terça-feira, 10 de dezembro de 2024
Catálogo de Natal 2024: Livros de Poesia e Contos
segunda-feira, 9 de dezembro de 2024
Brevemente: Reflexões Astrológicas 2024
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Reflexões Astrológicas 2024: Marte Retrógrado
Reflexões Astrológicas
Retrogradação de Marte
Lisboa, 23h33min, 06/12/2024
Marte
Decanato: Saturno
Termos: Vénus
Monomoiria: Marte
Marte
inicia a sua retrogradação no signo de Leão, no grau 7 (6º10΄), estando
Sagitário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XII, no lugar
do Mau Destino ou Mau Espírito (κακός δαίμων), no decanato de Saturno, nos termos de Vénus e na monomoiria de Marte. A retrogradação
começa assim de noite, acima do horizonte, com o Sol e a Lua sob a Terra. O movimento
retrógrado de Marte estender-se-á até 24 de Fevereiro de 2025. Marte vai recuar
até ao grau 18 (17º00΄) de Caranguejo, ou seja, no decanato e termos de
Mercúrio e na monomoiria de Marte.
Regressará depois a Leão a 18 de Abril, onde vai permanecer até 17 de Junho.
Como já se analisou noutros
momentos, neste ano na retrogradação de Saturno e, em 2023, nas de Vénus e
Júpiter, o fenómeno astrológico de retrogradação é como uma semente. Uma vez
que o movimento retrógrado é visualmente aparente, o termo fenómeno pode parecer
estranho, todavia, é um fenómeno astrológico porque é percepcionado não pelo
movimento natural, mas sim pelo movimento como sentido primordial, como
experiência. Ora, neste caso, o movimento retrógrado retoma o valor de
potência, de regresso a si ou de negação de acção, daí que, na Antiguidade,
tenha uma significação nefasta. Doroteu dizia, por exemplo, que os planetas
retrógrados causam dificuldade e infortúnio (Carmen
Astrologicum,
I, 6).
Marco
Aurélio afirma que “Todo o ser, de certo
modo, é a semente daquilo que há-de sair dele. Tu naturalmente estás a pensar
que sementes é só o que se deita à terra ou num ventre: mas isso é ter noções
vulgaríssimas!” (Pensamentos IV, 36, trad. J. Maia. Lisboa:
Relógio D’Água, 1995). Ora a
retrogradação, pelo seu retorno da acção ao potencial, tem este valor de
semente. No entanto, devemos também considerar, seguindo as lições da
mitologia, que a semente pertence ao domínio de Hades/Plutão. A σπέρμα grega,
devido ao seu lugar sob a terra, lembra-nos que, para ser vida, a semente tem
de morrer. Esta condição atribui naturalmente certas qualidades agrícolas a
Plutão. Nesta retrogradação, Plutão em Aquário opõe-se a Marte em Leão, os
regentes de Escorpião, tradicional e moderno, fazem colidir os seus olhares.
Este aspecto vem ressalvar essa qualidade de morte que é própria da semente. A
astrologia, quando assolada por um espírito positivista de querer ser ciência,
tende a rejeitar a sabedoria astrológica, esquecendo-se que esta é uma súmula
de saber mitológico, filosófico e científico.
Na
mitologia grega, para a arte da guerra, Ares concedia a força e Atena a
estratégia, daí que seja comum, sobretudo na expressão artística, imagens de
Atena a derrotar Ares. A inteligência domina a força. Esta derrota de
Ares/Marte é também uma leitura da retrogradação do planeta vermelho, quando a
força se vê diminuída. É uma vitória do pensamento sobre a paixão, da reflexão
sobre a acção. Naturalmente é uma situação difícil para Marte. Para os gregos,
o deus da guerra não era invencível. Na Guerra de Tróia, Diomedes ataca o deus
e consegue feri-lo com uma lança, mostrando assim uma mestria em combate que só
ficava atrás da de Aquiles. Já em Roma, a situação é um pouco diferente. Marte representa um tipo de virtude, associado à coragem, à
masculinidade e à excelência. O seu sagrado animal de Marte é o lobo,
associado, como é bem sabido, ao mito fundador da cidade.
