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terça-feira, 1 de outubro de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Eclipse Solar Anular (Lua Nova em Balança)


Eclipse Solar Anular 

(Lua Nova em Balança)

Lisboa, 19h45min, 02/10/2024

 

Sol-Lua

Decanato: Saturno  

Termos: Mercúrio   

Monomoiria: Saturno    

                                          

 

   O Eclipse Solar Anular de 2 de Outubro ocorre no signo de Balança, com Carneiro a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, com os luminares abaixo do horizonte, na VII, junto ao Poente (δύσις), e cerca de trinta minutos após o ocaso (hora de Lisboa), no decanato de Saturno, termos de Mercúrio e na monomoiria do Saturno. Se observarmos os últimos eclipses solares, torna-se perceptível que o eclipse solar de 8 de Abril também se deu na VII, junto ao Poente, mas com os luminares acima do horizonte, já o eclipse de 14 de Outubro de 2023 deu-se, à semelhança do actual, na VII e abaixo do horizonte. Conclui-se, deste modo, que nos três últimos eclipses solares, para além do sentido da sombra, sobressai a significação radical do lugar do Ocaso. Fernando Pessoa, no poema “A morte é a curva da estrada” (1932), diz que Morrer é só não ser visto, ou seja, a ocultação do Sol é também a sua morte e, nesse sentido, o manto umbral torna-se um sinal de morte.

   Esta significação da sombra e da morte encontra-se novamente sobre o eixo da identidade (Carneiro-Balança). Ora o eixo traduz o princípio da identidade como uma ponte de sentido entre a unidade e a dualidade, ou seja, a identidade para se tornar consciência precisa do elemento dual, precisa de uma qualquer forma de alteridade. O eu tende para o outro, mesmo que o conhecimento do outro encontre o muro alto da subjectividade. Nunca conhecemos verdadeiramente o outro, porque não conseguimos sair do eu que conhece. Podemos ser genuínos na demanda, mas não deixamos de ser quem somos. Este não é, na verdade, um problema psicológico, é sim uma questão filosófica, uma que está na base de toda a filosofia. Do ponto de vista astrológico, este eixo revela uma outra questão essencial. O sentido dos eixos é uma proposta de viagem, ou seja, o eu só conhece o outro se se integrar no todo. Carneiro só conhece Balança se viajar até Peixes. Antes de chegar a Balança, passa por Virgem, onde conhece o sentido da parte, o que lhe permite observar a dualidade, o signo seguinte, mas é em Peixes que, adquirindo o valor da totalidade, pode vislumbrar o outro para além da subjectividade. Na senda da identidade, a unidade precisa do olhar da montanha, da imensidão do todo, do olhar de cima segundo Marco Aurélio. Marte, o regente de Carneiro, passa da guerra dos contrários, para a harmonia dos contrários, a Vénus de Balança. O Zodíaco é portanto viagem, essa é a sua matriz de sentido.

   O Dragão da Lua, através dos seus períodos nodais, dos seus eclipses, transmite-nos as sementes do destino. É como se asas do dragão espalhassem as sementes, todavia, existe, por vezes, uma sombra que nos impede de ver onde elas caem. O manto umbral, nesta fase nodal entre o eixo de integração e o eixo de identidade, não deixa que se vejam as sementes da unidade e da dualidade (Carneiro-Balança), da parte e do todo (Virgem-Peixes). No entanto, o destino deixa sempre sinais, o que está escrito escrito está e essa é a verdade. A necessidade não muda os seus ditames. Se a astrologia perder o discurso teleológico da providência, esvazia-se por completo e esse é o perigo de reduzir a influência astrológica, a sua matriz apotelesmática, a um quadro de tendências e de potencialidades sem uma efectivação necessária. Porém, existe algo que muda: o carácter. Ora o que fortalece o carácter, na sua percepção dos acontecimentos, é a virtude e esta brilha na identidade que vê o eu e o outro, a unidade na dualidade.

   Séneca diz-nos que “Do mesmo modo que a luz do sol eclipsa as estrelas mais pequenas, também a virtude elimina e arrasa sob a sua própria grandeza tudo quanto seja dor, sofrimento, insulto; onde brilha a virtude, tudo quanto sem ela é visível fica eclipsado, ao chocar contra a virtude todos os incómodos têm tanto significado como uma nuvem vertendo chuva sobre o mar! E para te certificares de que assim é, vê como o homem de bem se afoitará sem hesitar a qualquer bela acção: ainda que diante dele se erga o carrasco, se erga o torcionário e a sua fogueira, o homem de bem avançará, atento apenas ao que deve fazer, e não ao que terá de sofrer, tão confiante no seu honesto propósito como o estaria ante um outro homem de bem; a seus olhos o seu acto aparecerá como verdadeiramente útil, seguro, bem-sucedido. Uma acção honesta, ainda que dolorosa e difícil, valerá tanto como um homem de bem, ainda que pobre, exilado ou doente!” (Ep.66.20-1; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). Se nos lembrarmos que a proposta de Balança é a da busca do equilíbrio, pois representa o momento em que a humanidade deixou de ver Astreia, Dike, a deusa da Justiça, representada na constelação de Virgem, então compreendemos a mensagem de Séneca. A virtude, a justiça, a harmonia, brilha mais do que qualquer coisa, eclipsando tudo o resto, mas, por outro lado, na sua ausência, nada brilha como ela. A morte e a sombra são, neste eclipse, a ocultação desta luz que brilha no abismo e na escuridão. É a luz que não morre, destruindo-se, mas que desaparece do olhar e, nesse sentido, fica a sombra sobre a humanidade.

   Se seguirmos o método ptolemaico das horas equatoriais, o período de influência deste eclipse seria menor, todavia, se utilizarmos outra metodologia, baseada uma na ascensão recta e outra na declinação do Sol chegar-se-ia a um período que iria dos quatro aos sete anos e meio. A opção por uma influência temporal mais extensa baseia-se, por um lado, nesta explanação astro-filosófica, mas, por outro lado, na determinação da natureza deste eclipse como um fenómeno de potência, ou seja, este manto umbral encerra em si o gérmen de acontecimentos que se vão fixar noutras efemérides. Poder-se-ia dizer que essa é uma determinação comum, todavia, existem momentos cuja potencialidade é qualitativamente mais intensa. Neste eclipse, o manto umbral cobre, em grande parte, uma área oceânica e, nas poucas zonas terrestres onde é visível, o número de pessoas que o podem observar numa visibilidade total é também limitado. É o oposto do eclipse lunar de 18 de Setembro. Este factor, sobretudo se pensarmos que o eclipse lunar anterior foi num signo de água, confere à sombra do actual eclipse um valor uterino.

