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sábado, 25 de maio de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Júpiter em Gémeos

  Reflexões Astrológicas


Ingressos


Júpiter em Gémeos

Lisboa, 00h15min, 26/05/2024

 

Júpiter

Decanato: Júpiter

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Mercúrio    

 

   O ingresso de Júpiter em Gémeos ocorre com Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, no Lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato de Júpiter, nos termos e na monomoiria de Mercúrio. O ingresso dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de três horas e vinte minutos após o pôr-do-sol. Júpiter encontra-se, desta forma, desfavorecido por não estar no seu próprio segmento (αἵρεσις) e por estar abaixo do horizonte. Nesta posição e neste lugar, Júpiter brilha sem ser visto, não revela à luz da noite a mudança de signo, mas ela ocorre, encerrada porém na expressão negativa da Fortuna. A passagem para um signo masculino potencia, todavia, algumas das característica jupiterianas.

   De Touro para Gémeos, Júpiter vai mudar o valor da sua expressão. Em Touro, Júpiter é o jovem Zeus sob a protecção da Grande Mãe, de Reia (Touro), mas, em Gémeos, Castor e Pólux são os “rapazes de Zeus”, pois Διόσκοροι (Dióscoros) tem esta raiz etimológica, alguns dizem até “filhos de Zeus”, quando, na verdade, só Pólux é que era filho de Zeus. A tradição astro-mitológica adverte-nos disso, afirmando que, mais do que o trabalho de Hércules, “O mito que, porém, melhor descreve o signo de Gémeos é o dos Dióscoros (Castor e Pólux). Nasceram de Zeus e Leda e são irmãos de Helena e Clitemnestra. Porém, Leda era casada com o rei da Lacedemónia, Tíndaro. Na noite em que Zeus se uniu a Leda, sob a forma de Cisne, ela uniu-se também ao marido. Destas uniões, nasceram dois pares de gémeos ou dois ovos: de Zeus, Pólux e Helena e, de Tíndaro, Castor e Clitemnestra.” (Figueiredo, R. M. de, 2024 (2021), Fragmentos Astrológicos: 2ª edição, revista e aumentada, 141-2. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo).

   No entanto, a razão da dualidade geminiana não se constrói apenas a partir destes nascimentos duais entre o humano e o divino. Numa peleja, após a morte de Castor, Pólux vinga o irmão, matando o seu oponente, mas o irmão deste ataca-o com uma pedra. Zeus, no entanto, intervém, fulminando-o com o seu raio. Como Pólux rejeita a sua imortalidade enquanto o irmão, Castor, jaz com a alma vagueando no submundo, Zeus permite que os irmãos usufruam da imortalidade em dias alternados (cf. Ps. Apolodoro, Biblioteca, III, 136-7). A existência dos gémeos Castor e Pólux fixar-se-ia então entre o reino de Zeus (Júpiter) e o reino de Hades (Plutão). Lembremo-nos da relação astrológica de Gémeos com os domicílios de Júpiter, Sagitário (oposição/diâmetro) e Peixes (quadratura), mas também com Plutão, Escorpião (150º). Os antigos descreveriam esta relação de aspecto como débil e passiva. Ora a herança astro-mitológica reforça estas influências sobre o signo de Gémeos, dizendo que Poseídon (Neptuno) recompensou Castor e Pólux com cavalos e o poder de auxílio sobre náufragos (Ps.Higino, Astronomica 2.22). É estabelecida aqui uma outra relação com o signo de Peixes, particularmente pertinente face à actual presença de Saturno neste signo.

   A relação Júpiter-Saturno é, depois da dos luminares, a mais estruturante de todas as relações astrológicas. Quando Júpiter estava em Touro e Saturno em Peixes, existia uma harmonia (sextil Terra-Água) entre os senhores do espaço e do tempo, mas com a passagem de Júpiter para Gémeos passará a existir uma tensão (quadratura Ar-Água). Entre o elemento estruturante masculino (Ar) e o elemento dinâmico feminino (Água), criam-se necessariamente elementos de discórdia. No entanto, existem duas interpretações a ter aqui em consideração: a primeira é a Necessidade, isto é, existe um sentido último em cada relação, uma razão de ser; e a segunda é que a discórdia é a outra face da harmonia, lembremo-nos, por exemplo, dos textos filosóficos de Heraclito ou Empédocles. De uma perspectiva mundana, mas também genetlíaca, esta relação entre Júpiter e Saturno conduz-nos assim a outros desafios.

