Reflexões Astrológicas
Eclipse Lunar Parcial
(Lua Cheia: Peixes-Virgem)
Lisboa, 03h44min, 18/09/2024
Lua
Decanato: Marte
Termos: Marte
Monomoiria: Mercúrio
Sol
Decanato: Mercúrio
Termos: Marte
Monomoiria: Marte
O Eclipse Lunar Parcial de dia 18 de
Setembro ocorre com a Lua no signo de Peixes e o Sol no de Virgem, com Leão a
marcar a hora e cerca de sete horas após o pôr-do-sol
(hora de Lisboa), logo no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, estando esta acima do
horizonte, na VIII, no lugar da Morte (θάνατος), já o Sol está abaixo do horizonte, na II, no lugar do Viver
(βιός).
A Lua encontra-se no decanato e nos termos de Marte e na monomoiria de Mercúrio, enquanto o Sol encontra-se no decanato de Mercúrio,
nos termos e na monomoiria de Marte.
É desde já perceptível um certo imperativo das dignidades de Mercúrio e Marte.
Ora o primeiro está conjunto ao Sol e o segundo está em trígono à Lua e em sextil
ao Sol, ou seja, estes dois planetas co-participam do sentido da sombra que
agora se estende, confirmando assim as estruturas ocultas ou suspensas de
palavra e força que se firmam no limiar da realidade, encobertas por uma
escuridão de passagem.
Se, no eclipse lunar de 25 de Março,
a proposta dracôntica era passar do eixo da identidade (Carneiro-Balança) ao
eixo da integração (Virgem-Peixes), agora procura-se assimilar essa integração
da totalidade tendo por sombra à identidade. O actual eclipse encontra-se a
meio do caminho. O eixo dos luminares assume a mensagem da integração (Virgem-Peixes)
e o corpo do Dragão da Lua conserva ainda o sentido da fase anterior, na qual a
identidade surge como um enigma, como um ranger da realidade, tentando fixar o
olhar e a revelação entre a luz e a escuridão.
A sombra, sobretudo na análise astrológica
e, em especial, na análise dos eclipses não tem apenas um valor psicológico,
tal como aquele que encontramos, por exemplo, na psicologia analítica e nos
textos de Jung. A sombra resume em si uma significação primordial e um sentido
radical, pois conserva a representação do elemento de passagem entre a luz e a
escuridão que ora avança, ora recua consoante o seu senhor. Não é por acaso que
a doutrina astrológica do Segmento de Luz (αἵρεσις) é a primeira de todas as dignidades, e
daí que a sua reabilitação, de um quase esquecimento que se estendeu do
Renascimento até aos nossos dias, seja fundamental. Em termos miméticos, traduz
no espírito humano a apreensão da luz e a conceptualização em torno dos
luminares.
No tema do actual eclipse, a Lua está
no seu próprio segmento e acima do horizonte, logo o valor da ocultação, da
sombra que sobre ela recai, sai reforçado e torna-se determinante. A recepção
da luz e da escuridão e da sombra como passagem foi uma das primeiras ideias,
das grandes representações da humanidade e a astrologia preservou com mestria essa
mimésis. Ora foi a partir destas
ideias que todo o sistema astrológico se desenvolveu, tendo como matriz e leme
o destino e a necessidade, ideias que estão guardadas pelo Dragão da Lua, pela
sua cauda e pela sua cabeça. O pensamento relativo à luz e à providência serve
de fundação a toda a filosofia da astrologia.
Cleantes
de Assos diz que “O destino guia quem o
segue, arrasta quem lhe resiste!” (SVF 1.527b apud Sen. Ep. 107.10/ Pearson C91b: ducunt volentem fata, nolentem trahunt). A proposta de sentido que a astrologia oferece revela essa mesma
distinção entre seguir e ser arrastado pelo destino. O determinismo é
liberdade, o fatalismo é uma prisão. Na análise astrológica colectiva e
mundana, os eclipses, tendo por base a significação radical que se enunciou,
são um guia de grande valor e importância. Quer nas séries Saros, quer nos
ciclos nodais podemos encontrar padrões astrológicos de sentido, elementos que
servem o lugar da astrologia na história e na sua interpretação.
