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sábado, 25 de maio de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Júpiter em Gémeos

  Reflexões Astrológicas


Ingressos


Júpiter em Gémeos

Lisboa, 00h15min, 26/05/2024

 

Júpiter

Decanato: Júpiter

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Mercúrio    

 

   O ingresso de Júpiter em Gémeos ocorre com Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, no Lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato de Júpiter, nos termos e na monomoiria de Mercúrio. O ingresso dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de três horas e vinte minutos após o pôr-do-sol. Júpiter encontra-se, desta forma, desfavorecido por não estar no seu próprio segmento (αἵρεσις) e por estar abaixo do horizonte. Nesta posição e neste lugar, Júpiter brilha sem ser visto, não revela à luz da noite a mudança de signo, mas ela ocorre, encerrada porém na expressão negativa da Fortuna. A passagem para um signo masculino potencia, todavia, algumas das característica jupiterianas.

   De Touro para Gémeos, Júpiter vai mudar o valor da sua expressão. Em Touro, Júpiter é o jovem Zeus sob a protecção da Grande Mãe, de Reia (Touro), mas, em Gémeos, Castor e Pólux são os “rapazes de Zeus”, pois Διόσκοροι (Dióscoros) tem esta raiz etimológica, alguns dizem até “filhos de Zeus”, quando, na verdade, só Pólux é que era filho de Zeus. A tradição astro-mitológica adverte-nos disso, afirmando que, mais do que o trabalho de Hércules, “O mito que, porém, melhor descreve o signo de Gémeos é o dos Dióscoros (Castor e Pólux). Nasceram de Zeus e Leda e são irmãos de Helena e Clitemnestra. Porém, Leda era casada com o rei da Lacedemónia, Tíndaro. Na noite em que Zeus se uniu a Leda, sob a forma de Cisne, ela uniu-se também ao marido. Destas uniões, nasceram dois pares de gémeos ou dois ovos: de Zeus, Pólux e Helena e, de Tíndaro, Castor e Clitemnestra.” (Figueiredo, R. M. de, 2024 (2021), Fragmentos Astrológicos: 2ª edição, revista e aumentada, 141-2. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo).

   No entanto, a razão da dualidade geminiana não se constrói apenas a partir destes nascimentos duais entre o humano e o divino. Numa peleja, após a morte de Castor, Pólux vinga o irmão, matando o seu oponente, mas o irmão deste ataca-o com uma pedra. Zeus, no entanto, intervém, fulminando-o com o seu raio. Como Pólux rejeita a sua imortalidade enquanto o irmão, Castor, jaz com a alma vagueando no submundo, Zeus permite que os irmãos usufruam da imortalidade em dias alternados (cf. Ps. Apolodoro, Biblioteca, III, 136-7). A existência dos gémeos Castor e Pólux fixar-se-ia então entre o reino de Zeus (Júpiter) e o reino de Hades (Plutão). Lembremo-nos da relação astrológica de Gémeos com os domicílios de Júpiter, Sagitário (oposição/diâmetro) e Peixes (quadratura), mas também com Plutão, Escorpião (150º). Os antigos descreveriam esta relação de aspecto como débil e passiva. Ora a herança astro-mitológica reforça estas influências sobre o signo de Gémeos, dizendo que Poseídon (Neptuno) recompensou Castor e Pólux com cavalos e o poder de auxílio sobre náufragos (Ps.Higino, Astronomica 2.22). É estabelecida aqui uma outra relação com o signo de Peixes, particularmente pertinente face à actual presença de Saturno neste signo.

   A relação Júpiter-Saturno é, depois da dos luminares, a mais estruturante de todas as relações astrológicas. Quando Júpiter estava em Touro e Saturno em Peixes, existia uma harmonia (sextil Terra-Água) entre os senhores do espaço e do tempo, mas com a passagem de Júpiter para Gémeos passará a existir uma tensão (quadratura Ar-Água). Entre o elemento estruturante masculino (Ar) e o elemento dinâmico feminino (Água), criam-se necessariamente elementos de discórdia. No entanto, existem duas interpretações a ter aqui em consideração: a primeira é a Necessidade, isto é, existe um sentido último em cada relação, uma razão de ser; e a segunda é que a discórdia é a outra face da harmonia, lembremo-nos, por exemplo, dos textos filosóficos de Heraclito ou Empédocles. De uma perspectiva mundana, mas também genetlíaca, esta relação entre Júpiter e Saturno conduz-nos assim a outros desafios.

   Séneca, no De Constantia Sapientis, diz-nos o seguinte: Afirmo, pois, que o sábio não está sujeito a nenhuma injúria; por isso, não importa que muitos dardos sejam arremessados contra ele, porque é impenetrável a todos.” (3.5, Séneca: Sobre a Providência Divina e Sobre a Firmeza do Homem Sábio, ed. R. da Cunha Lima, 79. São Paulo, 2000: Nova Alexandria). Estando Júpiter e Saturno em signos mutáveis, nos quais a dualidade é uma questão, um dos desafios passa por encontrar elementos de constância, de permanência, e a sabedoria é o primeiro de todos eles.  A dualidade geminiana constrói-se na alternância ambivalente entre o humano e o divino. Se pensarmos na regência domiciliar de Mercúrio, compreendemos que esta alternância procura criar um elo entre a ignorância humana e a sabedoria divina. Dos signos duais, Gémeos é único em que esta dicotomia permanece separada, neste caso sob o véu da alternância. Sagitário encerra num único ser o humano e o animal e Peixes, contrariamente à crença moderna e infundada de que os dois animais nadam em direcção oposta, conflui numa ideia de totalidade, pois, embora um seja boreal e o outro astral, estão unidas pela estrela Alpha Piscium ou Alrescha, já a mitologia coloca Afrodite e Cupido a fugirem juntos, lado a lado, de Tífon e coloca também da mesma forma os dois peixes que trouxeram Afrodite para a costa. A constelação de Gémeos tem uma disposição estelar semelhante, mas não converge numa única estrela.