   Séneca, no De Constantia Sapientis, diz-nos o seguinte: Afirmo, pois, que o sábio não está sujeito a nenhuma injúria; por isso, não importa que muitos dardos sejam arremessados contra ele, porque é impenetrável a todos.” (3.5, Séneca: Sobre a Providência Divina e Sobre a Firmeza do Homem Sábio, ed. R. da Cunha Lima, 79. São Paulo, 2000: Nova Alexandria). Estando Júpiter e Saturno em signos mutáveis, nos quais a dualidade é uma questão, um dos desafios passa por encontrar elementos de constância, de permanência, e a sabedoria é o primeiro de todos eles.  A dualidade geminiana constrói-se na alternância ambivalente entre o humano e o divino. Se pensarmos na regência domiciliar de Mercúrio, compreendemos que esta alternância procura criar um elo entre a ignorância humana e a sabedoria divina. Dos signos duais, Gémeos é único em que esta dicotomia permanece separada, neste caso sob o véu da alternância. Sagitário encerra num único ser o humano e o animal e Peixes, contrariamente à crença moderna e infundada de que os dois animais nadam em direcção oposta, conflui numa ideia de totalidade, pois, embora um seja boreal e o outro astral, estão unidas pela estrela Alpha Piscium ou Alrescha, já a mitologia coloca Afrodite e Cupido a fugirem juntos, lado a lado, de Tífon e coloca também da mesma forma os dois peixes que trouxeram Afrodite para a costa. A constelação de Gémeos tem uma disposição estelar semelhante, mas não converge numa única estrela.

   O ingresso de Júpiter em Gémeos acontece de 26 de Maio de 2024 a 9 de Junho de 2025. Nesse período, estará retrógrado de 9 de Outubro de 2024 a 4 de Fevereiro de 2025. Se observarmos as dignidades, concluímos que, nesta passagem, os efeitos benéficos serão maiores nos graus do primeiro decanato (1 a 10) e nos seus próprios termos (graus 7 a 12). No entanto, podemos dizer, face à adversidade domiciliar (detrimento) já anunciada, que Júpiter só encontrará o seu maior potencial (exaltação) quando ingressar em Caranguejo, até lá a relação com Mercúrio, sobretudo nos graus descritos, sairá reforçada. De um outro modo, é também relevante o facto de os dois benéficos se encontrarem conjuntos, com o Sol como parceiro. A união de Vénus e Júpiter congrega sempre um valor de bênção, de dádiva. É como se aquelas duas luzes brilhassem no céu como anúncio ou prenúncio do sentido primordial do bem, da beleza e da justiça, mas também da proposta transformadora que une amorosamente a sabedoria à fé.        

   Plutarco, na obra Da Educação das Crianças, descreve, do seguinte modo, aquilo que pode ser considerado um bem, nomeadamente o bem conferido por Júpiter em Gémeos e que concilia Júpiter e Mercúrio: “A boa estirpe é, seguramente, um bem, mas é um bem herdado dos progenitores; sem dúvida que a riqueza é preciosa, mas é um bem fruto do acaso, posto que, muitas vezes, se afasta dos que a têm e vai ao encontro daqueles que não a esperam; uma grande riqueza é um objectivo para aqueles que desejam alcançar as bolsas, os criados perversos e os sicofantas, e, o pior, encontra-se também entre os mais perversos. A glória é, seguramente, algo venerável, mas inconstante; a beleza é desejável, mas passageira; a saúde é preciosa, mas perecível; a força é invejável, mas diminui na doença e na velhice. Ou seja, se alguém se orgulha da força do corpo, logo que dá conta do engano compreende a força da inteligência. Pois, qual é o poder da força humana comparado com o dos outros animais? Como o dos elefantes, dos touros e dos leões? A formação é o único dos bens que temos que é imortal e divino. Na natureza humana, os dois bens mais importantes são a inteligência e o raciocínio. A inteligência comanda o raciocínio e o raciocínio está ao serviço da inteligência. O raciocínio, por sua vez, não se perturba com a sorte, não se pode tirar pela calúnia, é incorruptível na doença e não se injuria na velhice. Na verdade, apenas a inteligência, ao envelhecer, se rejuvenesce. O tempo, que tira todas as coisas, concede na velhice o conhecimento. A guerra, como uma torrente, arrasta toda a justiça e leva tudo à frente, só não pode destruir a formação.” (8, 5c-f, Plutarco: Obras Morais - Da Educação das Crianças, ed. J. Pinheiro, 44-5. Coimbra, 2008: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos).

