida com a beleza do pequeno rapaz, entregou-o a Perséfone para o criar. Este cresceu e a deusa do submundo recusou-se a devolvê-lo. Zeus teve de mediar o conflito entre Afrodite e Perséfone, entre o amor e a morte. Decidiu que Adónis passaria quatro meses com Afrodite, outros quatro com Perséfone e os restantes seria ele a decidir com quem os passaria, o que nos remete para os ciclos da natureza.

   O amor de Afrodite pelo jovem era intenso e apaixonado. No bosque onde se encontravam, a deusa alertou Adónis do perigo de caçar os animais selvagens. Ora Nono de Panópolis, entre os séculos IV e V EC, contou-nos o seguinte: Ela [Afrodite tendo dado à luz uma filha a Adónis] virou seus olhos redondos e deleitados em todas as direções; apenas os javalis não observava ela nos seus prazeres, por ser uma profetisa sabia que, sob a forma de javali, Ares com presas irregulares e cuspindo veneno mortal, numa loucura de ciúme, estava destinado a tecer o destino de Adónis.” (Dionisíaca 42. 1, tradução do grego é da minha responsabilidade). Existem várias versões para o culpado da morte de Adónis, todavia, esta é nos interessa, pois coloca Ares (Marte) no mito. Ares é aqui a personificação do ciúme e da violência a partir desse ciúme, dessa suposta ofensa.

   Nestas significações astro-mitológicas, a força de Marte não se traduz nem na agressão bélica de Carneiro, nem na vingança calculada de Escorpião. Encontramos neste mito uma outra natureza. O ciúme, uma raiva interiorizada, muito semelhante à inveja, potencia um acto, uma violência que nasce desta dinâmica interior. O processo de retrogradação de Marte encontra o seu sentido no mito da morte de Adónis pelas presas de Ares, transformado num javali enraivecido. Consequentemente, esta retrogradação apresenta uma expressão da irracionalidade, dos vícios da desmedida, do eu que se ofende para além do seu limite.

   Séneca diz-nos que “Nem tudo quanto nos atinge nos fere; é a nossa vida de luxo que nos torna propensos à ira, a ponto de a mínima contrariedade gerar uma explosão de cólera. Criamos em nós próprios uma soberba de reis. E os reis, por seu lado, esquecendo-se do próprio poder e da fraqueza dos outros, enfurecem-se e lançam-se como feras, como se tivessem recebido alguma ofensa, quando a grandeza da própria fortuna os mantém ao abrigo total das ofensas. Eles bem sabem que é assim, só que buscam todas as oportunidades para fazer mal. Sentir-se lesados é para eles um meio de poderem lesar os outros.” (Ep.47.19-20; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). Devemos interrogarmo-nos que tipo de natureza tem aquele que ao “sentir-se lesado” assume nessa impressão uma permissão para lesar os outros? E não será essa impressão o resultado de uma falsa representação? A ofensa pode não estar assim naquele que nos ofende ou que julgamos que nos ofendeu, mas sim no foco que colocámos na sensação de nos sentirmos ofendidos.

   A “soberba de reis” é uma bela definição da retrogradação de Marte pelo signo de Leão, pois vai revelar uma interiorização distorcida do princípio da força. A ilusão do poder, seja pela inveja e pelo ciúme, seja pela falsidade e pela corrupção da vontade, vai exemplificar os estados individuais e colectivos deste fenómeno. Quando retornar a Caranguejo, por estar na sua queda, Marte vai trazer a realidade do falso herói e as vicissitudes das falsas noções de origem e do poder que se exerce sobre essa ilusão. As representações colectivas histórico-escatológicas em torno de povos eleitos e de terras prometidas conduzem necessariamente às piores atrocidades. Existe uma agressão quando a origem de uns é considerada melhor, com mais direitos, à de outros e esse tipo de agressão insere-se neste retrogradação e pode encontrar neste período uma renovada pulsão ideológica.   

   O facto do movimento retrógrado, no tema de Lisboa, iniciar-se na XII consubstancia este peso, esta gravidade. Se regressarmos à ideia da retrogradação como semente, temos também de considerar que nem tudo o que germina é sinal de sucesso, de abundância. Existem sementes que criam ervas daninhas que se enraízam e envolvem boas culturas, mas também bons espíritos. A semente nociva tende a brotar junto da boa semente. Desta forma, quando os antigos astrológicos alertavam para a acção deletéria do movimento retrógrado, contemplavam também esta realidade. Associada à “soberba de reis” de Séneca, esta posição enraíza comportamentos narcísicos e egocêntricos, centrados numa falsa divindade, κακός δαίμων, e assombrados pela visão distorcida que tem de si mesmo.

   A análise da actual retrogradação de Marte terá necessariamente de observar a oposição entre este e Plutão em Aquário. É fundamental para um entendimento astrológico esclarecido não nos deixarmos cair num certo deslumbramento incoerente da passagem de Plutão por este signo. Se os antigos conhecessem a existência de Plutão e pensassem no seu deus Hades/Plutão ou nos elementos mitológicos da constelação de Aquário, por certo não iriam ver as interpretações efabuladas que têm sido proferidas. Plutão em Aquário é um vulcão em erupção cuja nuvem piroclástica se estende pelo céu e se espalha pelo ar. Ora é esta realidade que se vai unir em oposição ao Marte retrógrado em Leão. Noutros tempos, poderíamos falar da capitulação de líderes face a situações extremas. Hoje, para a astrologia mundana, podemos falar de crises nas lideranças, em especial, nas lideranças democráticas face às lideranças extremistas. Não serão tempos fáceis para a humanidade.