   O ingresso de Júpiter em Gémeos acontece de 26 de Maio de 2024 a 9 de Junho de 2025. Nesse período, estará retrógrado de 9 de Outubro de 2024 a 4 de Fevereiro de 2025. Se observarmos as dignidades, concluímos que, nesta passagem, os efeitos benéficos serão maiores nos graus do primeiro decanato (1 a 10) e nos seus próprios termos (graus 7 a 12). No entanto, podemos dizer, face à adversidade domiciliar (detrimento) já anunciada, que Júpiter só encontrará o seu maior potencial (exaltação) quando ingressar em Caranguejo, até lá a relação com Mercúrio, sobretudo nos graus descritos, sairá reforçada. De um outro modo, é também relevante o facto de os dois benéficos se encontrarem conjuntos, com o Sol como parceiro. A união de Vénus e Júpiter congrega sempre um valor de bênção, de dádiva. É como se aquelas duas luzes brilhassem no céu como anúncio ou prenúncio do sentido primordial do bem, da beleza e da justiça, mas também da proposta transformadora que une amorosamente a sabedoria à fé.        

   Plutarco, na obra Da Educação das Crianças, descreve, do seguinte modo, aquilo que pode ser considerado um bem, nomeadamente o bem conferido por Júpiter em Gémeos e que concilia Júpiter e Mercúrio: “A boa estirpe é, seguramente, um bem, mas é um bem herdado dos progenitores; sem dúvida que a riqueza é preciosa, mas é um bem fruto do acaso, posto que, muitas vezes, se afasta dos que a têm e vai ao encontro daqueles que não a esperam; uma grande riqueza é um objectivo para aqueles que desejam alcançar as bolsas, os criados perversos e os sicofantas, e, o pior, encontra-se também entre os mais perversos. A glória é, seguramente, algo venerável, mas inconstante; a beleza é desejável, mas passageira; a saúde é preciosa, mas perecível; a força é invejável, mas diminui na doença e na velhice. Ou seja, se alguém se orgulha da força do corpo, logo que dá conta do engano compreende a força da inteligência. Pois, qual é o poder da força humana comparado com o dos outros animais? Como o dos elefantes, dos touros e dos leões? A formação é o único dos bens que temos que é imortal e divino. Na natureza humana, os dois bens mais importantes são a inteligência e o raciocínio. A inteligência comanda o raciocínio e o raciocínio está ao serviço da inteligência. O raciocínio, por sua vez, não se perturba com a sorte, não se pode tirar pela calúnia, é incorruptível na doença e não se injuria na velhice. Na verdade, apenas a inteligência, ao envelhecer, se rejuvenesce. O tempo, que tira todas as coisas, concede na velhice o conhecimento. A guerra, como uma torrente, arrasta toda a justiça e leva tudo à frente, só não pode destruir a formação.” (8, 5c-f, Plutarco: Obras Morais - Da Educação das Crianças, ed. J. Pinheiro, 44-5. Coimbra, 2008: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos).

   O valor do raciocínio e da inteligência, da educação e do conhecimento, descrito por Plutarco, resume o bem concedido por Júpiter em Gémeos e potenciado pela co-presença do Sol, de Júpiter e de Vénus neste signo. No Sonho de Cipião, Cícero designa Júpiter como “aquele fulgor próspero e salutar” (De re publica, VI, 17: prosperus et salutares ille fulgor). Aquando do ingresso, o Mercúrio não faz qualquer aspecto aos planetas no signo por ele regido. Este elemento interpretativo, a par da quadratura a Saturno e Neptuno em Peixes e do sextil à conjunção de Marte e da Caput Draconis em Carneiro, revela a dificuldade de fixar como bem, e como apela Júpiter em Gémeos, a premissa de Plutarco de que “A formação é o único dos bens que temos que é imortal e divino.” Esse é um potencial que pede efectivação. A incompletude do propósito, dessa via da inteligência, pode ser também compreendida pela astrologia. Mercúrio tem o seu domicílio em Gémeos e em Virgem, todavia, é em Virgem que encontra a sua exaltação. Um dos lugares de domicílio (Gémeos) e o de exaltação (Virgem), que é também domicílio, lançam entre si raios quadrangulares, o que só acontece com os maléficos (Marte, Carneiro e Caranguejo, e Saturno, Capricórnio e Balança). Virgem, por indicar uma deusa, mostra essa finalidade divina: a sabedoria. Já Gémeos traduz um caminho, um que é frequentemente rejeitado.

   No tema do ingresso de Júpiter de Gémeos, existem outros elementos a assinalar. O primeiro concerne ao facto de só a Lua é que está acima do horizonte. É uma deusa solitária, ascendendo a partir de um lugar débil. A Lua em Capricórnio oculta na noite escura a Cornucópia de Amalteia. A fortuna espera o momento oportuno e o forçar do momento é sempre sinal de infortúnio, daí que o ingresso ocorra no lugar da Má Fortuna (VI). Por outro lado, e reforçando a debilidade lunar, o corpo do Dragão da Lua afunda-se na realidade. A Caput em Carneiro encontra-se na IV e a Cauda em Balança na X. Cerca de dezoito horas após o ingresso, a Lua estará em quadratura exacta ao Dragão da Lua, o que, segundo os antigos, era sempre um sinal de desventura e adversidade. Ora o valor destas significações serve também para afirmar que, por vezes, pode existir ou persistir o engano de que Júpiter traz sempre a fortuna. Em certas situações, a dádiva é um valor oculto e esse dragão de luz e sombra traz consigo uma crise na identidade, na ponte entre a unidade e a dualidade.   

   O trígono entre Júpiter, Vénus e o Sol em Gémeos e Plutão em Aquário vem confirmar e adensar o sentido da ambivalência geminiana descrita na abordagem astro-mitológica. O eixo entre o humano e o divino que coloca os Dióscoros entre o Hades e o Olimpo, entre o Submundo e o Céu, possibilitando uma ponte da morte à eternidade, da corrupção à elevação. Não podemos esquecer, contudo, que é a Necessidade, o destino, que estabelece as linhas que tecem estes eixos. A quadratura dos planetas em Gémeos a Saturno e a Neptuno em Peixes trazem consigo o desafio da integração do destino e da compaixão nessa ambivalência radical. A chave-mestra para esse desafio pode ser encontrada no sextil entre Saturno e Neptuno em Peixes e Mercúrio e Úrano em Touro. Esta é uma chave encerrada dentro desse trígono de Júpiter e Plutão. A liberdade humana não altera o destino, permite, como afinidade electiva, a escolha do conhecimento e da senda da sabedoria. Ora este sextil oferece a possibilidade de se integrar na imensidão do tempo a restruturação do conhecimento.

