Mostrar mensagens com a etiqueta Ingresso. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Ingresso. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Reflexões Astrológicas 2025: Júpiter em Caranguejo

Reflexões Astrológicas

Ingressos



Júpiter em Caranguejo

Lisboa, 22h02min, 09/06/2025

 

Júpiter

Decanato: Vénus

Termos: Marte

Monomoiria: Lua    

 

 

   O ingresso de Júpiter em Caranguejo ocorre, tal como acontecera em Gémeos, com Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VII, no Lugar do Poente (δύσις), no decanato de Vénus, nos termos de Marte e na monomoiria da Lua. O ingresso dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de uma hora após o pôr-do-sol. Júpiter encontra-se, desta forma, fora do seu próprio segmento (αἵρεσις) e abaixo do horizonte. O tema de Lisboa confirma a regência da Lua face ao segmento de luz, pois este é também o astro mais alto do tema, aquele que se encontra mais próximo do Ponto de Culminação. Neste tema, só a Lua e Marte se encontram acima do horizonte. À semelhança do tema do ingresso de Júpiter em Gémeos, o benéfico brilha sem ser visto e não revela à luz da noite a mudança de signo. Este posicionamento confere à acção de Júpiter um carácter de potencialidade ou de acção oculta, discreta.

   Júpiter, ao estar cerca de um ano em cada signo, apresenta um ciclo completo de cerca de doze anos, o que faz dele um marcador do tempo e uma expressão do próprio Zodíaco e do número doze como unidade temporal. As doze horas abstractas do dia e da noite servem também esta ideia. Deste modo, as doze horas de luz solar, os doze signos e os doze anos do ciclo Júpiter unem e encerram este sentido. Na verdade, os benéficos possuem ambos, em maior grau que os maléficos, esta expressão íntima e simbólica do tempo. O bem é uma condição natural ou essencial, enquanto o mal é uma condição acidental, ou seja, não determina a natureza primeira. A ignorância, como maior dos males, é exemplo desta condição, surgindo por acidente externo ou interno, por desconhecimento da sabedoria como finalidade natural. O tempo dos benéficos é natural. No caso de Júpiter, a cada ano, recebemos a dádiva da sua viagem por um templo zodiacal. Em 2025, será Caranguejo. Júpiter ingressa neste signo a 9 de Junho. A 11 de Novembro iniciará a sua retrogradação e a 19 de Março de 2026 retomará ao movimento directo, deixando Caranguejo a 30 de Junho do mesmo ano quando ingressar em Leão.      

   O Thema Mundi, com Caranguejo (Lua) a marcar a hora, faz deste lugar e desse signo o ventre do mundo, a matriz da realidade. É a partir desse lugar que o Sol emerge (Leão, a II). Passa-se da Vida (I) ao Viver (II) por intermédio do Divino Feminino. O Thema Mundi conserva, deste modo, uma herança espiritual profunda. Ao colocar Caranguejo na I, os lugares de Júpiter passam a ser aqueles com os quais os luminares se unem triangularmente, ou seja, Sagitário na V e Peixes na IX. A Boa Fortuna (V) e o Lugar de Deus (IX) são os templos de Júpiter e aqueles que recebem as bênçãos lunares e solares a partir do Leme da Natividade (I) e do Lugar do Viver (II). O deus mais velho e barbudo foi, na verdade, uma criança, filho de sua Mãe. Com Júpiter em Touro, vemos a criança e o jovem Zeus em Creta e a sua relação com a Grande Mãe, com Reia, mas com Júpiter em Caranguejo assistimos ao deus que quer conhecer os mistérios do Divino Feminino e através dele chegar ao poder, passar à luz.

   Hesíodo, na Teogonia, descreve que, antes de casar com Hera, Zeus teve outras esposas (886 e ss.). A primeira foi Métis, a mais sábia entre deuses e mortais. Face a um oráculo que previa que o filho de ambos o destronaria, Zeus ludibria Métis e leva-a a transformar-se numa gota de água que depois engole. Ora Métis estava grávida e assim da cabeça de Zeus nasce já armada Atena, a deusa sem mãe. Depois desta união, Zeus vai ter como esposas sucessivas: Témis, Eurínome, Deméter, Mnemósine, Leto e, por fim, Hera. É através destas deusas e de outras uniões que Zeus reforça os seus poderes e é daí que se pode concluir que a ascensão de Zeus é matrilinear. O deus derruba o pai, mas é através da mãe, da Grande Deusa, nas suas várias formas, que assume o poder. Na mitologia egípcia, Hórus reina no Egipto por subir ao trono de seu pai, Osíris, e esse trono é Ísis, a sua mãe. O hieróglifo que representa a deusa é um trono. A astrologia mitológica pode, deste modo, conciliar a astrologia e a mitologia e confirmar, neste ponto, a representação astrológica que coloca Júpiter a exaltar-se no grau 15 de Caranguejo.  

   É preciso, no entanto, reforçar que a ascensão de Zeus/Júpiter marca também a hegemonia do patriarcalismo. Os mitógrafos vão transformar a proeminência do feminino na ascensão de Zeus/Júpiter num certo marialvismo mitológico que procura impor uma visão androcêntrica e patriarcal. Naturalmente, esta hegemonia conduziu a uma corrupção do Divino Feminino e a dessacralização da Grande Mãe. Se pensarmos no exemplo de Hera, isto é particularmente evidente. A corrupção de Hera fez com que se passasse de uma deusa-mãe, com um culto enraizado e mais antigo que o de Zeus, para uma esposa ciumenta e vingativa. Existem, todavia, dois elementos mitológicos de Hera que definem a sua proeminência: o hieros gamos, ou seja, o casamento sagrado e o nascimento divino.