   No início da retrogradação, o Sol está em trígono, onde dois signos de Fogo, Sagitário e Leão, tentam unir as forças, e segundo a sabedoria antiga Marte é o único que não se deixa queimar pelos raios solares. No entanto, o Sol em Sagitário encontra-se sob os raios quadrangulares de Saturno em Peixes, o grande maléfico do tema, e sob o olhar diametral de Júpiter retrógrado, o benéfico que por via do segmento de luz se encontra diminuído. Por outro lado, o luminar que rege o segmento dominante, a Lua, encontra-se em Aquário, com Plutão, adensando o sentido anteriormente explanado. Neste tema, a luz não colabora com a retrogradação.

   O trígono de Mercúrio retrógrado em Sagitário a Marte retrógrado em Leão merece uma análise distinta, pois este aspecto é uma síntese dos tempos, uma que transmite as dificuldades de comunicação, a violência da palavra e a manipulação do discursos. Por ser uma união triangular, esta relação traduz naturalmente o peso da necessidade, do destino, revelando que existem sentidos que colocam o carácter diante do destino. Nestes momentos, ou se segue ou se resiste, pois o desafio não é mudar os acontecimentos, mas mudar aquele que caminha sobre a sua linha. Por outro lado, quando a desmedida toma a palavra e a acção, o silêncio trilha a própria via. A paz interior face ao tumulto não se inquieta, permanece constante na certeza da sua harmonia. O facto de Mercúrio estar como o Sol em oposição a Júpiter e em quadratura a Saturno e Neptuno vai adensar esta mensagem. De uma outra forma, a quadratura de Marte retrógrado em Leão a Úrano retrógrado em Touro firma uma corrupção das estruturas de poder e de comunicação a partir do seu interior.

   No tema do início da retrogradação, a relação entre benéficos e maléficos é particularmente significativa. Por o segmento de luz ser o da Lua, Marte tem a sua força maléfica diminuída, embora o lugar que fez morada contrarie esta contracção. Desta forma, por força do segmento, Saturno torna-se o grande maléfico. No entanto, de acordo com os aspectos ptolemaicos, entre os maléficos não existe, de momento, qualquer relação. Quando Marte, por força do movimento retrógrado, regressar a Caranguejo, aí sim estes dois unir-se-ão triangularmente. Este será um momento em que lição de Petosíris (fragm.38 Riess) de que nem todas as quadraturas são más, nem todos os trígonos são bons trilhará o seu sentido. 

   Na relação com os benéficos, Marte não se une a Vénus, o benéfico do seu segmento de luz. Porém, quando a 7 de Dezembro Vénus ingressar em Aquário, opor-se-á a Marte retrógrado em Leão. Até 3 de Janeiro de 2025, as pulsões primordiais do desejo (Vénus) e da força (Marte) vão colidir, todavia, face a retrogradação, a força estará num estado inactivo e com uma natureza potencial. A 6 de Janeiro, Marte regressa a Caranguejo e une-se a Vénus que já se encontra em Peixes. Será um período em que o destino irá favorecer esta interacção entre o desejo e a força e, apesar da acção da força estar comprometida, poderá favorecer o carácter essencial dos lugares que ocupam e daqueles que com eles se relacionam. Para os temas nocturnos, a retrogradação de Marte pode até ser a semente de bênçãos futuras. 

   Vénus, ainda em Capricórnio, no tema do início da retrogradação, une-se em sextil a Saturno em Peixes. Já este último une-se quadrangularmente a Júpiter retrógrado em Gémeos que, por sua vez, se une em sextil a Marte retrógrado em Leão. Este é um bom exemplo de que como a realidade se faz de pesos e contrapesos. Naturalmente, a tensão entre o espaço (Júpiter) e tempo (Saturno) condiciona a liberdade de acção das matrizes primordiais do desejo (Vénus) e da força (Marte). Porém, o dom da vida que é, em certa medida, a dádiva da humanidade é o de encontrar caminho, mas este não surge aqui de uma qualquer acção que tenda a contrariar os acontecimentos e a causalidade natural, surge sim da acção sobre si mesmo, da possibilidade de transformar em nós a realidade interna. Essa é a verdadeira liberdade. Se olharmos ao redor e pensarmos que o planeta está no limite e as expressões da humanidade em ruptura, torna-se fácil concluir que a via do bem é a única que brilha do interior para exterior, podendo assim levar a luz ao mundo.

   Face a esta conjuntura astrológica, a actual retrogradação de Marte não vai suspender os desafios, vai pelo contrário enraizar as suas sementes, sobretudo porque, como se viu, ela se relaciona com outras forças que colocam em causa, em suspensão, a natureza daquilo que é criado. Do interior para exterior, a força de Marte traz consigo o gérmen de uma outra destruição, uma que pode corromper o carácter. Devemos portanto cuidar daquilo que criamos em nós, pois, para o bem e para o mal, permanecerá connosco. Em suma, este é um tempo de domar as pulsões e transformar a irracionalidade em sabedoria.  

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Eclipse Solar Anular (Lua Nova em Balança)


Eclipse Solar Anular 

(Lua Nova em Balança)

Lisboa, 19h45min, 02/10/2024

 

Sol-Lua

Decanato: Saturno  

Termos: Mercúrio   

Monomoiria: Saturno    

                                          

 

   O Eclipse Solar Anular de 2 de Outubro ocorre no signo de Balança, com Carneiro a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, com os luminares abaixo do horizonte, na VII, junto ao Poente (δύσις), e cerca de trinta minutos após o ocaso (hora de Lisboa), no decanato de Saturno, termos de Mercúrio e na monomoiria do Saturno. Se observarmos os últimos eclipses solares, torna-se perceptível que o eclipse solar de 8 de Abril também se deu na VII, junto ao Poente, mas com os luminares acima do horizonte, já o eclipse de 14 de Outubro de 2023 deu-se, à semelhança do actual, na VII e abaixo do horizonte. Conclui-se, deste modo, que nos três últimos eclipses solares, para além do sentido da sombra, sobressai a significação radical do lugar do Ocaso. Fernando Pessoa, no poema “A morte é a curva da estrada” (1932), diz que Morrer é só não ser visto, ou seja, a ocultação do Sol é também a sua morte e, nesse sentido, o manto umbral torna-se um sinal de morte.