   A anterior co-presença de Júpiter e Úrano em Touro e a actual de Mercúrio e Úrano, com Júpiter passando para o signo regido por Mercúrio, indica, entre muitas outras coisas, a revitalização do conhecimento astrológico. Este momento serviu de marco, de síntese, de uma revolução no conhecimento astrológico. Nos últimos anos, acentuando uma tendência das últimas décadas, a astrologia largou as amarras de um ciclo que se estendeu do final do século XIX até às últimas décadas do século XX. A predominância de uma astrologia dependente de movimentos espirituais, muito distante do conhecimento académico e frequentemente superficial, deu lugar a uma restruturação dos sistemas astrológicos, fundamentada sobretudo na história da astrologia e na astrologia tradicional, e deixando-se influenciar paralelamente pela psicologia e pela filosofia. A astrologia antiga ou helenística é quiçá o melhor exemplo deste novo ciclo. Com ela, temos modelos astrológicos recuperados e renovados, mas também a possibilidade de uma filosofia da astrologia. Este é um bom exemplo e um sinal dos tempos. São as centelhas de conhecimento que iluminam a escuridão da ignorância.

   O ingresso de Júpiter em Gémeos recupera como bem o raciocínio e a inteligência. Porém, por muito que a dádiva seja natural, ela pede uma disposição electiva. Temos de escolher para além dos bens mais fáceis, líquidos e passageiros e, entre o humano e o divino, a palavra e a comunicação podem tanto ascender à realidade celeste e supra-humana como espalhar-se por entre a ignorância, a desinformação e a mentira, próprias da humanidade e da sua desmedida. Como senhor do espaço, Júpiter em Gémeos expande a palavra, todavia, o valor da palavra, a finalidade do seu sentido, depende do humano. Em suma, Júpiter em Gémeos é uma proposta para se encontrar a dádiva do bem numa ambivalência radical entre o que nos eleva e o que nos afunda, entre o divino e o humano.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Júpiter Retrógrado: De 4 de Setembro a 31 de Dezembro de 2023


Júpiter Retrógrado: De 4 de Dezembro a 31 de Dezembro.

Júpiter Retrógrado a partir das 15h11min do dia 4 de Dezembro.

Reflexões Astrológicas 2023: Retrogradação de Júpiter

  Reflexões Astrológicas


Retrogradações


Retrogradação de Júpiter

Lisboa, 15h11min, 04/09/2023

 

Júpiter

Decanato: Lua

Termos: Júpiter

Monomoiria: Mercúrio     

 


  Júpiter inicia a sua retrogradação no signo de Touro, no 16º grau (15º34΄), estando Sagitário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, o lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato da Lua, nos termos de Júpiter e na monomoiria do Mercúrio. A retrogradação começa assim de dia, abaixo do horizonte e depois do Sol passar a culminação. Em 2023, o movimento em que Júpiter nos concede a ilusão de estar a recuar estender-se-á até 31 de Dezembro, onde estará no 6º grau (5º34΄), nos termos de Vénus. Existirá pois um caminho de reintegração do potencial do bem entre os termos de Júpiter e os de Vénus, oposto ao que se assistiu na retrogradação de Vénus, quando o caminho se estendia entre os maléficos.  

  A ligação entre os benéficos torna-se particularmente expressiva se pensarmos que a retrogradação de Vénus termina quando vai começar a de Júpiter. A potencialidade do bem afirma-se durante todo este período com uma qualidade reflexiva, um meio de efectivação futura. Por outro lado, existe no fenómeno astrológico de retrogradação uma certa forma de negação da acção planetária. Ora é neste sentido que Hermann Melville, em Bartleby, o Escrivão (1853), expressou uma categoria filosófica que pode também ser entendida como um modo último de vida. A impotência, a não-potência, o acto de contrariar a acção impõe-se como possibilidade, como uma permanência na possibilidade. O dizer “Prefiro não o fazer” é o baluarte supremo da resistência, revelando que pode, mas prefere não o fazer.

  Existe aqui uma deliberação, uma escolha, que, embora impeça o acto, a realização, não deixa de ser activa. No entanto, para a astrologia, a retrogradação vai fixar-se entre a potencialidade, a impotência e a não-potência, não tanto por liberdade ou negação, mas por ser uma condição sine qua non, um meio através do qual a criação e a acção geram as suas raízes. Este processo de enraizamento contempla necessariamente a condição nefasta ou desvantajosa, descrita por Doroteu (Carmen Astrologicum, I, 6) ou por Paulo de Alexandria (Introdução, capítulo 14), sem perder, todavia, o carácter de semente. Por exemplo, Hades/Plutão é tanto o deus do submundo, dos mortos, como o deus da abundância, pois é sob a terra que a semente germina, ou não. Na retrogradação de Vénus e Júpiter, temos de considerar, desta forma, o enraizamento do bem e da justiça e, enquanto semente, o seu potencial de dádiva ou bênção. Esta terá de ser, neste caso, a matriz dos conceitos de δύναμις e de ἐνέργεια quando aplicados à astrologia.

  O sentido da retrogradação de Júpiter pode ser apreendido, à semelhança do que fizemos com Vénus, por uma análise astro-mitológica. A passagem de Júpiter pelo signo de Touro está intimamente associado ao Zeus cretense e à sua submissão à Grande Mãe, à deusa Reia. Seguindo essa interpretação, a retrogradação de Júpiter em Touro pode ligar-se, na teogonia cretense, ao momento em que os Curetes, os jovens guerreiros, dançam e brandem os seus escudos em redor de Zeus recém-nascido, para que o choro do jovem deus seja abafado e imperceptível para Cronos/Saturno, o pai reinante que devorava os próprios filhos. A acção dos Curetes é um acto iniciático, um que guarda o potencial de Zeus.

  Por outro lado, é a forma como Zeus se torna senhor do Olimpo, como adquire os seus poderes (potencialidades), que melhor descreve e define a retrogradação de Júpiter. O grande benéfico, seguindo as tradições matriarcais e matrilineares, embora algo corrompidas pela literatura já androcêntrica, herda os seus poderes de divindades femininas. Em termos astrológicos, este aspecto justifica, por exemplo, o facto de Caranguejo ser o lugar de exaltação de Júpiter. A misoginia, deliberada ou meramente ignorante, que ainda persiste em muita interpretação astrológica pode ficar um pouco arrepiada, mas a leitura astro-mitológica comprova esta raiz de sentido. As uniões de Zeus com outras divindades femininas são a forma de este adquirir os seus poderes.