   O casamento sagrado, não a celebração dos deuses, terá ocorrido em Creta segundo Diodoro Sículo (Biblioteca da História 5.72.4).Lembro-nos que Caranguejo é o signo feminino que se segue a Touro, podendo-se ver aqui uma continuidade astro-mitológica. Calímaco diz-nos que Zeus, referindo-se ao mistério nupcial, amou Hera apaixonadamente durante trezentos anos (Aetia fragm. 2.3). Para além da lubricidade do deus, podemos encontrar aqui a importância do hieros gamos como união harmoniosa do feminino e do masculino. É o derradeiro mistério da realidade. Na verdade, no hieros gamos, é o feminino que consagra o masculino. De uma outra forma, Aristófanes louva o aspecto de donzela de Hera, do primeiro aspecto da deusa tríplice (Aves 1720 e ss.). Hera é uma virgem-mãe, uma deusa que renova a virgindade num ritual que pode ser encontrado em Samos e na Argólida. Neste ponto, o cristianismo não inventou nada. Ora todos estes aspectos mitológicos e astro-mitológicos definem a passagem de Júpiter pelo signo de Caranguejo e a sua exaltação neste lugar.

   Marco Aurélio diz-nos, nos seus Pensamentos, que “Todas as coisas se encadeiam entre si e a sua conexão é sagrada” (VII, 9 trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995). Temos de procurar os sentidos que se escondem e por entre os fragmentos da realidade encontrar uma unidade. A união da astrologia à mitologia encerra, à semelhança da união da astrologia à filosofia, um potencial imenso. A consonância entre a astrologia e a psicologia ou com outras áreas científicas já trilhou muitos caminhos, mas com a mitologia e com a filosofia ainda existe muito para fazer. Júpiter e Saturno trazem em si a gravidade moral dos conceitos planetários. Já observámos anteriormente, a correspondência de Júpiter e Saturno com o poder e o dever, ora a estes podemos acrescentar a justiça e a necessidade e a forma como estes dois conceitos se conjugam numa única unidade de sentido. O mito de Er, na República de Platão, é um excelente exemplo desta conjugação (614b-621d).

   O destino guarda aquilo que é nosso por justiça e necessidade e estas são atribuições de Júpiter e Saturno. Não existe um determinismo externo, existe uma responsabilidade e uma finalidade individual. A passagem de Júpiter por Caranguejo vai conciliar o conceito de justiça com o de origem, daí que Marco Aurélio diga que “Tudo o que te acontece estava-te destinado desde a origem como devendo inserir-se no conjunto e tecer a trama dos teus dias” (IV, 2). Existe uma justiça na origem que se confirma na continuidade da vida ao longo das sucessivas reencarnações. Porém, Júpiter vai dar à expressão da origem um valor de finalidade, um impulso de realização ou progresso. Ora Séneca afirma o seguinte: “Uma coisa ainda incompleta está necessariamente sujeita a oscilar, a progredir, a recuar ou mesmo a ruir. E ruirá certamente, se não houver vontade e esforço em andar para a freme! Se abrandamos um pouco que seja a aplicação e o esforço constante, andaremos certamente para trás. E ninguém conseguirá retomar o progresso no mesmo ponto em que o interrompeu! Só há uma solução, portanto: ser firme e avançar sem descanso. O caminho que resta percorrer é mais longo que o já percorrido, mas grande parte do progresso consiste na vontade de progredir.” (Ep.71.35-6; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian).

   Júpiter em Caranguejo vai, desta forma, dar um impulso de progresso a uma realidade enraizada na origem. As linhas tecidas pelas Meras vêem reforçado o carácter teleológico dos desígnios que unem no destino justiça e necessidade. Sobressai assim na matriz da Providência a derradeira finalidade. Este aspecto vai pedir, em termos individuais, que a exigência das raízes seja também o valor do fruto. Temos de saber de onde vimos para saber para onde vamos. A tradição ganha também uma nova importância, não num sentido de um conservadorismo obsoleto, mas sim no sentido de história íntima, de permanência de valor, de herança colectiva. Caranguejo fixa esse lugar de memória e Júpiter confere-lhe o valor de bem.  É preciso, no entanto, incluir nestas considerações o ingresso recente de Saturno em Carneiro.

   Nesta posição, Júpiter e Saturno vão passar a olhar-se quadrangularmente, ou seja, o sentido desse olhar e das suas posições adquire um valor de tensão estruturante. É o peso, a gravidade, de um processo de construção da realidade. Quando Saturno regressar a Peixes e depois, quando Júpiter passar para Leão, esse olhar será triangular e, nesses momentos, o valor do destino sobre a realidade humana tornar-se-á mais expressivo. A concórdia entre Júpiter e Saturno confere sempre um valor de criação de realidade, de construção. O espaço e o tempo envolvem na sua harmonia. No entanto, no tema do ingresso, por estarem fora do seu segmento de luz, o poder benéfico de Júpiter está diminuído e o poder maléfico de Saturno está aumentado, daí que a acção do bem prefira um labor de bastidores, um trabalhar sem ser visto.

   Se, por um lado, a acção de Saturno em Carneiro pode brutalizar e embrutecer a realidade, e os exemplos estão por aí, por outro lado, Júpiter em Caranguejo em conjunção a Mercúrio vão permitir que a dádiva da origem, do âmago de quem verdadeiramente somos e de quem podemos vir a ser, continue o seu caminho. Mercúrio, como Estrela da Tarde, adquire um carácter feminino, reforçando assim o lado lunar do lugar que ocupa. Nesta posição, é a palavra que cuida, o discurso que protege e conforta e, por estar em co-presença a Júpiter, torna-se um bem e um promotor de justiça. Os tempos sombrios que vivemos defendem o oposto. Tudo se move pela palavra que fere e que divide. O verbo cuidar está ausente. Entre os humanos, o amor incondicional que em Caranguejo é uma expressão da Grande Mãe é quase inexistente. Neste ingresso, os luminares estão num eixo masculino, o que une Gémeos a Sagitário, e o Sol afunda-se na sua morte, na sua ocultação. É a Lua em Sagitário que espalha a sua luz. A sabedoria do centauro torna-o o seu guerreiro, aquele que lutara para a proteger. Porém, os guerreiros da sabedoria sabem que estão inferioridade numérica e que terão de escolher muito bem as suas batalhas. A união de Mercúrio e Júpiter em Caranguejo vai pedir que se defendam os Filhos da Mulher, os Filhos de Divino Feminino, pois são todos filhos da sua mãe celeste, da Lua.