Seguindo
também uma linha de sentido astro-mitológica, podemos associar também a
retrogradação de Marte ao mito de Adónis. Neste mito, e contrariando a tradição
clássica, são as divindades femininas que se enamoram de um humano, de um jovem
nascido de uma relação incestuosa. Adónis era filho de Mirra e de seu pai Ciniras,
o rei de Pafos do Chipre. Afrodite punira a jovem com um desejo impróprio e,
ciente da sua desmedida, fugiu errante, acabando por clamar aos deuses o fim
das suas penas. Estes acederam ao pedido da suplicante e transformaram-na numa
árvore perfumada, a árvore da mirra. Dez meses lunares depois, a árvore foi
cortada e, do seu interior, saiu uma criança. Afrodite, enternecida com a
beleza do pequeno rapaz, entregou-o a Perséfone para o criar. Este cresceu e a
deusa do submundo recusou-se a devolvê-lo. Zeus teve de mediar o conflito entre
Afrodite e Perséfone, entre o amor e a morte. Decidiu que Adónis passaria
quatro meses com Afrodite, outros quatro com Perséfone e os restantes seria ele
a decidir com quem os passaria, o que nos remete para os ciclos da natureza.
O
amor de Afrodite pelo jovem era intenso e apaixonado. No bosque onde se
encontravam, a deusa alertou Adónis do perigo de caçar os animais selvagens.
Ora Nono de Panópolis, entre os séculos IV e V EC, contou-nos o seguinte: “Ela [Afrodite tendo dado à luz uma filha
a Adónis] virou seus olhos redondos e
deleitados em todas as direções; apenas os javalis não observava ela nos seus
prazeres, por ser uma profetisa sabia que, sob a forma de javali, Ares com
presas irregulares e cuspindo veneno mortal, numa loucura de ciúme, estava
destinado a tecer o destino de Adónis.” (Dionisíaca 42. 1, tradução do grego é da minha responsabilidade). Existem várias versões para o culpado da morte de Adónis, todavia, esta é nos
interessa, pois coloca Ares (Marte) no mito. Ares é aqui a personificação do
ciúme e da violência a partir desse ciúme, dessa suposta ofensa.
Nestas
significações astro-mitológicas, a força de Marte não se traduz nem na agressão
bélica de Carneiro, nem na vingança calculada de Escorpião. Encontramos neste
mito uma outra natureza. O ciúme, uma raiva interiorizada, muito semelhante à
inveja, potencia um acto, uma violência que nasce desta dinâmica interior. O
processo de retrogradação de Marte encontra o seu sentido no mito da morte de
Adónis pelas presas de Ares, transformado num javali enraivecido.
Consequentemente, esta retrogradação apresenta uma expressão da
irracionalidade, dos vícios da desmedida, do eu que se ofende para além do seu
limite.
Séneca
diz-nos que “Nem tudo quanto nos atinge nos fere; é a nossa vida de luxo que nos
torna propensos à ira, a ponto de a mínima contrariedade gerar uma explosão de
cólera. Criamos em nós próprios uma soberba de reis. E os reis, por seu lado,
esquecendo-se do próprio poder e da fraqueza dos outros, enfurecem-se e
lançam-se como feras, como se tivessem recebido alguma ofensa, quando a
grandeza da própria fortuna os mantém ao abrigo total das ofensas. Eles bem
sabem que é assim, só que buscam todas as oportunidades para fazer mal.
Sentir-se lesados é para eles um meio de poderem lesar os outros.” (Ep.47.19-20; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A.
Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). Devemos interrogarmo-nos que tipo de natureza tem aquele
que ao “sentir-se lesado” assume nessa impressão uma permissão para lesar os
outros? E não será essa impressão o resultado de uma falsa representação? A
ofensa pode não estar assim naquele que nos ofende ou que julgamos que nos
ofendeu, mas sim no foco que colocámos na sensação de nos sentirmos ofendidos.
A
“soberba de reis” é uma bela
definição da retrogradação de Marte pelo signo de Leão, pois vai revelar uma
interiorização distorcida do princípio da força. A ilusão do poder, seja pela
inveja e pelo ciúme, seja pela falsidade e pela corrupção da vontade, vai
exemplificar os estados individuais e colectivos deste fenómeno. Quando retornar
a Caranguejo, por estar na sua queda, Marte vai trazer a realidade do falso
herói e as vicissitudes das falsas noções de origem e do poder que se exerce
sobre essa ilusão. As representações colectivas histórico-escatológicas em
torno de povos eleitos e de terras prometidas conduzem necessariamente às
piores atrocidades. Existe uma agressão quando a origem de uns é considerada
melhor, com mais direitos, à de outros e esse tipo de agressão insere-se neste
retrogradação e pode encontrar neste período uma renovada pulsão ideológica.