  Ora é seguindo essa tradição mitológica que Hesíodo afirma o seguinte: “Zeus, rei dos deuses, tomou por primeira esposa Métis,/ a que mais sabe sobre os deuses e os homens mortais./ Mas, quando ela estava prestes a dar à luz a deusa Atena de olhos garços,/nessa altura, ele enganou o seu espírito,/com palavras ardilosas, e engoliu-a no seu ventre,/ por conselho da Terra e do Céu coberto de estrelas./ Ambos o aconselharam assim, para que o poder régio/ não pertencesse a nenhum outro dos deuses que vivem sempre, senão a Zeus./ Porque estava predestinado que dela nascessem filhos muito inteligentes:/ a primeira, a filha de olhos garços, a Tritogéneia,/ detentora de força e de uma sábia vontade igual à do pai;/ depois, seria a vez de um filho, rei dos deuses e dos homens,/ que ela daria à luz, um filho de coração soberbo./ Mas, antes, Zeus engoliu-a no seu ventre,/ para que a deusa lhe pudesse aconselhar o que é bom e o que é mau.” (886-900, trad. A. Elias Pinheiro & J. Ribeiro Ferreira. 2005: 74. Lisboa: IN-CM). Depois de Gaia e Reia, Métis é a primeira a permitir a hegemonia de Zeus/Júpiter. Na verdade, Atena nasce posteriormente com a condição de filha sem mãe, anulando o poder matrilinear. Este aspecto determina a forma como Zeus/Júpiter adquire o seu poder através de uma eliminação do poder feminino.

  A sua segunda esposa é Témis, a mãe das Horas e das Moiras. Esta concede ao deus o poder da justiça que, com o intelecto de Métis, vai estabelecer a sua omnisciência. Depois segue-se Eurínome, com quem teve as Graças e que, segundo a teogonia pelasga, foi a primeira a reinar no Olimpo, num tempo anterior ao de Cronos e de Zeus. Com Mnemósine tem as Musas, com Deméter, Perséfone, e com Latona, Apolo e Ártemis. Os poderes da memória e poderes sobre a terra, o sol e a lua são adquiridos assim através destas deusas e passados para a sua prole. A sua última esposa, aquela que ficou mais marcada na tradição e mais adulterada pela misoginia dos tempos, é Hera, com quem terá tido Hebe, Ares e Ilitia. Hera era uma grande deusa, adorada em Argos, em Samos e na Argólida e venerada em Olímpia antes do próprio Zeus, mas que a tradição descreve apenas como a esposa ciumenta e vingativa.

  A passagem do poder, das potencialidades radicais, das antigas divindades femininas para Zeus firma astrologicamente esse movimento que vai da retrogradação ao estado directo. Em 2023, retrogradação acontece não de forma isolada, mas como um acorde da música das esferas. Primeiro, inicia-se após a retrogradação de Vénus. Quando esta começou, Gémeos marcava a hora (tema de Lisboa) e agora quando Júpiter nos ilude com o seu retrocesso, é Sagitário que marca a hora. O eixo do conhecimento e da sabedoria fundam a interiorização da dádiva do bem. Paralelamente, a retrogradação de Júpiter inicia-se com cinco planetas retrógrados (Mercúrio, Saturno, Úrano, Neptuno e Plutão), acentuando-se assim a já descrita qualidade do estádio.

  No período em que Júpiter estará retrógrado, ou seja, de 4 de Setembro a 31 de Dezembro de 2023, devemos destacar os seguintes movimentos planetários: Mercúrio avançará de Virgem até Carneiro, estando retrógrado de 23 de Agosto a 15 de Setembro e de 13 de Dezembro a 2 de Janeiro de 2024, aqui já para além do período indicado; Vénus passará pelos signos de Leão a Sagitário; Marte transitará pelos signos de Balança, Escorpião e Sagitário; Saturno em Peixes ficará directo a 4 de Novembro; Neptuno também em Peixes passará a directo a 6 de Dezembro; e Plutão em Capricórnio terminará a retrogradação a 11 de Outubro, preparando agora o seu derradeiro périplo por esta constelação. Por fim, é preciso destacar o eclipse solar a 14 de Outubro e o eclipse lunar a 28 de Outubro. Estes são uma parte dos acordes celestes que nos acompanharão nos próximos tempos.

  O tema do início da retrogradação Júpiter é também um importante meio de análise do período que agora se inicia. Primeiramente é preciso considerar aqueles que estão co-presentes. Neste caso, Júpiter faz-se acompanhar pela Lua e por Úrano e, estando entre eles, firma-se um caminho de luz que se afunda sob o horizonte de Úrano à Lua. Esta é deveras importante, pois Touro é o seu lugar de exaltação. Aqui a Lua é Métis e todas as outras deusas que deram os poderes a Zeus. O caminho luminar agora descrito assinala também a ascensão de Zeus, pois começa com a castração de Úrano e subida de seu pai, Cronos/Saturno, ao trono do Olimpo e estende-se até às uniões com as deusas antigas e que permitiram a assimilação dos seus poderes.

  Por outro lado, a quadratura que se estabelece entre os benéficos é bastante significativa, senão mesmo estruturante e, por se dar em signos cardinais, vai fundar os movimentos colectivos e pessoais de integração dos conceitos ou ideias de verdade, de bem e de justiça. Por se estar a falar de Júpiter, os princípios vão adquirir um valor espacial e, por confirmação ou negação, vão espalhar-se ou afastar-se de tudo aquilo que nos rodeia. Se pensarmos que a retrogradação de Vénus terminou quando a de Júpiter começou, esta quadratura vê expandido o seu sentido profundo, aquele que, segundo Petosíris, nos diz que uma tensão quadrangular entre os benéficos não é necessariamente má. Uma tensão do bem não cria o mal. No entanto, devemos considerar sempre o seu valor reflexivo e estruturante. Vénus em Leão, no lugar de deus (IX), vem dizer-nos que a nobreza da alma pode triunfar sobre a má fortuna ou a suspensão da fortuna (Júpiter retrógrado em Touro, na VI), mas o egocentrismo e a vaidade não triunfarão.