   Quando vemos defender como humanos, e bem, os ucranianos e vemos colocados como outros os palestinianos, secundarizando o seu sofrimento e relativizando os actos agressores, está-se a fazer o oposto da mensagem proposta por este ingresso. Dividir os humanos é impedir a existência de uma humanidade. A união de Saturno e Neptuno em Carneiro, confundindo na acção forças que condensam e dispersam, fomenta através dos extremismos a desumanização, a anulação da identidade. A ideia de povo escolhido e terra eleita é perversa, pois anula a dignidade humana do outro, daquele que não pertence, que é diferente, que vive numa terra que alguns julgam ser sua. A quadratura entre Úrano em Touro e Plutão em Aquário vai também reforçar os perigos dos nacionalismos e da xenofobia. Neste caso, a difusão de mensagens de ódio, assente nesta visão disruptiva da pertença ou não de um outro que é como nós e de um outro que é radicalmente o outro, traz necessariamente a morte do humano.

   Como sempre, quando o mal avança, o bem cerra fileiras e resiste, provando que existem forças benévolas. A conjunção de Vénus a Úrano em Touro, unindo-se depois hexagonalmente a Júpiter e Mercúrio em Caranguejo, traz consigo uma bênção, uma que culmina no verbo nutrir. Este é o bem que cuida, que conforta e que protege. Porém, existe nesta união de raios um parceiro fragilizado. Úrano, a fazer o caminho de despedida do signo de Touro, encontra-se nos termos de Marte e no decanato de Saturno. A proposta de revolução da terra está-se a perder. Os discursos bélicos e as propostas de corrida a armamento, tornando um inimigo específico num medo universal, secundarizaram o discurso ecologista e a defesa do planeta. As alterações climáticas e as agressões à Terra deixaram de ser, se é que alguma vez o foram, uma prioridade. O avanço dos transaturninos para signos masculinos também não irá favorecer o discurso de defesa da Mãe-Terra.

   Júpiter em Caranguejo apresenta uma proposta própria de sentido. Ora, com uma forte tendência planetária masculina, esta passagem de Júpiter por Caranguejo será tendencialmente dissonante. É um oásis no deserto, uma floresta entre o betão. Já observámos que em relação a Saturno existirá um período em que relação será harmoniosa, quando este regressar a Peixes. No entanto, no que concerne aos transaturninos, a relação com Júpiter em Caranguejo será tendencialmente tensa ou, no mínimo, adversa. A única excepção é Úrano em Touro, com quem se une em sextil, mas só até 7 de Julho, quando ingressar em Gémeos e passar a uma condição de aversão, regressará, todavia, devido à retrogradação, a Touro a 8 de Novembro. Com Neptuno em Carneiro, existe uma união quadrangular de raios e com Plutão em Aquário, outra condição de aversão. Conclui-se, deste modo, que este carácter relacional do actual trânsito de Júpiter por Caranguejo terá uma certa unicidade electiva.   

   No ingresso de Júpiter em Caranguejo, devemos destacar ainda a relação deste com o corpo do Dragão da Lua. Júpiter em Caranguejo une-se triangularmente à Caput Draconis em Peixes, unindo-se consequentemente por sextil à Cauda Draconis em Virgem. Ora, sabendo-se que o Dragão é a ponte, a passagem da Providência ente o destino e a necessidade, esta conexão com Júpiter em Caranguejo torna-se particularmente significativa. Se a maioria das configurações se apresenta visceralmente masculina, esta vem reforçar, como já observarmos, a presença do Divino Feminino e do seu grande propósito na evolução da humanidade.

   O trígono entre Júpiter em Caranguejo e a Caput Draconis em Peixes traz-nos a possibilidade de integrar a necessidade, a sua visão de totalidade, no bem que surgiu na origem do mundo, na justiça divina como forma de educação. Contudo, os luminares olham quadrangularmente para o Dragão da Lua e, embora não no grau exacto do ângulo recto, estabelecem uma posição que, segundo os autores antigos, é considerada particularmente maléfica. A proposta de sentido que une Júpiter ao Dragão da Lua conserva uma luz rara, uma que terá dificuldade em iluminar o mundo. Existe uma rejeição humana dessa proposta e só alguns, infelizmente poucos, vão acolher essa expressão.

   Marte, caindo no horizonte, prepara-se para a despedida do signo de Leão, pois ingressará em Virgem a 17 de Junho. O maléfico deixará assim de olhar quadrangularmente para Saturno e diametralmente para Plutão. Estes dois aspectos têm sido particularmente nefastos. No entanto, ao ingressar em Virgem, vai trazer o mal à proposta do Divino Feminino e de Júpiter em Caranguejo. Porém, por Marte pertencer ao segmento da Lua e por passar a formar um sextil a Júpiter, o mal será colocado como opção de carácter e acção e, também por Marte passar a estar em co-presença com a Cauda Draconis, seguir-se-á a herança heraclitiana de que o carácter será o nosso destino, ou seja, nós não mudamos os acontecimentos, mas mudamos a nossa reacção aos acontecimentos e isso define o nosso carácter.

   Em suma, Júpiter em Caranguejo marcará um período em que a proposta de sentido que une a origem à finalidade, ao progresso, será mais expressiva. Contudo, a via do progresso será aquela nutre e cuida. Esse será o bem. Essa será a justiça. É um tempo da Grande Mãe, do Divino Feminino, e quem procurar, encontrará.  

sábado, 24 de maio de 2025

Reflexões Astrológicas 2025: Saturno em Carneiro

 Reflexões Astrológicas

Ingressos



Saturno em Carneiro

Lisboa, 04h36min, 25/05/2025

 

Saturno

Decanato: Marte

Termos: Júpiter

Monomoiria: Marte    

 


   O primeiro ingresso de Saturno em Carneiro ocorre com o próprio Carneiro a marcar a hora (hora de Lisboa) e, deste modo, na I, no Leme (οἴαξ) do tema, no decanato de Marte, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. O ingresso dá-se assim acima do horizonte, com Saturno em pós-ascensão, e cerca de uma hora e trinta minutos antes do nascer-do-sol. Saturno encontra-se, deste modo, desfavorecido por estar no segmento de luz da Lua (αἵρεσις) e acima do horizonte.