   Esta significação da sombra e da morte encontra-se novamente sobre o eixo da identidade (Carneiro-Balança). Ora o eixo traduz o princípio da identidade como uma ponte de sentido entre a unidade e a dualidade, ou seja, a identidade para se tornar consciência precisa do elemento dual, precisa de uma qualquer forma de alteridade. O eu tende para o outro, mesmo que o conhecimento do outro encontre o muro alto da subjectividade. Nunca conhecemos verdadeiramente o outro, porque não conseguimos sair do eu que conhece. Podemos ser genuínos na demanda, mas não deixamos de ser quem somos. Este não é, na verdade, um problema psicológico, é sim uma questão filosófica, uma que está na base de toda a filosofia. Do ponto de vista astrológico, este eixo revela uma outra questão essencial. O sentido dos eixos é uma proposta de viagem, ou seja, o eu só conhece o outro se se integrar no todo. Carneiro só conhece Balança se viajar até Peixes. Antes de chegar a Balança, passa por Virgem, onde conhece o sentido da parte, o que lhe permite observar a dualidade, o signo seguinte, mas é em Peixes que, adquirindo o valor da totalidade, pode vislumbrar o outro para além da subjectividade. Na senda da identidade, a unidade precisa do olhar da montanha, da imensidão do todo, do olhar de cima segundo Marco Aurélio. Marte, o regente de Carneiro, passa da guerra dos contrários, para a harmonia dos contrários, a Vénus de Balança. O Zodíaco é portanto viagem, essa é a sua matriz de sentido.

   O Dragão da Lua, através dos seus períodos nodais, dos seus eclipses, transmite-nos as sementes do destino. É como se asas do dragão espalhassem as sementes, todavia, existe, por vezes, uma sombra que nos impede de ver onde elas caem. O manto umbral, nesta fase nodal entre o eixo de integração e o eixo de identidade, não deixa que se vejam as sementes da unidade e da dualidade (Carneiro-Balança), da parte e do todo (Virgem-Peixes). No entanto, o destino deixa sempre sinais, o que está escrito escrito está e essa é a verdade. A necessidade não muda os seus ditames. Se a astrologia perder o discurso teleológico da providência, esvazia-se por completo e esse é o perigo de reduzir a influência astrológica, a sua matriz apotelesmática, a um quadro de tendências e de potencialidades sem uma efectivação necessária. Porém, existe algo que muda: o carácter. Ora o que fortalece o carácter, na sua percepção dos acontecimentos, é a virtude e esta brilha na identidade que vê o eu e o outro, a unidade na dualidade.

   Séneca diz-nos que “Do mesmo modo que a luz do sol eclipsa as estrelas mais pequenas, também a virtude elimina e arrasa sob a sua própria grandeza tudo quanto seja dor, sofrimento, insulto; onde brilha a virtude, tudo quanto sem ela é visível fica eclipsado, ao chocar contra a virtude todos os incómodos têm tanto significado como uma nuvem vertendo chuva sobre o mar! E para te certificares de que assim é, vê como o homem de bem se afoitará sem hesitar a qualquer bela acção: ainda que diante dele se erga o carrasco, se erga o torcionário e a sua fogueira, o homem de bem avançará, atento apenas ao que deve fazer, e não ao que terá de sofrer, tão confiante no seu honesto propósito como o estaria ante um outro homem de bem; a seus olhos o seu acto aparecerá como verdadeiramente útil, seguro, bem-sucedido. Uma acção honesta, ainda que dolorosa e difícil, valerá tanto como um homem de bem, ainda que pobre, exilado ou doente!” (Ep.66.20-1; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). Se nos lembrarmos que a proposta de Balança é a da busca do equilíbrio, pois representa o momento em que a humanidade deixou de ver Astreia, Dike, a deusa da Justiça, representada na constelação de Virgem, então compreendemos a mensagem de Séneca. A virtude, a justiça, a harmonia, brilha mais do que qualquer coisa, eclipsando tudo o resto, mas, por outro lado, na sua ausência, nada brilha como ela. A morte e a sombra são, neste eclipse, a ocultação desta luz que brilha no abismo e na escuridão. É a luz que não morre, destruindo-se, mas que desaparece do olhar e, nesse sentido, fica a sombra sobre a humanidade.

   Se seguirmos o método ptolemaico das horas equatoriais, o período de influência deste eclipse seria menor, todavia, se utilizarmos outra metodologia, baseada uma na ascensão recta e outra na declinação do Sol chegar-se-ia a um período que iria dos quatro aos sete anos e meio. A opção por uma influência temporal mais extensa baseia-se, por um lado, nesta explanação astro-filosófica, mas, por outro lado, na determinação da natureza deste eclipse como um fenómeno de potência, ou seja, este manto umbral encerra em si o gérmen de acontecimentos que se vão fixar noutras efemérides. Poder-se-ia dizer que essa é uma determinação comum, todavia, existem momentos cuja potencialidade é qualitativamente mais intensa. Neste eclipse, o manto umbral cobre, em grande parte, uma área oceânica e, nas poucas zonas terrestres onde é visível, o número de pessoas que o podem observar numa visibilidade total é também limitado. É o oposto do eclipse lunar de 18 de Setembro. Este factor, sobretudo se pensarmos que o eclipse lunar anterior foi num signo de água, confere à sombra do actual eclipse um valor uterino.

