Reflexões Astrológicas
Ingressos
Júpiter em Caranguejo
Lisboa, 22h02min, 09/06/2025
Júpiter
Decanato: Vénus
Termos: Marte
Monomoiria: Lua
O
ingresso de Júpiter em Caranguejo ocorre, tal como acontecera em Gémeos, com Capricórnio
a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VII, no Lugar do Poente
(δύσις), no decanato de Vénus, nos termos de Marte e na monomoiria da Lua. O ingresso dá-se assim
abaixo do horizonte e cerca de uma hora após o pôr-do-sol. Júpiter encontra-se,
desta forma, fora do seu próprio segmento (αἵρεσις) e abaixo do horizonte. O tema de
Lisboa confirma a regência da Lua face ao segmento de luz, pois este é também o
astro mais alto do tema, aquele que se encontra mais próximo do Ponto de
Culminação. Neste tema, só a Lua e Marte se encontram acima do horizonte. À
semelhança do tema do ingresso de Júpiter em Gémeos, o benéfico brilha sem ser
visto e não revela à luz da noite a mudança de signo. Este posicionamento
confere à acção de Júpiter um carácter de potencialidade ou de acção oculta,
discreta.
Júpiter, ao estar cerca de um ano em cada signo,
apresenta um ciclo completo de cerca de doze anos, o que faz dele um marcador
do tempo e uma expressão do próprio Zodíaco e do número doze como unidade
temporal. As doze horas abstractas do dia e da noite servem também esta ideia. Deste
modo, as doze horas de luz solar, os doze signos e os doze anos do ciclo
Júpiter unem e encerram este sentido. Na verdade, os benéficos possuem ambos,
em maior grau que os maléficos, esta expressão íntima e simbólica do tempo. O
bem é uma condição natural ou essencial, enquanto o mal é uma condição
acidental, ou seja, não determina a natureza primeira. A ignorância, como maior
dos males, é exemplo desta condição, surgindo por acidente externo ou interno,
por desconhecimento da sabedoria como finalidade natural. O tempo dos benéficos
é natural. No caso de Júpiter, a cada ano, recebemos a dádiva da sua viagem por
um templo zodiacal. Em 2025, será Caranguejo. Júpiter ingressa neste signo a 9
de Junho. A 11 de Novembro iniciará a sua retrogradação e a 19 de Março de 2026
retomará ao movimento directo, deixando Caranguejo a 30 de Junho do mesmo ano
quando ingressar em Leão.
O Thema Mundi,
com Caranguejo (Lua) a marcar a hora, faz deste lugar e desse signo o ventre do
mundo, a matriz da realidade. É a partir desse lugar que o Sol emerge (Leão, a
II). Passa-se da Vida (I) ao Viver (II) por intermédio do Divino Feminino. O Thema Mundi conserva, deste modo, uma
herança espiritual profunda. Ao colocar Caranguejo na I, os lugares de Júpiter
passam a ser aqueles com os quais os luminares se unem triangularmente, ou
seja, Sagitário na V e Peixes na IX. A Boa Fortuna (V) e o Lugar de Deus (IX) são
os templos de Júpiter e aqueles que recebem as bênçãos lunares e solares a
partir do Leme da Natividade (I) e do Lugar do Viver (II). O deus mais velho e
barbudo foi, na verdade, uma criança, filho de sua Mãe. Com Júpiter em Touro,
vemos a criança e o jovem Zeus em Creta e a sua relação com a Grande Mãe, com
Reia, mas com Júpiter em Caranguejo assistimos ao deus que quer conhecer os
mistérios do Divino Feminino e através dele chegar ao poder, passar à luz.
Hesíodo, na Teogonia,
descreve que, antes de casar com Hera, Zeus teve outras esposas (886 e ss.). A primeira foi
Métis, a mais sábia entre deuses e mortais. Face a um oráculo que previa que o filho
de ambos o destronaria, Zeus ludibria Métis e leva-a a transformar-se numa gota
de água que depois engole. Ora Métis estava grávida e assim da cabeça de Zeus
nasce já armada Atena, a deusa sem mãe. Depois desta união, Zeus vai ter como
esposas sucessivas: Témis, Eurínome, Deméter, Mnemósine, Leto e, por fim, Hera.