   Se considerarmos a ordem vernal, percebemos logo a importância deste ingresso, pois inicia-se aqui um novo ciclo de cerca de vinte e nove anos e meio. Já se distribuirmos as posições planetárias de acordo com o Thema Mundi, Saturno fixará então o seu ingresso na X, no lugar da Práxis (πράξις), logo definir-se-á como particularmente activa a influência deste planeta no signo de Carneiro, um signo que, por ser o domicílio de Marte e a exaltação do Sol, já encerra esta significação.

   Pelas razões já abordadas na reflexão acerca do ano astrológico de 2025, Saturno terá uma influência bastante expressiva ao longo do ano. Desta forma, devemos sistematizar as efemérides de Saturno ao longo dos próximos tempos. O primeiro ingresso de Saturno em Carneiro ocorre de 25 de Maio a 1 Setembro. Nesta última data, Saturno voltará a Peixes, onde ficará até 14 de Fevereiro de 2026. O segundo ingresso em Carneiro será até ao fim da sua passagem por este signo, ou seja, de 14 de Fevereiro de 2026 a 13 de Abril de 2028, quando ingressará em Touro. Vão observar-se também três períodos de retrogradação: o primeiro, de 13 de Julho a 28 de Dezembro de 2025; o segundo, de 26 de Julho a 10 de Dezembro de 2026; e o terceiro e último, de 9 de Agosto de 24 de Dezembro de 2027. Pela sua duração, o primeiro ingresso vai ter o sentido de promotor de um valor primordial, mas também de integração da mensagem do ingresso anterior. Terá de existir, neste ano de 2025 e também no início de 2026, uma ponte de significação entre os sentidos de Saturno em Peixes e os de Saturno em Carneiro.

   Por outro lado, a observação das dignidades permite uma consideração radical do valor desta passagem. Em Peixes, Saturno ocupa o domicílio de Júpiter e a exaltação de Vénus, encontra-se portanto no lugar dos benéficos. Em Carneiro, vai ocupar o domicílio de Marte e a exaltação do Sol. A união dos maléficos tende a ser sempre nociva, sobretudo se pensarmos que um pertence ao segmento de luz do Sol (Saturno) e o outro, ao da Lua (Marte). Já quando se dá a união dos benéficos a complementaridade Sol-Lua torna-se um sinal de dádiva, de harmonia dos opostos. O facto dos primeiros termos de Carneiro pertencerem a Júpiter é também aqui significativo, sobretudo pela análise do ingresso de Júpiter em Caranguejo. Em síntese, com o ingresso de Saturno em Carneiro, devemos observar com maior atenção, tendo em conta as dignidades essenciais, as suas relações com Marte (domicílio, primeiro decanato e primeira monomoiria), com o Sol (exaltação, sobretudo quando chegar ao grau 19) e com Júpiter (primeiros termos).

   No caso do Sol, este encontra-se em Gémeos aquando do ingresso de Saturno em Carneiro, unindo-se assim hexagonalmente aos seus raios. Depois, convém atentar-se ao seu grau de exaltação, tanto quando Saturno chegar a ele como quando for a vez do Sol. No entanto, é entre Marte e Júpiter que se deve fixar mais atentamente um olhar crítico. Ora Marte encontra-se em Leão, olhando triangularmente para Saturno em Carneiro. Porém, lembrando a lição de Petosíris acerca dos trígonos e das quadraturas, um trígono entre os maléficos continua a encerrar um carácter maligno. A força primária sobre o poder (Marte em Leão) une-se à acção retributiva (Saturno em Carneiro). Se pensarmos nos actuais ímpetos de militarização da sociedade, alimentando as indústrias da guerra, e a acção belicosa e desgovernada de muitos líderes, este aspecto pode agudizar essas pulsões. Já Júpiter encontra-se em Gémeos, olhando hexagonalmente tanto para Marte como para Saturno e fomentando alguns esforços isolados de moderação e diálogo, todavia, será só por alguns dias.

   A 9 de Junho, Júpiter ingressará em Caranguejo e aí formará uma quadratura a Saturno. Por se fixar então a angularidade em signos cardinais, este aspecto vai tornar a relação entre Júpiter e Saturno ainda mais estrutural. Os movimentos nacionalistas e xenófobos vão formar uma maior tensão face às migrações voluntárias e involuntárias e face a um mundo global que querem negar. Júpiter em Caranguejo vai mostrar que paralelemente à pátria existe uma mátria por cumprir. A mátria acolhe todos, pois é uma expressão da Mãe-Terra, da Grande Mãe. Já a pátria constrói-se na vontade de poder que pode ser sempre corrompida. No entanto, quando Saturno regressar a Peixes, formará um trígono a Júpiter em Caranguejo. Este será um momento em que a esperança na humanidade poderá ganhar um novo fôlego, um que alimente os combates futuros. A conjunção dos benéficos, Vénus e Júpiter, em Caranguejo, a 12 de Agosto, será o momento mais elevado dessa expressão. O Divino Feminino concederá a bênção da origem, da Grande Mãe, a quem a reconheça como derradeira esperança da humanidade. A barca de Ísis cruzará de novo o firmamento.

   De um outro modo, a relação de Saturno em Carneiro com os transaturninos também merece alguma distinção. Dos três planetas, será Neptuno aquele que exercerá uma maior influência. A conjunção de Saturno e Neptuno em Carneiro marcará os próximos meses e anos. Esta tende a ser uma co-presença que irá favorecer a confusão das coisas que define o nosso tempo. Saturno cristaliza e Neptuno dispersa são movimentos contrários. Um cria montanhas, o outro, oceanos. Em termos mundanos, esta conjunção vai favorecer o crescimento da extrema-direita, da intolerância, da xenofobia e do racismo, da misoginia e das ilusões que favorecem a guerra e o belicismo. Nesta união, não se encontrará qualquer esforço de harmonia e paz. A mensagem de que serão as armas a nossa salvação continuará a prevalecer e para isso é necessário encontrar inimigos em todo o lado. A ideia de inimigo comum serve sempre de impulsionador de totalitarismos.