O eixo Virgem-Peixes que procura a integração da parte no
todo e do todo na parte, permitindo a visão do todo na consciência do valor da parte,
ou seja, observando numa parte do destino a necessidade que rege o todo, está
agora sob um manto de sombra. Por este ser um eclipse lunar e estando a Lua em
Peixes, o sentido da totalidade encontra-se encoberto. Por outro lado, o eixo
Carneiro-Balança encontra-se ainda sob um olhar electivo da Providência. A
identidade tenta encontrar o seu lugar entre o destino e a necessidade. Se
pensarmos que o próximo eclipse solar será ainda neste eixo (2 de Outubro de
2024), então este foco de sentido e representação torna-se mais evidente.
A
união conceptual destes dois eixos apresenta a relação heraclitiana entre
carácter e destino (fragm. 119).
Ora Plutarco afirma o seguinte: “De facto, o carácter é um hábito consolidado
ao longo do tempo; se alguém definir como hábito as qualidades do carácter, não
deve pensar que se enganou. Darei ainda um exemplo sobre isto e depois termino
este assunto. Com efeito, Licurgo, o legislador dos Lacedemónios, tomando dois
cachorros dos mesmos pais, criou-os de forma diferente; a um fê-lo guloso e
voraz, ao outro tornou-o capaz de seguir uma pista e caçar. Depois, um dia em
que os Lacedemónios se reuniram, ele disse: «Lacedemónios, o que engrandece
muito a importância da virtude são os hábitos, os princípios educativos, as
lições e a conduta de vida; eu mostrar-vos-ei, de seguida, a evidência destas
coisas». Então, aproximando-se dos dois cachorros, libertou-os, depois de ter
colocado no meio deles um prato e uma lebre. Um dirigiu-se para a lebre, o
outro precipitou-se para o prato. Os Lacedemónios, porém, não eram capazes de
perceber o que isto queria dizer e o que o episódio dos cachorros significava.
Licurgo, então, explicou: «Os dois nasceram dos mesmos pais, mas, por terem
recebido uma educação diferente, um tornou-se guloso e o outro caçador». Sobre
os costumes e os modelos de vida, estes exemplos são suficientes.” (4, 2f-3b, Plutarco:
Obras Morais - Da Educação das Crianças, ed. J. Pinheiro, 37-8. Coimbra,
2008: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos).
Em certo sentido, o carácter serve a identidade e como hábito ganha o valor de
totalidade. No entanto, o carácter não muda os acontecimentos, muda o modo como
os vivemos e, nesse sentido, é também a impressão celeste, aquando do
nascimento, que explica algumas das diferenças no carácter, as quais se
estabelecem para além do hábito e da linha do tempo.
Neste eclipse, toda esta significação será
particularmente pertinente. Sob um outro olhar, mas que contempla o mesmo
sentido, devemos observar a relação dos luminares no eixo Virgem-Peixes com o
Eterno Feminino. Se seguirmos a sabedoria mitológica, percebemos que no signo
de Virgem encontramos a deusa que parte e no de Peixes a deusa que chega. No
mito de Astreia ou de Dikê, a deusa desiludida com humanidade deixa a sua morada para
subir a montanha, de onde depois subirá ao Olimpo. Esta é a deusa do signo de
Virgem. Já em Peixes assistimos à chegada de Afrodite à costa, trazida pelos Ikhthyokentauroi, os dois peixes-centauros
filhos Cronos e Fílira. Ora, na ausência da deusa, face à sua partida, é Hermes
Trismegisto que promove o caminho até ao Divino Feminino, até à sua chegada. De
um ponto de vista astrológico, a exaltação de Mercúrio em Virgem e a exaltação
de Vénus de Peixes e consequente queda em Virgem expressa este mesmo sentido.
Com um eclipse sobre este eixo, a senda do Eterno Feminino está oculta, à
espera na sombra do tempo da revelação, de um novo despertar.
A influência temporal deste eclipse, um eclipse de transição,
poder-se-á fixar, segundo uma leitura das declinações dos luminares, entre um
mês e cerca de dois meses e meio, já a duração dos períodos penumbral e umbral
colocam a sua influência entre um a quatro meses. No entanto, o facto de
estarmos num momento de transição do eixo nodal deve também ser tido em
consideração. As eleições norte-americanas estarão, por exemplo, sob a
influência deste eclipse bem como do eclipse solar de 2 de Outubro. No que
concerne à influência espacial, o manto de sombra estender-se-á das Américas
até uma parte da Ásia, passando pela Europa e por grande parte de África. O seu
centro será, todavia, na região brasileira de São Luís.