  A posição de Júpiter em Touro, com a Lua e Úrano, insere-se num triângulo, fundado no elemento Terra, com o Sol e Mercúrio retrógrado em Virgem e com Plutão retrógrado em Capricórnio. A retrogradação tem o sentido que já abordámos. O potencial do valor da Terra, como elemento de estruturação da realidade, assume agora um sentido mais profundo, tanto pela sua expressão mais negativa, e que é observável nas várias formas de alienação que as estruturas materiais de valor produzem, como por tudo aquilo que ainda se pode produzir e que pode transformar beneficamente a humanidade. Esta posição triangular traz o destino para a integração do elemento Terra. Para a humanidade, é difícil criar estruturas colectivas, fundadas no elemento Terra, pois a partilha de riqueza, a igualdade, a solidariedade e a justiça social têm sempre uma qualquer forma de resistência. Se as considerarmos a partir dos elementos Água, Ar ou Fogo, como sentimentos, ideias ou princípios espirituais, é mais fácil, mas quando mexe com a carteira ou o estilo de vida, aí é que as coisas se complicam.

  O sextil de Júpiter, da Lua e de Úrano em Touro a Saturno e Neptuno em Peixes e destes últimos a Plutão em Capricórnio vai obrigar a fluir, esses dons ou penas da Terra, por entre os sentidos de necessidade e de solidariedade, nas águas universais. Estes aspectos vão servir de fundação da realidade, de restruturação a partir de valores antigos, de ideias que foram desenvolvidas, mas que aguardam uma expressão renovada. A oposição do Sol e Mercúrio retrógrado em Virgem a Saturno e Neptuno, ambos retrógrados, em Peixes aponta para esse caminho. Existem dois exemplos que servem esse propósito de recriação conceptual. De um lado, temos o hermetismo e o gnosticismo e, do outro, temos o estoicismo. Estes movimentos filosóficos e espirituais trazem assim para o nosso tempo uma expressão renovada e, na verdade, são todos muito próximos da astrologia, sendo até as suas maiores matrizes filosóficas.  

  A retrogradação de Júpiter que domina sempre uma parte considerável do ano astrológico é um período fértil em oportunidades, mesmo que nem sempre de forma explícita. É preciso encontrar os dons da verdade, do bem e da justiça nesse processo necessário de ensimesmamento individual e colectivo. Não devemos portanto temer o voltar a si, esse retorno ao potencial, à raiz, da nossa existência.

terça-feira, 16 de maio de 2023

Júpiter em Touro: De 16 de Maio de 2023 a 26 de Maio de 2024


Júpiter em Touro: De 16 de Maio de 2023 a 26 de Maio de 2024

Júpiter ingressa em Touro às 18h20min.

Reflexões Astrológicas 2023: Júpiter em Touro

 Reflexões Astrológicas


Ingressos


Júpiter em Touro

Lisboa, 18h20min, 16/05/2023

 

Júpiter

Decanato: Mercúrio

Termos: Vénus

Monomoiria: Vénus  

 

 

  O ingresso de Júpiter em Touro ocorre com Balança a marcar a hora, para o tema de Lisboa e, deste modo, na VIII, no Lugar da Morte (θάνατος), da qualidade da morte, no decanato de Mercúrio, nos termos e na monomoiria de Vénus. O ingresso dá-se assim acima do horizonte e a duas horas e vinte e cinco minutos do pôr-do-sol. Júpiter encontra-se, deste modo, favorecido por estar no seu próprio segmento (αἵρεσις) e acima do horizonte. O estudo deste ingresso e do seu tema é essencial para a compreensão dos tempos que se avizinham. A análise relativa dos ingressos de Júpiter e Saturno em 2023 atribuirá uma qualificação estrutural dos elementos significativos que definem, consequentemente, o ano em curso.  

  No tempo (Saturno) e no espaço (Júpiter), o Eterno Feminino tornar-se-á a dádiva da transformação. Esta é uma ideia que explorámos quando Saturno ingressou em Peixes e que agora, com entrada de Júpiter em Touro, é reafirmada. Partindo da premissa que é o planeta que transmite as suas qualidades ao lugar (signo) e não o contrário, podemos concluir que Júpiter chega à casa, ou ao templo, da Grande Mãe. Touro é, por excelência, o lugar da Mãe-Terra, da Mãe dos Deuses. A natureza criadora é particularmente activa neste lugar e, nesse sentido, será aí que Júpiter expressará as suas qualidades. A pergunta que se coloca é saber que Júpiter é que encontraremos neste lugar. E não, não pensemos, baseados no androcentrismo do pensamento astrológico comum, que vamos encontrar aqui o senhor do Olimpo, sentado no seu trono. A melhor imagem de Júpiter em Touro surge naturalmente da mitologia e da sua tradição. Zeus em Creta firmar-se-á como sentido profundo deste ingresso.  

  Em Creta, o mito do nascimento e da infância de Zeus são elementos mitológicos que tornam o deus dependente, ou subalternizado, face ao númen feminino. Reia é uma Grande Mãe, frequentemente desvalorizada. Antonino Liberal afirma o seguinte: “Conta-se que existe, em Creta, uma gruta sagrada cheia de abelhas. No seu interior, conforme afirmam os narradores, Reia deu à luz Zeus. Trata-se de um local sagrado de que ninguém deve aproximar-se, seja deus ou mortal. Numa certa altura de cada ano, diz-se que uma grande labareda emana da gruta. Na sequência da história, diz-se que isto acontece sempre que o sangue proveniente do nascimento de Zeus começa a fervilhar. As abelhas sagradas que eram amas de Zeus ocupam esta gruta.(Metamorfoses, 19, ed. R. M. Troca Pereira. Coimbra, 2017: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017). As abelhas, o parto e a nutrição são elementos que estabelecem aqui uma hegemonia do Sagrado Feminino. Por outro lado, não em Creta, mas sim na Arcádia, Pausânias conta-nos que o Lymax, na Figália, um afluente do Neda, é um rio que teve a sua origem na limpeza de Reia após o parto, depois do nascimento de Zeus, pois a ninfas que a auxiliaram atiraram para o rio os restos da dequitação (placenta e membranas), também nos diz ainda que, perto da nascente do Alpheio, existia um templo sem telhado, com dois leões de pedra, dedicado à Mãe dos Deuses (Descrição da Grécia VIII.41.1 e VIII.44.5). Este é o poder do divino feminino.