   Os anos de 2026 e 2027 vão ter, por exemplo, eclipses solares com grande influência em termos geográficos, tanto na área terrestre como na visibilidade populacional. No entanto, o facto do actual eclipse se estender pelo mar não deve ser descurado, pois a relação da humanidade com os oceanos será no futuro uma condição para a continuidade da espécie e da vida na terra. O eclipse solar terá o seu centro no Oceano Pacífico perto das Ilhas Pitcairn e de Hanga Roa. Na América do Sul, terá a sua maior visibilidade nas zonas do sul do Chile e da Argentina, podendo ser observado parcialmente no sul do Peru, na Bolívia, no Paraguai, no sul do Brasil e no Uruguai. É também visível numa parte da Antárctida, o que também é relevante para a questão dos oceanos, do mar.           

   Nas regências geográficas antigas, Valente (Antologia I, 2) diz-nos que estão sob a influência de Balança a Báctria (região persa do Coração que corresponde actualmente ao Afeganistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e China), a China, a zona do Cáspio, Tebaida (região do Antigo Egipto entre Abidos e Assuão), o Oásis (Oásis de Siwa ou Siuá, no deserto da Líbia), Troglodítica (região antiga do deserto líbio, mas que se pode estender por uma região que vai até ao Mar Vermelho e ao Corno de África), a Itália, a Líbia, a Arábia, o Egipto, a Etiópia, Cartago, Esmirna (Anatólia, Turquia), os Montes Tauro (Sul da Turquia), Cilícia (Turquia) e Sinope (Norte de Turquia, junto ao Mar Negro). Manílio coloca a Itália e, em especial, a cidade de Roma sob a regência de Balança (Astronomica IV, 773-77), expressando pois a relação da natividade do imperador Augusto com este signo.

   O actual eclipse pertence à série Saros 144. É 17º eclipse de um total de setenta. Convém assinalar-se que esta série não tem eclipses totais, pois é composta apenas por eclipses parciais e anulares. A série teve o seu início a 11 de Abril de 1736, com um eclipse no signo Carneiro, e terminará a 5 de Maio de 2980, com um eclipse no signo de Touro. No eclipse-matriz, o Sol, a Lua e a Cauda Draconis estavam em Carneiro, ou seja, na posição inversa do actual eclipse. Saturno estava em Touro, no signo que marcava a hora, onde a série terminará. Neptuno estava em Gémeos, Plutão e a Caput Draconis em Balança, Úrano em Sagitário, Júpiter, Marte e o Ponto de Culminação em Aquário, Vénus e Mercúrio em Peixes.

   Sob a influência da conjunção de Marte e Júpiter e com a sizígia umbral em Carneiro estende-se o conflito entre a Rússia e o Império Otomano. Em 1736, o exército russo, sob o comando do marechal Burkhard Christoph von Münnich, capturou a fortaleza de Azov dos otomanos, um marco importante na guerra. Após o eclipse, este conflito continuou com outras importantes batalhas. Três dias após o eclipse, dá-se na Escócia, em Edimburgo, a Revolta de Porteous que começou como um motim e acabou com a execução ilegal de John Porteous, o capitão da guarda da cidade, que havia sido condenado por ordenar que seus homens atirassem em uma multidão durante uma execução pública. As tensões políticas e sociais aumentaram e contribuíram para o descontentamento dos escoceses face às autoridades britânicas. É uma questão que se estende até hoje com parte dos escoceses a quererem a independência.

   Vénus e Mercúrio em Peixes em quadratura a Neptuno em Gémeos vão favorecer outro tipo de acontecimentos. Por exemplo, a Companhia Holandesa das Índias Orientais estava no auge da sua expansão no sudeste asiático, continuando assim a dominar o comércio internacional na região. Ora, em 1736, consolidou as suas posições em várias colónias, incluindo territórios na actual Indonésia. De uma outra forma, também em 1736, chega ao Equador a expedição científica ao Peru, liderada por Charles Marie de La Condamine e Pierre Bouguer, com o intuito de proceder à determinação exacta do grau do arco de meridiano nas proximidades da linha do equador. Com esta expedição, poder-se-ia verificar a hipótese de Newton, contestada por muitos, do achatamento da Terra nas zonas polares. A 11 de Abril de 1736, no dia do próprio eclipse-matriz, William Law, um influente teólogo anglicano, publicou o seu famoso tratado A Serious Call to a Devout and Holy Life. Esta obra teve um impacto profundo no movimento metodista, bem como em todo cristianismo anglicano e em outros movimentos protestantes, e foi uma das obras que influenciou John Wesley e Samuel Johnson. Estes acontecimentos revelam alguns dos elementos de sentido do eclipse-matriz, o qual servirá de base interpretativa para todos os eclipses da série.

   Já no actual eclipse existem, na leitura dos aspectos astrológicos, duas configurações geométricas que sobressaem: o Quadrado (ou Cruz) Cardinal e o Triângulo de Água. O primeiro é particularmente significativo por duas razões: primeiro, porque encerra em si a sizígia umbral e o Dragão da Lua e segundo, porque no tema de Lisboa, o que está em análise, encontra-se sobre os pólos (κέντρα), com Carneiro marcando a hora e Capricórnio culminando. Estas razões conferem aos planetas e pontos que neles se fixam um valor determinante e uma influência reforçada. Nesta configuração, encontramos assim a Caput Draconis em Carneiro, Marte em Caranguejo, o Sol, a Lua, Mercúrio e a Cauda Draconis em Balança e Plutão em Capricórnio. A união de raios quadrangulares e diametrais sobre os pólos têm assim um sentido reforçado. Neste tema, é impossível não observar que existe um certo peso, uma certa gravidade nesta configuração. Note-se que é a cauda e não a cabeça do Dragão da Lua que se une à sizígia umbral, o que obriga aqui a uma maior imposição do peso do destino. Esta é uma configuração que conduzirá ou exacerbará conflitos e guerras, desastres naturais e destruição. A perda de casas e de vidas está ainda no horizonte.