   A relação de Saturno com Úrano só acontecerá quando este ingressar em Gémeos, formando assim uma troca hexagonal de raios. Esta ligação favorecerá uma transformação das estruturas e organizações através da tecnologia e da inovação. No entanto, por ser um sextil, os resultados transportam consigo a ambivalência da natureza humana. A inteligência artificial pode ser utilizada como meio de transformar o acesso à informação ou pode corrompê-la, manipulando-a e esvaziando a sua profundidade. A inteligência torna-se um meio e não uma finalidade. De um outro modo, mas complementarmente, o sextil de Saturno (e Neptuno) em Carneiro a Plutão em Aquário vai tentar equilibrar a ponte de sentido entre um dever de acção e a morte no humano. O narcisismo colectivo dos nossos dias tende a esquecer o memento mori dos estóicos, a sabedoria de que sabermos que vamos morrer. Essa é uma fragilidade poderosa.

   Depois de analisadas as principais relações, devemos explorar a natureza deste ingresso e o que leva consigo o planeta ao lugar, sim porque é o planeta que faz o lugar e não contrário. Existe, por vezes, numa certa astrologia contemporânea, a ditadura do signo sobre o planeta. Os deuses de passagem são os planetas e os lugares (signos) são apenas as suas casas ou templos. Saturno, para além da conhecida regência sobre o tempo e a necessidade, traz consigo o sentido de dever que é o outro lado do poder, expresso por Júpiter. Ora o dever é, de uma perspectiva estóica, uma forma de aprendizagem. A filosofia estóica define ἄσκησις como um exercício, um treino ou uma prática que conduz à virtude, à excelência. Neste sentido, é também um modo de vida, uma ascese. Saturno traz esta aprendizagem como dever que se expressa no lugar, no signo de Carneiro, como acção, como prática, ou seja, como uma práxis. Para o estoicismo, esta prática pode ser alcançada com os exercícios espirituais.  

   Séneca oferece-nos este exemplo de exercício espiritual: “Tenho, aliás, tanta vontade de pôr à prova a tua firmeza de alma que, com base nos preceitos de filósofos ilustres, forjaria este outro preceito destinado à tua pessoa: fixa alguns dias intercalados nos quais mates a fome com alimentos exíguos e vulgares, e te vistas com roupa o mais possível grosseira, de modo a comentares para ti próprio: ‘era então disto que eu tinha medo’. A alma deve preparar-se para as dificuldades durante os períodos de tranquilidade, deve-se fortalecer contra as injúrias da fortuna nos períodos em que ela nos sorri.” E continua, dizendo: “Se não queres que um homem entre em pânico perante uma situação concreta, treina-o antes que tal situação ocorra. Este princípio foi posto em prática por aqueles que todos os meses imitavam uma situação de pobreza a tal ponto que atingiram quase a miséria extrema, na intenção de nunca terem de recear o que de uma vez por todas aprendessem a suportar.” (Ep.18.5-6; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian).

   Outro exercício espiritual é a autoconsciência do erro, expresso do seguinte modo: “Certos indivíduos há que se gabam dos seus vícios: como imaginar que pode pensar em curar-se gente que torna os próprios defeitos como virtudes? Por isso mesmo, tanto quanto possas, acusa-te, move processos a ti mesmo. Começa por fazeres ante ti próprio o papel de acusador, depois o de juiz, depois o de advogado de defesa; e uma vez por outra aplica uma pena a ti mesmo!” (Ep.28.10; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). Os exercícios espirituais servem o sentido saturnino de dever. No entanto, é preciso não esquecer que este dever não é para com o exterior é um dever para consigo mesmo.

   A acção proposta pelo signo de Carneiro nasce da sua própria significação de unidade enquanto parte do eixo de identidade (Carneiro-Balança) e, desta forma, confere a Saturno este dever para si consigo mesmo, para uma reflexão proactiva da ponte que é a identidade, ou seja, de uma que se estende entre a unidade e a dualidade. Os exercícios espirituais de premeditação da adversidade e de autoconsciência do erro são exemplos da proposta de ἄσκησις de Saturno em Carneiro.

   Na perspectiva da astrologia mitológica, poder-se-ia dizer que o mito da Titanomaquia é o que melhor define o ingresso de Saturno em Carneiro. Deve-se considerar, de início, o mito que coloca primeiramente como soberanos do céu e da terra Eurínome e Ofião. O poder passaria depois para Cronos (Saturno) e Reia e, por fim, para Zeus (Júpiter) e Hera. Encontramos, por exemplo, este mito já na fase helenística na Alexandra de Licofrão de Cálcis (1191 e ss.). De uma era matriarcal, onde reinaria Eurínome, a Grande Deusa dos pelasgos, e o seu consorte Ofião, uma grande serpente por si criada, seguir-se-ia uma era de transição, com Cronos (Saturno) e Reia e, por fim, a imposição do poder patriarcal, com Zeus (Júpiter) e Hera.

   Cronos/Saturno é um soberano de transição, porque nos seus mitos existe ainda uma prevalência de divindades femininas. O deus chega ao poder com a ajuda da mãe Gaia e de esposa Reia, duas Grandes Mães da era matriarcal. Tanto Cronos como Zeus sobem ao trono por via matrilinear, seja ela directa ou não. No entanto, é Zeus que impõe o poder patriarcal. Por vezes, isso acontece através de Atena e Apolo, tal como se pode ler na Oresteia de Ésquilo. De um ponto de vista astrológico, esta é uma das razões que justifica que alguns autores antigos tenham considerado Saturno um planeta feminino (Figueiredo, R. M., 2024, “Saturno e o Feminino na Astrologia Antiga” in Fragmentos Astrológicos, 2ª ed. revista e aumentada, 163-77. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo).