   Os anos de 2026 e 2027 vão ter, por exemplo, eclipses solares com grande influência em termos geográficos, tanto na área terrestre como na visibilidade populacional. No entanto, o facto do actual eclipse se estender pelo mar não deve ser descurado, pois a relação da humanidade com os oceanos será no futuro uma condição para a continuidade da espécie e da vida na terra. O eclipse solar terá o seu centro no Oceano Pacífico perto das Ilhas Pitcairn e de Hanga Roa. Na América do Sul, terá a sua maior visibilidade nas zonas do sul do Chile e da Argentina, podendo ser observado parcialmente no sul do Peru, na Bolívia, no Paraguai, no sul do Brasil e no Uruguai. É também visível numa parte da Antárctida, o que também é relevante para a questão dos oceanos, do mar.           

   Nas regências geográficas antigas, Valente (Antologia I, 2) diz-nos que estão sob a influência de Balança a Báctria (região persa do Coração que corresponde actualmente ao Afeganistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e China), a China, a zona do Cáspio, Tebaida (região do Antigo Egipto entre Abidos e Assuão), o Oásis (Oásis de Siwa ou Siuá, no deserto da Líbia), Troglodítica (região antiga do deserto líbio, mas que se pode estender por uma região que vai até ao Mar Vermelho e ao Corno de África), a Itália, a Líbia, a Arábia, o Egipto, a Etiópia, Cartago, Esmirna (Anatólia, Turquia), os Montes Tauro (Sul da Turquia), Cilícia (Turquia) e Sinope (Norte de Turquia, junto ao Mar Negro). Manílio coloca a Itália e, em especial, a cidade de Roma sob a regência de Balança (Astronomica IV, 773-77), expressando pois a relação da natividade do imperador Augusto com este signo.

   O actual eclipse pertence à série Saros 144. É 17º eclipse de um total de setenta. Convém assinalar-se que esta série não tem eclipses totais, pois é composta apenas por eclipses parciais e anulares. A série teve o seu início a 11 de Abril de 1736, com um eclipse no signo Carneiro, e terminará a 5 de Maio de 2980, com um eclipse no signo de Touro. No eclipse-matriz, o Sol, a Lua e a Cauda Draconis estavam em Carneiro, ou seja, na posição inversa do actual eclipse. Saturno estava em Touro, no signo que marcava a hora, onde a série terminará. Neptuno estava em Gémeos, Plutão e a Caput Draconis em Balança, Úrano em Sagitário, Júpiter, Marte e o Ponto de Culminação em Aquário, Vénus e Mercúrio em Peixes.

   Sob a influência da conjunção de Marte e Júpiter e com a sizígia umbral em Carneiro estende-se o conflito entre a Rússia e o Império Otomano. Em 1736, o exército russo, sob o comando do marechal Burkhard Christoph von Münnich, capturou a fortaleza de Azov dos otomanos, um marco importante na guerra. Após o eclipse, este conflito continuou com outras importantes batalhas. Três dias após o eclipse, dá-se na Escócia, em Edimburgo, a Revolta de Porteous que começou como um motim e acabou com a execução ilegal de John Porteous, o capitão da guarda da cidade, que havia sido condenado por ordenar que seus homens atirassem em uma multidão durante uma execução pública. As tensões políticas e sociais aumentaram e contribuíram para o descontentamento dos escoceses face às autoridades britânicas. É uma questão que se estende até hoje com parte dos escoceses a quererem a independência.

   Vénus e Mercúrio em Peixes em quadratura a Neptuno em Gémeos vão favorecer outro tipo de acontecimentos. Por exemplo, a Companhia Holandesa das Índias Orientais estava no auge da sua expansão no sudeste asiático, continuando assim a dominar o comércio internacional na região. Ora, em 1736, consolidou as suas posições em várias colónias, incluindo territórios na actual Indonésia. De uma outra forma, também em 1736, chega ao Equador a expedição científica ao Peru, liderada por Charles Marie de La Condamine e Pierre Bouguer, com o intuito de proceder à determinação exacta do grau do arco de meridiano nas proximidades da linha do equador. Com esta expedição, poder-se-ia verificar a hipótese de Newton, contestada por muitos, do achatamento da Terra nas zonas polares. A 11 de Abril de 1736, no dia do próprio eclipse-matriz, William Law, um influente teólogo anglicano, publicou o seu famoso tratado A Serious Call to a Devout and Holy Life. Esta obra teve um impacto profundo no movimento metodista, bem como em todo cristianismo anglicano e em outros movimentos protestantes, e foi uma das obras que influenciou John Wesley e Samuel Johnson. Estes acontecimentos revelam alguns dos elementos de sentido do eclipse-matriz, o qual servirá de base interpretativa para todos os eclipses da série.

   Já no actual eclipse existem, na leitura dos aspectos astrológicos, duas configurações geométricas que sobressaem: o Quadrado (ou Cruz) Cardinal e o Triângulo de Água. O primeiro é particularmente significativo por duas razões: primeiro, porque encerra em si a sizígia umbral e o Dragão da Lua e segundo, porque no tema de Lisboa, o que está em análise, encontra-se sobre os pólos (κέντρα), com Carneiro marcando a hora e Capricórnio culminando. Estas razões conferem aos planetas e pontos que neles se fixam um valor determinante e uma influência reforçada. Nesta configuração, encontramos assim a Caput Draconis em Carneiro, Marte em Caranguejo, o Sol, a Lua, Mercúrio e a Cauda Draconis em Balança e Plutão em Capricórnio. A união de raios quadrangulares e diametrais sobre os pólos têm assim um sentido reforçado. Neste tema, é impossível não observar que existe um certo peso, uma certa gravidade nesta configuração. Note-se que é a cauda e não a cabeça do Dragão da Lua que se une à sizígia umbral, o que obriga aqui a uma maior imposição do peso do destino. Esta é uma configuração que conduzirá ou exacerbará conflitos e guerras, desastres naturais e destruição. A perda de casas e de vidas está ainda no horizonte.

   Esta configuração leva-nos necessariamente, e neste ponto é mesmo por via da Necessidade, ao triângulo de água. Ora este une Marte em Caranguejo, Vénus em Escorpião e Saturno e Neptuno em Peixes. Por ser um trígono, o destino actua aqui como dádiva, todavia, as bênçãos do lote das Meras podem surgir da destruição, podem ser a semente que germina nas cinzas. Cícero dizia: “Se tens um jardim e uma biblioteca, nada te faltará.” (Epistulae ad familiares IX, 4: Si hortum in bibliotheca habes, nihil deerit). Se pensarmos que Vénus, por ser este um tema nocturno, é o benéfico mais benevolente e Marte é o maléfico menos prejudicial, compreendemos então que nos é pedida uma revaloração do desejo, daquilo que nos move. Temos de encontrar o centro no que verdadeiramente importa. Porém, Vénus está no seu detrimento, tornando mais difícil este processo e Saturno continua a trazer consigo a gravidade do destino, da ordem do tempo. É-nos oferecido então o olhar de cima de Marco Aurélio, já anteriormente referido.

