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terça-feira, 2 de maio de 2017

Acerca dos Signos Masculinos e Femininos segundo Ptolomeu (Excerto)

Ptolomeu
(c.90 E.C. - c.168 E.C.)


Tetrabiblos, I, 12.

Acerca dos Signos Masculinos e Femininos


  Uma vez mais e de igual forma, elegeram seis dos doze signos como sendo de uma natureza masculina e diurna e, em igual número, como de uma feminina e nocturna. Uma outra regra foi-lhes atribuída, pois o dia desperta sempre da noite e próxima dela, tal como a fêmea do macho. Assim, por as razões já mencionadas, Carneiro é considerado o ponto de origem e, como o macho também governa e detém o primado, uma vez que, em força, o activo é sempre superior ao passivo, os signos de Carneiro e Balança são designados como masculinos e diurnos. Simultaneamente, uma outra razão detém-se no facto de que o círculo equinocial, delineado através deles, completa o primeiro e mais poderoso movimento de todo o universo. Os signos que a eles se sucedem, tal como já afirmámos, correspondem a uma outra disposição.

  No entanto, outros refutam esta regra dos signos masculinos e femininos, defendendo que o masculino começa no signo ascendente, designado por Horóscopo. Do mesmo modo que, para alguns, os signos solsticiais iniciam-se no signo lunar, uma vez que a Lua muda de direcção de uma forma mais rápida que os restantes. Desta forma, inauguram os signos masculinos com o Ascendente (Horóscopo), pois é aquele que está  mais a Leste, ora alguns, como já referido, recorrem a uma regra alternada de signos e outros dividiram-nos pelos quadrantes, designando como matutinos e masculinos os signos do quadrante que vai do Ascendente (Horóscopo) ao  Meio do Céu e aqueles do quadrante oposto, do Descendente ao Fundo do Céu (Fundo da Terra ou Baixo Meio do Céu), e os dos outros dois quadrantes como vespertinos e femininos. 

  Acrescentaram também outras descrições aos signos, resultantes da sua representação. Refiro-me, por exemplo, a "de quatro patas", "terrestres", "dominantes" e ""férteis", bem como de outras ordens similares. Estas, dado que a sua razão e significado derivam directamente de  si, consideramos supérfluas de elencar, visto que a qualidade das configurações pode ser expressa nas previsões, se se revelar relevante e útil.

Tradução do Grego RMdF


Edições Utilizadas:
  • Hübner, Wolfgang, Claudii Ptolemaei opera quae exstant omnia, Vol. 3, 1, Apotelesmatika. Estugarda e Leipzig: B. G. Teubner, 1998, pp. 48-51.
  • Robbins, Frank Eggleston, Ptolemy - Tetrabiblos. Cambridge (Mass.) e Londres: Harvard University Press e William Heinemann Ltd., 1964, pp. 68-71.


Comentário

  A leitura atenta do Tetrabiblos pode muito bem representar o marco entre um astrólogo sério, que prefere o estudo às opiniões vãs, e o astrólogo que se sustenta na fama dos seus mestres e no conhecimento opinativo, desprovido de rigor e sem um sistema de sentido coerente e aprofundado. Desde que foi escrito, entre os anos 145 e 168 da Era Comum, foi a obra astrológica mais citada e que serviu de base para todos os desenvolvimentos futuros. Até meados do Século XVII, o conhecimento  astrológico, expresso por Ptolomeu, ainda era ensinado nas universidades. 

  No início do Tetrabiblos, o sábio grego descreve o seu propósito inaugural, estabelecer um sistema de "astronomías prognôsticón", ou seja, tecer prognósticos ou previsões a partir do conhecimento astronómico. A astrologia é um processo de transferência de sentido entre os efeitos do universo na humanidade e no seu mundo e a sua interpretação, daí que a astrologia seja uma forma de linguagem. Esta definição de astrologia pode ser aplicada ao tempo de Ptolomeu se tivermos em consideração que a astronomia/astrologia era uma ciência que pertencia ao domínio da filosofia natural, logo antes de ser ciência era uma linguagem filosófica. Por outro lado, a astrologia, como forma de analisar o humano enquanto categoria filosófica, é uma síntese da psicologia clássica, daí que se diga que existe uma simbiose entre o Almagesto e o Tetrabiblos. Se um procura o fenómeno, o outro detém-se no valor do fenómeno e no modo como se relaciona com o humano.

