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sábado, 11 de fevereiro de 2023

Acerca da Polémica sobre o Sistema de Casas Casa-Signo ou Signo Inteiro



  Este é o artigo que está na base de uma recente discussão, que na verdade já é antiga, acerca do sistema de casas casa-signo ou signo inteiro (whole sign). Na verdade, o artigo não vem confirmar, nem desmentir nenhum dos lados das barricadas. É um exagero extravasar-se interpretações.

Em qualquer questão, a primeira premissa deve ser a conciliação entre a dúvida e a moderação. Quando analisamos o passado, não devemos forçar o olhar posterior sobre uma época anterior.

A questão do sistema de casas tem levantado acérrimas discussões, sobretudo no meio anglo-saxónico e por alguns dos mais considerados astrólogos, nomeadamente Chris Brennan e Deborah Houlding. Estes são astrólogos que respeito bastante, independentemente da posição, do argumento ou até do dogma.

Na verdade, o sistema de casas, e não os seus significados, não é de todo uma das mais importantes estruturas astrológicas de sentido. Muitos dos sistemas são de facto abstracções matemático-astronómicas que não pertencem à matriz astrológica. São derivações de sentido. No entanto, tornaram-se por justaposição parte do sistema e como tal devem ser consideradas.

O sistema de casa-signo ou signo inteiro é, quer se queira, queira não, o sistema dominante na Antiguidade. As evidências textuais ou documentais indicam isso mesmo, sem que para isso tenha de existir uma explanação explícita desse sistema. E a questão é que para o astrólogo antigo funcionou, pois permite uma leitura mais imediata e uma doutrina dos aspectos fundamentada nos conceitos de aplicação e separação. Os outros sistemas têm referências residuais. Até Ptolomeu, que tem claras reservas ao uso das casas, não explana os sistemas de casas, como faz com outros tópicos. Os nomes das casas surgem esporadicamente na sua Apotelesmática.

Acredito todavia que a questão, na Antiguidade, não está bem colocada e daí todas estas discussões. As casas, ou lugares como designadas, não eram utilizadas como mais tarde se veio a verificar. A melhor definição ou distinção das casas foi feita por Robert Schmidt quando separou aquilo que é um sistema tópico de casas daquilo que é um sistema dinâmico de casas. O primeiro é o que domina o pensamento astrológico antigo. É também o mais antigo e aquele que nasce de uma matriz hermética. Encontramo-lo, por exemplo, no Pínax de Trasilo. O sistema tópico é aquele que define o significado de cada casa, criando uma unidade de sentido. Manílio atribui-lhe a qualidade de círculo fixo e, nesse sentido, está intimamente relacionado com o sistema de casa-signo. O dodekatópos torna-se a estrutura fixa e é o círculo zodiacal que se move sobre ele.

Já a estrutura dinâmica inclui sobretudo, salvo algumas pequenas variantes, o sistema de casas iguais e o sistema de quadrantes. Face ao seu uso limitado e até tardio, pelo menos até Ptolomeu e Fírmico Materno, o sistema de casa iguais resulta, a meu ver, de uma análise dinâmica de utilizar qualquer astro ou ponto como aquele que marca a hora, ou seja, tanto pode ser o Ascendente como, por exemplo, o Lote da Fortuna ou do Espírito, ou ainda o Apheta, daí que seja um sistema dinâmico e que promove a análise comparada a partir deste ponto astrológico, definido aqui pelo seu grau. O sistema de quadrante, também definido, no caso antigo, como Porfírio, não penso que seja, pelo menos na sua origem, um verdadeiro sistema de casas. E é aqui que a minha posição pode divergir um pouco, visto que os indícios textuais apontam, em especial, para a fixação dos quadrantes e não das casas.

A razão é simples e observável sobretudo pelo caso de Valente. As referências a este sistema surgem no contexto da aphesis e do modo como o arco afético se relaciona com o arco dos quadrantes. E quando se divide cada quadrante em casas, essa divisão surge no contexto da divisão do arco afético e de como se encontra o seu fim, seja pelo seu fim natural, seja pelo termo do quadrante. No caso de Valente e nas referências utilizadas no artigo de Gansten, tem de se ter alguma prudência nas extrapolações feitas a partir do Livro IX, em grande parte acerca da aphesis, pois o seu carácter mais fragmentário pode fazer perder o contexto em que certos sistemas são utilizados e que, segundo a minha opinião, se inserem sem qualquer contradição face ao modelo anteriormente explicitado.

Conclui-se assim que a forma como as casas eram utilizadas difere do seu uso posterior e isto deve-se também a um outro factor. Até à astrologia árabe, sobretudo até Abu Mashar, a astrologia de matriz hermética foi ainda o sistema dominante, no entanto, progressivamente, o modelo ptolemaico foi ganhando força. Os opositores ao sistema de casa-signo ou signo inteiro são herdeiros, sem qualquer prejuízo, de uma tradição que se estende sobretudo de Ptolomeu a William Lilly e que rejeitou, em boa parte, essa matriz hermética. Logo, é compreensível que as abordagens sejam diferentes.

Por fim, é impossível não referir que a escolha do sistema de casas, diga-se o que se dizer, é pessoal. O problema é que a grande maioria dos astrólogos continuou a utilizar acriticamente o sistema de divisão de seus mestres e, sendo o Placidus o sistema predominante, qualquer alternativa pode ser sentida como uma ameaça a essa hegemonia.

Termino com o meu caso pessoal. Comecei a estudar astrologia entre os 14 e os 16 anos. Aos vinte comecei a dar consultas. Fiz o ano passado 20 anos de prática. Desses, só há cerca de 8 anos é que mudei para o sistema de casa-signo ou signo inteiro. Até lá, o placidus foi o sistema que utilizei. No entanto, com o estudo da astrologia antiga posso dizer que me sinto totalmente confortável com esse sistema de divisão de casas, sem por isso sentir que tenho impor essa opção.

Em suma, desde que o leme seja a razão e o pensamento crítico, qualquer escolha é legítima. Não devemos é forçar os argumentos para obter uma realidade diferente. Quanto ao artigo, mesmo discordando aqui e ali, gostei muito de o ler e ficará como referência em qualquer bibliografia. Bem haja a todos aqueles que continuam a dignificar a astrologia






Referência: 
Gansten, M. (2023). Platikos and moirikos: Ancient Horoscopic Practice in the Light of Vettius Valens’ Anthologies, International Journal of Divination and Prognostication, 4(1), 1-43. doi: https://doi.org/10.1163/25899201-12340029