É através destas deusas e de outras uniões que Zeus reforça os seus poderes e é
daí que se pode concluir que a ascensão de Zeus é matrilinear. O deus derruba o
pai, mas é através da mãe, da Grande Deusa, nas suas várias formas, que assume
o poder. Na mitologia egípcia, Hórus reina no Egipto por subir ao trono de seu
pai, Osíris, e esse trono é Ísis, a sua mãe. O hieróglifo que representa a
deusa é um trono. A astrologia mitológica pode, deste modo, conciliar a
astrologia e a mitologia e confirmar, neste ponto, a representação astrológica
que coloca Júpiter a exaltar-se no grau 15 de Caranguejo.
É preciso, no entanto, reforçar que a ascensão de
Zeus/Júpiter marca também a hegemonia do patriarcalismo. Os mitógrafos vão
transformar a proeminência do feminino na ascensão de Zeus/Júpiter num certo
marialvismo mitológico que procura impor uma visão androcêntrica e patriarcal.
Naturalmente, esta hegemonia conduziu a uma corrupção do Divino Feminino e a
dessacralização da Grande Mãe. Se pensarmos no exemplo de Hera, isto é
particularmente evidente. A corrupção de Hera fez com que se passasse de uma
deusa-mãe, com um culto enraizado e mais antigo que o de Zeus, para uma esposa
ciumenta e vingativa. Existem, todavia, dois elementos mitológicos de Hera que
definem a sua proeminência: o hieros
gamos, ou seja, o casamento sagrado e o nascimento divino.
O casamento sagrado, não a celebração dos deuses, terá
ocorrido em Creta segundo Diodoro Sículo (Biblioteca da História 5.72.4).Lembro-nos que
Caranguejo é o signo feminino que se segue a Touro, podendo-se ver aqui uma
continuidade astro-mitológica. Calímaco diz-nos que Zeus, referindo-se ao
mistério nupcial, amou Hera apaixonadamente durante trezentos anos (Aetia fragm. 2.3). Para além da
lubricidade do deus, podemos encontrar aqui a importância do hieros gamos como união harmoniosa do
feminino e do masculino. É o derradeiro mistério da realidade. Na verdade, no hieros gamos, é o feminino que consagra
o masculino. De uma outra forma, Aristófanes louva o aspecto de donzela de
Hera, do primeiro aspecto da deusa tríplice (Aves
1720 e ss.). Hera é uma virgem-mãe, uma
deusa que renova a virgindade num ritual que pode ser encontrado em Samos e na
Argólida. Neste ponto, o cristianismo não inventou nada. Ora todos estes
aspectos mitológicos e astro-mitológicos definem a passagem de Júpiter pelo
signo de Caranguejo e a sua exaltação neste lugar.
Marco Aurélio diz-nos, nos seus Pensamentos, que “Todas as
coisas se encadeiam entre si e a sua conexão é sagrada” (VII, 9
trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995).
Temos de procurar os sentidos que se escondem e por entre os fragmentos da
realidade encontrar uma unidade. A união da astrologia à mitologia encerra, à
semelhança da união da astrologia à filosofia, um potencial imenso. A
consonância entre a astrologia e a psicologia ou com outras áreas científicas
já trilhou muitos caminhos, mas com a mitologia e com a filosofia ainda existe
muito para fazer. Júpiter e Saturno trazem em si a gravidade moral dos
conceitos planetários. Já observámos anteriormente, a correspondência de
Júpiter e Saturno com o poder e o dever, ora a estes podemos acrescentar a
justiça e a necessidade e a forma como estes dois conceitos se conjugam numa única
unidade de sentido. O mito de Er, na República
de Platão, é um excelente exemplo desta conjugação (614b-621d).
O destino guarda aquilo que é nosso por justiça e
necessidade e estas são atribuições de Júpiter e Saturno. Não existe um
determinismo externo, existe uma responsabilidade e uma finalidade individual. A
passagem de Júpiter por Caranguejo vai conciliar o conceito de justiça com o de
origem, daí que Marco Aurélio diga que “Tudo
o que te acontece estava-te destinado desde a origem como devendo inserir-se no
conjunto e tecer a trama dos teus dias” (IV, 2). Existe uma justiça na origem que se confirma na
continuidade da vida ao longo das sucessivas reencarnações. Porém, Júpiter vai
dar à expressão da origem um valor de finalidade, um impulso de realização ou
progresso. Ora Séneca afirma o seguinte: “Uma coisa ainda incompleta está
necessariamente sujeita a oscilar, a progredir, a recuar ou mesmo a ruir. E
ruirá certamente, se não houver vontade e esforço em andar para a freme! Se
abrandamos um pouco que seja a aplicação e o esforço constante, andaremos certamente
para trás. E ninguém conseguirá retomar o progresso no mesmo ponto em que o
interrompeu! Só há uma solução, portanto: ser firme e avançar sem descanso. O
caminho que resta percorrer é mais longo que o já percorrido, mas grande parte
do progresso consiste na vontade de progredir.” (Ep.71.35-6; Cartas a
Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação
Calouste Gulbenkian).
