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terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Solstício de Inverno

  Reflexões Astrológicas

Estações



Solstício de Inverno

Lisboa, 21h49min, 21/12/2022

 

Sol

Decanato: Júpiter

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Saturno

 

 

 

  O Solstício de Inverno (Hemisfério Norte), assinalado pelo ingresso do Sol em Capricórnio, representa, como o próprio signo indica, a ideia de culminação, a chegada ao cume da montanha, a vitória da luz sobre a sombra. Os solstícios são, a par do ciclo lunar mensal, os principais eventos do ano astrológico primordial, sobretudo na sua relação com a Natureza, com os ciclos que o paganismo, desde tempos sem memória, celebra e continua a celebrar. A ideia de finalidade surge agora como símbolo, como mimésis da realidade, pois é nos momentos mais escuros, mais difíceis, que a sobrevivência e a vida com sentido se tornam fundamentais.

  Os solstícios são as duas grandes festas do ano solar. No Verão, o Rei Carvalho encontra o seu auge e assim, sabendo que tudo nasce, morre e renasce, entrega o ceptro ao Rei Azevinho que governará o período em que a luz mingua até à escuridão, até ao momento em que morrerá para trazer a Criança Prometida, o novo rei. A roda é, por excelência, a matriz do tempo astrológico, do ciclo, do eterno retorno, que é bem diferente do tempo linear, aquele que marca a concepção tradicional judaico-cristã e que, com frequência, é quase impossível de conciliar com esse tempo circular de regresso a si mesmo.

  A imagética em torno de Capricórnio conduz-nos, por vezes, para uma percepção errónea de uma certa masculinidade ambiciosa, resiliente e focada, como a que é apreciada pelo paradigma socioeconómico vigente. No entanto, Capricórnio é um signo feminino. É a cabra que vence a montanha, as escarpas a pique, e que alcança, segura de si mesma, o alto cume, e é também Amalteia, a cabra ou a ninfa que alimentou Zeus/Júpiter em criança ou ainda a cabra indestrutível e invencível que o ajudou, quando estava fragilizado e sem tendões, a vencer Tífon. No fundo, é a força que vence a probabilidade, é o espírito inquebrável do feminino.

  Depois da morte de Osíris, essa força é também Ísis, a deusa de mil nomes que dará à Luz, no Solstício de Inverno, a Criança Prometida, Hórus, o recém-nascido que terá de vencer as trevas, de lutar com Set, para trazer a Primavera, os frutos do Verão, à terra negra. Ísis supera todas as dificuldades, todos os obstáculos, e torna-se a possibilidade do renascimento. A mumificação e o sepultamento de Osíris acontecem entre 3 de Novembro e 21 de Dezembro e Hórus nasce a 23 de Dezembro como touro de sua mãe, ocupando o trono vacante da terra, a própria deusa Ísis. Hórus, como novo rei, assimilará o disco solar e tornar-se-á Hórus-Ré, um novo deus Sol.    

  No Corpus Hermeticum, no Discurso de Nous a Hermes, podemos encontrar uma síntese do sentido que se oculta na profundidade deste mito, quando se diz que Assim como a Eternidade é a imagem de Deus, o mundo é a imagem da Eternidade, o Sol é a imagem do mundo, o homem é a imagem do Sol” (XI, 15 in Hermes Trismegisto, Corpus Hermeticum e Discurso de Iniciação com a Tábua de Esmeralda, ed. M. Pugliesi & N. de Paula Lima. São Paulo: Hemus, 1978, 57). Ora este crescente de ser e sentido de Humano, Sol, Mundo, Eternidade e Deus oculta uma matriz feminina que é também, na origem, essa mesma Eternidade, a imagem permanente de um deus indeterminado e inefável. Os nossos conceitos estão, deste modo, demasiado masculinizados e tendem a suprimir, mesmo sem consciência, a realidade divina feminina.

  A deusa não nasce, morre e renasce, ela permanece e só o seu rosto muda, ela é o silêncio primordial, a noite a partir da qual tudo nasceu, mas ela é também a Roda do Tempo, a Necessidade, aquela que tece o começo da vida, segue o seu curso e observa o seu fim. Na regência das árvores, pois quem vê uma árvore pode também ver o céu, o dia 22 de Dezembro é governado pelo Sabugueiro, representando a morte, e o dia 23, o Abeto-prateado, o renascimento, a primeira árvore de Natal. Estas são duas árvores da Deusa e particularmente sagradas, consagradas ao divino feminino, e que representam igualmente esse simbolismo da Roda do Tempo.  

  No solstício de Inverno, a deusa que, no solstício de Verão, era a Morte na Vida é agora a Vida na Morte, ela é a rainha da escuridão, do frio, da chuva e do gelo que cai sobre a terra. Hécate surge, no Inverno, como senhora tríplice dos caminhos cruzados, revelando que, na noite escura, é o feminino que eleva a candeia. A deusa, como senhora eterna de seu filho, consorte e irmão, é a única que preserva e garante o regresso do Deus da Luz. E é o feminino que avisa o Príncipe do Mal que o Príncipe da Paz está a chegar. Hórus, Krishna, Dioniso, Mitra, Buda, Jesus, entre outros, são a Criança Prometida, a esperança de renovação, ou redenção.