Segundo as regências geográficas da astrologia antiga e de
acordo com Vétio Valente (Antologia I, 2), Peixes rege o Eufrates e o Tigre, a
Síria, o Mar Vermelho e o Mar Arábico, a Índia, a Média-Pérsia e as regiões
circundantes, o rio Borístenes ou Boristene (Dniepre), a Trácia, a Ásia e a
Sardenha. Manílio concede a Peixes o Eufrates, o Tigre e o Mar Vermelho, as
terras da Pártia, a Báctria, a Etiópia, a Babilónia, Susa e Nínive (Astronomica IV, 800-6). Os principais conflitos mundiais de
hoje estão inseridos nestas áreas. Contudo, embora a posição da Lua seja
preponderante, devemos também analisar o Sol. Virgem, segundo Valente (Antologia I, 2), rege a Mesopotâmia, a Babilónia, a Grécia, a Acaia
(Grécia), Creta, Cíclades (Grécia), Peloponeso, Arcádia, Cirene (Líbia), Dória
(Grécia), Sicília e Pérsia ou Parsa (Irão). Manílio, por seu lado, afirma que a
Jónia (Turquia), a Cária (Turquia), Rodes e a Grécia estão sob a sua influência
(Astronomica IV, 763-8). De uma forma mais ténue, as
regências de Carneiro e Balança devem ser consideradas. Porém, será a partir do
eclipse solar de 2 de Outubro que esta influência se tornará mais activa.
O eclipse lunar de 18 de Setembro
pertence à série Saros 118, sendo o 52º eclipse de um total de 74. Apesar de este
eclipse já pertencer à terceira fase da série, aquela que se segue aos eclipses
totais e inclui eclipses parciais e penumbrais, a sua expressão astrológica é
próxima da do eclipse matriz. Ora o primeiro eclipse desta série ocorreu a 2 de
Março de 1105. A Lua e a Caput Draconis
estavam em Virgem, o Sol, Vénus, Mercúrio e a Cauda Draconis em Peixes. Nesta data, Leão também marcava a hora
(hora de Lisboa). Marte estava em Touro, Júpiter em Escorpião e Saturno em
Sagitário. Nos transaturninos, Úrano estava em Touro, Neptuno em Leão e Plutão
em Carneiro. A série Saros 118 terminará a 7 de Maio de 2403, com um eclipse no
eixo Escorpião-Touro, ou seja, com a Lua em Escorpião e o Sol em Touro.
Pode-se destacar alguns
acontecimentos históricos que marcam o eclipse-matriz e o início da série 118. Continuou
a reconquista cristã na Península Ibérica, com uma ofensiva contra os
Almorávidas, sob o comando de Afonso VI de Leão e Castela. Durante este período,
ou seja, nos meses próximos ao eclipse, várias cidades e fortalezas menores
caíram nas mãos dos cristãos, embora as grandes vitórias só tenham acontecido no
final do ano. O conflito entre Henrique IV e Henrique V do Sacro Império
Romano-Germânico marcou o ano de 1105. O jovem Henrique V rebelou-se contra o seu
pai, Henrique IV, e formou alianças com nobres que estavam descontentes com o
imperador. Recebeu o apoio do Papa Pascoal II e de diversos príncipes do
império, o que levou ao avanço de uma campanha militar contra o pai. A oposição
entre Júpiter e Marte e a sua relação com os eixos dos luminares e do Dragão da
Lua revelam esta tensão.
Por
outro lado, após o fim da Primeira Cruzada, o Reino de Jerusalém e os seus
aliados europeus continuavam a consolidar o controlo sobre os territórios
recém-conquistados, com algumas escaramuças entre os cruzados e as forças
muçulmanas dos fatímidas do Egipto e do Emirado de Damasco. Em termos culturais
e religiosos, é preciso ressalvar a expansão do movimento cisterciense e o
declínio do Califado de Córdoba. Por fim, deve-se assinalar que este foi um
período de fome, de más colheitas e de escassez de alimentos. A relação da Lua
com os maléficos aponta nesse sentido. Todos estes acontecimentos servem o
sentido de toda a série Saros, lembrando-nos da importância de cotejar o
eclipse-matriz.
O
encontro quadrangular de raios tem no eclipse de dia 18 de Setembro um sentido
particularmente importante. Se pensarmos na base das pirâmides de Gizé, podemos
concluir que o ângulo recto, ou quase recto, possui um valor estruturante e
que, no entanto, é também de tensão, pois suporto o peso, gravidade da
estrutura. Neste eclipse, temos, por uma lado, a quadratura entre a Lua,
Saturno e Neptuno em Peixes a Júpiter em Gémeos e, por sua vez, deste ao Sol e
a Mercúrio em Virgem. Júpiter, senhor da justiça e do bem, serve aqui de fiel
de uma balança de luz e sombra.