  Zeus/Júpiter nasce em Creta, quando Reia fugia de Cronos/Saturno que queria devorar o seu filho, tal como fizera com os seus irmãos. Reia dá à luz numa caverna, no Monte Dícti, e depois entrega a criança aos cuidados das ninfas Adrasteia e Ida e dos Curetes. O jovem Zeus será alimentado pela cabra Amalteia (Capricórnio) e por abelhas, ou seja, com leite e mel. Os elementos ou categorias ginocêntricas superiores a uma divindade masculina são aqui determinantes. Às deusas minóicas com serpentes, encontradas no Palácio de Cnosso, junta-se o culto do touro em Gotina, representado, por exemplo, pelo rapto de Europa, quando Zeus, sob a forma de touro, leva a filha do rei de Tiro, Agenor, para Creta. Por outro lado, temos, também de acordo com a tradição mitológica, a história de Pasífae, do Touro e do Minotauro, mas igualmente o trabalho de Hércules em que este terá de tomar o Touro de Creta. A relação entre a Grande Mãe, Zeus/Júpiter e o Touro são a matriz de sentido que define o ingresso de Júpiter em Touro. Zeus é aqui “o Touro de sua Mãe”. De um poder matriarcal, inaugura-se um poder matrilinear, tanto que Zeus/Júpiter só conseguirá desafiar e destronar o seu pai, Cronos/Saturno, com o auxílio de divindades femininas, nomeadamente a sua mãe (Reia) e a sua avó (Gaia). 

  A viagem de Júpiter pela constelação de Touro inicia-se a 16 de Maio de 2023 e termina a 26 de Maio de 2024, tendo um período de retrogradação de 4 de Setembro a 31 de Dezembro de 2023. É portanto um trânsito consistente, sem saídas e reingressos como aquele que observamos em Carneiro ou em Peixes. Essa afirmar-se também como significação estrutural de Touro, um signo de Terra. Existe, durante o período deste ingresso, uma relação íntima com a retrogradação, em especial, com a de Vénus (23/07 a 04/09/2023) que termina quando a de Júpiter começa, mas também com a Saturno (17/06 a 04/11/2023), ou seja, a matriz primordial das potencialidades planetárias pede uma renovada efectivação, o processo inaugural de passagem de sentido entre a potência e o acto traz até nós uma nova proposta criativa. Paralela ao estado relativo de retrogradação planetária, encontramos a relação elemental, aquela que une harmoniosamente Júpiter (Touro/Terra), Saturno (Peixes/Água), Úrano (Touro/Terra), Neptuno (Peixes/Água) e, por algum tempo, Plutão (Capricórnio/Terra). Na verdade, só este último, ao encontrar-se em Aquário (Ar), vai criar uma tensão elemental. A harmonia em torno de elementos femininos (Terra e Água) reafirma tudo aquilo que já foi mitologicamente referido.

  A análise do tema de ingresso apresenta, para além da assinalável concentração de luz no signo de Touro, a semelhança do eixo de culminação com aquele que regeu o eclipse lunar. Marte e Plutão continuam, respectivamente, no cume e no abismo, estendendo, entre si e os pólos os que definem, uma promessa de destruição que surge como aviso ou lembrança. Este marco na estrada diz-nos que o criar e o destruir são duas faces de uma mesma realidade. No entanto, se compararmos com o tema do eclipse lunar, Marte afasta-se da culminação, encontrando-se no signo seguinte. A ausência de planetas entre a ascensão e a culminação vem retirar alguma firmeza ou aspereza a esta posição. O trígono entre os maléficos (Marte em Caranguejo e Saturno em Peixes) diz-nos que esta destruição não acontece por acidente, não é fruto do acaso, ela surge porque faz parte do destino, resulta da necessidade, de uma causalidade natural. Tudo está de acordo com a natureza.

  A forma como a luz se reúne em Touro confirma a superioridade do poder da natureza sobre a realidade humana. Gaia impõe a sua vontade. A vingança de Gaia é hoje tão real como a soberba humana. A natureza está recriar as suas estruturas, mesmo que isso produza destruição. Em Touro, existe um caminho de luz do Sol a Júpiter, passando por Úrano, Mercúrio e a Caput Draconis e avançado até ao Poente, a seguir ao qual se encontra a Lua, em Carneiro e já sob o horizonte. Esta é uma posição onde a Lua se encontra enfraquecida e subjugado ao poder masculino e que conduz, sobretudo se considerarmos a posição de Marte em Caranguejo e consequente quadratura à Lua, àquilo que anteriormente se referiu como o medo do feminino. Este tende a gerar formas de violência contra as mulheres e reservas na adopção espiritual do Sagrado Feminino. No entanto, o facto de Vénus e Marte se encontrarem juntos, em Caranguejo, mostra que o medo não esconde ou anula a atracção. Com Vénus e Marte em Caranguejo, o herói quer obter o amor da Grande Mãe, quer regressar a casa, à origem.

  A posição relativa de Júpiter estabelece a qualidade do seu ingresso. Se, por um lado, temos a conjunção em Touro que agrega uma qualidade que confere luz, intelecto, razão, inovação e necessidade à dádiva do bem, por outro lado, a forma como estes raios se unem aos demais vai intensificar a sua qualidade. Primeiro, não existe nenhuma outra relação com o elemento Terra. Com a Água, temos os dois sextis: o primeiro com Vénus e Marte em Caranguejo e o segundo com Saturno e Neptuno. Com o Fogo, também não existe uma ligação, exceptuando a quadratura ao Ponto de Culminação. E com o Ar, temos a quadratura com Plutão em Aquário e com o Ponto Subterrâneo. Estas são ligações que se estabelecem com Júpiter e com aqueles que estão co-presentes no signo de Touro e que confirmam astrologicamente tudo aquilo que já se explorou. Existe pois uma união entre o sentido mitológico e a significação astrológica e esta aprofunda uma mensagem que anuncia a aurora de uma Nova Era.

  O ingresso de Júpiter em Touro reúne o sentido de dádiva, que é próprio de qualquer benéfico, neste caso, a bênção do bem e da justiça, com a Natureza e com a Grande Mãe. Esta é uma significação que não devemos perder de vista e pode ser conciliada, colocada em harmonia e concórdia, com qualquer outra que se possa apresentar. A beleza do pensamento é a sua pluralidade e astrologia deve ser plural como o universo.          