  A questão textual é também de suma importância, pois, apesar de não termos um manuscrito do Tetrabiblos da época em que foi escrito, as citações e versões posteriores vêem corroborar o seu valor e a sua importância. Heféstion de Tebas, cerca de duzentos anos após a morte de Ptolomeu, cita-o com frequência e faz da sua obra, juntamente com a de Doroteu de Sidon, as suas principais referências. Aliás a sua obra, Apotelesmatika, e as suas citações do Tetrabiblos servem ainda hoje para validar e verificar traduções e versões posteriores. A primeira das quais, pelo menos a primeira que merece nota, é a de Hunayn ibn Ishaq, datada do século IX. O Califa Abássida al-Ma'mūn colocou Hunayn ibn Ishaq como responsável da Casa da Sabedoria, Bayt al Hiknak, um centro cultural em Bagdad, que é hoje representativo da Era de Ouro Islâmica e onde os textos gregos eram traduzidos para sírio e árabe. Foi, sobretudo, este esforço de preservação da sabedoria clássica que permitiu que hoje tenhamos acesso aos textos, bem como possibilitou o neoclassicismo do Renascimento. 

  A Paráfrase de um Pseudo-Proclo, escrita no século V e da qual existe um manuscrito do século X, é o mais antigo elemento textual completo que dispomos e, embora seja uma apresentação simplificada do texto original, foi predominante onde as versões do árabe tiveram menor presença. Por outro lado, a presença árabe na Península Ibérica permitiu a tradução para latim da obra de Ptolomeu. A primeira tradução que se conhece que foi elaborada por Plato de Tivoli e Gerardo de Cremona, em Barcelona, no ano de 1138. Em 1206, foi feita uma nova tradução a partir de fontes árabes, mas de autor anónimo. Do grego para o latim, é de salientar a tradução de Hermann da Dalmácia e, no século XIII, também tem de se referir a de Aegidius de Thebaldis. A maioria das edições que circulavam, tanto no mundo árabe como na cristandade, incluíam o comentário do século XI de Ali ibn Ridwan. Foi este imperioso esforço de tradução e a vontade de conhecimento que levou a que, no século XVI, o Tetrabiblos fosse levado à estampa, por Camerarius no ano de 1535, em Nuremberga, e no de 1553, em Basileia, e por Junctinus no ano de 1581, em Leiden.

  Em vernáculo, a primeira tradução que se conhece é francesa e foi realizado sob o patrocínio de Carlos V. Desta tradução, existe um manuscrito que data de 1363. Apesar de não se conhecer, na Península Ibérica, uma tradução para castelhano ou português, o trabalho da Escola de Toledo produziu, a mando de Afonso X, uma súmula, Libros del Saber de Astronomia, com os contributos de astrónomos/astrólogos árabes, judeus e cristãos que relavam o conhecimento e influência do Tetrabiblos. É também de frisar que esta obra foi oferecida por Afonso X ao seu neto, o rei D. Dinis de Portugal. O Tetrabiblos cedo se tornou a bíblia da astrologia e a sua importância só foi mitigada no século XIX, em pleno domínio positivista, quando a sua autoria foi posta em causa, pois o racionalismo totalitário não permitia que uma obra de astrologia fosse da autoria de Ptolomeu, um cientista. Foi esse mesmo obscurantismo que fez com que astrologia fosse purgada da vida e obra de homens como, por exemplo, Kepler ou Newton.

  Outro aspecto textual de relevo é o título. A obra comummente conhecida como Tetrabiblos ou, pela versão latina, Quadripartitum, aponta para o número de livros que o compõem, quatro. Porém, na introdução, Robbins indica o que seria o seu título completo, isto porque ele não é indicado pelo autor. Segundo Robbins, o título mais adequado seria: Mathematikê Tetrábiblos Sýntaxis, ou seja, Tratado de Matemática em Quatro Livros. Este título revela a proximidade conceptual entre a astrologia e a matemática, que, na esteira de Platão, é condição para a aprendizagem da filosofia. No entanto, Hübner, a partir da primeira frase do tratado, "tó pròs Sýron apotelesmatiká", propõe o título Apotelesmatika, que aliás é comum a várias obras de astrologia, designando um tratado acerca do efeito das estrelas no destino humano.

