Reflexões Astrológicas
Júpiter em Gémeos
Lisboa, 00h15min, 26/05/2024
Júpiter
Decanato: Júpiter
Termos: Mercúrio
Monomoiria: Mercúrio
O ingresso de Júpiter em Gémeos ocorre com Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, no Lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato de Júpiter, nos termos e na monomoiria de Mercúrio. O ingresso dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de três horas e vinte minutos após o pôr-do-sol. Júpiter encontra-se, desta forma, desfavorecido por não estar no seu próprio segmento (αἵρεσις) e por estar abaixo do horizonte. Nesta posição e neste lugar, Júpiter brilha sem ser visto, não revela à luz da noite a mudança de signo, mas ela ocorre, encerrada porém na expressão negativa da Fortuna. A passagem para um signo masculino potencia, todavia, algumas das característica jupiterianas.
De
Touro para Gémeos, Júpiter vai mudar o valor da sua expressão. Em Touro,
Júpiter é o jovem Zeus sob a protecção da Grande Mãe, de Reia (Touro), mas, em
Gémeos, Castor e Pólux são os “rapazes de Zeus”, pois Διόσκοροι (Dióscoros) tem esta raiz etimológica,
alguns dizem até “filhos de Zeus”, quando, na verdade, só Pólux é que era filho
de Zeus. A tradição astro-mitológica adverte-nos disso, afirmando que, mais do
que o trabalho de Hércules, “O mito que, porém, melhor descreve o signo de Gémeos é o dos
Dióscoros (Castor e Pólux). Nasceram de Zeus e Leda e são irmãos de Helena e
Clitemnestra. Porém, Leda era casada com o rei da Lacedemónia, Tíndaro. Na
noite em que Zeus se uniu a Leda, sob a forma de Cisne, ela uniu-se também ao
marido. Destas uniões, nasceram dois pares de gémeos ou dois ovos: de Zeus,
Pólux e Helena e, de Tíndaro, Castor e Clitemnestra.” (Figueiredo,
R. M. de, 2024 (2021), Fragmentos
Astrológicos: 2ª edição, revista e aumentada, 141-2. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo).
No
entanto, a razão da dualidade geminiana não se constrói apenas a partir destes
nascimentos duais entre o humano e o divino. Numa peleja, após a morte de
Castor, Pólux vinga o irmão, matando o seu oponente, mas o irmão deste ataca-o
com uma pedra. Zeus, no entanto, intervém, fulminando-o com o seu raio. Como
Pólux rejeita a sua imortalidade enquanto o irmão, Castor, jaz com a alma vagueando
no submundo, Zeus permite que os irmãos usufruam da imortalidade em dias alternados
(cf.
Ps. Apolodoro, Biblioteca, III, 136-7). A existência dos gémeos Castor e
Pólux fixar-se-ia então entre o reino de Zeus (Júpiter) e o reino de Hades
(Plutão). Lembremo-nos da relação astrológica de Gémeos com os domicílios de
Júpiter, Sagitário (oposição/diâmetro) e Peixes (quadratura), mas também com
Plutão, Escorpião (150º). Os antigos descreveriam esta relação de aspecto como
débil e passiva. Ora a herança astro-mitológica reforça estas influências sobre
o signo de Gémeos, dizendo que Poseídon (Neptuno) recompensou Castor e Pólux
com cavalos e o poder de auxílio sobre náufragos (Ps.Higino, Astronomica 2.22). É estabelecida aqui uma outra
relação com o signo de Peixes, particularmente pertinente face à actual presença
de Saturno neste signo.
A
relação Júpiter-Saturno é, depois da dos luminares, a mais estruturante de
todas as relações astrológicas. Quando Júpiter estava em Touro e Saturno em
Peixes, existia uma harmonia (sextil Terra-Água) entre os senhores do espaço e
do tempo, mas com a passagem de Júpiter para Gémeos passará a existir uma
tensão (quadratura Ar-Água). Entre o elemento estruturante masculino (Ar) e o
elemento dinâmico feminino (Água), criam-se necessariamente elementos de
discórdia. No entanto, existem duas interpretações a ter aqui em consideração:
a primeira é a Necessidade, isto é, existe um sentido último em cada relação,
uma razão de ser; e a segunda é que a discórdia é a outra face da harmonia,
lembremo-nos, por exemplo, dos textos filosóficos de Heraclito ou Empédocles. De
uma perspectiva mundana, mas também genetlíaca, esta relação entre Júpiter e
Saturno conduz-nos assim a outros desafios.