   Este prelúdio mitológico coloca em contexto a Titanomaquia, ou seja, a luta entre os deuses antigos, os titãs, e os deuses olímpicos. Cronos liderava os primeiros e Zeus, os segundos. Convém assinalar-se que os titãs são deuses elementais e os deuses olímpicos são deuses ideais, ou seja, com o tempo tornaram-se sobretudo ideias ou conceitos. Existe portanto uma racionalização conceptual dos poderes divinos, uma que passa progressivamente a derivar apenas de uma divindade central, Zeus/Júpiter. Na obra de Ésquilo Prometeu Agrilhoado, o próprio Prometeu descreve esta oposição divina dizendo que os deuses começaram a encolerizar-se e gerou-se uma contenda entre os apoiantes de Cronos/Saturno e os apoiantes de Zeus/Júpiter (197-229). No entanto, convém assinalar-se que Zeus é apoiado pela avó Gaia e pela mãe Reia, ou seja, a Grande Mãe, o Divino Feminino, continua a ser o poder por detrás do poder, aquele gera os novos reis.  

   Com a derrota dos titãs, estes, e em especial Cronos, são atirados para o Tártaro, o lugar mais profundo do submundo. Foi lá que Cronos permaneceu acorrentado até que, segundo alguns mitógrafos, é perdoado e passa a reinar na Ilha dos Bem Aventurados. Este último mito tem uma forte relação com a passagem de Saturno pelo signo de Peixes, ou seja, existe um sentido de viagem, da guerra à redenção, de Carneiro a Peixes. A derrota dos titãs conduz também a uma diminuição do valor dos poderes elementais, da natureza. O mundo da pólis vence o mundo natural. A religiosidade helénica é profundamente marcada por esta significação: a vitória da civilização sobre a natureza. Hoje o nosso olhar é diferente e procuramos, em alguns movimentos espirituais, o regresso de divindades elementais e da natureza enquanto expressão do divino ou sendo ela mesma a divindade.

   No tema do ingresso de Saturno em Carneiro, podemos encontrar alguns dos elementos mitológicos da Titanomaquia. Os três irmãos que dividiram o poder depois de o tomarem do pai posicionam-se agora astrologicamente: Hades/Plutão que reina no submundo encontra-se junto ao Ponto de Culminação, sendo este o astro mais alto do tema; Zeus/Júpiter encontra-se junto do Ponto sob a Terra, o abismo do tema; e Posídon/Neptuno encontra-se a marcar a hora, subindo no horizonte após a ascensão e junto ao seu pai, Cronos/Saturno. Existe pois uma via ascendente que se estende de Júpiter até Plutão e se expressa com maior intensidade em Touro e Carneiro, devido a uma maior presença planetária. 

   De um ponto de vista simbólico é revelante o facto de Zeus/Júpiter se encontrar ainda no ventre de sua mãe, ou seja, sob a terra. Plutão a culminar lembra a canção de Zeca Afonso “A Morte saiu à Rua” que logo no início diz o seguinte: “A morte saiu à rua num dia assim / Naquele lugar sem nome pra qualquer fim”. A morte à vista de todos lembra tanto o memento mori, a certeza de que vamos morrer, como derradeira expressão da perfídia humana. No caso da canção de Zeca Afonso, temos o assassinato pelas mãos da PIDE, da polícia política da ditadura do Estado Novo. Existe um aviso que nos diz que, se o deixarmos, o mal encontra caminho. Em certa medida é como o paradoxo da tolerância descrito por Popper: a tolerância para com o intolerante pode levar a perda da própria tolerância. Saturno em Carneiro é, como já se observou, um dever de acção que coloca diante de nós a responsabilidade e a retribuição.                 

   O ingresso de Saturno em Carneiro traz consigo um tempo de desafios. Se em Peixes existia um dever interior de aceitar, de comungar, com o destino, com as leis do tempo e da necessidade, abraçando-se assim a totalidade, agora em Carneiro, esse desafio fixa-se na própria acção. Nos tempos que vivemos, nestes tempos sombrios, Saturno em Carneiro diz-nos que não podemos ser neutros. Temos hoje um dever de acção, uma responsabilidade, ou seja, o dever que transformar o interior terá de se espelhar no exterior. Em última análise, ao nos transformarmos, transformamos o mundo.   

sábado, 25 de maio de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Júpiter em Gémeos

  Reflexões Astrológicas


Ingressos


Júpiter em Gémeos

Lisboa, 00h15min, 26/05/2024

 

Júpiter

Decanato: Júpiter

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Mercúrio    

 

   O ingresso de Júpiter em Gémeos ocorre com Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, no Lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato de Júpiter, nos termos e na monomoiria de Mercúrio. O ingresso dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de três horas e vinte minutos após o pôr-do-sol. Júpiter encontra-se, desta forma, desfavorecido por não estar no seu próprio segmento (αἵρεσις) e por estar abaixo do horizonte. Nesta posição e neste lugar, Júpiter brilha sem ser visto, não revela à luz da noite a mudança de signo, mas ela ocorre, encerrada porém na expressão negativa da Fortuna. A passagem para um signo masculino potencia, todavia, algumas das característica jupiterianas.

   De Touro para Gémeos, Júpiter vai mudar o valor da sua expressão. Em Touro, Júpiter é o jovem Zeus sob a protecção da Grande Mãe, de Reia (Touro), mas, em Gémeos, Castor e Pólux são os “rapazes de Zeus”, pois Διόσκοροι (Dióscoros) tem esta raiz etimológica, alguns dizem até “filhos de Zeus”, quando, na verdade, só Pólux é que era filho de Zeus. A tradição astro-mitológica adverte-nos disso, afirmando que, mais do que o trabalho de Hércules, “O mito que, porém, melhor descreve o signo de Gémeos é o dos Dióscoros (Castor e Pólux). Nasceram de Zeus e Leda e são irmãos de Helena e Clitemnestra. Porém, Leda era casada com o rei da Lacedemónia, Tíndaro. Na noite em que Zeus se uniu a Leda, sob a forma de Cisne, ela uniu-se também ao marido. Destas uniões, nasceram dois pares de gémeos ou dois ovos: de Zeus, Pólux e Helena e, de Tíndaro, Castor e Clitemnestra.” (Figueiredo, R. M. de, 2024 (2021), Fragmentos Astrológicos: 2ª edição, revista e aumentada, 141-2. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo).