  O capítulo aqui traduzido revela uma escolha, um modo de representar a forma como a astrologia interpreta a realidade. O masculino e o feminino indicam, nesta passagem, o processo de tradução da polaridade natural para uma estrutura de sentido. Os opostos podem apresentar-se tanto como elementos metafísicos, como princípios naturais, daí que a análise dos signos masculinos e femininos não se limite à presunção biológica de macho ou fêmea. A astrologia divide os signos tal como a realidade separa as naturezas contrárias, almejando encontrar a sua harmonia. Porém, a vinculação de um signo a um género não é nem simples, nem redutora, uma vez que são as especificidades de um signo que definem a sua natureza masculina ou feminina. Por exemplo, o eixo equinocial (hisêmerinós), expresso pelos signos de Carneiro e Balança, assume uma natureza masculina, todavia a expressão masculina de Carneiro e Balança é distinta. Marte, um planeta masculino, em Carneiro, está no seu domicílio diurno, mas, em Balança, está em exílio, logo a sua expressão masculina é débil, pois é regido por Vénus, um planeta feminino. O mesmo pode ser aplicado ao eixo solsticial (tropikós), uma vez que Marte esta em exaltação em Capricórnio e em queda em Caranguejo, ambos signos femininos. Desta forma, podemos dizer que a natureza dominante, leia-se, segundo o texto, masculina, é mais forte em Capricórnio, embora feminino, que em Balança. Daqui se depreende que as categorias masculino e feminino não se reduzem a uma mera atribuição linear.

(...)
Fim do Excerto
  

segunda-feira, 10 de abril de 2017

O Número de Casamentos segundo Doroteu de Sidon

Doroteu de Sidon
(Século I da E.C.)
Pentateuco 
Ou
Carmen Astrologicum
Livro II, 5
Acerca do Número de Casamentos

Pingree, David (Ed.),
Dorothei Sidonii Carmen Astrologicum, p. 50.

Se se desejar saber com quantas mulheres vai um homem casar, então deve-se marcar do Meio do Céu até Vénus, o número de planetas que estiver entre os dois indica o número de mulheres com quem irá casar, porém, sempre que se encontrar Saturno, deve-se esperar frieza e tensão, e se se encontrar Marte, deve-se esperar a morte, a menos que sobre ele existam aspectos benéficos. Nas natividades das mulheres, se se desejar saber com quantos homens vai casar, então deve-se contar do Meio do Céu até Marte, mas se Marte estiver no Meio do Céu, deve-se contar do Meio do Céu até Júpiter, o número de planetas que estiver entre os dois indica o número de homens com quem vai casar. Se, a partir do Meio do Céu, Vénus estiver cadente, pode-se dizer que existirá pouca constância do homem para com as mulheres, o mesmo se pode afirmar em relação às mulheres se Marte estiver na sétima.

(...)

Doroteu de Sidon, Carmen Astrologicum, II, 5.  Tradução RMdF.


Versão Utilizada:
Pingree, David (Ed.), Dorothei Sidonii Carmen Astrologicum. Leipzig: Teubner, 1976, p. 50 e 204.


 Comentário

   Em teoria, o método apresentado por Doroteu de Sidon sustenta-se num modelo formal e material válido e plausível, todavia a verificação dos seus pressupostos permite que se estabeleçam algumas inconsistências. Em primeiro lugar, deve-se ter em consideração que o modelo é  constituído apenas por sete astros (Sol, Lua, Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno, isso se o Sol e a Lua forem incluídos na designação de planeta), pois Úrano, Neptuno e Plutão ainda não haviam sido descobertos e, uma vez que a astrologia tradicional se fundamenta no que é observável pelo olhar humano, também não devem  ser considerados. Dos sete astros, ainda temos de reduzir um, Vénus para os homens e Marte ou Júpiter para as mulheres. Desta forma, só existem seis astros disponíveis e, como a probabilidade de estarem todos ou quase todos entre o Meio do Céu e o respectivo planeta é limitada, então o número de casamentos possíveis está restringido a um valor pequeno. 

