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sábado, 19 de março de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Equinócio da Primavera (Ano Novo Astrológico)

 Reflexões Astrológicas

Estações



Equinócio da Primavera 

(Ano Novo Astrológico)


Lisboa, 15h34min, 20/03/2022

 

Sol

Decanato: Marte

Termos: Júpiter

Monomoiria: Marte

 

            O retorno da Primavera traz sempre consigo um potencial de renovação. Essa é de facto a palavra que melhor descreve a raiz de sentido do ingresso anual do Sol em Carneiro e de um novo ano astrológico. O termo renovação constrói-se a partir de uma simbiose de repetição e novidade. Existe pois uma recuperação antagónica do novo, ou seja, repete-se o ciclo sem anular a novidade e que é, na verdade, um Eterno Retorno que conserva o carácter inaugural da consciência da vida e do tempo. O ciclo zodiacal que se inicia com a Primavera não é assim nem uma repetição, nem uma novidade, mas sim uma renovação. É a Perséfone que sobe do Hades, da semente guardada na terra, e renova a natureza, traz à mesma árvore, uma nova flor, um novo fruto.

            Desta forma, existe no fim de um ciclo em Peixes e de um novo ciclo em Carneiro uma passagem hermética da contemplação à acção. A sabedoria da totalidade torna-se a acção sobre a realidade. No entanto, sem o registo sobre a Roda da Necessidade do ciclo anterior, Carneiro age sozinho e, centrado no eu – e não no si –, inicia a experiência de cada estágio de vida, de cada tempo e lugar. Este é Hércules, realizando sozinho, como exigência de Euristeu, cada um dos doze trabalhos. Existe, porém, uma excepção. Para matar a Hidra (o trabalho que representa o signo de Escorpião), Hércules precisa da ajuda de Iolau para cauterizar as cabeças decepadas, impedindo-as assim de voltar a crescer. Curiosamente, é precisamente o veneno da Hidra que, mais tarde, mata o herói.

            O planeta Marte, que coloca a viagem iniciática em acção (Carneiro, dia), é o mesmo que conduz ao veneno que mata o herói (Escorpião, noite) e ao único trabalho em que Hércules é efectivamente ajudado, onde o eu recorre ao outro para vencer o pior dos monstros, o temor da morte certa. Este é o trabalho que se segue ao que é diametralmente oposto ao primeiro (eixo Carneiro-Balança). Depois do eu e do outro, do que nasce e do que se põe, apreende-se a experiência da morte, do limiar.

            Paralelamente, como segunda viagem iniciática, a que que parte de um Carneiro que viaja a partir de Peixes e renova a sua demanda, temos a busca de Jasão e dos Argonautas pelo velo de ouro. Note-se que o aríete imortal que possuía o tosão dourado (Carneiro como exaltação do Sol) era filho de Posídon (Peixes). Nesta viagem, Jasão não vai sozinho. As suas aventuras são partilhadas. No entanto, após a demanda, Jasão abandona Medeia, com quem tinha dois filhos e que o ajudara a conseguir o velo, por Creúsa, sua prima. Furiosa, Medeia envenena o vestido de noiva de Creúsa, matando-a, e assassina os filhos que tivera com Jasão. Medeia é então levada para Atenas por um carro puxado por dragões, ou serpentes, oferecido pelo seu avô, o deus Hélios (Sol). Os deuses estão do lado de Medeia e Jasão, perdendo os favores de Hera, morre sozinho.