   No entanto, a razão da dualidade geminiana não se constrói apenas a partir destes nascimentos duais entre o humano e o divino. Numa peleja, após a morte de Castor, Pólux vinga o irmão, matando o seu oponente, mas o irmão deste ataca-o com uma pedra. Zeus, no entanto, intervém, fulminando-o com o seu raio. Como Pólux rejeita a sua imortalidade enquanto o irmão, Castor, jaz com a alma vagueando no submundo, Zeus permite que os irmãos usufruam da imortalidade em dias alternados (cf. Ps. Apolodoro, Biblioteca, III, 136-7). A existência dos gémeos Castor e Pólux fixar-se-ia então entre o reino de Zeus (Júpiter) e o reino de Hades (Plutão). Lembremo-nos da relação astrológica de Gémeos com os domicílios de Júpiter, Sagitário (oposição/diâmetro) e Peixes (quadratura), mas também com Plutão, Escorpião (150º). Os antigos descreveriam esta relação de aspecto como débil e passiva. Ora a herança astro-mitológica reforça estas influências sobre o signo de Gémeos, dizendo que Poseídon (Neptuno) recompensou Castor e Pólux com cavalos e o poder de auxílio sobre náufragos (Ps.Higino, Astronomica 2.22). É estabelecida aqui uma outra relação com o signo de Peixes, particularmente pertinente face à actual presença de Saturno neste signo.

   A relação Júpiter-Saturno é, depois da dos luminares, a mais estruturante de todas as relações astrológicas. Quando Júpiter estava em Touro e Saturno em Peixes, existia uma harmonia (sextil Terra-Água) entre os senhores do espaço e do tempo, mas com a passagem de Júpiter para Gémeos passará a existir uma tensão (quadratura Ar-Água). Entre o elemento estruturante masculino (Ar) e o elemento dinâmico feminino (Água), criam-se necessariamente elementos de discórdia. No entanto, existem duas interpretações a ter aqui em consideração: a primeira é a Necessidade, isto é, existe um sentido último em cada relação, uma razão de ser; e a segunda é que a discórdia é a outra face da harmonia, lembremo-nos, por exemplo, dos textos filosóficos de Heraclito ou Empédocles. De uma perspectiva mundana, mas também genetlíaca, esta relação entre Júpiter e Saturno conduz-nos assim a outros desafios.

   Séneca, no De Constantia Sapientis, diz-nos o seguinte: Afirmo, pois, que o sábio não está sujeito a nenhuma injúria; por isso, não importa que muitos dardos sejam arremessados contra ele, porque é impenetrável a todos.” (3.5, Séneca: Sobre a Providência Divina e Sobre a Firmeza do Homem Sábio, ed. R. da Cunha Lima, 79. São Paulo, 2000: Nova Alexandria). Estando Júpiter e Saturno em signos mutáveis, nos quais a dualidade é uma questão, um dos desafios passa por encontrar elementos de constância, de permanência, e a sabedoria é o primeiro de todos eles.  A dualidade geminiana constrói-se na alternância ambivalente entre o humano e o divino. Se pensarmos na regência domiciliar de Mercúrio, compreendemos que esta alternância procura criar um elo entre a ignorância humana e a sabedoria divina. Dos signos duais, Gémeos é único em que esta dicotomia permanece separada, neste caso sob o véu da alternância. Sagitário encerra num único ser o humano e o animal e Peixes, contrariamente à crença moderna e infundada de que os dois animais nadam em direcção oposta, conflui numa ideia de totalidade, pois, embora um seja boreal e o outro astral, estão unidas pela estrela Alpha Piscium ou Alrescha, já a mitologia coloca Afrodite e Cupido a fugirem juntos, lado a lado, de Tífon e coloca também da mesma forma os dois peixes que trouxeram Afrodite para a costa. A constelação de Gémeos tem uma disposição estelar semelhante, mas não converge numa única estrela.

   O ingresso de Júpiter em Gémeos acontece de 26 de Maio de 2024 a 9 de Junho de 2025. Nesse período, estará retrógrado de 9 de Outubro de 2024 a 4 de Fevereiro de 2025. Se observarmos as dignidades, concluímos que, nesta passagem, os efeitos benéficos serão maiores nos graus do primeiro decanato (1 a 10) e nos seus próprios termos (graus 7 a 12). No entanto, podemos dizer, face à adversidade domiciliar (detrimento) já anunciada, que Júpiter só encontrará o seu maior potencial (exaltação) quando ingressar em Caranguejo, até lá a relação com Mercúrio, sobretudo nos graus descritos, sairá reforçada. De um outro modo, é também relevante o facto de os dois benéficos se encontrarem conjuntos, com o Sol como parceiro. A união de Vénus e Júpiter congrega sempre um valor de bênção, de dádiva. É como se aquelas duas luzes brilhassem no céu como anúncio ou prenúncio do sentido primordial do bem, da beleza e da justiça, mas também da proposta transformadora que une amorosamente a sabedoria à fé.        

   Plutarco, na obra Da Educação das Crianças, descreve, do seguinte modo, aquilo que pode ser considerado um bem, nomeadamente o bem conferido por Júpiter em Gémeos e que concilia Júpiter e Mercúrio: “A boa estirpe é, seguramente, um bem, mas é um bem herdado dos progenitores; sem dúvida que a riqueza é preciosa, mas é um bem fruto do acaso, posto que, muitas vezes, se afasta dos que a têm e vai ao encontro daqueles que não a esperam; uma grande riqueza é um objectivo para aqueles que desejam alcançar as bolsas, os criados perversos e os sicofantas, e, o pior, encontra-se também entre os mais perversos. A glória é, seguramente, algo venerável, mas inconstante; a beleza é desejável, mas passageira; a saúde é preciosa, mas perecível; a força é invejável, mas diminui na doença e na velhice. Ou seja, se alguém se orgulha da força do corpo, logo que dá conta do engano compreende a força da inteligência. Pois, qual é o poder da força humana comparado com o dos outros animais? Como o dos elefantes, dos touros e dos leões? A formação é o único dos bens que temos que é imortal e divino. Na natureza humana, os dois bens mais importantes são a inteligência e o raciocínio. A inteligência comanda o raciocínio e o raciocínio está ao serviço da inteligência. O raciocínio, por sua vez, não se perturba com a sorte, não se pode tirar pela calúnia, é incorruptível na doença e não se injuria na velhice. Na verdade, apenas a inteligência, ao envelhecer, se rejuvenesce. O tempo, que tira todas as coisas, concede na velhice o conhecimento. A guerra, como uma torrente, arrasta toda a justiça e leva tudo à frente, só não pode destruir a formação.” (8, 5c-f, Plutarco: Obras Morais - Da Educação das Crianças, ed. J. Pinheiro, 44-5. Coimbra, 2008: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos).