Júpiter em Caranguejo vai, desta forma, dar um impulso de
progresso a uma realidade enraizada na origem. As linhas tecidas pelas Meras vêem
reforçado o carácter teleológico dos desígnios que unem no destino justiça e
necessidade. Sobressai assim na matriz da Providência a derradeira finalidade.
Este aspecto vai pedir, em termos individuais, que a exigência das raízes seja
também o valor do fruto. Temos de saber de onde vimos para saber para onde
vamos. A tradição ganha também uma nova importância, não num sentido de um conservadorismo
obsoleto, mas sim no sentido de história íntima, de permanência de valor, de herança
colectiva. Caranguejo fixa esse lugar de memória e Júpiter confere-lhe o valor
de bem. É preciso, no entanto, incluir
nestas considerações o ingresso recente de Saturno em Carneiro.
Nesta posição, Júpiter e Saturno vão passar a olhar-se
quadrangularmente, ou seja, o sentido desse olhar e das suas posições adquire
um valor de tensão estruturante. É o peso, a gravidade, de um processo de
construção da realidade. Quando Saturno regressar a Peixes e depois, quando
Júpiter passar para Leão, esse olhar será triangular e, nesses momentos, o
valor do destino sobre a realidade humana tornar-se-á mais expressivo. A
concórdia entre Júpiter e Saturno confere sempre um valor de criação de
realidade, de construção. O espaço e o tempo envolvem na sua harmonia. No entanto,
no tema do ingresso, por estarem fora do seu segmento de luz, o poder benéfico
de Júpiter está diminuído e o poder maléfico de Saturno está aumentado, daí que
a acção do bem prefira um labor de bastidores, um trabalhar sem ser visto.
Se, por um lado, a acção de Saturno em Carneiro pode
brutalizar e embrutecer a realidade, e os exemplos estão por aí, por outro
lado, Júpiter em Caranguejo em conjunção a Mercúrio vão permitir que a dádiva
da origem, do âmago de quem verdadeiramente somos e de quem podemos vir a ser,
continue o seu caminho. Mercúrio, como Estrela da Tarde, adquire um carácter
feminino, reforçando assim o lado lunar do lugar que ocupa. Nesta posição, é a
palavra que cuida, o discurso que protege e conforta e, por estar em
co-presença a Júpiter, torna-se um bem e um promotor de justiça. Os tempos
sombrios que vivemos defendem o oposto. Tudo se move pela palavra que fere e
que divide. O verbo cuidar está ausente. Entre os humanos, o amor incondicional
que em Caranguejo é uma expressão da Grande Mãe é quase inexistente. Neste
ingresso, os luminares estão num eixo masculino, o que une Gémeos a Sagitário,
e o Sol afunda-se na sua morte, na sua ocultação. É a Lua em Sagitário que
espalha a sua luz. A sabedoria do centauro torna-o o seu guerreiro, aquele que
lutara para a proteger. Porém, os guerreiros da sabedoria sabem que estão
inferioridade numérica e que terão de escolher muito bem as suas batalhas. A
união de Mercúrio e Júpiter em Caranguejo vai pedir que se defendam os Filhos
da Mulher, os Filhos de Divino Feminino, pois são todos filhos da sua mãe
celeste, da Lua.
Quando vemos defender como humanos, e bem, os ucranianos
e vemos colocados como outros os palestinianos, secundarizando o seu sofrimento
e relativizando os actos agressores, está-se a fazer o oposto da mensagem
proposta por este ingresso. Dividir os humanos é impedir a existência de uma
humanidade. A união de Saturno e Neptuno em Carneiro, confundindo na acção
forças que condensam e dispersam, fomenta através dos extremismos a desumanização,
a anulação da identidade. A ideia de povo escolhido e terra eleita é perversa,
pois anula a dignidade humana do outro, daquele que não pertence, que é
diferente, que vive numa terra que alguns julgam ser sua. A quadratura entre
Úrano em Touro e Plutão em Aquário vai também reforçar os perigos dos
nacionalismos e da xenofobia. Neste caso, a difusão de mensagens de ódio, assente
nesta visão disruptiva da pertença ou não de um outro que é como nós e de um
outro que é radicalmente o outro, traz necessariamente a morte do humano.