O
facto do movimento retrógrado, no tema de Lisboa, iniciar-se na XII
consubstancia este peso, esta gravidade. Se regressarmos à ideia da
retrogradação como semente, temos também de considerar que nem tudo o que
germina é sinal de sucesso, de abundância. Existem sementes que criam ervas
daninhas que se enraízam e envolvem boas culturas, mas também bons espíritos. A
semente nociva tende a brotar junto da boa semente. Desta forma, quando os
antigos astrológicos alertavam para a acção deletéria do movimento retrógrado,
contemplavam também esta realidade. Associada à “soberba de reis” de Séneca, esta posição enraíza comportamentos narcísicos
e egocêntricos, centrados numa falsa divindade, κακός δαίμων, e
assombrados pela visão distorcida que tem de si mesmo.
A
análise da actual retrogradação de Marte terá necessariamente de observar a
oposição entre este e Plutão em Aquário. É fundamental para um entendimento
astrológico esclarecido não nos deixarmos cair num certo deslumbramento
incoerente da passagem de Plutão por este signo. Se os antigos conhecessem a
existência de Plutão e pensassem no seu deus Hades/Plutão ou nos elementos mitológicos
da constelação de Aquário, por certo não iriam ver as interpretações efabuladas
que têm sido proferidas. Plutão em Aquário é um vulcão em erupção cuja nuvem
piroclástica se estende pelo céu e se espalha pelo ar. Ora é esta realidade que
se vai unir em oposição ao Marte retrógrado em Leão. Noutros tempos, poderíamos
falar da capitulação de líderes face a situações extremas. Hoje, para a
astrologia mundana, podemos falar de crises nas lideranças, em especial, nas
lideranças democráticas face às lideranças extremistas. Não serão tempos fáceis
para a humanidade.
No
início da retrogradação, o Sol está em trígono, onde dois signos de Fogo,
Sagitário e Leão, tentam unir as forças, e segundo a sabedoria antiga Marte é o
único que não se deixa queimar pelos raios solares. No entanto, o Sol em
Sagitário encontra-se sob os raios quadrangulares de Saturno em Peixes, o
grande maléfico do tema, e sob o olhar diametral de Júpiter retrógrado, o
benéfico que por via do segmento de luz se encontra diminuído. Por outro lado,
o luminar que rege o segmento dominante, a Lua, encontra-se em Aquário, com
Plutão, adensando o sentido anteriormente explanado. Neste tema, a luz não
colabora com a retrogradação.
O
trígono de Mercúrio retrógrado em Sagitário a Marte retrógrado em Leão merece
uma análise distinta, pois este aspecto é uma síntese dos tempos, uma que
transmite as dificuldades de comunicação, a violência da palavra e a
manipulação do discursos. Por ser uma união triangular, esta relação traduz
naturalmente o peso da necessidade, do destino, revelando que existem sentidos
que colocam o carácter diante do destino. Nestes momentos, ou se segue ou se
resiste, pois o desafio não é mudar os acontecimentos, mas mudar aquele que
caminha sobre a sua linha. Por outro lado, quando a desmedida toma a palavra e
a acção, o silêncio trilha a própria via. A paz interior face ao tumulto não se
inquieta, permanece constante na certeza da sua harmonia. O facto de Mercúrio
estar como o Sol em oposição a Júpiter e em quadratura a Saturno e Neptuno vai
adensar esta mensagem. De uma outra forma, a quadratura de Marte retrógrado em
Leão a Úrano retrógrado em Touro firma uma corrupção das estruturas de poder e de
comunicação a partir do seu interior.
No tema do início da retrogradação, a relação entre
benéficos e maléficos é particularmente significativa. Por o segmento de luz
ser o da Lua, Marte tem a sua força maléfica diminuída, embora o lugar que fez
morada contrarie esta contracção. Desta forma, por força do segmento, Saturno
torna-se o grande maléfico. No entanto, de acordo com os aspectos ptolemaicos,
entre os maléficos não existe, de momento, qualquer relação. Quando Marte, por
força do movimento retrógrado, regressar a Caranguejo, aí sim estes dois
unir-se-ão triangularmente. Este será um momento em que lição de Petosíris (fragm.38 Riess)
de que nem todas as quadraturas são más, nem todos os trígonos são bons
trilhará o seu sentido.