   Esta configuração leva-nos necessariamente, e neste ponto é mesmo por via da Necessidade, ao triângulo de água. Ora este une Marte em Caranguejo, Vénus em Escorpião e Saturno e Neptuno em Peixes. Por ser um trígono, o destino actua aqui como dádiva, todavia, as bênçãos do lote das Meras podem surgir da destruição, podem ser a semente que germina nas cinzas. Cícero dizia: “Se tens um jardim e uma biblioteca, nada te faltará.” (Epistulae ad familiares IX, 4: Si hortum in bibliotheca habes, nihil deerit). Se pensarmos que Vénus, por ser este um tema nocturno, é o benéfico mais benevolente e Marte é o maléfico menos prejudicial, compreendemos então que nos é pedida uma revaloração do desejo, daquilo que nos move. Temos de encontrar o centro no que verdadeiramente importa. Porém, Vénus está no seu detrimento, tornando mais difícil este processo e Saturno continua a trazer consigo a gravidade do destino, da ordem do tempo. É-nos oferecido então o olhar de cima de Marco Aurélio, já anteriormente referido.

   O exercício espiritual consiste em centrarmo-nos na nossa tranquilidade e relativizar tudo aquilo que não controlamos, tudo aquilo que é superficial. Pensemos em nós, no espaço e tempo que ocupamos, nas lições de Júpiter e Saturno. Agora vejamos esse mesmo lugar na rua e no quarteirão que vivemos, depois na cidade, no país, no continente, no planeta Terra, no sistema solar, na Via Láctea, no universo. Do mesmo modo, pensemos no momento que vivemos, depois nos nossos anos de vida, de seguida, considere-se um século, dois, três, um milénio, dois, três, a história da humanidade, a história do planeta, o tempo de existência do Sol, de outras estrelas mais antigas, do universo. De facto, como diria Cícero, face a tudo isto, uma biblioteca e um jardim podem oferecer-nos uma certa paz, pois somos apenas uma minúscula e ínfima poeira de estrelas. Este eclipse sobre o signo de Balança, um lugar que procura a harmonia face ao desequilíbrio das escalas, dos pratos da balança, pede-nos este esforço, este dom de nos sentarmos no cume da montanha e olhar para baixo.

   O triângulo de Água segue-se ao triângulo de Terra que encontrámos no eclipse lunar. O Eterno Feminino é a dádiva do destino, contudo, é uma candeia oculta sob um manto de sombra. De entre os sextis que observamos neste eclipse, o sextil de Vénus em Escorpião a Plutão em Capricórnio, unindo o amor e a morte, diz-nos que face à corrupção do desejo temos de encontrar, no poder da morte, da destruição, o ímpeto de transformação, não dos acontecimentos, mas do carácter. A união dos sextis entre os signos de Terra e Água poderia gerar um Grande Hexágono, porém, não existem aquando do eclipse planetas no signo de Virgem, deixando assim o hexágono incompleto. Astreia, a deusa da justiça, continua a estar ausente, distante da humanidade que a rejeitou.

   O trígono entre Júpiter em Gémeos e a sizígia umbral e Mercúrio em Balança diz-nos que o intelecto e a palavra podem, como realização da Humanidade, iluminar o caminho do bem, da justiça. No entanto, a sombra e a escuridão, a morte da razão anda pelas ruas, ocultando a via eleita. A união benévola de Júpiter em Gémeos ao Dragão da Lua (sextil à Caput, trígono à Cauda) indica-nos também, face ao destino e à necessidade, essa outra via para o pensamento e para a palavra. No entanto, Júpiter, por este ser um tema nocturno, é o benéfico que menos brilha, sentindo sobre si o peso da quadratura de Saturno e Neptuno em Peixes. A humanidade sabe o caminho, a sabedoria está mesmo à nossa frente, mas continuamos a desviar o olhar, a fingir que não a vemos e, dessa forma, levamos o pensamento e a palavra até ao domínio da ignorância, da ilusão e do engano. Nesse domínio, a acção separa e distingue, desune, em vez de agregar, de confluir o humano na humanidade.

   A oposição entre Vénus em Escorpião e Úrano em Touro dá ao eixo entre a vida e a morte um choque, uma colisão, entre a inflexibilidade e a imprevisibilidade. O desejo de apego e o desejo de mudança contaminam as estruturas que a humanidade criou. A relação do humano com a natureza, com o planeta, é disso mesmo o melhor exemplo. Sabemos onde errámos, sabemos o que tem de mudar, mas estamos presos aos hábitos, ao modo de vida que impede a mudança. Os sextis dos maléficos a Úrano exemplificam essa liberdade corrompida. Quando Úrano entrar em Gémeos, em 2025, à questão do planeta, da sua sustentabilidade, iremos juntar os desafios da inteligência artificial e do lugar do humano e da humanidade.

   O eclipse solar de 2 de Outubro marca um tempo de transição, de passagem. A sombra actua como uma condição necessária e através da qual a luz se vai erguer no céu, escalando montanhas, ou habitar as profundezas da terra, guardando-se na escuridão do abismo. Lao Zi diz-nos que “O céu perdura, a terra subsiste.” (Dao De Jing, ed. C. Ribeiro. Coimbra, 7, p. 53. Coimbra, 2024: Instituto de Estudos Filosóficos). É entre essa permanência e subsistência que a luz e a escuridão ocupam o seu lugar. Este eclipse abre o caminho para o ano de 2025, um ano de grandes mudanças astrológicas. Neste ciclo nodal, este é o último eclipse em Balança. A necessidade de harmonia, de concórdia, torna-se assim uma afinidade electiva, uma via para o futuro. 