Como sempre, quando o mal avança, o bem cerra fileiras e
resiste, provando que existem forças benévolas. A conjunção de Vénus a Úrano em
Touro, unindo-se depois hexagonalmente a Júpiter e Mercúrio em Caranguejo, traz
consigo uma bênção, uma que culmina no verbo nutrir. Este é o bem que cuida,
que conforta e que protege. Porém, existe nesta união de raios um parceiro
fragilizado. Úrano, a fazer o caminho de despedida do signo de Touro,
encontra-se nos termos de Marte e no decanato de Saturno. A proposta de
revolução da terra está-se a perder. Os discursos bélicos e as propostas de
corrida a armamento, tornando um inimigo específico num medo universal,
secundarizaram o discurso ecologista e a defesa do planeta. As alterações
climáticas e as agressões à Terra deixaram de ser, se é que alguma vez o foram,
uma prioridade. O avanço dos transaturninos para signos masculinos também não
irá favorecer o discurso de defesa da Mãe-Terra.
Júpiter em Caranguejo apresenta uma proposta própria de
sentido. Ora, com uma forte tendência planetária masculina, esta passagem de
Júpiter por Caranguejo será tendencialmente dissonante. É um oásis no deserto,
uma floresta entre o betão. Já observámos que em relação a Saturno existirá um
período em que relação será harmoniosa, quando este regressar a Peixes. No
entanto, no que concerne aos transaturninos, a relação com Júpiter em
Caranguejo será tendencialmente tensa ou, no mínimo, adversa. A única excepção
é Úrano em Touro, com quem se une em sextil, mas só até 7 de Julho, quando
ingressar em Gémeos e passar a uma condição de aversão, regressará, todavia,
devido à retrogradação, a Touro a 8 de Novembro. Com Neptuno em Carneiro,
existe uma união quadrangular de raios e com Plutão em Aquário, outra condição
de aversão. Conclui-se, deste modo, que este carácter relacional do actual
trânsito de Júpiter por Caranguejo terá uma certa unicidade electiva.
No ingresso de Júpiter em Caranguejo, devemos destacar
ainda a relação deste com o corpo do Dragão da Lua. Júpiter em Caranguejo
une-se triangularmente à Caput Draconis
em Peixes, unindo-se consequentemente por sextil à Cauda Draconis em Virgem. Ora, sabendo-se que o Dragão é a ponte, a
passagem da Providência ente o destino e a necessidade, esta conexão com
Júpiter em Caranguejo torna-se particularmente significativa. Se a maioria das
configurações se apresenta visceralmente masculina, esta vem reforçar, como já
observarmos, a presença do Divino Feminino e do seu grande propósito na
evolução da humanidade.
O trígono entre Júpiter em Caranguejo e a Caput Draconis em Peixes traz-nos a
possibilidade de integrar a necessidade, a sua visão de totalidade, no bem que
surgiu na origem do mundo, na justiça divina como forma de educação. Contudo, os
luminares olham quadrangularmente para o Dragão da Lua e, embora não no grau
exacto do ângulo recto, estabelecem uma posição que, segundo os autores
antigos, é considerada particularmente maléfica. A proposta de sentido que une
Júpiter ao Dragão da Lua conserva uma luz rara, uma que terá dificuldade em
iluminar o mundo. Existe uma rejeição humana dessa proposta e só alguns,
infelizmente poucos, vão acolher essa expressão.
Marte, caindo no horizonte, prepara-se para a despedida
do signo de Leão, pois ingressará em Virgem a 17 de Junho. O maléfico deixará
assim de olhar quadrangularmente para Saturno e diametralmente para Plutão.
Estes dois aspectos têm sido particularmente nefastos. No entanto, ao ingressar
em Virgem, vai trazer o mal à proposta do Divino Feminino e de Júpiter em
Caranguejo. Porém, por Marte pertencer ao segmento da Lua e por passar a formar
um sextil a Júpiter, o mal será colocado como opção de carácter e acção e,
também por Marte passar a estar em co-presença com a Cauda Draconis, seguir-se-á a herança heraclitiana de que o
carácter será o nosso destino, ou seja, nós não mudamos os acontecimentos, mas
mudamos a nossa reacção aos acontecimentos e isso define o nosso carácter.
Em suma, Júpiter em Caranguejo marcará um período em que a proposta de sentido que une a origem à finalidade, ao progresso, será mais expressiva. Contudo, a via do progresso será aquela nutre e cuida. Esse será o bem. Essa será a justiça. É um tempo da Grande Mãe, do Divino Feminino, e quem procurar, encontrará.