Na relação com os benéficos, Marte não se une a Vénus, o
benéfico do seu segmento de luz. Porém, quando a 7 de Dezembro Vénus ingressar
em Aquário, opor-se-á a Marte retrógrado em Leão. Até 3 de Janeiro de 2025, as
pulsões primordiais do desejo (Vénus) e da força (Marte) vão colidir, todavia,
face a retrogradação, a força estará num estado inactivo e com uma natureza
potencial. A 6 de Janeiro, Marte regressa a Caranguejo e une-se a Vénus que já
se encontra em Peixes. Será um período em que o destino irá favorecer esta
interacção entre o desejo e a força e, apesar da acção da força estar
comprometida, poderá favorecer o carácter essencial dos lugares que ocupam e
daqueles que com eles se relacionam. Para os temas nocturnos, a retrogradação
de Marte pode até ser a semente de bênçãos futuras.
Vénus, ainda em Capricórnio, no tema do início da retrogradação, une-se em sextil a Saturno em Peixes. Já este último une-se quadrangularmente a Júpiter retrógrado em Gémeos que, por sua vez, se une em sextil a Marte retrógrado em Leão. Este é um bom exemplo de que como a realidade se faz de pesos e contrapesos. Naturalmente, a tensão entre o espaço (Júpiter) e tempo (Saturno) condiciona a liberdade de acção das matrizes primordiais do desejo (Vénus) e da força (Marte). Porém, o dom da vida que é, em certa medida, a dádiva da humanidade é o de encontrar caminho, mas este não surge aqui de uma qualquer acção que tenda a contrariar os acontecimentos e a causalidade natural, surge sim da acção sobre si mesmo, da possibilidade de transformar em nós a realidade interna. Essa é a verdadeira liberdade. Se olharmos ao redor e pensarmos que o planeta está no limite e as expressões da humanidade em ruptura, torna-se fácil concluir que a via do bem é a única que brilha do interior para exterior, podendo assim levar a luz ao mundo.
Face a esta conjuntura astrológica, a actual retrogradação de Marte não vai suspender os desafios, vai pelo contrário enraizar as suas sementes, sobretudo porque, como se viu, ela se relaciona com outras forças que colocam em causa, em suspensão, a natureza daquilo que é criado. Do interior para exterior, a força de Marte traz consigo o gérmen de uma outra destruição, uma que pode corromper o carácter. Devemos portanto cuidar daquilo que criamos em nós, pois, para o bem e para o mal, permanecerá connosco. Em suma, este é um tempo de domar as pulsões e transformar a irracionalidade em sabedoria.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
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sexta-feira, 11 de outubro de 2024
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terça-feira, 1 de outubro de 2024
Reflexões Astrológicas 2024: Eclipse Solar Anular (Lua Nova em Balança)
Eclipse Solar Anular
(Lua Nova em Balança)
Lisboa, 19h45min, 02/10/2024
Sol-Lua
Decanato: Saturno
Termos: Mercúrio
Monomoiria: Saturno
O
Eclipse Solar Anular de 2 de Outubro ocorre no signo de Balança, com Carneiro a
marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, com os luminares abaixo do
horizonte, na VII, junto ao Poente (δύσις), e cerca de trinta minutos após o
ocaso (hora de Lisboa), no decanato de Saturno, termos de Mercúrio e na monomoiria do Saturno. Se observarmos os
últimos eclipses solares, torna-se perceptível que o eclipse solar de 8 de
Abril também se deu na VII, junto ao Poente, mas com os luminares acima do horizonte,
já o eclipse de 14 de Outubro de 2023 deu-se, à semelhança do actual, na VII e
abaixo do horizonte. Conclui-se, deste modo, que nos três últimos eclipses solares,
para além do sentido da sombra, sobressai a significação radical do lugar do
Ocaso. Fernando Pessoa, no poema “A morte é a curva da estrada” (1932), diz que
Morrer é só não ser visto, ou seja, a
ocultação do Sol é também a sua morte e, nesse sentido, o manto umbral torna-se
um sinal de morte.