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

As Órbitas de Júpiter e Saturno e os Ciclos de Vida



  As órbitas de Júpiter e de Saturno, tanto na astrologia tradicional como na astrologia moderna ou contemporânea, são porventura as que melhor definem o ser humano e os seus ciclos de vida, pois numa análise do tempo são aquelas que melhor se relacionam com a extensão da vida. As órbitas de Mercúrio, de Vénus e Marte determinam mais o quotidiano que os ciclos de vida e as órbitas de Úrano, de Neptuno e Plutão apontam para uma análise que ultrapassa os limites de uma vida, sendo portanto mais relevantes para uma astrologia aplicada à história que a uma astrologia individual. Porém, estes planetas contribuem de forma parcelar para ideia de ciclos de vida.

  Úrano completa o seu retorno em cerca de 84 anos. Dessa forma, teremos uma oposição de Úrano aos 42 anos, um sextil aos 14 e aos 70, uma quadratura aos 21 e aos 63 e um trígono aos 28 e aos 56. Nos casos de Neptuno e de Plutão, já não consideramos um ciclo completo, mas sim alguns segmentos da sua órbita. No caso de Neptuno, podemos avaliar um sextil aos 27 anos, uma quadratura, aos 41, um trígono, aos 54 e uma oposição, aos 82. Já Plutão apresenta um sextil, aos 41, uma quadratura, aos 62 e um trígono, aos 82. Naturalmente, o aumento da esperança média de vida leva a que, por vezes, tenha de se ampliar a escala de tempo avaliada. De fora, fica a Lua e o Sol, pois o seu movimento, real e aparente, traduz, mais que um ciclo de vida, uma condição de possibilidade para a própria vida, daí que sejam designados como luminares. O Sol e a Lua, na relação entre o tempo e a vida, representam a medida e o valor da luz e é dessa forma que devem ser estudados. 

  O espaço e o tempo são as categorias expressas por Júpiter e Saturno e pelas suas órbitas. A posição relativa destes planetas no sistema solar aponta para esse carácter intermédio ou demiúrgico. Existe assim um valor de passagem nestes dois astros, pois indicam o espaço e o tempo que medeiam os dois segmentos: aquele constituído por Mercúrio, Vénus e Marte e aquele formado por Úrano, Neptuno e Plutão. Exclui-se a Terra, a Lua e o Sol pelas razões acima indicadas e pelo de facto de uns serem o espelho dos outros, pois Mercúrio une-se a Úrano, Vénus, a Neptuno e Marte, a Plutão. Por outro lado, a órbita de Júpiter, medida em 4.331,572 dias (11 anos, 10 meses e 10 dias), ou seja, cerca de 12 anos, e a órbita de Saturno, medida em 10.759,22 dias (29 anos, 5 meses e 14 dias), introduzem uma unidade simbólica com o Sol e a Lua.

  A relação entre o Sol e Júpiter é facilmente compreensível, tanto de forma empírica como matemática, pois se dividirmos a órbita de Júpiter pelo período sideral do Sol (365 dias, 6 horas, 9 minutos e 9,8 segundos) encontramos um número que arredondado dá 12. O doze expressa a segmentação do Sol e de Júpiter: um, em meses e o outro, em anos. Por outro lado, se dividirmos a órbita de Saturno pelo período sinódico da Lua (29,530589 dias) chegamos ao resultado de 364, um número muito próximo da unidade do ano solar. Neste caso, também se pode relacionar, de modo imediato, a órbita de Saturno, de cerca de 29 anos e 5 meses, com o movimento orbital aparente de 29,5 dias da Lua. Esta relação foi vertida na mitologia, pois Saturno (Cronos) assume um carácter ctónico, próximo do feminino e da Lua, e Júpiter (Zeus) declara sua natureza olímpica e solar. Segundo a lição de Nietzsche, Saturno e a Lua estão para dionisíaco como Júpiter e o Sol estão para apolíneo. 

  As tabelas apresentadas resumem as órbitas de Júpiter e Saturno e traduzem a sua afinidade com os ciclos de vida. No entanto, o modelo indicado representa um sistema-padrão que, por essa mesma razão, não pode contemplar algumas especificidades. A primeira resulta da divisão aritmética da órbita sem considerar a sua natureza elíptica, a qual, embora seja a real, não introduz o simbolismo do círculo que é tão caro à linguagem astrológica. A segunda, e que conduz a uma diferença quantitativa no cálculo astrológico, resulta do facto de a órbita considerada ser a sideral e não aquela que é representada na eclíptica, daí que entre o valor dos ciclos e aquele expresso pelo trânsito astrológico possa existir uma pequena discrepância. Contudo, existe uma relação dinâmica, uma representação de tempo e vida, entre a posição orbital de um astro em torno do Sol e a posição simbólica desse mesmo astro na eclíptica. 

  Devemos considerar portanto os períodos de tempo entre uma e outra como uma linguagem de vida, não apenas aquela que a biologia determina, mas sim aquela que se torna uma génese de sentido. Nem o astrólogo se pode fechar no mapa astrológico, gerado por um software, nem o astrónomo se pode cingir aos cálculos, é importante conservar um certo deslumbramento. O olhar o céu deve preservar um espanto inaugural. Por fim, as tabelas, por  se firmarem no movimento destes astros em torno do Sol, não referem os períodos de retrogradação. Estes, à semelhança das cartas invertidas no Tarot, fixam-se numa noção de perspectiva e sentido, contrário ao valor do real, mas sem que por isso percam o seu significado. Revelam a dicotomia elementar que persiste na natureza. 

  Em suma, deve-se tecer uma afinidade electiva entre os períodos de tempo resultantes da órbita destes astros e os que resultam do sistema astrológica. A esse tempo singular, expresso por ciclos de vida, atribui-se um carácter de transformação.



segunda-feira, 10 de abril de 2017

O Número de Casamentos segundo Doroteu de Sidon

Doroteu de Sidon
(Século I da E.C.)
Pentateuco 
Ou
Carmen Astrologicum
Livro II, 5
Acerca do Número de Casamentos

Pingree, David (Ed.),
Dorothei Sidonii Carmen Astrologicum, p. 50.