Séneca,
no De Constantia Sapientis, diz-nos o seguinte: “Afirmo, pois, que o sábio não está sujeito a
nenhuma injúria; por isso, não importa que muitos dardos sejam arremessados
contra ele, porque é impenetrável a todos.” (3.5, Séneca: Sobre a Providência Divina e Sobre a
Firmeza do Homem Sábio, ed. R. da Cunha Lima, 79. São Paulo, 2000: Nova
Alexandria). Estando Júpiter e Saturno em signos mutáveis, nos quais
a dualidade é uma questão, um dos desafios passa por encontrar elementos de
constância, de permanência, e a sabedoria é o primeiro de todos eles. A dualidade geminiana constrói-se na
alternância ambivalente entre o humano e o divino. Se pensarmos na regência
domiciliar de Mercúrio, compreendemos que esta alternância procura criar um elo
entre a ignorância humana e a sabedoria divina. Dos signos duais, Gémeos é
único em que esta dicotomia permanece separada, neste caso sob o véu da
alternância. Sagitário encerra num único ser o humano e o animal e Peixes, contrariamente
à crença moderna e infundada de que os dois animais nadam em direcção oposta,
conflui numa ideia de totalidade, pois, embora um seja boreal e o outro astral,
estão unidas pela estrela Alpha Piscium
ou Alrescha, já a mitologia coloca
Afrodite e Cupido a fugirem juntos, lado a lado, de Tífon e coloca também da
mesma forma os dois peixes que trouxeram Afrodite para a costa. A constelação
de Gémeos tem uma disposição estelar semelhante, mas não converge numa única
estrela.
O ingresso de Júpiter em Gémeos
acontece de 26 de Maio de 2024 a 9 de Junho de 2025. Nesse período, estará
retrógrado de 9 de Outubro de 2024 a 4 de Fevereiro de 2025. Se observarmos as
dignidades, concluímos que, nesta passagem, os efeitos benéficos serão maiores
nos graus do primeiro decanato (1 a 10) e nos seus próprios termos (graus 7 a
12). No entanto, podemos dizer, face à adversidade domiciliar (detrimento) já
anunciada, que Júpiter só encontrará o seu maior potencial (exaltação) quando
ingressar em Caranguejo, até lá a relação com Mercúrio, sobretudo nos graus
descritos, sairá reforçada. De um outro modo, é também relevante o facto de os
dois benéficos se encontrarem conjuntos, com o Sol como parceiro. A união de
Vénus e Júpiter congrega sempre um valor de bênção, de dádiva. É como se
aquelas duas luzes brilhassem no céu como anúncio ou prenúncio do sentido
primordial do bem, da beleza e da justiça, mas também da proposta
transformadora que une amorosamente a sabedoria à fé.
Plutarco, na obra Da
Educação das Crianças, descreve, do seguinte modo, aquilo que pode ser
considerado um bem, nomeadamente o bem conferido por Júpiter em Gémeos e que
concilia Júpiter e Mercúrio: “A boa
estirpe é, seguramente, um bem, mas é um bem herdado dos progenitores; sem
dúvida que a riqueza é preciosa, mas é um bem fruto do acaso, posto que, muitas
vezes, se afasta dos que a têm e vai ao encontro daqueles que não a esperam;
uma grande riqueza é um objectivo para aqueles que desejam alcançar as bolsas,
os criados perversos e os sicofantas, e, o pior, encontra-se também entre os
mais perversos. A glória é, seguramente, algo venerável, mas inconstante; a
beleza é desejável, mas passageira; a saúde é preciosa, mas perecível; a força
é invejável, mas diminui na doença e na velhice. Ou seja, se alguém se orgulha
da força do corpo, logo que dá conta do engano compreende a força da
inteligência. Pois, qual é o poder da força humana comparado com o dos outros
animais? Como o dos elefantes, dos touros e dos leões? A formação é o único dos
bens que temos que é imortal e divino. Na natureza humana, os dois bens mais
importantes são a inteligência e o raciocínio. A inteligência comanda o
raciocínio e o raciocínio está ao serviço da inteligência. O raciocínio, por
sua vez, não se perturba com a sorte, não se pode tirar pela calúnia, é
incorruptível na doença e não se injuria na velhice. Na verdade, apenas a
inteligência, ao envelhecer, se rejuvenesce. O tempo, que tira todas as coisas,
concede na velhice o conhecimento. A guerra, como uma torrente, arrasta toda a
justiça e leva tudo à frente, só não pode destruir a formação.” (8, 5c-f, Plutarco:
Obras Morais - Da Educação das Crianças, ed. J. Pinheiro, 44-5. Coimbra,
2008: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos).
O valor do raciocínio e da inteligência, da educação e do
conhecimento, descrito por Plutarco, resume o bem concedido por Júpiter em
Gémeos e potenciado pela co-presença do Sol, de Júpiter e de Vénus neste signo.