Esta
significação da sombra e da morte encontra-se novamente sobre o eixo da
identidade (Carneiro-Balança). Ora o eixo traduz o princípio da identidade como
uma ponte de sentido entre a unidade e a dualidade, ou seja, a identidade para
se tornar consciência precisa do elemento dual, precisa de uma qualquer forma
de alteridade. O eu tende para o outro, mesmo que o conhecimento do outro
encontre o muro alto da subjectividade. Nunca conhecemos verdadeiramente o
outro, porque não conseguimos sair do eu que conhece. Podemos ser genuínos na
demanda, mas não deixamos de ser quem somos. Este não é, na verdade, um
problema psicológico, é sim uma questão filosófica, uma que está na base de
toda a filosofia. Do ponto de vista astrológico, este eixo revela uma outra questão
essencial. O sentido dos eixos é uma proposta de viagem, ou seja, o eu só
conhece o outro se se integrar no todo. Carneiro só conhece Balança se viajar
até Peixes. Antes de chegar a Balança, passa por Virgem, onde conhece o sentido
da parte, o que lhe permite observar a dualidade, o signo seguinte, mas é em
Peixes que, adquirindo o valor da totalidade, pode vislumbrar o outro para além
da subjectividade. Na senda da identidade, a unidade precisa do olhar da
montanha, da imensidão do todo, do olhar de cima segundo Marco Aurélio. Marte,
o regente de Carneiro, passa da guerra dos contrários, para a harmonia dos
contrários, a Vénus de Balança. O Zodíaco é portanto viagem, essa é a sua
matriz de sentido.
O
Dragão da Lua, através dos seus períodos nodais, dos seus eclipses,
transmite-nos as sementes do destino. É como se asas do dragão espalhassem as
sementes, todavia, existe, por vezes, uma sombra que nos impede de ver onde
elas caem. O manto umbral, nesta fase nodal entre o eixo de integração e o eixo
de identidade, não deixa que se vejam as sementes da unidade e da dualidade
(Carneiro-Balança), da parte e do todo (Virgem-Peixes). No entanto, o destino
deixa sempre sinais, o que está escrito escrito está e essa é a verdade. A
necessidade não muda os seus ditames. Se a astrologia perder o discurso
teleológico da providência, esvazia-se por completo e esse é o perigo de reduzir a influência astrológica, a sua matriz
apotelesmática, a um quadro de tendências e de potencialidades sem uma
efectivação necessária. Porém, existe algo que muda: o carácter. Ora o que
fortalece o carácter, na sua percepção dos acontecimentos, é a virtude e esta
brilha na identidade que vê o eu e o outro, a unidade na dualidade.
Séneca
diz-nos que “Do mesmo modo que a luz do
sol eclipsa as estrelas mais pequenas, também a virtude elimina e arrasa sob a
sua própria grandeza tudo quanto seja dor, sofrimento, insulto; onde brilha a
virtude, tudo quanto sem ela é visível fica eclipsado, ao chocar contra a
virtude todos os incómodos têm tanto significado como uma nuvem vertendo chuva
sobre o mar! E para te certificares de que assim é, vê como o homem de bem se
afoitará sem hesitar a qualquer bela acção: ainda que diante dele se erga o
carrasco, se erga o torcionário e a sua fogueira, o homem de bem avançará,
atento apenas ao que deve fazer, e não ao que terá de sofrer, tão confiante no
seu honesto propósito como o estaria ante um outro homem de bem; a seus olhos o
seu acto aparecerá como verdadeiramente útil, seguro, bem-sucedido. Uma acção
honesta, ainda que dolorosa e difícil, valerá tanto como um homem de bem, ainda
que pobre, exilado ou doente!” (Ep.66.20-1;
Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004:
Fundação Calouste Gulbenkian). Se nos lembrarmos
que a proposta de Balança é a da busca do equilíbrio, pois representa o momento
em que a humanidade deixou de ver Astreia, Dike,
a deusa da Justiça, representada na constelação de Virgem, então compreendemos
a mensagem de Séneca. A virtude, a justiça, a harmonia, brilha mais do que
qualquer coisa, eclipsando tudo o resto, mas, por outro lado, na sua ausência,
nada brilha como ela. A morte e a sombra são, neste eclipse, a ocultação desta
luz que brilha no abismo e na escuridão. É a luz que não morre, destruindo-se, mas
que desaparece do olhar e, nesse sentido, fica a sombra sobre a humanidade.