Se se desejar saber com quantas mulheres vai um homem casar, então deve-se marcar do Meio do Céu até Vénus, o número de planetas que estiver entre os dois indica o número de mulheres com quem irá casar, porém, sempre que se encontrar Saturno, deve-se esperar frieza e tensão, e se se encontrar Marte, deve-se esperar a morte, a menos que sobre ele existam aspectos benéficos. Nas natividades das mulheres, se se desejar saber com quantos homens vai casar, então deve-se contar do Meio do Céu até Marte, mas se Marte estiver no Meio do Céu, deve-se contar do Meio do Céu até Júpiter, o número de planetas que estiver entre os dois indica o número de homens com quem vai casar. Se, a partir do Meio do Céu, Vénus estiver cadente, pode-se dizer que existirá pouca constância do homem para com as mulheres, o mesmo se pode afirmar em relação às mulheres se Marte estiver na sétima.

(...)

Doroteu de Sidon, Carmen Astrologicum, II, 5.  Tradução RMdF.


Versão Utilizada:
Pingree, David (Ed.), Dorothei Sidonii Carmen Astrologicum. Leipzig: Teubner, 1976, p. 50 e 204.


 Comentário

   Em teoria, o método apresentado por Doroteu de Sidon sustenta-se num modelo formal e material válido e plausível, todavia a verificação dos seus pressupostos permite que se estabeleçam algumas inconsistências. Em primeiro lugar, deve-se ter em consideração que o modelo é  constituído apenas por sete astros (Sol, Lua, Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno, isso se o Sol e a Lua forem incluídos na designação de planeta), pois Úrano, Neptuno e Plutão ainda não haviam sido descobertos e, uma vez que a astrologia tradicional se fundamenta no que é observável pelo olhar humano, também não devem  ser considerados. Dos sete astros, ainda temos de reduzir um, Vénus para os homens e Marte ou Júpiter para as mulheres. Desta forma, só existem seis astros disponíveis e, como a probabilidade de estarem todos ou quase todos entre o Meio do Céu e o respectivo planeta é limitada, então o número de casamentos possíveis está restringido a um valor pequeno. 

   Este aspecto levanta alguns problemas, sobretudo em casos como, por exemplo, o de Elizabeth Taylor, que casou oito vezes, embora duas delas com Richard Burton. Ora Elizabeth Taylor  tem o Meio do Céu a 14° de Balança e Marte a 1° de Peixes e entre eles estão apenas a Lua e Saturno. Apesar do elemento quantitativo, descrito por Doroteu de Sidon, não se verificar neste caso, o valor do sentido não deixa de ser relevante, pois, por um lado, a presença da Lua e de Saturno aponta para instabilidade emocional e relacional na vida de Elizabeth Taylor como, por outro lado, permite que se estabeleçam interpretações que vinculam, por exemplo, a Lua em Escorpião com a morte de Michael Todd, seu terceiro marido, e a dor dessa perda, bem o peso das dívidas herdadas, e, noutro exemplo, o Saturno em Aquário com a relação tempestuosa com Richard Burton, onde a liberdade emocional de Taylor foi restringida, de tal modo que iniciou uma relacionamento extraconjugal com o Embaixador Iraniano Ardeshir Zahedi. Desta forma, embora o elemento quantitativo produza inconsistências, o valor material e significativo permite que o contributo de Doroteu de Sidon continue actual.

   Um outro aspecto que também deve ser considerado é a natureza do conceito de casamento, que evoluiu ao longo dos tempos. Neste quadro interpretativo de Doroteu de Sidon, deve-se estabelecer como premissa a natureza dos relacionamentos a considerar, onde um mero pressuposto legal pode não ser suficiente. Por exemplo, até ao Sinodo de Whitbey, em 664 E.C., os povos da antiga Bretanha praticavam um casamento, Handfasting, que era celebrado por um ano e um dia, após esse período os esposos decidiam se este continuava ou não. A consumação também pode ser um requisito prévio para constar no número estabelecido por Doroteu de Sidon, bem como qualquer forma de relacionamento íntimo que implique a vida em comum. Ou, por outro lado, deve-se enumerar apenas aqueles que se estabeleceram numa base afectiva genuína?  Esta questão é de suma importância, pois é a sua resposta que permite atestar a veracidade do método proposto.

   Por fim, a questão textual e acerca das fontes também merece alguma atenção. Doroteu de Sidon terá escrito a sua obra entre os anos 25 e 75 da nossa era e, embora fosse originário de Sidon, uma parte significativa da sua vida terá sido passada em Alexandria. O Carmen Astrologicum ou Pentateuco é um texto sobre astrologia, escrito em verso, e que se destaca por ter sido o primeiro texto de que se conhece a incluir as katarchai, as Interrogações ou Eleições, as quais se tornaram em importantes indicadores da actividade dos astrólogos e dos motivos que levavam as pessoas a procurá-los. Doroteu distinguiu-se também de Ptolomeu por incluir as Partes na sua obra. O Carmen Astrologicum tornou-se num texto importante que serviu de fonte para, por exemplo, Heféstion de Tebas e Firmicus Maternus. No Catalogus Codicum Astrologorum Graecgrum (CCAG), podemos encontrar cerca de trezentos fragmentos da obra de Doroteu de Sidon, que serviram de fonte directa para os seus textos, mas foi a partir da edição de David Pingree que pudemos aceder à maioria do Carmen Astrologicum. Essa edição sustenta-se em primeiro lugar nas versões de Abû Hafs 'Umar ibn Farrukhân Tabarî, conhecido no ocidente como Omar Tiberiades, que datam de 800 E.C. e baseiam-se numa tradução pahlavi, ou seja, persa, do século III. Existe também uma outra versão árabe, de cerca de 770 E.C., com um carácter  fragmentário e atribuída a Māshā'allāh, onde encontramos textos que não estão na versão de al Tabarî, mas que estão, em parte nos fragmentos do CCAG. Foi esta concórdia de fontes que permitiu que hoje seja possível aceder à maior parte do Carmen Astrologicum.

   Em suma, a obra de Doroteu de Sidon merece ser lida e pode contribuir para uma fundamentação da linguagem astrológica, que hoje tem uma natureza líquida, dispersa e sem um sistema de sentido que lhe dê forma. A astrologia clássica permite um rigor que na astrologia contemporânea nem sempre existe e a análise ao número de casamentos de Doroteu de Sidon fornece-nos um indicador de estudo que não deve ser desprezado. A sabedoria está em quem procura.