   O exercício espiritual consiste em centrarmo-nos na nossa tranquilidade e relativizar tudo aquilo que não controlamos, tudo aquilo que é superficial. Pensemos em nós, no espaço e tempo que ocupamos, nas lições de Júpiter e Saturno. Agora vejamos esse mesmo lugar na rua e no quarteirão que vivemos, depois na cidade, no país, no continente, no planeta Terra, no sistema solar, na Via Láctea, no universo. Do mesmo modo, pensemos no momento que vivemos, depois nos nossos anos de vida, de seguida, considere-se um século, dois, três, um milénio, dois, três, a história da humanidade, a história do planeta, o tempo de existência do Sol, de outras estrelas mais antigas, do universo. De facto, como diria Cícero, face a tudo isto, uma biblioteca e um jardim podem oferecer-nos uma certa paz, pois somos apenas uma minúscula e ínfima poeira de estrelas. Este eclipse sobre o signo de Balança, um lugar que procura a harmonia face ao desequilíbrio das escalas, dos pratos da balança, pede-nos este esforço, este dom de nos sentarmos no cume da montanha e olhar para baixo.

   O triângulo de Água segue-se ao triângulo de Terra que encontrámos no eclipse lunar. O Eterno Feminino é a dádiva do destino, contudo, é uma candeia oculta sob um manto de sombra. De entre os sextis que observamos neste eclipse, o sextil de Vénus em Escorpião a Plutão em Capricórnio, unindo o amor e a morte, diz-nos que face à corrupção do desejo temos de encontrar, no poder da morte, da destruição, o ímpeto de transformação, não dos acontecimentos, mas do carácter. A união dos sextis entre os signos de Terra e Água poderia gerar um Grande Hexágono, porém, não existem aquando do eclipse planetas no signo de Virgem, deixando assim o hexágono incompleto. Astreia, a deusa da justiça, continua a estar ausente, distante da humanidade que a rejeitou.

   O trígono entre Júpiter em Gémeos e a sizígia umbral e Mercúrio em Balança diz-nos que o intelecto e a palavra podem, como realização da Humanidade, iluminar o caminho do bem, da justiça. No entanto, a sombra e a escuridão, a morte da razão anda pelas ruas, ocultando a via eleita. A união benévola de Júpiter em Gémeos ao Dragão da Lua (sextil à Caput, trígono à Cauda) indica-nos também, face ao destino e à necessidade, essa outra via para o pensamento e para a palavra. No entanto, Júpiter, por este ser um tema nocturno, é o benéfico que menos brilha, sentindo sobre si o peso da quadratura de Saturno e Neptuno em Peixes. A humanidade sabe o caminho, a sabedoria está mesmo à nossa frente, mas continuamos a desviar o olhar, a fingir que não a vemos e, dessa forma, levamos o pensamento e a palavra até ao domínio da ignorância, da ilusão e do engano. Nesse domínio, a acção separa e distingue, desune, em vez de agregar, de confluir o humano na humanidade.

   A oposição entre Vénus em Escorpião e Úrano em Touro dá ao eixo entre a vida e a morte um choque, uma colisão, entre a inflexibilidade e a imprevisibilidade. O desejo de apego e o desejo de mudança contaminam as estruturas que a humanidade criou. A relação do humano com a natureza, com o planeta, é disso mesmo o melhor exemplo. Sabemos onde errámos, sabemos o que tem de mudar, mas estamos presos aos hábitos, ao modo de vida que impede a mudança. Os sextis dos maléficos a Úrano exemplificam essa liberdade corrompida. Quando Úrano entrar em Gémeos, em 2025, à questão do planeta, da sua sustentabilidade, iremos juntar os desafios da inteligência artificial e do lugar do humano e da humanidade.

   O eclipse solar de 2 de Outubro marca um tempo de transição, de passagem. A sombra actua como uma condição necessária e através da qual a luz se vai erguer no céu, escalando montanhas, ou habitar as profundezas da terra, guardando-se na escuridão do abismo. Lao Zi diz-nos que “O céu perdura, a terra subsiste.” (Dao De Jing, ed. C. Ribeiro. Coimbra, 7, p. 53. Coimbra, 2024: Instituto de Estudos Filosóficos). É entre essa permanência e subsistência que a luz e a escuridão ocupam o seu lugar. Este eclipse abre o caminho para o ano de 2025, um ano de grandes mudanças astrológicas. Neste ciclo nodal, este é o último eclipse em Balança. A necessidade de harmonia, de concórdia, torna-se assim uma afinidade electiva, uma via para o futuro. 

segunda-feira, 25 de março de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Eclipse Lunar Apulso (Lua Cheia Balança-Carneiro)

Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Lunar Apulso 

(Lua Cheia: Balança-Carneiro)

Lisboa, 07h13min, 25/03/2024

 

Lua

Decanato: Lua

Termos: Saturno

Monomoiria: Marte    

 

Sol

Decanato: Marte

Termos: Júpiter

Monomoiria: Saturno  

 

  O Eclipse Lunar Apulso de dia 25 de Março ocorre com a Lua no signo de Balança e o Sol no de Carneiro, com Carneiro a marcar a hora e cerca de quarenta e cinco minutos após o nascer-do-sol (hora de Lisboa), logo no Segmento de Luz (αἵρεσις) do Sol, estando este acima do horizonte, na I, no Leme do tema (οἴαξ), já a Lua está abaixo do horizonte, na VII, no lugar do Poente (δύσις). A Lua encontra-se no seu decanato, nos termos de Saturno e monomoiria de Marte, enquanto o Sol encontra-se no decanato de Marte, nos termos de Júpiter e monomoiria de Saturno. Após a aurora, com a noite terminada, o eclipse colocará a sua sombra sobre o eixo do horizonte e, a partir da Ascensão, trará consigo a mensagem do Dragão da Lua, aquela que une a necessidade e o destino.

  Um eclipse lunar apulso ou penumbral acontece quando a Lua passa só pela penumbra terreste, ou seja, pela parte menos escura da sombra da Terra. Neste tipo de eclipse, o obscurecimento da Lua é subtil e difuso, tornando a sua observação mais difícil. De um ponto de vista simbólico, a Terra não esconde a Lua, leva-a sob o véu. Não é Deméter pesarosa à procura de Perséfone, oculta sob a Terra com Hades, é sim Deméter, passeando, na Primavera e Verão, com Cora (Koré), protegida sob o manto materno. Um eclipse lunar expressa, também por esta razão, algumas das matizes de luz e sombra do feminino, mostrando a ponte de sentido que existe entre o mito e a realidade. No entanto, o eclipse actual não favorece o feminino, pois a Lua, no tema de Lisboa, afunda-se no Poente, num signo masculino e nos termos de Saturno.