Se seguirmos o método ptolemaico das horas equatoriais, o
período de influência deste eclipse seria menor, todavia, se utilizarmos outra
metodologia, baseada uma na ascensão recta e outra na declinação do Sol
chegar-se-ia a um período que iria dos quatro aos sete anos e meio. A opção por
uma influência temporal mais extensa baseia-se, por um lado, nesta explanação
astro-filosófica, mas, por outro lado, na determinação da natureza deste
eclipse como um fenómeno de potência, ou seja, este manto umbral encerra em si
o gérmen de acontecimentos que se vão fixar noutras efemérides. Poder-se-ia
dizer que essa é uma determinação comum, todavia, existem momentos cuja
potencialidade é qualitativamente mais intensa. Neste eclipse, o manto umbral
cobre, em grande parte, uma área oceânica e, nas poucas zonas terrestres onde é
visível, o número de pessoas que o podem observar numa visibilidade total é
também limitado. É o oposto do eclipse lunar de 18 de Setembro. Este factor,
sobretudo se pensarmos que o eclipse lunar anterior foi num signo de água,
confere à sombra do actual eclipse um valor uterino.
Os anos de 2026 e 2027 vão ter, por exemplo, eclipses
solares com grande influência em termos geográficos, tanto na área terrestre
como na visibilidade populacional. No entanto, o facto do actual eclipse se
estender pelo mar não deve ser descurado, pois a relação da humanidade com os
oceanos será no futuro uma condição para a continuidade da espécie e da vida na
terra. O eclipse solar terá o seu centro no Oceano Pacífico perto das Ilhas
Pitcairn e de Hanga Roa. Na América do Sul, terá a sua maior visibilidade nas
zonas do sul do Chile e da Argentina, podendo ser observado parcialmente no sul
do Peru, na Bolívia, no Paraguai, no sul do Brasil e no Uruguai. É também
visível numa parte da Antárctida, o que também é relevante para a questão dos
oceanos, do mar.
Nas regências geográficas antigas, Valente
(Antologia I, 2) diz-nos que estão sob a influência de Balança
a Báctria (região persa do Coração que corresponde actualmente ao Afeganistão,
Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e China), a China, a zona do Cáspio,
Tebaida (região do Antigo Egipto entre Abidos e Assuão), o Oásis (Oásis de Siwa
ou Siuá, no deserto da Líbia), Troglodítica (região antiga do deserto líbio,
mas que se pode estender por uma região que vai até ao Mar Vermelho e ao Corno
de África), a Itália, a Líbia, a Arábia, o Egipto, a Etiópia, Cartago, Esmirna
(Anatólia, Turquia), os Montes Tauro (Sul da Turquia), Cilícia (Turquia) e
Sinope (Norte de Turquia, junto ao Mar Negro). Manílio coloca a Itália e, em
especial, a cidade de Roma sob a regência de Balança (Astronomica
IV, 773-77), expressando pois a relação da natividade do imperador
Augusto com este signo.
O
actual eclipse pertence à série Saros 144. É 17º eclipse de um total de setenta.
Convém assinalar-se que esta série não tem eclipses totais, pois é composta
apenas por eclipses parciais e anulares. A série teve o seu início a 11 de
Abril de 1736, com um eclipse no signo Carneiro, e terminará a 5 de Maio de
2980, com um eclipse no signo de Touro. No eclipse-matriz, o Sol, a Lua e a Cauda Draconis estavam em Carneiro, ou
seja, na posição inversa do actual eclipse. Saturno estava em Touro, no signo
que marcava a hora, onde a série terminará. Neptuno estava em Gémeos, Plutão e
a Caput Draconis em Balança, Úrano em
Sagitário, Júpiter, Marte e o Ponto de Culminação em Aquário, Vénus e Mercúrio
em Peixes.
Sob
a influência da conjunção de Marte e Júpiter e com a sizígia umbral em Carneiro
estende-se o conflito entre a Rússia e o
Império Otomano. Em 1736, o exército russo, sob o comando do marechal Burkhard
Christoph von Münnich, capturou a fortaleza de Azov dos otomanos, um marco
importante na guerra. Após o eclipse, este conflito continuou com outras importantes
batalhas. Três dias após o eclipse, dá-se na Escócia, em Edimburgo, a Revolta
de Porteous que começou como um motim e acabou com a execução ilegal de John
Porteous, o capitão da guarda da cidade, que havia sido condenado por ordenar
que seus homens atirassem em uma multidão durante uma execução pública. As
tensões políticas e sociais aumentaram e contribuíram para o descontentamento dos
escoceses face às autoridades britânicas. É uma questão que se estende até hoje
com parte dos escoceses a quererem a independência.