  Esta luta da Luz contra a Sombra firmará a sua vitória nas Candelárias e, num primeiro momento, num período que vai de 24 de Dezembro a 20 de Janeiro, é a Bétula a árvore que governará a origem ou o começo da expulsão dos espíritos nefastos. Existe naturalmente, neste tempo solsticial, uma necessidade de purificação e esta assume as mais variadas formas. No nordeste transmontano, a festa de Santo Estevão, entre os dias 24 e 26 de Dezembro, é uma festa de rapazes, onde os caretos, pela alvorada, fazem a sua chocalhada e, entre a folia e a tropelia, mostram como o jovem Rei Carvalho se inicia nessa luta da Luz contra Sombra. Estas festas trazem consigo reminiscências de ritos antigos e preservam no símbolo a memória.

  A Saturnália, dedicada a Saturno, originalmente um deus agrícola romano, promovia uma inversão da ordem social, onde nobres faziam de escravos e escravos, de nobres. Na Saturnália, no início realizada a 17 de Dezembro (calendário juliano), mas que mais tarde se estendera até 23 de Dezembro, não se trabalhava, o que a par da folia remeteria para a Idade de Ouro, onde a humanidade viveria em paz e abundância. Ora Capricórnio e Aquário são regidos tradicionalmente por Saturno e o planeta que astrólogos, estudantes de astrologia e curiosos conhecem pela sua austeridade não é bem o mesmo que é celebrado na Saturnália. O estudo da mitologia revela sempre os seus benefícios e esta inversão da ordem social é preciosa para o entendimento do Saturno astrológico.

  Este regente natural do solstício de Inverno traz agora consigo um sentido profundo, pois até ao fim da estação transitará de Aquário para Peixes, ou seja, deixará o signo que rege para avançar para o signo regido por Júpiter e onde Vénus se exalta, passará também do masculino para o feminino. A chegada de Saturno a Peixes, a 7 de Março, é a grande mudança da estação, pois o ingresso de Plutão em Aquário e de Marte em Caranguejo já será na Primavera, a 23 e a 25 de Março. Saturno em Peixes conserva, na verdade, o espírito da Saturnália, trazendo às estruturas humanas uma necessidade de renovação de valores, de inversão ou transformação da ordem social. A solidariedade, sobretudo à medida que Saturno se aproxima de Neptuno, trará consigo o poder da retribuição. A incapacidade social de trazer a empatia aos laços humanos pagará agora o peso da desmedida.

  Por outro lado, é preciso referir ainda a retrogradação de Mercúrio, de 29 de Dezembro de 2022 a 18 de Janeiro de 2023, e a passagem de Úrano a directo a 22 de Janeiro. A permanência da maior parte dos astros nas suas posições conserva, de facto, o simbolismo do Inverno, da chama que alimenta a lareira. No hemisfério sul, esta constância será como uma fogueira na praia, ao entardecer. No entanto, estas imagens não anulam nem os desafios, nem as oportunidades. Estas mudanças no movimento, da actividade à potência e da potência à actividade, reafirmam a efectivação planetária ou a sua suspensão. Mercúrio retrógrado apontará a via do pensamento, já Úrano directo dará uma oportunidade ao espírito revolucionário que pode salvar o planeta. O movimento é possibilidade.

  A luz, quando se espalha, tem o poder imenso de transformar a realidade e, num solstício de Inverno, quando a luz é uma pequena chama, guardada como um tesouro, esse valor surge reafirmado. Jâmblico de Cálcis diz-nos, no Dos Mistérios, que “Tal como quando o sol brilha, a escuridão, pela sua própria natureza, não é capaz de resistir à luz, e subitamente se torna totalmente invisível, retirando-se por completo para as suas brumas, e acabando por terminar, também quando o poder dos deuses, impregnando todos com os seus benefícios, resplandece em todas as direcções, o tumulto dos espíritos nefastos não tem lugar, e não se podem manifestar seja de que forma for, mas são afastados como nada ou não-ser, tendo uma natureza que de forma alguma se pode mover quando seres superiores estão presentes, ou que não é capaz de causar-lhes constrangimento quando eles brilham.” (III, 12, traduzido a partir de Iamblichus: De mysteriis, ed. E. C. Clarke, J. M. Dillon & J. P. Hershbell. Atlanta, 2009: Society of Biblical Literature, 152-3). É preciso, hoje mais do nunca, guardar a luz que afasta as trevas e Júpiter em Carneiro pode fazer erguer a espada da justiça, de um novo equilíbrio.

  Dada a proximidade entre o Solstício (21 de Dezembro) e a Lua Nova (23 de Dezembro), a actual situação astrológica será abordada na reflexão da Lua Nova, pois a mensagem que persiste neste Solstício de Inverno é a de tornar vivo o fogo da esperança, a promessa do amanhã. Na escuridão, um pequena chama pode fazer a diferença e a humanidade precisa dessas centelhas.