  A luz e a sombra, guardados pelo corpo do dragão primevo, revelam a forma como a providência gere a parte e o todo, como concede cada porção de luz e sombra, sem perder nunca a visão do todo, o olhar da montanha. Proclo, nos Elementos de Teologia, diz-nos o seguinte: “Todo o todo-na-parte é uma parte de um todo-de-partes. Porque se é uma parte, é uma parte de algum todo; e este deve ser ou o todo que contém, em virtude do qual é chamado de todo-na-parte, ou então algum outro todo. Mas, na suposição anterior, será uma parte de si mesmo, e a parte será igual ao todo, e os dois idênticos. E se for uma parte de outro todo, ou é a única parte, e se assim for será novamente indistinguível do todo, sendo a única parte de uma unidade pura; ou então, uma vez que as partes de qualquer todo são pelo menos duas, este todo incluirá um outro elemento e, sendo composto por uma pluralidade de partes, será um todo das partes que o compõem. Por conseguinte, o todo-na-parte é uma parte de um todo-ou-partes.(Prop.68, The Elements of Theology, ed. E.R. Doods, p.65. Oxford, 1971: Clarendon Press).

  Ora se ultrapassarmos sem preconceito a linguagem filosófica, julgando que é erudição aquilo que apenas traduz a realidade, compreendemos uma porção daquela que é relação entre a parte e o todo. Esta relação é transcrita pelo eixo Peixes-Virgem, aquele será a próxima viagem do ciclo nodal. No entanto, o actual ciclo de eclipses ocorre no eixo Carneiro-Balança, ou seja, no eixo da identidade, aquele que une a unidade e a dualidade e que estabelece a travessia da ponte da alteridade. A significação destes dois eixos é fundamental para a compreensão, para a consciência íntima, da luz e da sombra sobre estes binómios. A providência colocará a necessidade (Caput) e o destino (Cauda) sobre estes conceitos e sobre a forma como integramos o seu sentido profundo. O eclipse de dia 25 de Março marca, neste ano de 2024, o início da continuação dessa viagem. O desafio será passar, neste e nos próximos anos, da identidade (Carneiro-Balança) à integração (Peixes-Virgem). 

  Seguindo a ideia desenvolvida por Proclo, será necessário compreender-se como a parte que nos coube participa do todo e de que tipo é esse todo, o que é, de facto, uma integração da identidade na totalidade. Porém, essa integração ocorre primeiro como revelação da consciência de si e depois como desagregação dessa mesma consciência na consciência do todo, ou seja, seguindo a inspiração estóica, a alma individual compreende que participa da Alma do Mundo. Quando um eclipse se firma sobre o horizonte, dando luz à sombra e sombra à luz, confirmando as suas naturezas, esse processo de integração toma a forma de desafio ou enigma. Se excluirmos Júpiter, Úrano e Plutão, todos os outros planetas estão presentes em signos dos eixos indicados. Na verdade, em Peixes, existe uma forte co-presença planetária (ou Stellium como hoje se diria). Neste signo, aquando do eclipse, estão Marte, Saturno, Vénus e Neptuno, os maléficos e os planetas da dádiva do amor (Vénus exaltada e Neptuno no signo por si regido).

  Face ao exposto, a influência do actual eclipse terá de conciliar a sua presença nos ciclos nodais com a extensão temporal da sua acção concreta. A questão da influência dos eclipses deve considerar sempre uma metodologia plural, uma que se fixe para além das horas equatoriais descritas por Ptolomeu. A leitura das declinações do Sol e da Lua colocariam uma influência restrita de um a dois meses, já a duração penumbral fixaria uma influência mais ténue, de quase cinco meses. Um outro critério que também firma a sua influência é a série Saros em que se insere. A série Saros 113 é uma série antiga que começou a 29 de Abril de 888 e que vai terminar a 10 de Junho de 2150. Este é o 64º eclipse de um total de 71 eclipses, o que confere uma certa maturidade à mensagem proposta pela série.

  A série Saros 113 é inaugurada por um eclipse em que o Dragão da Lua se estende pelo mesmo eixo que o actual, todavia, o eixo luminar encontrava-se no eixo Touro-Escorpião, ou seja, no eixo do ciclo nodal anterior ao que estamos a viver. Este factor, para a questão da influência, corrobora o sentido de uma influência abrangente, escrita num ciclo astrológico mundano mais amplo. O tema do primeiro eclipse de uma série Saros serve de matriz para toda a série e, seguindo este modelo interpretativo, existe uma proximidade do sentido astrológico inicial com o actual.

  No eclipse de 29 de Abril de 888, a Lua e Úrano estavam no signo que marca a hora, Escorpião, e no signo oposto, Touro, estavam o Sol, Mercúrio e Plutão. Em Carneiro, estava a Caput Draconis, Marte e Neptuno. Júpiter estava em Caranguejo e Saturno, culminando, em Leão. Curiosamente, Vénus era o único planeta que se encontrava cadente, o mesmo que hoje está exacerbado, mas também cadente. Porém, em 888, estava no lugar da Deusa (III) e hoje está na XII, no Mau Destino (ou Espírito). Existe pois uma potência por cumprir. Ora, aquando deste eclipse-matriz, ocorrem três mortes que conduzem a mudanças em três reinos diferentes. Morre o imperador carolíngio Carlos III, levando a mais uma cisão no Reino dos Francos. Morre Al-Mundhir, emir de Córdoba, sendo sucedido pelo irmão Abdullah ibn Muhammad al-Umawi. Ora Emirado de Córdoba vai anteceder o Califado de Córdoba que tanta importância terá na história política e cultural da época. Por fim, morre o imperador Xi Zong que também será sucedido pelo irmão, neste caso, Zhao Zong, e que dará continuidade à dinastia Tang.

  No mesmo ano, o rei Alfredo, o Grande, funda a Abadia de Shaftesbury, mas é sobretudo pelas efemérides militares que o período deste eclipse é lembrado. O conde de Vannes, Alan I, e o seu rival, Judicael, unem forças para derrotar os Vikings em Questembert. Dá-se também a Batalha de Milazo, em que os aglábidas esmagam a armada bizantina ao largo da Sicília. Deve-se salientar igualmente as expedições militares do rei Arnulfo da Caríntia na região dos Alpes e do norte de Itália, confirmando o seu poder na sucessão de Carlos III. Todos estes acontecimentos fundam um período de transformações e que, num curto período, vão provocar várias mudanças. O trígono entre os maléficos potenciou muitos destes momentos (Marte em Carneiro e Saturno em Leão).