Vénus
e Mercúrio em Peixes em quadratura a Neptuno em Gémeos vão favorecer outro tipo
de acontecimentos. Por exemplo, a
Companhia Holandesa das Índias Orientais estava no auge da sua expansão no
sudeste asiático, continuando assim a dominar o comércio internacional na
região. Ora, em 1736, consolidou as suas posições em várias colónias, incluindo
territórios na actual Indonésia. De uma outra forma, também em 1736, chega ao
Equador a expedição científica ao Peru, liderada por Charles Marie de La
Condamine e Pierre Bouguer, com o intuito de proceder à determinação exacta do grau do arco de meridiano nas proximidades da linha do equador. Com esta expedição, poder-se-ia verificar a hipótese de
Newton, contestada por muitos, do achatamento da Terra nas zonas polares. A 11
de Abril de 1736, no dia do próprio eclipse-matriz, William Law, um influente
teólogo anglicano, publicou o seu famoso tratado A Serious Call to a Devout and Holy Life. Esta obra teve um impacto
profundo no movimento metodista, bem como em todo cristianismo anglicano e em
outros movimentos protestantes, e foi uma das obras que influenciou John Wesley
e Samuel Johnson. Estes acontecimentos revelam alguns dos elementos de sentido
do eclipse-matriz, o qual servirá de base interpretativa para todos os eclipses
da série.
Já no actual eclipse existem, na leitura dos aspectos
astrológicos, duas configurações geométricas que sobressaem: o Quadrado (ou
Cruz) Cardinal e o Triângulo de Água. O primeiro é particularmente
significativo por duas razões: primeiro, porque encerra em si a sizígia umbral
e o Dragão da Lua e segundo, porque no tema de Lisboa, o que está em análise,
encontra-se sobre os pólos (κέντρα), com Carneiro marcando a hora e Capricórnio culminando.
Estas razões conferem aos planetas e pontos que neles se fixam um valor
determinante e uma influência reforçada. Nesta configuração, encontramos assim
a Caput Draconis em Carneiro, Marte
em Caranguejo, o Sol, a Lua, Mercúrio e a Cauda
Draconis em Balança e Plutão em Capricórnio. A união de raios
quadrangulares e diametrais sobre os pólos têm assim um sentido reforçado.
Neste tema, é impossível não observar que existe um certo peso, uma certa
gravidade nesta configuração. Note-se que é a cauda e não a cabeça do Dragão da
Lua que se une à sizígia umbral, o que obriga aqui a uma maior imposição do
peso do destino. Esta é uma configuração que conduzirá ou exacerbará conflitos
e guerras, desastres naturais e destruição. A perda de casas e de vidas está
ainda no horizonte.
Esta configuração leva-nos necessariamente, e neste ponto é mesmo por via da Necessidade, ao triângulo de água. Ora este une Marte em Caranguejo, Vénus em Escorpião e Saturno e Neptuno em Peixes. Por ser um trígono, o destino actua aqui como dádiva, todavia, as bênçãos do lote das Meras podem surgir da destruição, podem ser a semente que germina nas cinzas. Cícero dizia: “Se tens um jardim e uma biblioteca, nada te faltará.” (Epistulae ad familiares IX, 4: Si hortum in bibliotheca habes, nihil deerit). Se pensarmos que Vénus, por ser este um tema nocturno, é o benéfico mais benevolente e Marte é o maléfico menos prejudicial, compreendemos então que nos é pedida uma revaloração do desejo, daquilo que nos move. Temos de encontrar o centro no que verdadeiramente importa. Porém, Vénus está no seu detrimento, tornando mais difícil este processo e Saturno continua a trazer consigo a gravidade do destino, da ordem do tempo. É-nos oferecido então o olhar de cima de Marco Aurélio, já anteriormente referido.