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Eclipse Lunar Parcial (Lua Cheia Peixes-Virgem)

 Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Lunar Parcial 

(Lua Cheia: Peixes-Virgem)

Lisboa, 03h44min, 18/09/2024

 

Lua

Decanato: Marte 

Termos: Marte

Monomoiria: Mercúrio     

 

Sol

Decanato: Mercúrio

Termos: Marte

Monomoiria: Marte   

 


   O Eclipse Lunar Parcial de dia 18 de Setembro ocorre com a Lua no signo de Peixes e o Sol no de Virgem, com Leão a marcar a hora e cerca de sete horas após o pôr-do-sol (hora de Lisboa), logo no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, estando esta acima do horizonte, na VIII, no lugar da Morte (θάνατος), já o Sol está abaixo do horizonte, na II, no lugar do Viver (βιός). A Lua encontra-se no decanato e nos termos de Marte e na monomoiria de Mercúrio, enquanto o Sol encontra-se no decanato de Mercúrio, nos termos e na monomoiria de Marte. É desde já perceptível um certo imperativo das dignidades de Mercúrio e Marte. Ora o primeiro está conjunto ao Sol e o segundo está em trígono à Lua e em sextil ao Sol, ou seja, estes dois planetas co-participam do sentido da sombra que agora se estende, confirmando assim as estruturas ocultas ou suspensas de palavra e força que se firmam no limiar da realidade, encobertas por uma escuridão de passagem.

   Se, no eclipse lunar de 25 de Março, a proposta dracôntica era passar do eixo da identidade (Carneiro-Balança) ao eixo da integração (Virgem-Peixes), agora procura-se assimilar essa integração da totalidade tendo por sombra à identidade. O actual eclipse encontra-se a meio do caminho. O eixo dos luminares assume a mensagem da integração (Virgem-Peixes) e o corpo do Dragão da Lua conserva ainda o sentido da fase anterior, na qual a identidade surge como um enigma, como um ranger da realidade, tentando fixar o olhar e a revelação entre a luz e a escuridão.

   A sombra, sobretudo na análise astrológica e, em especial, na análise dos eclipses não tem apenas um valor psicológico, tal como aquele que encontramos, por exemplo, na psicologia analítica e nos textos de Jung. A sombra resume em si uma significação primordial e um sentido radical, pois conserva a representação do elemento de passagem entre a luz e a escuridão que ora avança, ora recua consoante o seu senhor. Não é por acaso que a doutrina astrológica do Segmento de Luz (αἵρεσις) é a primeira de todas as dignidades, e daí que a sua reabilitação, de um quase esquecimento que se estendeu do Renascimento até aos nossos dias, seja fundamental. Em termos miméticos, traduz no espírito humano a apreensão da luz e a conceptualização em torno dos luminares.  

   No tema do actual eclipse, a Lua está no seu próprio segmento e acima do horizonte, logo o valor da ocultação, da sombra que sobre ela recai, sai reforçado e torna-se determinante. A recepção da luz e da escuridão e da sombra como passagem foi uma das primeiras ideias, das grandes representações da humanidade e a astrologia preservou com mestria essa mimésis. Ora foi a partir destas ideias que todo o sistema astrológico se desenvolveu, tendo como matriz e leme o destino e a necessidade, ideias que estão guardadas pelo Dragão da Lua, pela sua cauda e pela sua cabeça. O pensamento relativo à luz e à providência serve de fundação a toda a filosofia da astrologia.  

   Cleantes de Assos diz que “O destino guia quem o segue, arrasta quem lhe resiste!(SVF 1.527b apud Sen. Ep. 107.10/ Pearson C91b: ducunt volentem fata, nolentem trahunt). A proposta de sentido que a astrologia oferece revela essa mesma distinção entre seguir e ser arrastado pelo destino. O determinismo é liberdade, o fatalismo é uma prisão. Na análise astrológica colectiva e mundana, os eclipses, tendo por base a significação radical que se enunciou, são um guia de grande valor e importância. Quer nas séries Saros, quer nos ciclos nodais podemos encontrar padrões astrológicos de sentido, elementos que servem o lugar da astrologia na história e na sua interpretação.

   O eixo Virgem-Peixes que procura a integração da parte no todo e do todo na parte, permitindo a visão do todo na consciência do valor da parte, ou seja, observando numa parte do destino a necessidade que rege o todo, está agora sob um manto de sombra. Por este ser um eclipse lunar e estando a Lua em Peixes, o sentido da totalidade encontra-se encoberto. Por outro lado, o eixo Carneiro-Balança encontra-se ainda sob um olhar electivo da Providência. A identidade tenta encontrar o seu lugar entre o destino e a necessidade. Se pensarmos que o próximo eclipse solar será ainda neste eixo (2 de Outubro de 2024), então este foco de sentido e representação torna-se mais evidente.    

   A união conceptual destes dois eixos apresenta a relação heraclitiana entre carácter e destino (fragm. 119). Ora Plutarco afirma o seguinte: “De facto, o carácter é um hábito consolidado ao longo do tempo; se alguém definir como hábito as qualidades do carácter, não deve pensar que se enganou. Darei ainda um exemplo sobre isto e depois termino este assunto. Com efeito, Licurgo, o legislador dos Lacedemónios, tomando dois cachorros dos mesmos pais, criou-os de forma diferente; a um fê-lo guloso e voraz, ao outro tornou-o capaz de seguir uma pista e caçar. Depois, um dia em que os Lacedemónios se reuniram, ele disse: «Lacedemónios, o que engrandece muito a importância da virtude são os hábitos, os princípios educativos, as lições e a conduta de vida; eu mostrar-vos-ei, de seguida, a evidência destas coisas». Então, aproximando-se dos dois cachorros, libertou-os, depois de ter colocado no meio deles um prato e uma lebre. Um dirigiu-se para a lebre, o outro precipitou-se para o prato. Os Lacedemónios, porém, não eram capazes de perceber o que isto queria dizer e o que o episódio dos cachorros significava. Licurgo, então, explicou: «Os dois nasceram dos mesmos pais, mas, por terem recebido uma educação diferente, um tornou-se guloso e o outro caçador». Sobre os costumes e os modelos de vida, estes exemplos são suficientes.” (4, 2f-3b, Plutarco: Obras Morais - Da Educação das Crianças, ed. J. Pinheiro, 37-8. Coimbra, 2008: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos). Em certo sentido, o carácter serve a identidade e como hábito ganha o valor de totalidade. No entanto, o carácter não muda os acontecimentos, muda o modo como os vivemos e, nesse sentido, é também a impressão celeste, aquando do nascimento, que explica algumas das diferenças no carácter, as quais se estabelecem para além do hábito e da linha do tempo.   