   O valor do raciocínio e da inteligência, da educação e do conhecimento, descrito por Plutarco, resume o bem concedido por Júpiter em Gémeos e potenciado pela co-presença do Sol, de Júpiter e de Vénus neste signo. No Sonho de Cipião, Cícero designa Júpiter como “aquele fulgor próspero e salutar” (De re publica, VI, 17: prosperus et salutares ille fulgor). Aquando do ingresso, o Mercúrio não faz qualquer aspecto aos planetas no signo por ele regido. Este elemento interpretativo, a par da quadratura a Saturno e Neptuno em Peixes e do sextil à conjunção de Marte e da Caput Draconis em Carneiro, revela a dificuldade de fixar como bem, e como apela Júpiter em Gémeos, a premissa de Plutarco de que “A formação é o único dos bens que temos que é imortal e divino.” Esse é um potencial que pede efectivação. A incompletude do propósito, dessa via da inteligência, pode ser também compreendida pela astrologia. Mercúrio tem o seu domicílio em Gémeos e em Virgem, todavia, é em Virgem que encontra a sua exaltação. Um dos lugares de domicílio (Gémeos) e o de exaltação (Virgem), que é também domicílio, lançam entre si raios quadrangulares, o que só acontece com os maléficos (Marte, Carneiro e Caranguejo, e Saturno, Capricórnio e Balança). Virgem, por indicar uma deusa, mostra essa finalidade divina: a sabedoria. Já Gémeos traduz um caminho, um que é frequentemente rejeitado.

   No tema do ingresso de Júpiter de Gémeos, existem outros elementos a assinalar. O primeiro concerne ao facto de só a Lua é que está acima do horizonte. É uma deusa solitária, ascendendo a partir de um lugar débil. A Lua em Capricórnio oculta na noite escura a Cornucópia de Amalteia. A fortuna espera o momento oportuno e o forçar do momento é sempre sinal de infortúnio, daí que o ingresso ocorra no lugar da Má Fortuna (VI). Por outro lado, e reforçando a debilidade lunar, o corpo do Dragão da Lua afunda-se na realidade. A Caput em Carneiro encontra-se na IV e a Cauda em Balança na X. Cerca de dezoito horas após o ingresso, a Lua estará em quadratura exacta ao Dragão da Lua, o que, segundo os antigos, era sempre um sinal de desventura e adversidade. Ora o valor destas significações serve também para afirmar que, por vezes, pode existir ou persistir o engano de que Júpiter traz sempre a fortuna. Em certas situações, a dádiva é um valor oculto e esse dragão de luz e sombra traz consigo uma crise na identidade, na ponte entre a unidade e a dualidade.   

   O trígono entre Júpiter, Vénus e o Sol em Gémeos e Plutão em Aquário vem confirmar e adensar o sentido da ambivalência geminiana descrita na abordagem astro-mitológica. O eixo entre o humano e o divino que coloca os Dióscoros entre o Hades e o Olimpo, entre o Submundo e o Céu, possibilitando uma ponte da morte à eternidade, da corrupção à elevação. Não podemos esquecer, contudo, que é a Necessidade, o destino, que estabelece as linhas que tecem estes eixos. A quadratura dos planetas em Gémeos a Saturno e a Neptuno em Peixes trazem consigo o desafio da integração do destino e da compaixão nessa ambivalência radical. A chave-mestra para esse desafio pode ser encontrada no sextil entre Saturno e Neptuno em Peixes e Mercúrio e Úrano em Touro. Esta é uma chave encerrada dentro desse trígono de Júpiter e Plutão. A liberdade humana não altera o destino, permite, como afinidade electiva, a escolha do conhecimento e da senda da sabedoria. Ora este sextil oferece a possibilidade de se integrar na imensidão do tempo a restruturação do conhecimento.