   Este aspecto levanta alguns problemas, sobretudo em casos como, por exemplo, o de Elizabeth Taylor, que casou oito vezes, embora duas delas com Richard Burton. Ora Elizabeth Taylor  tem o Meio do Céu a 14° de Balança e Marte a 1° de Peixes e entre eles estão apenas a Lua e Saturno. Apesar do elemento quantitativo, descrito por Doroteu de Sidon, não se verificar neste caso, o valor do sentido não deixa de ser relevante, pois, por um lado, a presença da Lua e de Saturno aponta para instabilidade emocional e relacional na vida de Elizabeth Taylor como, por outro lado, permite que se estabeleçam interpretações que vinculam, por exemplo, a Lua em Escorpião com a morte de Michael Todd, seu terceiro marido, e a dor dessa perda, bem o peso das dívidas herdadas, e, noutro exemplo, o Saturno em Aquário com a relação tempestuosa com Richard Burton, onde a liberdade emocional de Taylor foi restringida, de tal modo que iniciou uma relacionamento extraconjugal com o Embaixador Iraniano Ardeshir Zahedi. Desta forma, embora o elemento quantitativo produza inconsistências, o valor material e significativo permite que o contributo de Doroteu de Sidon continue actual.

   Um outro aspecto que também deve ser considerado é a natureza do conceito de casamento, que evoluiu ao longo dos tempos. Neste quadro interpretativo de Doroteu de Sidon, deve-se estabelecer como premissa a natureza dos relacionamentos a considerar, onde um mero pressuposto legal pode não ser suficiente. Por exemplo, até ao Sinodo de Whitbey, em 664 E.C., os povos da antiga Bretanha praticavam um casamento, Handfasting, que era celebrado por um ano e um dia, após esse período os esposos decidiam se este continuava ou não. A consumação também pode ser um requisito prévio para constar no número estabelecido por Doroteu de Sidon, bem como qualquer forma de relacionamento íntimo que implique a vida em comum. Ou, por outro lado, deve-se enumerar apenas aqueles que se estabeleceram numa base afectiva genuína?  Esta questão é de suma importância, pois é a sua resposta que permite atestar a veracidade do método proposto.

   Por fim, a questão textual e acerca das fontes também merece alguma atenção. Doroteu de Sidon terá escrito a sua obra entre os anos 25 e 75 da nossa era e, embora fosse originário de Sidon, uma parte significativa da sua vida terá sido passada em Alexandria. O Carmen Astrologicum ou Pentateuco é um texto sobre astrologia, escrito em verso, e que se destaca por ter sido o primeiro texto de que se conhece a incluir as katarchai, as Interrogações ou Eleições, as quais se tornaram em importantes indicadores da actividade dos astrólogos e dos motivos que levavam as pessoas a procurá-los. Doroteu distinguiu-se também de Ptolomeu por incluir as Partes na sua obra. O Carmen Astrologicum tornou-se num texto importante que serviu de fonte para, por exemplo, Heféstion de Tebas e Firmicus Maternus. No Catalogus Codicum Astrologorum Graecgrum (CCAG), podemos encontrar cerca de trezentos fragmentos da obra de Doroteu de Sidon, que serviram de fonte directa para os seus textos, mas foi a partir da edição de David Pingree que pudemos aceder à maioria do Carmen Astrologicum. Essa edição sustenta-se em primeiro lugar nas versões de Abû Hafs 'Umar ibn Farrukhân Tabarî, conhecido no ocidente como Omar Tiberiades, que datam de 800 E.C. e baseiam-se numa tradução pahlavi, ou seja, persa, do século III. Existe também uma outra versão árabe, de cerca de 770 E.C., com um carácter  fragmentário e atribuída a Māshā'allāh, onde encontramos textos que não estão na versão de al Tabarî, mas que estão, em parte nos fragmentos do CCAG. Foi esta concórdia de fontes que permitiu que hoje seja possível aceder à maior parte do Carmen Astrologicum.

   Em suma, a obra de Doroteu de Sidon merece ser lida e pode contribuir para uma fundamentação da linguagem astrológica, que hoje tem uma natureza líquida, dispersa e sem um sistema de sentido que lhe dê forma. A astrologia clássica permite um rigor que na astrologia contemporânea nem sempre existe e a análise ao número de casamentos de Doroteu de Sidon fornece-nos um indicador de estudo que não deve ser desprezado. A sabedoria está em quem procura.