   Neste eclipse, toda esta significação será particularmente pertinente. Sob um outro olhar, mas que contempla o mesmo sentido, devemos observar a relação dos luminares no eixo Virgem-Peixes com o Eterno Feminino. Se seguirmos a sabedoria mitológica, percebemos que no signo de Virgem encontramos a deusa que parte e no de Peixes a deusa que chega. No mito de Astreia ou de Dikê, a deusa desiludida com humanidade deixa a sua morada para subir a montanha, de onde depois subirá ao Olimpo. Esta é a deusa do signo de Virgem. Já em Peixes assistimos à chegada de Afrodite à costa, trazida pelos Ikhthyokentauroi, os dois peixes-centauros filhos Cronos e Fílira. Ora, na ausência da deusa, face à sua partida, é Hermes Trismegisto que promove o caminho até ao Divino Feminino, até à sua chegada. De um ponto de vista astrológico, a exaltação de Mercúrio em Virgem e a exaltação de Vénus de Peixes e consequente queda em Virgem expressa este mesmo sentido. Com um eclipse sobre este eixo, a senda do Eterno Feminino está oculta, à espera na sombra do tempo da revelação, de um novo despertar.

   A influência temporal deste eclipse, um eclipse de transição, poder-se-á fixar, segundo uma leitura das declinações dos luminares, entre um mês e cerca de dois meses e meio, já a duração dos períodos penumbral e umbral colocam a sua influência entre um a quatro meses. No entanto, o facto de estarmos num momento de transição do eixo nodal deve também ser tido em consideração. As eleições norte-americanas estarão, por exemplo, sob a influência deste eclipse bem como do eclipse solar de 2 de Outubro. No que concerne à influência espacial, o manto de sombra estender-se-á das Américas até uma parte da Ásia, passando pela Europa e por grande parte de África. O seu centro será, todavia, na região brasileira de São Luís.

   Segundo as regências geográficas da astrologia antiga e de acordo com Vétio Valente (Antologia I, 2), Peixes rege o Eufrates e o Tigre, a Síria, o Mar Vermelho e o Mar Arábico, a Índia, a Média-Pérsia e as regiões circundantes, o rio Borístenes ou Boristene (Dniepre), a Trácia, a Ásia e a Sardenha. Manílio concede a Peixes o Eufrates, o Tigre e o Mar Vermelho, as terras da Pártia, a Báctria, a Etiópia, a Babilónia, Susa e Nínive (Astronomica IV, 800-6). Os principais conflitos mundiais de hoje estão inseridos nestas áreas. Contudo, embora a posição da Lua seja preponderante, devemos também analisar o Sol. Virgem, segundo Valente (Antologia I, 2), rege a Mesopotâmia, a Babilónia, a Grécia, a Acaia (Grécia), Creta, Cíclades (Grécia), Peloponeso, Arcádia, Cirene (Líbia), Dória (Grécia), Sicília e Pérsia ou Parsa (Irão). Manílio, por seu lado, afirma que a Jónia (Turquia), a Cária (Turquia), Rodes e a Grécia estão sob a sua influência (Astronomica IV, 763-8). De uma forma mais ténue, as regências de Carneiro e Balança devem ser consideradas. Porém, será a partir do eclipse solar de 2 de Outubro que esta influência se tornará mais activa.

   O eclipse lunar de 18 de Setembro pertence à série Saros 118, sendo o 52º eclipse de um total de 74. Apesar de este eclipse já pertencer à terceira fase da série, aquela que se segue aos eclipses totais e inclui eclipses parciais e penumbrais, a sua expressão astrológica é próxima da do eclipse matriz. Ora o primeiro eclipse desta série ocorreu a 2 de Março de 1105. A Lua e a Caput Draconis estavam em Virgem, o Sol, Vénus, Mercúrio e a Cauda Draconis em Peixes. Nesta data, Leão também marcava a hora (hora de Lisboa). Marte estava em Touro, Júpiter em Escorpião e Saturno em Sagitário. Nos transaturninos, Úrano estava em Touro, Neptuno em Leão e Plutão em Carneiro. A série Saros 118 terminará a 7 de Maio de 2403, com um eclipse no eixo Escorpião-Touro, ou seja, com a Lua em Escorpião e o Sol em Touro.

   Pode-se destacar alguns acontecimentos históricos que marcam o eclipse-matriz e o início da série 118. Continuou a reconquista cristã na Península Ibérica, com uma ofensiva contra os Almorávidas, sob o comando de Afonso VI de Leão e Castela. Durante este período, ou seja, nos meses próximos ao eclipse, várias cidades e fortalezas menores caíram nas mãos dos cristãos, embora as grandes vitórias só tenham acontecido no final do ano. O conflito entre Henrique IV e Henrique V do Sacro Império Romano-Germânico marcou o ano de 1105. O jovem Henrique V rebelou-se contra o seu pai, Henrique IV, e formou alianças com nobres que estavam descontentes com o imperador. Recebeu o apoio do Papa Pascoal II e de diversos príncipes do império, o que levou ao avanço de uma campanha militar contra o pai. A oposição entre Júpiter e Marte e a sua relação com os eixos dos luminares e do Dragão da Lua revelam esta tensão.