   A anterior co-presença de Júpiter e Úrano em Touro e a actual de Mercúrio e Úrano, com Júpiter passando para o signo regido por Mercúrio, indica, entre muitas outras coisas, a revitalização do conhecimento astrológico. Este momento serviu de marco, de síntese, de uma revolução no conhecimento astrológico. Nos últimos anos, acentuando uma tendência das últimas décadas, a astrologia largou as amarras de um ciclo que se estendeu do final do século XIX até às últimas décadas do século XX. A predominância de uma astrologia dependente de movimentos espirituais, muito distante do conhecimento académico e frequentemente superficial, deu lugar a uma restruturação dos sistemas astrológicos, fundamentada sobretudo na história da astrologia e na astrologia tradicional, e deixando-se influenciar paralelamente pela psicologia e pela filosofia. A astrologia antiga ou helenística é quiçá o melhor exemplo deste novo ciclo. Com ela, temos modelos astrológicos recuperados e renovados, mas também a possibilidade de uma filosofia da astrologia. Este é um bom exemplo e um sinal dos tempos. São as centelhas de conhecimento que iluminam a escuridão da ignorância.

   O ingresso de Júpiter em Gémeos recupera como bem o raciocínio e a inteligência. Porém, por muito que a dádiva seja natural, ela pede uma disposição electiva. Temos de escolher para além dos bens mais fáceis, líquidos e passageiros e, entre o humano e o divino, a palavra e a comunicação podem tanto ascender à realidade celeste e supra-humana como espalhar-se por entre a ignorância, a desinformação e a mentira, próprias da humanidade e da sua desmedida. Como senhor do espaço, Júpiter em Gémeos expande a palavra, todavia, o valor da palavra, a finalidade do seu sentido, depende do humano. Em suma, Júpiter em Gémeos é uma proposta para se encontrar a dádiva do bem numa ambivalência radical entre o que nos eleva e o que nos afunda, entre o divino e o humano.

domingo, 18 de junho de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Gémeos

   Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Gémeos

Lisboa, 05h37min, 18/06/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Sol

Termos: Saturno

Monomoiria: Sol    

 

  A Lua Nova de Junho ocorre no signo de Gémeos, estando este a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na I, o Leme (οἴαξ) do tema, no decanato de Sol, nos termos de Saturno e na monomoiria de Sol. A sizígia dá-se ainda abaixo do horizonte e a cerca de vinte e cinco minutos do nascer-do-sol. No actual novilúnio, os luminares encontram-se sob o horizonte, ainda ocultos, mas rumando, na barca da luz, o caminho de ascensão. A Lua encontra-se pois desfavorecida por estar num signo masculino e, considerando-se que apenas Mercúrio acompanha os luminares e numa fase helíaca também ela masculina, a força do feminino assim encontra-se debilitada.

  A harmonia dos contrários depara-se, nesta qualidade essencial, com o primeiro elemento disruptivo. Existe aqui um sentido inicial para o actual desenraizamento da terra, do feminino. A dualidade de Gémeos, expressa radicalmente no mito dos Dióscoros (cf. Figueiredo, R. M. de, 2021, Fragmentos Astrológicos, 137-8. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo), indica o movimento de passagem entre o humano e o divino, tal como o signo que lhe é oposto, Sagitário, aponta para a passagem do animal ao humano. Na verdade, esta é a senda sapiencial, da forma como se passa do conhecimento à sabedoria. Ora essa é a proposta do eixo Gémeos-Sagitário.

  O impulso primordial que nos deve encaminhar para a sabedoria é o mesmo que nos faz procurar o divino. No entanto, a questão deste eixo é que ele não anula a dualidade. Esta permanece activa, promovendo a alternância de sentido entre os elementos duais. Neste eixo, não existe a integração do múltiplo no uno ou na totalidade como aquela que é proposta no eixo Virgem-Peixes. A relação entre os dois eixos torna-se aqui particularmente significativa porque Saturno retrógrado em Peixes é, neste novilúnio, aquele que alimenta a cisão da harmonia.