            Estas duas variações do ciclo zodiacal e vernal têm um elemento em comum: a relação entre o eu e o outro e o Sagrado Feminino. A mitologia olímpica, demasiado masculinizada e a que mais influenciou os modelos astrológicos elementares, faz de Hera a esposa ciumenta e vingativa. Porém, Hera é uma Grande Mãe, sucessora de Reia-Cíbele. E, esquecido quiçá por os leitores de Os Trabalhos de Hércules de Alice Bailey (1957-8), Hércules é o grego Herácles (Ἡρακλῆς) que significa glória de Hera (Ἥρα+κλέος). A inimiga patriarcal é, na verdade, a deusa benévola. De uma forma ou de outra, tanto Hércules como Jasão rejeitam o Feminino e sofrem o seu castigo. Se nos focarmos em demasia no simbolismo masculino do signo de Carneiro e ignorarmos a exaltação do Feminino que é o início da Primavera, perdemos o valor primordial da transformação, da passagem da noite escura invernal à natureza em flor, dádiva do Feminino.

            A Perséfone, renascida no Equinócio da Primavera é, segundo o hino órfico que lhe é dedicado (hino 29), tanto “a rainha sob a terra” (ὑποχθονίων βασίλεια, hino órfico a Perséfone 29.6) como “a donzela abundante em frutos” (κόρη καρποῖσι βρύουσα, hino órfico a Perséfone 29.10). É a mãe das Erínias e a filha de Démeter. É a luz e a sombra. A Primavera implica sempre essa passagem da sombra do Inverno à luz que brota da cornucópia primaveril e que atinge a sua plenitude no Solstício de Verão. Ora, neste equinócio, a luz do Sol no início de Carneiro estende-se até à Lua no final de Balança e, tal como nos exemplos astro-mitológicos, a projecção do eu no outro e do outro em nós determinam os tempos difíceis que vivemos em que Marte brande o gume e o escudo, a lança e o elmo.

            O regente de Carneiro encontra-se em Aquário, no signo da humanidade, e, com ele, Vénus e Saturno constroem essa potência concentrada de força, desejo e necessidade. A guerra não surge como sinal dos tempos, mas como consequência do humano. E, nessa ponte entre o eu e o outro, a solidariedade e a bondade (Júpiter e Neptuno) colidem com a impossibilidade dessa relação. A apreensão do outro torna-se apenas imagem de nós. A caridade líquida e fotogénica (Mercúrio em Peixes), que não é uma verdadeira solidariedade e que nasce da corrupção do espírito da Era de Peixes e que se acentua no trânsito de Júpiter e Neptuno, serve mais quem a pratica do quem recebe, pois não tem por objectivo transformar a realidade. Confortar quem sofre não é o mesmo que impedir o sofrimento.

            Devemos então trazer até nós a questão e a dúvida. Porque conseguimos mostrar mais empatia porque sofre na Ucrânia do que por quem sofre no Iémen, na Somália, na Palestina ou em Myanmar, só para dar alguns exemplos? Será que esse outro que sofre mais longe permanece o outro, o estranho, e não serve a projecção do eu no imediatismo dos media e na vaidade das redes sociais? As crianças que morrem de fome, por exemplo, no Iémen e por quem a ONU e a UNICEF têm clamado não merecem a nossa atenção e compaixão? Ou que ajuda humanitária entregámos colectivamente nos campos de refugiados de Calais ou Mória? Neptuno e Júpiter em Peixes são tanto a empatia e a justiça social como a ilusão e o fanatismo. A necessidade de totalidade não se efectiva e a parcialidade permanece.

            A ligação hexagonal que se estabelece entre o Sol em Carneiro com Vénus, Marte e Saturno em Aquário ou triangular destes com Lua colide com a relação diametral dos luminares e com o aspecto quadrangular do Sol a Plutão em Capricórnio. Os instintos primários do humano são aqueles fazem transparecer a impossibilidade filosófica da relação sujeito-objecto, do eu com o outro. E, por outro lado, tanto o Dragão da Lua como Úrano em Touro pedem uma reavaliação (ou mesmo revolução) dos valores e uma refundação necessária que estende da morte ao viver (eixo nodal Escorpião-Touro). A configuração do equinócio vernal alerta também, em consequência destas posições ou aspectos, aliadas a Mercúrio, Júpiter e Neptuno em Peixes, para os perigos do pensamento único e dos nacionalismos.