   Por outro lado, após o fim da Primeira Cruzada, o Reino de Jerusalém e os seus aliados europeus continuavam a consolidar o controlo sobre os territórios recém-conquistados, com algumas escaramuças entre os cruzados e as forças muçulmanas dos fatímidas do Egipto e do Emirado de Damasco. Em termos culturais e religiosos, é preciso ressalvar a expansão do movimento cisterciense e o declínio do Califado de Córdoba. Por fim, deve-se assinalar que este foi um período de fome, de más colheitas e de escassez de alimentos. A relação da Lua com os maléficos aponta nesse sentido. Todos estes acontecimentos servem o sentido de toda a série Saros, lembrando-nos da importância de cotejar o eclipse-matriz.

   O encontro quadrangular de raios tem no eclipse de dia 18 de Setembro um sentido particularmente importante. Se pensarmos na base das pirâmides de Gizé, podemos concluir que o ângulo recto, ou quase recto, possui um valor estruturante e que, no entanto, é também de tensão, pois suporto o peso, gravidade da estrutura. Neste eclipse, temos, por uma lado, a quadratura entre a Lua, Saturno e Neptuno em Peixes a Júpiter em Gémeos e, por sua vez, deste ao Sol e a Mercúrio em Virgem. Júpiter, senhor da justiça e do bem, serve aqui de fiel de uma balança de luz e sombra.

   Para que depois da sombra a luz prevaleça, o bem tem de se fortalecer no humano e tem de se tornar uma disciplina diária. Saturno em Peixes pede uma entrega total, exige o rigor da totalidade do bem. Ora a presença de Júpiter no signo de Gémeos, vem trazer, a quem quiser receber, a palavra do bem e o bem da palavra. Porém, existem fortes reservas. A quadratura deste planeta a Mercúrio em Virgem revela o quanto a palavra se pode tornar agressão seja pelo triunfo da ignorância, seja pela vontade de poder. Por outro lado, é a Grande Cruz nos signos cardinais que assume a estruturação do tempo presencial, a consciência íntima deste tempo de sombra.

   A Caput Draconis em Carneiro olha quadrangularmente para Marte em Caranguejo que, por seu lado, fixa do mesmo modo a Cauda Draconis e a Vénus em Balança e estes observam Plutão em Capricórnio. A união quadrangular e diametral destes raios, sob o manto umbral, vem exigir que se fixem as direcções, as sendas da humanidade. Para onde caminhamos? Qual o propósito do caminho? Estas são algumas das perguntas que ferem hoje o olhar. Se, de um lado, o destino e a necessidade, o Dragão da Lua, trazem consigo a guerra e a morte, levando a humanidade a deixar-se corromper por falsos valores, do outro, lembra-nos que ainda existe no mundo e na humanidade beleza e harmonia. O Grande Trígono de Terra entre o Sol e Mercúrio em Virgem, Plutão em Capricórnio e Úrano em Touro sugere que, sob o véu da providência, a criação tem o poder de transformar a realidade. Ora, seguindo a imagem anteriormente referida de uma pirâmide, esta é uma dos quatro faces triangulares que se erguem no céu. A criação sustentável a partir dos dons da terra, integrando-nos nos seus ciclos, pode permitir que se erga uma visão do futuro, uma esperança no amanhã.

   Este eclipse e o próximo encerram nos seus temas uma geometria de sentido, uma matemática da alma, algo que rememorara a tradição e a herança de elementos conceptuais pitagóricos e platónicos. Seguindo essa via, o encontro de raios hexagonais, maioritariamente entre os signos cardinais e mutáveis confere ao humano a liberdade de agir conforme o bem que anteriormente se referiu ou de acordo com a ignorância, a expressão do mal que alimenta a ilusão e o engano. Esta liberdade ganha-se não face ao destino, mas face ao carácter. Nós determinamos não o que acontece, mas sim quem somos. Queremos ser o humano que distingue as vítimas da guerra na Ucrânia das de Gaza, merecendo umas compaixão e outras indiferença? Queremos ser o humano que promove a desinformação e que acolhe a mentira como se fosse verdade? Queremos ser o humano que o permite o racismo, a xenofobia e a misoginia, dando à extrema-direita um palco já experimentado e com uma lição pesarosa na história contemporânea.

   Neste eclipse, o complemento desta liberdade hexagonal é a relação bastante significativa entre os benéficos e os maléficos. Os benéficos (Vénus e Júpiter) unem-se em trígono e os maléficos (Marte e Saturno) também, o que faz com que o benéfico e o maléfico do mesmo segmento de luz se unam em quadratura, Vénus e Marte por um lado e Júpiter e Saturno por outro. Esta relação, a par do facto do regente da Lua estar a olhar-lhe quadrangularmente (Júpiter), vem reafirmar, entre outras coisas, a influência muito particular que os eclipses lunares têm sobre os acontecimentos naturais, em especial, sobre aqueles que têm uma expressão extrema. A conjunção da Lua em Peixes a Neptuno e Saturno, em quadratura ao regente Júpiter que actua sobre o espaço, a matéria, favorece os desastres naturais, sobretudo os de natureza sísmica. As fortes tempestades com inundações estão também potenciadas. A despedida de Plutão do signo de Capricórnio pode ainda estimular a actividade vulcânica, como aliás já pôde ser observado com o Etna e na Islândia.

   O eclipse lunar de 18 de Setembro tem assim tanto um carácter de transição como estruturante, um que alimentará a identidade e a integração da totalidade, mas também a consciência do destino e da necessidade.