  No mito dos Dióscoros, não existe uma união dos contrários. Pólux conserva a sua natureza semidivina, já Castor morre por ser humano, e mesmo a ascensão ao céu estrelado não representa uma conciliação ou encontro, pois o dom do céu é concedido em dias alternados. A desmedida e a retribuição não distinguem, contudo, a natureza humana ou semidivina. Os dois pares de gémeos, Pólux e Helena (divino) e Castor e Clitemnestra (humano), sofrem o peso, a gravidade, da Necessidade. A tensão da sizígia em Gémeos a Saturno em Peixes é, desta forma, indicadora desta condição primordial.

  Cícero adverte o leitor para a discórdia existencial entre a força da Necessidade e a Virtude, dizendo o seguinte: Tu não sabes, insensato, não sabes de que força dispõe a virtude; limitas-te a usar o nome da virtude, mas ignoras o seu efectivo valor. Ninguém que dependa exclusivamente de si e considere que todo o seu bem está na qualidade do seu carácter poderá não ser o mais feliz dos homens. Quem, pelo contrário, põe todas as suas esperanças, cálculos e projectos na dependência da fortuna, esse nunca possuirá nada seguro, nada do que empreendeu estará certo de guardar como seu até ao fim do dia. Se encontrares no teu caminho um homem destes ameaça-o com a morte ou com o exílio, e vê-lo-ás ficar em pânico. Pela minha parte, nem tentarei subtrair-me nem oferecerei qualquer resistência a nada do que me aconteça nesta tão ingrata cidade.” (Paradoxa Stoicorum, Paradoxo II, 17-18 in Cícero, Textos Filosóficos I, 2ª ed., trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2018: Fundação Calouste Gulbenkian, 12).

  Viver sob a égide da Fortuna, dos ditames da Necessidade, conduz-nos naturalmente a uma forma de servidão. Neste novilúnio, depois de Marte reinar no cume do céu, Saturno em Peixes é o astro mais alto, colocando assim a Necessidade e a proposta de totalidade como elementos profundos de sentido. Cícero lembra-nos que é a virtude que nos liberta do destino. Para quem crê na metempsicose, só a excelência nos libertará da roda de reencarnações, dos ditames da Necessidade. Esta não é, porém, nem uma virtude catequista, empoeirada por pó e cinza, nem uma aura de herói que assombra o humano com o divino. A virtude estóica é um modo de vida.

  Séneca, na continuidade desse sentido, diz-nos que “Para formar juízos de valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma, pois de outro modo atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal como objectos perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos ao meio quando os vemos metidos dentro de água. O que interessa não é o que vemos, mas o modo como vemos; e no geral o espírito humano mostra-se cego para a verdade!” (Ep.71.24-5; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). Ora a dualidade luminar da sizígia em Gémeos em colisão com a necessidade como totalidade indica-nos essa mesma cegueira da verdade. No fundo, e hoje mais do nunca, a ignorância e o excesso de si tolda-nos os juízos e impede-nos de ver a verdade. A palavra pode ser também aqui um elemento disruptivo.

  A relação entre liberdade e destino é um pilar de sentido na filosofia astrológica, todavia, não deve ser entendida como é comummente abordada, como se existisse um antagonismo radical nos conceitos. A questão é que, da perspetiva que dominou uma parte considerável do pensamento antigo, a liberdade está para além da roda da necessidade e não no seu interior. A união de Saturno e Neptuno em Peixes no cume do tema da Lua Nova representa essa dificuldade e, do outro lado do sentido, encontra-se a dualidade de luz entre o humano e o divino como leme da vida e da acção. A sizígia em Gémeos, pela regência domiciliar de Mercúrio, vai pedir uma reestruturação da palavra e da razão, ou seja, é exigida uma renovada mediação. O elemento de passagem é essencial neste signo dual. A integração da necessidade na vida pede portanto que se encontre a harmonia nesta tensão radical.

  Neste novilúnio, Plutão surge também como elemento disruptivo, primeiro por seu o único astro do hemisfério ocidental e depois devido à sua retrogradação e ao seu regresso a Capricórnio. As estruturas afectadas por este trânsito vão voltar a sofrer as influências plutonianas, nomeadamente os sistemas económicos e financeiros, mas também as estruturas profundas da terra, como por exemplo as erupções vulcânicas das últimas semanas, mas também as consequências das alterações climáticas, como os incêndios no Canadá.

