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terça-feira, 30 de setembro de 2014

A Antropofagia do Ego

Franciso de Goya, Saturno Devorando o seu Filho, c.1819-1823. Madrid: Museu do Prado.


O Ego quando não opera uma Consciência de Si não é mais de que um devorador do Outro. Quando o Eu avança e conquista o seu espaço assumindo a sua vaidade, transforma-se num canibal face àqueles que o rodeiam. Com o seu desejo fugaz de afirmação, alimenta-se do próximo e reduz a sua existência a uma inferioridade, constrangida pela opulência desse Ego.  

O Ego Canibal constrói-se com a projecção desmedida de frases como "eu sou", "eu faço", "eu penso ou sinto". Esses frases, para o Ego Canibal, nunca são concretas, ou seja, não revelam uma determinada situação específica, mas sim um carácter superlativo. A afirmação do Ego Canibal é sempre feita em relação ao Outro. O Eu, neste estado ilusório, considera-se superior ao próximo, ergue-se no seu pedestal e opina sobre os demais do alto do seu baluarte.   

Não se deve confundir a afirmação "eu sou", produto do egocentrismo, com a de "Eu sou", esta revela uma interiorização de uma realidade ontológica, ou seja, o ser conhece-se a si mesmo e comunga com a totalidade do Ser.

Um outro aspecto que também se deve ter em consideração é que Ego Canibal tem uma expressão mais acentuada na dicotomia de género. O ego do homem devora com maior facilidade a natureza feminina, seja por dificuldade em se relacionar com a sua Anima, seja por uma necessidade de impor a sua superioridade e para isso recorre a todos os preconceitos possíveis, tentando por tudo diminuir a expressão da mulher. É como se uma Vagina Dentata ameaçasse a sua masculinidade, 

O Ego Canibal não é mais do que uma projecção da Sombra, tal como ela foi compreendida por Jung. A Sombra apresenta ao Ego ou à Personalidade um desafio moral; ou se afunda no egoísmo e na vaidade, ou transcende na sublimação dessa força obscura. A Sombra não se vai extinguir, mas vai permitir uma aceitação e um diálogo terapêutico com essa realidade dual, 

A rejeição do Ego Canibal permite que o processo de individuação se inicie. A individuação pressupõe uma assimilação do arquétipo ideal de totalidade. Logo, o Ego Canibal que anula o próximo é incompatível com esta ideia de totalidade, porque esse Ego desfigurado vê no Outro um inimigo, uma afronta para a sua afirmação, daí que seja pela ideia de totalidade que o Ego veja-se a si mesmo no Outro. Esse processo constitui uma transfiguração radical de toda a estrutura de relação entre o Eu e o Outro. 

O Ego que outrora dizia que era pelo bem, pela beleza ou pela justiça, mas que não incluía nessas ideias primeiras a realidade do Outro, pode agora ver no Bem a Compaixão, na Beleza o Sublime e na Justiça o Perdão. Esses segundos elementos eram impossíveis de exprimir para o Ego Canibal, porém, para o Ego, imbuído dessa ideia de Totalidade, esses elementos são uma expressão natural.