  A influência espacial do eclipse de 25 de Março coloca o centro da sombra no mar, no Oceano Pacífico, perto do Equador, entre Puerto Ayora (Ilha de Santa Cruz, Equador) e as ilhas Marquesas, da Polinésia Francesa, estas um pouco mais a sul. À semelhança dos últimos eclipses e do próximo, o eclipse será visível em grande parte do continente americano. Já o manto penumbral será visível na ascensão da Lua nas zonas orientais da Europa e de África e, no seu declínio, no extremo ocidental da Ásia e da Oceania. Já nas regências geográficas antigas, e de uma forma menos intensa, o Sol em Carneiro, segundo Vétio Valente (Antologia I, 2), rege as seguintes regiões: a Babilónia, Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), a Pérsia, a Palestina e as regiões circundantes, a Arménia, a Trácia, a Capadócia, Susã (cidade antiga, capital do Elão ou Susiana, hoje sudoeste do Irão), o Mar Vermelho e o Mar Negro, o Egipto e o Oceano Índico. Para Manílio, rege Helesponto (Estreito de Dardanelos), Propontis (Mar de Mármara), a Síria, a Pérsia e o Egipto (Astronomica, IV, 744-817). 

  De uma forma mais intensa, a Lua em Balança, também segundo Valente (Antologia I, 2), vai ter influência sob a Báctria (região persa do Coração que corresponde actualmente ao Afeganistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e China), a China, a zona do Cáspio, Tebaida (região do Antigo Egipto entre Abidos e Assuão), o Oásis (Oásis de Siwa ou Siuá, no deserto da Líbia), Troglodítica (região antiga do deserto líbio, mas que se pode estender por região que vai até ao Mar Vermelho e ao Corno de África), a Itália, a Líbia, a Arábia, o Egipto, a Etiópia, Cartago, Esmirna (Anatólia, Turquia), os Montes Tauro (Sul da Turquia), Cilícia (Turquia) e Sinope (Norte de Turquia, junto ao Mar Negro). Manílio coloca a Itália e, em especial, a cidade de Roma sob a regência de Balança, referindo, por um lado, que Roma controla as mais variadas coisas, exaltando e precipitando as nações nos pratos da balança, por outro lado, este é signo do imperador, de Augusto que terá nascido a 23 de Setembro de 63 AEC (Astronomica IV,773-77).

  O tema do eclipse de dia 25 de Março tem, como já observarmos uma grande concentração planetária nos eixos anunciados. Dos doze signos, apenas cinco tem a presença de planetas. Em Carneiro, temos o Sol, Mercúrio (e a Caput Draconis), já em Balança está a Lua (e a Cauda Draconis). Neste eixo de identidade, entre a unidade e a dualidade, a luz da acção e da palavra e a mediação criativa encontram-se obscurecidas, pendem sobre o horizonte como as escalas desequilibradas de uma balança. A sombra do eclipse vai trazer um obscurecimento ao sentido de identidade, à consciência daquilo que se é, tanto pessoal como colectivamente. De uma perspectiva política, o enraizamento dos valores democráticos encontra-se assombrado. A penumbra de um individualismo narcísico, incapaz de integrar as ideias de solidariedade e de Estado Social, corrompe a ponte democrática entre a igualdade e a liberdade. A Lua em Balança, num eclipse lunar, acentua o desequilíbrio de valores. Em Portugal, a cada dia que passa, o valor da Revolução de Abril perde-se na espuma dos dias, no desligamento da realidade.

  Mercúrio em Carneiro, como Estrela da Tarde, abaixo do horizonte, revela uma palavra que não faz, que tenta, mas não cria, que não promove uma verdadeira práxis. Tudo se perde na desinformação, na ignorância, na liquidez dos tempos. O sextil de Plutão em Aquário ao Sol, a Mercúrio e à Caput em Carneiro e o trígono à Lua e à Cauda em Balança, ambos em separação, trazem o sentido profundo da morte ao humano e à humanidade, potenciando o elemento de transformação anteriormente descrito. Existe uma desintegração de valores colectivos. Aquando da ascensão do nazismo, Saturno estava em Aquário e Úrano em Carneiro. De uma outra forma, quando Saturno e Neptuno passarem para Carneiro vamos encontrar elementos concordantes, diferentes, mas comuns. De uma outra forma, na Marcha sobre Roma, que marca a ascensão do fascismo italiano, Saturno estava em Balança e Marte em Capricórnio. Existe muitos pontos de ligação com a actual ascensão da extrema-direita.

  Júpiter e Úrano em Touro em quadratura a Plutão em Aquário e em sextil a Marte, Saturno, Vénus e Neptuno em Peixes servem de base conceptual e de estrutura de sentido para o tema do eclipse lunar. Nesta configuração astrológica, a par da que se estende no eixo Carneiro-Balança, repousa a mensagem de luz e sombra que a providência nos concede. Evágrio do Ponto, um monge-asceta e teólogo do século IV EC, afirma o seguinte: “O conhecimento espiritual é ‘as asas’ da mente; o gnóstico é a mente das asas. E se isto é assim, então as coisas carregam o signo das ‘árvores’: (elas são) aquelas coisas em que a mente se empoleira, desfrutando das suas folhas e deleitando-se com os seus frutos, enquanto almeja, a cada momento, a ‘árvore da vida’.(Kephalaia gnóstica 3.56 S2 in Evagrius of Pontus: The Gnostic Trilogy, ed. R. Darling Young, J. Kalvesmaki, C. Stewart, C. Stang & L. Dysinger, 284. Oxford, 2024: Oxford University Press). A humanidade precisa de asas, de voar pelo céu da gnose até à sabedoria. No entanto, a configuração astrológica mostra o contrário ou, no mínimo, as dificuldades de possuir essas asas e voar.

  Existe um elemento de sentido, e que já abordamos no tema do Ano Novo Astrológico, que pode ser designado como a estranheza do bem ou a negação da dádiva. A conjunção dos maléficos (Marte e Saturno) em Peixes traz a experiência do mal à vontade de totalidade. Porém, esta experiência do mal, como tal como o eclipse sugere no eixo luminar, nodal e de ascensão, é colocada numa balança, onde de um lado está a própria experiência do mal e do outro está a dádiva do amor. A união de Vénus e de Neptuno em Peixes, ou seja, o lugar de exaltação e de domicílio moderno, potencia exacerbadamente esta bênção. Contudo, esta dádiva perder-se-á até ao momento do eclipse solar e, nesse momento, a conjunção dos maléficos forçará o seu peso nas escalas da balança.