  Nos meses em que Plutão estiver em Capricórnio, podemos voltar a assistir a falências ou crises no sistema bancário, bem como às consequências da inflação, da subida das taxas de juros e da especulação imobiliária. No entanto, a relação benéfica de Plutão a Júpiter e a Úrano em Touro (trígono) e a Saturno e Neptuno em Peixes (sextil), bem como ao Dragão da Lua (trígono à Caput em Touro e sextil à Cauda em Escorpião), conferem uma possibilidade de transformação colectiva. A renovação do valor do viver, a ligação à Terra e a necessidade de empatia e solidariedade são a luz no caminho.

  O último grande elemento disruptivo possui também ele uma qualidade dual, ou seja, possui tanto um valor benéfico como um potencial maléfico. A posição de Vénus e Marte em Leão junto ao Ponto Subterrâneo enraíza, no tema do novilúnio, esta harmonia dos contrários. De um ponto de vista colectivo, a nobreza da alma e o narcisismo serão as duas faces da mesma realidade e, neste sentido, esta dicotomia leonina será colocada entre o desejo e a força, entre Vénus e Marte. Porém, esta pulsão ou paixão primordial possui uma dimensão relativa e é esta que atribuirá ou condicionará o seu valor. O sextil de Vénus e Marte em Leão à sizígia e a Mercúrio em Gémeos poderá, através da palavra e da razão ou do elemento de passagem entre o humano e o divino, criar as condições para a nobreza da alma, para um carácter transformação. No entanto, a quadratura de Vénus e Marte a Júpiter e a Úrano em Touro, na XII, no lugar do Mau Espírito (κακός δαίμων), bem como ao Dragão da Lua, condicionará fortemente o potencial do aspecto anterior.

  Existe assim uma resistência à dádiva e ao espírito transformador. Os modos de ser e estar estão de tal forma enraizados que, mesmo que exista a consciência da necessidade de transformação, se tornarão extensões da identidade e da afirmação social. Face à corrupção do planeta e da Mãe-Terra, o que estaríamos dispostos a fazer? Deixaríamos, por exemplo, de utilizar um veículo próprio? Consumiríamos menos e de forma mais responsável? Alteraríamos o nosso estilo de vida? A grande questão é saber se possuímos uma disponibilidade genuína de mudança.

  A passagem anunciada do Dragão da Lua do eixo Touro-Escorpião para Carneiro-Balança, ou seja, do eixo do valor para o da identidade, aprofunda o sentido desta inquirição e o novilúnio de Gémeos vem anunciá-la, representando a necessidade de mediação e de construção de elementos de passagem, sejam eles pessoais ou colectivos. A harmonia dos contrários nasce de uma dualidade comprometida tanto com a identidade como com a necessidade de relação. Essa é uma proposta para o presente e para o futuro.

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Gémeos

  Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Gémeos

Lisboa, 12h30min, 30/05/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Júpiter

Termos: Júpiter

Monomoiria: Saturno 

 

            A Lua Nova de Maio, depois dos eclipses solar e lunar no eixo Touro-Escorpião, ocorre no signo de Gémeos, com Leão a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) do Sol, com os luminares acima do horizonte, no Lugar do Bom Espírito, ἀγαθόν δαίμων (XI), e a caminho da culminação, no decanato e termos de Júpiter e na monomoiria de Saturno. Mercúrio Retrógrado, regente de Gémeos, marchando à frente do Sol, longe dos seus raios, é uma Estrela da Manhã e o astro mais alto. Em Touro e recuando, ou dando a ilusão que recua, Hermes serve o silêncio e guarda o mistério. O Trismegisto torna-se o mestre da iniciação, do caminho interior, e sob a Mãe Terra constrói o templo da palavra criadora, do que Logos que é um fogo sempre vivo.   