            Quando Marte e Júpiter estiverem co-presentes em Carneiro no Solstício de Verão, a guerra e os nacionalismos que estão na origem de regimes totalitários podem não só persistir como agravar-se. Natália Correia escreveu, num papel avulso, conservado no seu espólio: “Consumada que é a Pátria, falta dizer Mátria para que no tempo os amantes escrevam o nome da realidade unificante: Frátria.” (Franco, J. E. & J. A. Mourão, 2005, A Influência de Joaquim de Flora em Portugal e na Europa: Escritos de Natália Correia sobre a Utopia da Idade Feminina do Espírito Santo, 229. Lisboa: Roma Editora). Uma Mátria não tem fronteiras, nem nacionalidades, tem terra e gentes. E uma Frátria só tem um planeta e uma humanidade. Essa a verdadeira promessa aquariana. E o Sagrado Feminino é o elemento de passagem. O destino por cumprir não é de um país é sim de uma “Mãe que é Deus também”, uma proposta de sentido explorada no meu romance A Casa da Torre Velha (2022).

            Marte em Gémeos no Equinócio de Outono e no Solstício de Inverno podem trazer hostilidade às negociações e extremismo aos media, mas pelo menos existirão verdadeiras negociações. O movimento ao longo do ano de Marte e Júpiter serão fundamentais para compreender o que nos espera num mundo que pede mudança, mas permanece no mesmo. Por outro lado, o regresso dos movimentos de retrogradação retomará a difícil lição que vai da desmedida à retribuição, trazendo até nós o imperativo da Necessidade. Neste ano em que infelizmente os conflitos serão o gérmen dos dias, será fundamental compreender a primeira de todas as lições da astrologia antiga: a luz e a sombra.

            A doutrina do segmento de luz (αἵρεσις) permite-nos compreender essa harmonia dos opostos. No ingresso das estações e com um olhar a partir de Lisboa, os luminares estarão em acima do horizonte nos dois primeiros e de dia (Primavera e Verão) e nos outros dois abaixo e de noite (Outono e Inverno), cumprindo o significado radical. Existe, deste modo, e como sempre, uma necessidade de integrar a luz na sombra e a sombra na luz. De um ponto de vista astrológico, é preciso sobretudo não ler o mundo com os olhos do nosso próprio tema, pois se o fizermos, rejeitarem-nos a parte que a sombra guarda em nós e no mundo e revelaremos apenas a dimensão inabitada dos nossos temores.

            Liz Greene resume na perfeição esta dificuldade quando diz que "Se nos identificamos muito fortemente com um determinado conjunto de qualidades na nossa própria natureza, quando o oposto vem à superfície ou aparece em outra pessoa, o resultado em geral é a repulsa. Trata-se de uma profunda repulsa moral, uma verdadeira aversão pelo que a outra pessoa representa. Não é apenas um desinteresse ou um desagrado casual. A sombra desperta em nós uma raiva totalmente desproporcional à situação." (Greene, Liz, 1994, "A Sombra na Astrologia" in Ao Encontro da Sombra: O Potencial Oculto do Lado Escuro da Natureza Humana, org. C. Zweig & J. Abrams, 177 [175-8]. São Paulo: Editora Cultrix). É portanto necessário integrar a sombra na luz e compreender que nem nós, nem o mundo somos o sentido absoluto da parte, mas devemos sim aspirar a ser o todo, um verdadeiro microcosmos. O ciclo anual das estações e do Zodíaco é uma imagem dessa totalidade.

            Em suma, quer-se que esta Primavera reforce o espírito de renovação que a natureza nos transmite e que o humano tende a rejeitar. A serenidade da compaixão, tornada uma natureza em acto, deve ser o caminho e a humanidade precisa dessa renovação. O Sagrado Feminino é luz no caminho.