  Seguindo a citação de Evágrio do Ponto, Júpiter e Úrano em Touro são hoje, no voo da gnose, as árvores do conhecimento espiritual. Nesta posição e também pelos aspectos que se forma, nomeadamente o sextil aos planetas no signo de Peixes. A relação destes dois posicionamentos conjuga dois elementos, pois temos tanto o factor de estruturação ou reestruturação da realidade como a liberdade ou o livre-arbítrio sobre a experiência do mal e a dádiva do amor. No caso do tema de Lisboa, podemos observar como os regentes do eixo luminar recaem ambos na XII, no lugar do Mau Destino (κακός δαίμων), revelando a degradação da mediação, do elemento de passagem, entre o humano e a providência.

  O Eclipse Lunar Apulso de dia 25 de Março é o primeiro momento alto do Dragão da Lua em 2024 e é a primeira grande luta entre a luz e a sombra. No actual ciclo, é também o penúltimo eclipse lunar no eixo nodal Carneiro-Balança, o último em que o Dragão da Lua e os luminares estão neste eixo. Por isso, a questão da luz e da sombra sobre o eixo da identidade, sobre a unidade e a dualidade, tornar-se-á mais revelante, bem como o peso da sua mensagem durante o período de influência. Como em todo o eclipse, será necessário enfrentar a sombra e seguir a luz. 

sábado, 24 de setembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Balança

 Reflexões Astrológicas


Lunações 



Lua Nova em Balança

Lisboa, 22h54min, 25/09/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Lua

Termos: Saturno

Monomoiria: Lua 

 


   A Lua Nova de Setembro ocorre no signo de Balança, com Gémeos a marcar a hora para o tema de Lisboa, com a Marte co-presente no Leme da Vida (I), e assim na V, no Lugar do Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), no decanato da Lua, termos de Saturno e na monomoiria da Lua. A sizígia dá-se, desta forma, abaixo do horizonte e cerca de três horas e meia após o pôr-do-sol. O Sol encontra-se desfavorecido por estar fora do seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e no decanato da Lua, já a Lua colhe as bênçãos da noite, embora esteja no signo masculino. As qualidades lunares estão assim acentuadas neste novilúnio.

   Na Lua Nova de Virgem, abordámos a atribuição do princípio da Justiça a Virgem e da sua busca a Balança, ou seja, o primeiro é o templo da Deusa da Astreia e o segundo o modo de lá chegar. Existe, neste signo, um carácter de busca, de demanda, o que torna compreensível que seja designado como o lugar do outro. Existe, neste signo, o fundamento de uma alteridade radical que se efectivar, ou seja, este não é o lugar onde o eu e o outro se unem numa totalidade, sob a graça, por exemplo, da compaixão, este é sim o lugar onde a passagem para o outro se apresenta no caminho, sem que para isso seja atravessada. Esta é uma proposta, uma sugestão de harmonia e completude. Porém, sendo este o domicílio diurno de Vénus, um planeta nocturno, o princípio do desejo pode impedir a travessia. 

   Epitecto, nas Diatribes, revela-nos essa dificuldade de ser o eu no outro e o outro em nós, isto é, como ser diferente e semelhante ao mesmo tempo: “É-te preciso reflectir como não ser dissemelhante dos outros seres humanos, do mesmo modo que uma linha não deseja possuir nada de singular em relação às outras linhas. Mas eu desejo ser a linha púrpura, aquela pequena e brilhante, causa das demais se mostrarem graciosas e belas.” (I.2, 17-18, trad. Dinucci, 54-5. Coimbra, 2020: IUC). O filósofo estóico adverte que, apesar de se ser semelhante, pode-se ser aquilo que, em comunhão, leva o melhor aos outros, tornando-nos todos essa imagem de excelência. O semelhante pode atrair o semelhante, mas convém que a semelhança que une seja a luz e não a sombra, a virtude e não o vício.    

   Um novilúnio em Balança coloca, desta forma, a luz numa ponte de harmonia entre a unidade na diferença e a partilha do comum. Devemos, porém, colocar a pergunta do porquê de ser tão raro encontrar o valor da abnegação neste signo. A razão prende-se ao facto de que, quando se observa uma estrutura axial entre o eu e o outro, o efeito espelho torna-se mais expressivo, ou seja, o eu que quer chegar ao outro leva consigo as tendências narcísicas de uma impossibilidade de ser o eu no outro sem o próprio eu se tornar o si. Sem o processo de ensimesmamento, o eu não se consegue colocar no lugar do outro e essa é também a razão astrológica de Balança ser o primeiro signo da segunda parte do caminho zodiacal.

   Dante, nos primeiros versos da Divina Comédia, diz-nos isso mesmo: “No meio do caminho em nossa vida,/eu me encontrei por uma selva escura/ porque a direita via era perdida.” (Inferno, I, 1-3, trad. V. Graça Moura. Venda Nova, 2000: Bertrand Editora). Ora se associarmos os versos do Fiorentino ao caminho zodiacal, percebemos que, depois de Virgem, depois de Beatriz, o caminho sem o outro está perdido. Balança encontra-se nessa selva escura, porque, sem a amada, a via direita, até Peixes, até ao cume do céu, está perdida. Dante precisa, para recuperar o caminho perdido e avançar pelo Inferno e pelo Purgatório até ao Paraíso, do “amor que move o céu e as mais estrelas” (Paraíso, XXXIII, 145) e esse é o amor da totalidade que encontrará quando chegar a Peixes (exaltação de Vénus) e então renascerá, como um novo humano, de novo, em Carneiro.

   Neste novilúnio, por a sizígia se encontrar, para o tema de Lisboa, abaixo do horizonte, a luz ganha uma dimensão obscura e esta proposta de harmonia e concórdia torna-se mais difícil. No entanto, por se encontrar no lugar da Boa Fortuna (V), o Corno de Amalteia verte sobre a luz a dádiva da Fortuna. O destino opera na luz, na luz oculta sob o horizonte, esse potencial de graça.

   No entanto, por ser uma luz que não se vê, uma candeia escondida sob o manto do sábio, as obras do destino tendem a escapar à espuma dos dias. E, como já observámos na reflexão do Equinócio de Outono, o trígono de Ar que une a sizígia dos luminares em Balança a Saturno Retrógrado em Aquário e a Marte em Gémeos coloca, agora com a luz do Pai e da Mãe reunidas, o peso dos maléficos e a gravidade da destruição sobre o númen da realidade, sobre o seu potencial.