O exercício espiritual consiste em centrarmo-nos na nossa tranquilidade e relativizar tudo aquilo que não controlamos, tudo aquilo que é superficial. Pensemos em nós, no espaço e tempo que ocupamos, nas lições de Júpiter e Saturno. Agora vejamos esse mesmo lugar na rua e no quarteirão que vivemos, depois na cidade, no país, no continente, no planeta Terra, no sistema solar, na Via Láctea, no universo. Do mesmo modo, pensemos no momento que vivemos, depois nos nossos anos de vida, de seguida, considere-se um século, dois, três, um milénio, dois, três, a história da humanidade, a história do planeta, o tempo de existência do Sol, de outras estrelas mais antigas, do universo. De facto, como diria Cícero, face a tudo isto, uma biblioteca e um jardim podem oferecer-nos uma certa paz, pois somos apenas uma minúscula e ínfima poeira de estrelas. Este eclipse sobre o signo de Balança, um lugar que procura a harmonia face ao desequilíbrio das escalas, dos pratos da balança, pede-nos este esforço, este dom de nos sentarmos no cume da montanha e olhar para baixo.
O triângulo de Água segue-se ao triângulo de Terra que
encontrámos no eclipse lunar. O Eterno Feminino é a dádiva do destino, contudo,
é uma candeia oculta sob um manto de sombra. De entre os sextis que observamos
neste eclipse, o sextil de Vénus em Escorpião a Plutão em Capricórnio, unindo o
amor e a morte, diz-nos que face à corrupção do desejo temos de encontrar, no
poder da morte, da destruição, o ímpeto de transformação, não dos
acontecimentos, mas do carácter. A união dos sextis entre os signos de Terra e
Água poderia gerar um Grande Hexágono, porém, não existem aquando do eclipse
planetas no signo de Virgem, deixando assim o hexágono incompleto. Astreia, a
deusa da justiça, continua a estar ausente, distante da humanidade que a
rejeitou.
O trígono entre Júpiter em Gémeos e a sizígia umbral e
Mercúrio em Balança diz-nos que o intelecto e a palavra podem, como realização
da Humanidade, iluminar o caminho do bem, da justiça. No entanto, a sombra e a
escuridão, a morte da razão anda pelas ruas, ocultando a via eleita. A união
benévola de Júpiter em Gémeos ao Dragão da Lua (sextil à Caput, trígono à Cauda)
indica-nos também, face ao destino e à necessidade, essa outra via para o
pensamento e para a palavra. No entanto, Júpiter, por este ser um tema
nocturno, é o benéfico que menos brilha, sentindo sobre si o peso da quadratura
de Saturno e Neptuno em Peixes. A humanidade sabe o caminho, a sabedoria está
mesmo à nossa frente, mas continuamos a desviar o olhar, a fingir que não a
vemos e, dessa forma, levamos o pensamento e a palavra até ao domínio da
ignorância, da ilusão e do engano. Nesse domínio, a acção separa e distingue,
desune, em vez de agregar, de confluir o humano na humanidade.
A oposição entre Vénus em Escorpião e Úrano em Touro dá
ao eixo entre a vida e a morte um choque, uma colisão, entre a inflexibilidade
e a imprevisibilidade. O desejo de apego e o desejo de mudança contaminam as
estruturas que a humanidade criou. A relação do humano com a natureza, com o
planeta, é disso mesmo o melhor exemplo. Sabemos onde errámos, sabemos o que
tem de mudar, mas estamos presos aos hábitos, ao modo de vida que impede a
mudança. Os sextis dos maléficos a Úrano exemplificam essa liberdade
corrompida. Quando Úrano entrar em Gémeos, em 2025, à questão do planeta, da
sua sustentabilidade, iremos juntar os desafios da inteligência artificial e do
lugar do humano e da humanidade.
O eclipse solar de 2 de Outubro marca um tempo de transição, de passagem. A sombra actua como uma condição necessária e através da qual a luz se vai erguer no céu, escalando montanhas, ou habitar as profundezas da terra, guardando-se na escuridão do abismo. Lao Zi diz-nos que “O céu perdura, a terra subsiste.” (Dao De Jing, ed. C. Ribeiro. Coimbra, 7, p. 53. Coimbra, 2024: Instituto de Estudos Filosóficos). É entre essa permanência e subsistência que a luz e a escuridão ocupam o seu lugar. Este eclipse abre o caminho para o ano de 2025, um ano de grandes mudanças astrológicas. Neste ciclo nodal, este é o último eclipse em Balança. A necessidade de harmonia, de concórdia, torna-se assim uma afinidade electiva, uma via para o futuro.