   O valor do raciocínio e da inteligência, da educação e do conhecimento, descrito por Plutarco, resume o bem concedido por Júpiter em Gémeos e potenciado pela co-presença do Sol, de Júpiter e de Vénus neste signo. No Sonho de Cipião, Cícero designa Júpiter como “aquele fulgor próspero e salutar” (De re publica, VI, 17: prosperus et salutares ille fulgor). Aquando do ingresso, o Mercúrio não faz qualquer aspecto aos planetas no signo por ele regido. Este elemento interpretativo, a par da quadratura a Saturno e Neptuno em Peixes e do sextil à conjunção de Marte e da Caput Draconis em Carneiro, revela a dificuldade de fixar como bem, e como apela Júpiter em Gémeos, a premissa de Plutarco de que “A formação é o único dos bens que temos que é imortal e divino.” Esse é um potencial que pede efectivação. A incompletude do propósito, dessa via da inteligência, pode ser também compreendida pela astrologia. Mercúrio tem o seu domicílio em Gémeos e em Virgem, todavia, é em Virgem que encontra a sua exaltação. Um dos lugares de domicílio (Gémeos) e o de exaltação (Virgem), que é também domicílio, lançam entre si raios quadrangulares, o que só acontece com os maléficos (Marte, Carneiro e Caranguejo, e Saturno, Capricórnio e Balança). Virgem, por indicar uma deusa, mostra essa finalidade divina: a sabedoria. Já Gémeos traduz um caminho, um que é frequentemente rejeitado.

   No tema do ingresso de Júpiter de Gémeos, existem outros elementos a assinalar. O primeiro concerne ao facto de só a Lua é que está acima do horizonte. É uma deusa solitária, ascendendo a partir de um lugar débil. A Lua em Capricórnio oculta na noite escura a Cornucópia de Amalteia. A fortuna espera o momento oportuno e o forçar do momento é sempre sinal de infortúnio, daí que o ingresso ocorra no lugar da Má Fortuna (VI). Por outro lado, e reforçando a debilidade lunar, o corpo do Dragão da Lua afunda-se na realidade. A Caput em Carneiro encontra-se na IV e a Cauda em Balança na X. Cerca de dezoito horas após o ingresso, a Lua estará em quadratura exacta ao Dragão da Lua, o que, segundo os antigos, era sempre um sinal de desventura e adversidade. Ora o valor destas significações serve também para afirmar que, por vezes, pode existir ou persistir o engano de que Júpiter traz sempre a fortuna. Em certas situações, a dádiva é um valor oculto e esse dragão de luz e sombra traz consigo uma crise na identidade, na ponte entre a unidade e a dualidade.   

   O trígono entre Júpiter, Vénus e o Sol em Gémeos e Plutão em Aquário vem confirmar e adensar o sentido da ambivalência geminiana descrita na abordagem astro-mitológica. O eixo entre o humano e o divino que coloca os Dióscoros entre o Hades e o Olimpo, entre o Submundo e o Céu, possibilitando uma ponte da morte à eternidade, da corrupção à elevação. Não podemos esquecer, contudo, que é a Necessidade, o destino, que estabelece as linhas que tecem estes eixos. A quadratura dos planetas em Gémeos a Saturno e a Neptuno em Peixes trazem consigo o desafio da integração do destino e da compaixão nessa ambivalência radical. A chave-mestra para esse desafio pode ser encontrada no sextil entre Saturno e Neptuno em Peixes e Mercúrio e Úrano em Touro. Esta é uma chave encerrada dentro desse trígono de Júpiter e Plutão. A liberdade humana não altera o destino, permite, como afinidade electiva, a escolha do conhecimento e da senda da sabedoria. Ora este sextil oferece a possibilidade de se integrar na imensidão do tempo a restruturação do conhecimento.

   A anterior co-presença de Júpiter e Úrano em Touro e a actual de Mercúrio e Úrano, com Júpiter passando para o signo regido por Mercúrio, indica, entre muitas outras coisas, a revitalização do conhecimento astrológico. Este momento serviu de marco, de síntese, de uma revolução no conhecimento astrológico. Nos últimos anos, acentuando uma tendência das últimas décadas, a astrologia largou as amarras de um ciclo que se estendeu do final do século XIX até às últimas décadas do século XX. A predominância de uma astrologia dependente de movimentos espirituais, muito distante do conhecimento académico e frequentemente superficial, deu lugar a uma restruturação dos sistemas astrológicos, fundamentada sobretudo na história da astrologia e na astrologia tradicional, e deixando-se influenciar paralelamente pela psicologia e pela filosofia. A astrologia antiga ou helenística é quiçá o melhor exemplo deste novo ciclo. Com ela, temos modelos astrológicos recuperados e renovados, mas também a possibilidade de uma filosofia da astrologia. Este é um bom exemplo e um sinal dos tempos. São as centelhas de conhecimento que iluminam a escuridão da ignorância.

   O ingresso de Júpiter em Gémeos recupera como bem o raciocínio e a inteligência. Porém, por muito que a dádiva seja natural, ela pede uma disposição electiva. Temos de escolher para além dos bens mais fáceis, líquidos e passageiros e, entre o humano e o divino, a palavra e a comunicação podem tanto ascender à realidade celeste e supra-humana como espalhar-se por entre a ignorância, a desinformação e a mentira, próprias da humanidade e da sua desmedida. Como senhor do espaço, Júpiter em Gémeos expande a palavra, todavia, o valor da palavra, a finalidade do seu sentido, depende do humano. Em suma, Júpiter em Gémeos é uma proposta para se encontrar a dádiva do bem numa ambivalência radical entre o que nos eleva e o que nos afunda, entre o divino e o humano.