   Esta dinâmica estruturante do elemento Ar, embora disruptiva, concilia-se, de um modo que transforma pela destruição, com a oposição da sizígia a Júpiter em Carneiro e com a quadratura deste a Plutão em Capricórnio. A luz e a harmonia, o espaço e a justiça e a morte e a transformação reúnem, num sentido profundo, uma destruturação da realidade que conhecemos e que precisamos de mudar, fixando sobre ela uma nova representação.

   Lembremo-nos, porém, do braço da cruz que se encontra vazio, pois é nele que se firma a parte significativa do que falta estruturar. Caranguejo, o signo da origem, converge estas relações diametrais e angulares na Grande Mãe, no Divino Feminino. Neste caso, a sua restauração sobre a realidade espiritual nasce da angústia da ausência e da urgência do renascimento. A verdade levanta o seu véu com uma afinidade electiva da origem.   

   No submundo, naquilo que não se véu, estabelece-se, por outro lado, um caminho que vai da Cauda Draconis até ao Ponto Subterrâneo (IC) e nessa serpente ctónica estende-se a luz da sizígia em Balança e, como porta-estandartes da aurora esperada, Mercúrio e Vénus em Virgem. Estes são agora o vértice fundamental do outro trígono estruturante. No elemento Terra, unem-se Mercúrio e Vénus em Balança, Úrano e a Caput Draconis em Touro e Plutão em Capricórnio.

   Este é o triângulo que reforma as estruturas de valor, que revela o pior das obras humanas e que conduz, sob a égide do Destino, ao desapego e à importância do essencial, relembrando que nada está adquirido e que o direito a uma vida digna continua a ser algo pelo qual temos de lutar. A quadratura de Saturno em Aquário, o grande maléfico do tema, a Úrano em Touro e ao Dragão da Lua (eixo Escorpião-Touro) serve assim de aviso para o peso da Necessidade sobre as estruturas humanas de valor. Algo que é compensado pelo sextil de Saturno em Aquário a Carneiro em Júpiter. A retrogradação de ambos torna a liberdade reflexiva e potencia a possibilidade de servir a verdade e a necessidade, a justiça e o tempo. O sextil de Júpiter e Marte pode trazer também o impulso da justiça e a força da verdade.      

   De uma outra forma, a Palavra (Mercúrio) e o Amor (Vénus, o grande benéfico) assumem-se como baluartes da Deusa Astreia (Virgem) que é violentamente renegada em pensamentos e discursos (quadratura de Marte em Gémeos) e numa total ausência de solidariedade e compaixão (oposição de Neptuno em Peixes). A Justiça – ou a Sabedoria – continua a caminhar pelo mundo, mas não é vista, e quando é reconhecida, é rejeitada e vilipendiada, insultada e violentada.

   Neste novilúnio em Balança, esta é a Harmonia da Verdade que os egos, cheios do seu próprio reflexo e crentes naquilo que julgam conhecer, cismam em negar, como Pedro negando Jesus, sobretudo porque o medo habita os seus corações. Aqueles que rejeitam a Sabedoria temem que, ao reconhecê-la, se tornem eles próprios desconhecidos. É o medo de sair de si e tornar-se silêncio, de esvaziar-se e imergir num todo que está muito para além de uma reunião das partes.

   A passagem do eu para o outro, cruzando a impossibilidade e criando, na via do ensimesmamento, uma integração na totalidade, contribui, neste novilúnio, com o alimento da concórdia, da unidade do comum. Será necessário trazer para a luz, dando claridade ao pensamento, uma mensagem que pede por equilíbrio e paz, por uma humanidade que seja também o reconhecimento do outro. Esta a luz da Lua Nova em Balança. 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Equinócio de Outono

Reflexões Astrológicas

Estações


Equinócio de Outono

Lisboa, 02h04min, 23/09/2022

 

Sol

Decanato: Lua

Termos: Saturno

Monomoiria: Vénus

 

             Se o Equinócio da Primavera é, por excelência, um tempo de iniciação, o Equinócio de Outono indica então um tempo de repouso. A colheita iniciada em Agosto, no Lughnasadh ou Lammas da tradição pagã, mas cujo potencial teve origem no Solstício de Verão, começa agora a chegar ao seu termo. É a segunda e última colheita. Naturalmente, para o Hemisfério Sul, a interpretação é a inversa e poderá ser encontrada na reflexão acerca da Primavera. No entanto, o sentido de tempo após a colheita é universal seja qual for o período anual em que se fixa. Este é o tempo em que o grão se torna pão. É o tempo em que a vinha se torna vinho. A Mãe-Terra entrega assim ao Filho-Luz o seu último alimento.

            Os equinócios representam o equilíbrio, a harmonia. O dia e a noite estão ao mesmo nível. Porém, no fluxo anual existe uma continuidade e tudo segue o seu curso. O Sol prepara-se para a sua morte e a escuridão aproxima-se. As festas de São Miguel Arcanjo celebram-se uma semana após o equinócio: a 29 de Setembro. Ora o Arcanjo Miguel e o Portador da Luz (Lúcifer) são, na verdade, os guardiões da luz, deste equilíbrio equinocial. E, neste caso, estão ambos nos pórticos da luz, esperando pelo Inverno, pelas trevas e pela morte. O Sol extinguir-se-á para que um novo Sol possa renascer. A fénix voa morrente sobre nós.

            De um ponto de vista astrológico, esta tensão do equilíbrio é expressa pelo eixo Carneiro-Balança, pelo olhar de frente (oposição) entre Marte e Vénus, os domicílios diurnos destes signos. Curiosamente, o senhor do destino e da necessidade, o Dragão da Lua estende agora o seu corpo pelos domicílios nocturnos destes planetas (Escorpião-Touro). Com base na referência anterior, e de forma mais masculinizada, ou seja, por temor do feminino, estes são também o Arcanjo Miguel (Marte) e Lúcifer (Vénus). Ora este choque da polaridade, criando a harmonia ou a tensão, faz dos equinócios um momento de stress, de pressão psíquica. O medo da ausência da luz paira sobre o mundo e sobre o humano. A energia, fervilhando, trespassa, deste modo, tudo e todos na esperança de harmonia, de equilíbrio.

            Jung diz-nos, no Livro Vermelho, que “o diabo é a soma da escuridão da natureza humana. Aquele que vive na luz luta para ser a imagem de Deus; aquele que vive na escuridão luta para ser a imagem do diabo.(The Red Book 2009: 322 [H1 176]. Ed. S. Shamdasani. Nova Iorque/ Londres: Philemon Series, W. W. Norton & Company. A tradução é da minha responsabilidade). Existe no Equinócio de Outono, nos meses que o cercam, esta tensão entre a escuridão e a luz, entre as imagens de Deus e do Diabo e esta angústia da identidade, em si e no outro, torna-se dominantemente interna. A sua expressão externa, ou mundana, resulta do imperativo do repouso, do olhar que se fixa sobre si. Nas profundezas e nas alturas da luz e da escuridão, aquele viaja pode alcançar o olhar do abismo e o olhar da montanha e, em comunidade, como viajante renascido, transformar o mundo.