Para
que depois da sombra a luz prevaleça, o bem tem de se fortalecer no humano e tem
de se tornar uma disciplina diária. Saturno em Peixes pede uma entrega total,
exige o rigor da totalidade do bem. Ora a presença de Júpiter no signo de
Gémeos, vem trazer, a quem quiser receber, a palavra do bem e o bem da palavra.
Porém, existem fortes reservas. A quadratura deste planeta a Mercúrio em Virgem
revela o quanto a palavra se pode tornar agressão seja pelo triunfo da
ignorância, seja pela vontade de poder. Por outro lado, é a Grande Cruz nos
signos cardinais que assume a estruturação do tempo presencial, a consciência
íntima deste tempo de sombra.
A
Caput Draconis em Carneiro olha
quadrangularmente para Marte em Caranguejo que, por seu lado, fixa do mesmo
modo a Cauda Draconis e a Vénus em
Balança e estes observam Plutão em Capricórnio. A união quadrangular e
diametral destes raios, sob o manto umbral, vem exigir que se fixem as
direcções, as sendas da humanidade. Para onde caminhamos? Qual o propósito do
caminho? Estas são algumas das perguntas que ferem hoje o olhar. Se, de um
lado, o destino e a necessidade, o Dragão da Lua, trazem consigo a guerra e a
morte, levando a humanidade a deixar-se corromper por falsos valores, do outro,
lembra-nos que ainda existe no mundo e na humanidade beleza e harmonia. O
Grande Trígono de Terra entre o Sol e Mercúrio em Virgem, Plutão em Capricórnio
e Úrano em Touro sugere que, sob o véu da providência, a criação tem o poder de
transformar a realidade. Ora, seguindo a imagem anteriormente referida de uma
pirâmide, esta é uma dos quatro faces triangulares que se erguem no céu. A
criação sustentável a partir dos dons da terra, integrando-nos nos seus ciclos,
pode permitir que se erga uma visão do futuro, uma esperança no amanhã.
Este
eclipse e o próximo encerram nos seus temas uma geometria de sentido, uma matemática
da alma, algo que rememorara a tradição e a herança de elementos conceptuais
pitagóricos e platónicos. Seguindo essa via, o encontro de raios hexagonais,
maioritariamente entre os signos cardinais e mutáveis confere ao humano a
liberdade de agir conforme o bem que anteriormente se referiu ou de acordo com
a ignorância, a expressão do mal que alimenta a ilusão e o engano. Esta
liberdade ganha-se não face ao destino, mas face ao carácter. Nós determinamos
não o que acontece, mas sim quem somos. Queremos ser o humano que distingue as
vítimas da guerra na Ucrânia das de Gaza, merecendo umas compaixão e outras
indiferença? Queremos ser o humano que promove a desinformação e que acolhe a
mentira como se fosse verdade? Queremos ser o humano que o permite o racismo, a
xenofobia e a misoginia, dando à extrema-direita um palco já experimentado e
com uma lição pesarosa na história contemporânea.
Neste
eclipse, o complemento desta liberdade hexagonal é a relação bastante
significativa entre os benéficos e os maléficos. Os benéficos (Vénus e Júpiter)
unem-se em trígono e os maléficos (Marte e Saturno) também, o que faz com que o
benéfico e o maléfico do mesmo segmento de luz se unam em quadratura, Vénus e
Marte por um lado e Júpiter e Saturno por outro. Esta relação, a par do facto
do regente da Lua estar a olhar-lhe quadrangularmente (Júpiter), vem reafirmar,
entre outras coisas, a influência muito particular que os eclipses lunares têm
sobre os acontecimentos naturais, em especial, sobre aqueles que têm uma
expressão extrema. A conjunção da Lua em Peixes a Neptuno e Saturno, em
quadratura ao regente Júpiter que actua sobre o espaço, a matéria, favorece os
desastres naturais, sobretudo os de natureza sísmica. As fortes tempestades com
inundações estão também potenciadas. A despedida de Plutão do signo de
Capricórnio pode ainda estimular a actividade vulcânica, como aliás já pôde ser
observado com o Etna e na Islândia.
O
eclipse lunar de 18 de Setembro tem assim tanto um carácter de transição como
estruturante, um que alimentará a identidade e a integração da totalidade, mas
também a consciência do destino e da necessidade.