            O masculino surge, neste tema do novilúnio, com uma expressão dominante e com uma acção dinâmica. No entanto, a retrogradação de Mercúrio, que terminará um dia antes de Saturno começar a sua, apela ao acto pensado e à palavra medida. A justa medida actua, nesta lua nova, como elemento estruturante e estruturado de passagem, ou seja, o sentido de viagem é consolidado pela harmonia entre aquilo que se pensa, diz e faz. Essa é a lição de Mercúrio, o regente do novilúnio, Retrógrado e em Touro. O movimento do silêncio à palavra serve aqui a necessidade de concedermos a verdade às nossas ideais e ao nosso discurso. A dúvida metódica continua a ser uma metodologia de rigor.

            O carácter de mediação polar, de integração do diâmetro na unidade do círculo, é particularmente expressivo no novilúnio de Gémeos, especialmente pelo facto de neste signo não existir uma verdadeira integração. O processo de integração de uma dualidade expressa surge em Gémeos, alcança o princípio ou potencial de harmonia em Balança e é concluído em Peixes, onde o Amor (união dos opostos) se exalta. Estes últimos, contrariamente ao que se possa pensar, não nadam em direcções opostos: Afrodite e Cupido, transformados em peixes, fogem juntos de Tífon e os dois peixes que trazem Afrodite para a costa, nascida da espuma do mar ou de um ovo, nadam no mesmo sentido. Em Gémeos, pelo contrário, existe polaridade por ausência ou distinção, mas também por procura ou demanda.

            A tradição astro-mitológica, enunciada no meu livro, diz-nos o seguinte: “O mito que, porém, melhor descreve o signo de Gémeos é dos Dióscoros (Castor e Pólux). Nasceram de Zeus e Leda e são irmãos de Helena e Clitemnestra. Porém, Leda era casada com o rei da Lacedemónia, Tíndaro. Na noite em que Zeus se uniu a Leda, sob a forma de Cisne, ela uniu-se também ao marido. Destas uniões, nasceram dois pares de gémeos ou dois ovos: de Zeus, Pólux e Helena e, de Tíndaro, Castor e Clitemnestra.” (Fragmentos Astrológicos 2021: 138). Este é o gérmen da polaridade geminiana, ou seja, da passagem entre o humano e o divino, entre mortalidade e imortalidade, porque após a morte de Castor (mortal), em combate, Pólux (imortal) clama a Zeus (Júpiter): “(…) Ouvi a palavra, pai,/ Divide em dois, o céu que a mim concedeste,/ De toda a oferenda, a metade maior será.” (Ovídio, Fastos V, 716-8: “(…)‘percipe verba, pater: / quod mihi das uni caelum, partire duobus: /dimidium toto munere maius erit’). Zeus concede o pedido e Pólux e Castor brilham no céu em dias alternados.

            Ora esta polaridade natural e criadora que, no novilúnio se une à conjunção da luz solar e lunar, procura um elemento de força e expansão no sextil a Marte e Júpiter em Carneiro. A partir do Lugar de Deus (IX), estes retribuem com outra dicotomia. Segundo o Segmento de Luz, Júpiter é o maior dos benéficos e Marte o maior dos maléficos, e aguçados por estarem em Carneiro, lançando a oposição radical entre o Eu e o Mundo (o Outro), outorgam activamente o Bem e a Justiça, mas também o Conflito e a Destruição. Pela natureza do sextil, esta relação coloca reflexivamente a acção no próprio e não no exterior, na Providência. Marco Aurélio diz-nos o seguinte: “Como anda o teu guia interior? Isso é que importa. O resto cai fora do teu livre arbítrio; é cinza dos mortos e fumo.” (Pensamentos XII, 33: Πῶς ἑαυτῷ χρῆται τὸ ἡγεμονικόν; ἐν γὰρ τούτῳ τὸ πᾶν ἐστι. τὰ δὲ λοιπὰ προαιρετικά ἐστιν ἀπροαίρετα, νεκρὰ καὶ καπνός, trad. J. Maia, Lisboa, Relógio D’Água, 1995).