            O Outono traz consigo a espera da folha caída, o tempo intermédio, entre mundos, de guardar, contemplando, o grão e o pão. Esse é naturalmente um esforço interno que, por vezes, sai astrologicamente reforçado. É o caso destes meses de Outono (ou de Primavera para o Hemisfério Sul, neste caso, como iniciação). Neste período, o movimento planetário centrar-se-á na passagem de retrógrado a directo ou do seu inverso.

            Mercúrio, que se encontra retrógrado, ficará directo no dia 2 de Outubro. Já Marte iniciará a estação em movimento directo, mas, no dia 30 de Outubro, passará a retrógrado. Esta retrogradação estender-se-á até 12 de Janeiro de 2023, já em pleno Inverno, permanecendo, porém no mesmo signo, em Gémeos. Como sentido profundo, a acção tornar-se-á potência e o carácter, potencialidade. Júpiter começa retrógrado, assim ficando até 23 de Novembro, e, no dia 28 de Outubro, sairá de Carneiro, permanecendo em Peixes até ao dia 20 de Dezembro (véspera do Solstício de Inverno). A justiça e o bem expandir-se-ão entre a acção e a totalidade. Saturno deixará a sua retrogradação no dia 23 de Outubro, tornando a consciência do tempo numa aceitação da necessidade.

            Quanto aos planetas transaturninos ou transpessoais, Úrano e Neptuno mantêm a retrogradação, respectivamente em Touro e Peixes, enquanto Plutão em Capricórnio passará a directo no dia 8 de Outubro. Ora este caminho de avanço real e do recuo aparente será particularmente intenso na estação que agora se inicia. Saturno e Plutão são aqueles que, de forma mais célere, irão escapar a esse processo interno de retorno a si mesmo, fazendo da sua acção um processo efectivo e que exteriormente se concretiza.

            A partir do outro, da apreensão da dualidade (Balança), o eu (Carneiro) já não regressará ao próprio eu, terá de integrar e expressar o si. Esse esforço, essa tensão, firmar-se-á entre a Luz e a Sombra, entre o olhar de Marte e o olhar de Vénus. No entanto, a Necessidade (Saturno) e a Morte (Plutão) tendem agora, por força da acção directa, a criar as suas raízes, trazendo os frutos da sua obra aos tempos de escuridão que se avizinhavam. A escuridão não deve, todavia, alimentar o temor, deve sim servir de sentido profundo, pois só na noite escura é que a candeia da alma se erguerá.

            Nas Máximas de Delfos, encontramos dois aforismos que marcam este processo de transformação: πρρόνοιαν τίμα (Honra a providência) e ἄρχε σεαυτοῦ (Governa-te a ti próprio). Ora a aceitação do destino e o governo de si mesmo actuam como ponte, sobretudo no tempo de repouso, para a passagem da escuridão à luz. Existe um aspecto astrológico que marca o equinócio e que confirma a mensagem destas máximas. O Sol e Mercúrio em Balança unem-se triangularmente a Marte em Gémeos e a Saturno Retrógrado em Aquário.

            Um trígono com os dois maléficos, já diziam os antigos, tem um sempre um efeito maligno, apesar de ser um trígono, contudo, pelo modo como um triângulo reúne em si a força da necessidade, a Providência faz do mal e da destruição uma condição de potencialidade, ou seja, só depois da queda existe ascensão e é do abismo que desejamos o cume. No entanto, por ocorrer no elemento Ar, coloca um peso, uma gravidade, nas ideias e na comunicação. A intolerância, por vezes violenta, pode destruturar a paz social e acentuar as assimetrias e as desigualdades sociais. Existe palavras que destroem e essa será uma experiência nos próximos meses.

            De um outro modo, a dupla quadratura de Marte em Gémeos a Vénus em Virgem e a Neptuno em Peixes que, desta forma, se opõem, assume também um carácter estruturante e dinâmico. Marte lança um olhar quadrangular a Vénus e à sua oitava sobre um eixo (Virgem-Peixes) que rege, por excelência, o serviço à humanidade e à divindade. O cuidar da parte e do todo, a solidariedade com elemento civilizacional, sofre aqui uma enorme ameaça, pois a palavra como forma de manipulação e propaganda, isto é, como arma, não de luta social, mas de imposição de narrativas, será agora particularmente nociva.

            Paralelamente, encontramos um triângulo no elemento Terra que reúne Úrano e a Caput Draconis em Touro, Vénus em Virgem e Plutão em Capricórnio. Existe aqui, como também é próprio de um equinócio, uma necessidade de integração da dádiva, ou seja, é imperativo que se colham as graças da abundância, da Mãe-Terra. Porém, Úrano e Plutão podem, ou melhor dizendo, exigem, que novas formas de receber essas dádivas sejam criadas e, para que isso aconteça, as velhas formas de lidar com a riqueza, com os bens de primeira necessidade, com tudo aquilo que se recebe e produz a partir da Mãe-Terra vão ter de morrer, de ser destruídas. Na verdade, essa é também a mensagem do Dragão da Lua sobre o eixo Escorpião-Touro. Só existirá um novo modo de viver quando os velhos valores sucumbirem. A vida nascerá assim da morte.

            Dada a proximidade temporal da Lua Nova (dia 25), deixarei algumas das posições e aspectos para essa reflexão. Porém, a posição da Lua merece ainda a nossa atenção. A Lua encontra-se em Leão, no domicílio do Sol, com quem se une, juntamente com Mercúrio, em sextil. Lança igualmente raios hexagonais para Marte em Gémeos e triangulares para Júpiter em Carneiro, olha de frente (oposição) para Saturno em Aquário e estabelece uma tensão quadrangular com Úrano e o Dragão da Lua. Esta posição relativa da Lua coloca a nobreza da alma, a sua expressão biológica e emocional, bem como o carácter, sobre os laços da liberdade e os nós do destino. Estão colocados pois, nos passos da humanidade, os sinais que firmam a sua vida e determinam a evolução da alma.

            Neste Equinócio de Outono, ao seguirmos o repouso após a colheita, relembramos a lição de que é no silêncio que repousa a sabedoria e, perante as sombras, os sábios não choram, rejubilam. O Divino Feminino, a Sagrada Sabedoria e a Deusa, tal como em Elêusis, esperam por nós com a semente do nosso futuro e essa é dádiva da esperança.