No Sonho de Cipião, Cícero designa
Júpiter como “aquele fulgor próspero e
salutar” (De re publica,
VI, 17: prosperus et salutares ille fulgor). Aquando
do ingresso, o Mercúrio não faz qualquer aspecto aos planetas no signo por ele
regido. Este elemento interpretativo, a par da quadratura a Saturno e Neptuno
em Peixes e do sextil à conjunção de Marte e da Caput Draconis em Carneiro, revela a dificuldade de fixar como bem,
e como apela Júpiter em Gémeos, a premissa de Plutarco de que “A formação é o único dos bens que temos que
é imortal e divino.” Esse é um potencial que pede efectivação. A
incompletude do propósito, dessa via da inteligência, pode ser também
compreendida pela astrologia. Mercúrio tem o seu domicílio em Gémeos e em
Virgem, todavia, é em Virgem que encontra a sua exaltação. Um dos lugares de
domicílio (Gémeos) e o de exaltação (Virgem), que é também domicílio, lançam entre
si raios quadrangulares, o que só acontece com os maléficos (Marte, Carneiro e
Caranguejo, e Saturno, Capricórnio e Balança). Virgem, por indicar uma deusa,
mostra essa finalidade divina: a sabedoria. Já Gémeos traduz um caminho, um que
é frequentemente rejeitado.
No tema do ingresso de Júpiter de Gémeos, existem outros
elementos a assinalar. O primeiro concerne ao facto de só a Lua é que está
acima do horizonte. É uma deusa solitária, ascendendo a partir de um lugar
débil. A Lua em Capricórnio oculta na noite escura a Cornucópia de Amalteia. A
fortuna espera o momento oportuno e o forçar do momento é sempre sinal de
infortúnio, daí que o ingresso ocorra no lugar da Má Fortuna (VI). Por outro
lado, e reforçando a debilidade lunar, o corpo do Dragão da Lua afunda-se na
realidade. A Caput em Carneiro
encontra-se na IV e a Cauda em
Balança na X. Cerca de dezoito horas após o ingresso, a Lua estará em
quadratura exacta ao Dragão da Lua, o que, segundo os antigos, era sempre um
sinal de desventura e adversidade. Ora o valor destas significações serve
também para afirmar que, por vezes, pode existir ou persistir o engano de que
Júpiter traz sempre a fortuna. Em certas situações, a dádiva é um valor oculto
e esse dragão de luz e sombra traz consigo uma crise na identidade, na ponte
entre a unidade e a dualidade.
O trígono entre Júpiter, Vénus e o Sol em Gémeos e Plutão
em Aquário vem confirmar e adensar o sentido da ambivalência geminiana descrita
na abordagem astro-mitológica. O eixo entre o humano e o divino que coloca os
Dióscoros entre o Hades e o Olimpo, entre o Submundo e o Céu, possibilitando
uma ponte da morte à eternidade, da corrupção à elevação. Não podemos esquecer,
contudo, que é a Necessidade, o destino, que estabelece as linhas que tecem
estes eixos. A quadratura dos planetas em Gémeos a Saturno e a Neptuno em
Peixes trazem consigo o desafio da integração do destino e da compaixão nessa
ambivalência radical. A chave-mestra para esse desafio pode ser encontrada no
sextil entre Saturno e Neptuno em Peixes e Mercúrio e Úrano em Touro. Esta é
uma chave encerrada dentro desse trígono de Júpiter e Plutão. A liberdade
humana não altera o destino, permite, como afinidade electiva, a escolha do
conhecimento e da senda da sabedoria. Ora este sextil oferece a possibilidade
de se integrar na imensidão do tempo a restruturação do conhecimento.
A anterior co-presença de Júpiter e Úrano em Touro e a actual de Mercúrio e Úrano, com Júpiter passando para o signo regido por Mercúrio, indica, entre muitas outras coisas, a revitalização do conhecimento astrológico. Este momento serviu de marco, de síntese, de uma revolução no conhecimento astrológico. Nos últimos anos, acentuando uma tendência das últimas décadas, a astrologia largou as amarras de um ciclo que se estendeu do final do século XIX até às últimas décadas do século XX. A predominância de uma astrologia dependente de movimentos espirituais, muito distante do conhecimento académico e frequentemente superficial, deu lugar a uma restruturação dos sistemas astrológicos, fundamentada sobretudo na história da astrologia e na astrologia tradicional, e deixando-se influenciar paralelamente pela psicologia e pela filosofia. A astrologia antiga ou helenística é quiçá o melhor exemplo deste novo ciclo. Com ela, temos modelos astrológicos recuperados e renovados, mas também a possibilidade de uma filosofia da astrologia. Este é um bom exemplo e um sinal dos tempos. São as centelhas de conhecimento que iluminam a escuridão da ignorância.
O ingresso de Júpiter em Gémeos recupera como bem o raciocínio e a inteligência. Porém, por muito que a dádiva seja natural, ela pede uma disposição electiva. Temos de escolher para além dos bens mais fáceis, líquidos e passageiros e, entre o humano e o divino, a palavra e a comunicação podem tanto ascender à realidade celeste e supra-humana como espalhar-se por entre a ignorância, a desinformação e a mentira, próprias da humanidade e da sua desmedida. Como senhor do espaço, Júpiter em Gémeos expande a palavra, todavia, o valor da palavra, a finalidade do seu sentido, depende do humano. Em suma, Júpiter em Gémeos é uma proposta para se encontrar a dádiva do bem numa ambivalência radical entre o que nos eleva e o que nos afunda, entre o divino e o humano.