            A luz que brilha em nós, indicada aqui pela união dos luminares, é τὸ ἡγεμονικόν do estoicismo, esse “guia interior” de que fala Marco Aurélio, a parte dominante da alma, a razão ou intelecto. Do Bom Espírito, do demiurgo de passagem entre o humano e o divino, o Sol e a Lua une-se ao Leme da Vida (I) em Leão (sextil), a nobreza do espírito, e a Saturno em Aquário (trígono) no Poente (VII). Saturno representa tudo o escapa ao livre arbítrio, tudo o que está sob a alçada do destino e da necessidade. O sentido do Destino sobre a Humanidade, de Saturno em Aquário, observa, concedendo a sua lição, a capacidade que se adquire de colocar o valor nesse “guia interior”, na partilha da Razão (Sol e Lua em Gémeos).

            Saturno, por seu lado, une-se em sextil a Marte e Júpiter em Carneiro, revelando o potencial de a Necessidade se tornar Justiça e Equilíbrio, o Bem em Acto, ou Castigo e Retribuição, a Desmedida como Reacção. De um outro modo, Saturno, com esse olhar vindo do Lugar de Deus, coloca o tempo sob o Poente, trazendo consigo a imagem da mudança de um era, dos tempos que se põem e da hora que espera nascer. O tempo do Espírito Santo, da Mãe Eterna espera a sua hora.

            No entanto, a quadratura de Saturno em Aquário a Vénus, Úrano e Mercúrio e também à Caput Draconis e ao Ponto de Culminação, todos em Touro, impõe, como é próprio do fim de um tempo, o peso da destruturação de uma realidade e da construção de novos valores. Não é portanto um tempo de júbilo, de um simples hedonismo taurino, mas sim um tempo que exige gravidade naquilo que se pensa e diz, naquilo que se deseja, naquilo que queremos mudar, mesmo entre o caos e o ideal, em suma, naquilo a que atribuímos valor.

            A mensagem do Dragão da Lua, estendendo o seu corpo entre Escorpião e Touro, entre a Morte e o Viver, obriga necessariamente a que se coloque a destruição do valor anterior como condição para se criar um novo. Essa exegese da morte traduz-se num sentido de origem (Cauda Draconis na IV, no Lugar sob a Terra), o que sugere aliás a próxima viagem da Serpente da Luz e da Sombra pelo eixo Caranguejo-Capricórnio, mas traduz-se também no poder de finalidade da própria morte, ou seja, Plutão em Capricórnio, onde o culminar da morte, da transformação, firma o seu próprio poder.

            O Senhor do Submundo olha triangularmente para Vénus, Úrano e Mercúrio e para à Caput Draconis e para a Culminação e quadrangularmente para Marte e Júpiter. A visão da montanha confunde-se aqui com a visão do abismo e de um lado e do outro, a dádiva tem o sabor da retribuição e a punição tem o aroma, o perfume, de uma bênção. A bipolaridade da consciência que se eleva e se afunda ou se transforma ou se destrói. Esta é esfinge no caminho. Os dois eixos através dos quais o olhar da Morte se fixa separam também duas realidades inconciliáveis: o poder e guerra, de um lado, e a vida e a Mãe-Terra, do outro. O militarismo imergente não salvará o planeta da sua ruína, bem pelo contrário, arrastá-lo-á mais rapidamente para a destruição. A conjugação de forças em Touro é também esse sinal de alerta.

            Tocado pelo grito da Mãe-Terra (sextil a Vénus, Úrano e Mercúrio), Neptuno em Peixes, representando a imaginação activa e uma energia tantas vezes incompreendida, traz-nos, a partir do Lugar da Morte (VII), o Amor de Deus e a Compaixão como Totalidade, mas também o véu de Maya, tecendo a ilusão necessária que serve o caminho, a morte e a revelação. No entanto, a quadratura de Neptuno aos luminares aponta para a dificuldade radical de conciliar a polaridade, de fazer nascer o Amor entre os opostos. A ponte entre Gémeos e Peixes é, de um ponto de vista hermético, o caminho iniciático da Palavra à Solidão, conduzindo pelo trilho agreste a voz da multidão até ao silêncio divino.

            O novilúnio de Maio tem, neste tempos difíceis, de guerra, de propaganda, de ilusão e enganos, de falsos ideais, de juízo fácil, um enorme potencial, pois possibilita a beleza da palavra que recua, da palavra pensada, mas também da voz no deserto, do sermão aos peixes. A exigência do pensar, mesmo quando tudo o que se vê é ignorância, carrega consigo o verbo da salvação.