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sábado, 25 de maio de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Júpiter em Gémeos

  Reflexões Astrológicas


Ingressos


Júpiter em Gémeos

Lisboa, 00h15min, 26/05/2024

 

Júpiter

Decanato: Júpiter

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Mercúrio    

 

   O ingresso de Júpiter em Gémeos ocorre com Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, no Lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato de Júpiter, nos termos e na monomoiria de Mercúrio. O ingresso dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de três horas e vinte minutos após o pôr-do-sol. Júpiter encontra-se, desta forma, desfavorecido por não estar no seu próprio segmento (αἵρεσις) e por estar abaixo do horizonte. Nesta posição e neste lugar, Júpiter brilha sem ser visto, não revela à luz da noite a mudança de signo, mas ela ocorre, encerrada porém na expressão negativa da Fortuna. A passagem para um signo masculino potencia, todavia, algumas das característica jupiterianas.

   De Touro para Gémeos, Júpiter vai mudar o valor da sua expressão. Em Touro, Júpiter é o jovem Zeus sob a protecção da Grande Mãe, de Reia (Touro), mas, em Gémeos, Castor e Pólux são os “rapazes de Zeus”, pois Διόσκοροι (Dióscoros) tem esta raiz etimológica, alguns dizem até “filhos de Zeus”, quando, na verdade, só Pólux é que era filho de Zeus. A tradição astro-mitológica adverte-nos disso, afirmando que, mais do que o trabalho de Hércules, “O mito que, porém, melhor descreve o signo de Gémeos é o dos Dióscoros (Castor e Pólux). Nasceram de Zeus e Leda e são irmãos de Helena e Clitemnestra. Porém, Leda era casada com o rei da Lacedemónia, Tíndaro. Na noite em que Zeus se uniu a Leda, sob a forma de Cisne, ela uniu-se também ao marido. Destas uniões, nasceram dois pares de gémeos ou dois ovos: de Zeus, Pólux e Helena e, de Tíndaro, Castor e Clitemnestra.” (Figueiredo, R. M. de, 2024 (2021), Fragmentos Astrológicos: 2ª edição, revista e aumentada, 141-2. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo).

   No entanto, a razão da dualidade geminiana não se constrói apenas a partir destes nascimentos duais entre o humano e o divino. Numa peleja, após a morte de Castor, Pólux vinga o irmão, matando o seu oponente, mas o irmão deste ataca-o com uma pedra. Zeus, no entanto, intervém, fulminando-o com o seu raio. Como Pólux rejeita a sua imortalidade enquanto o irmão, Castor, jaz com a alma vagueando no submundo, Zeus permite que os irmãos usufruam da imortalidade em dias alternados (cf. Ps. Apolodoro, Biblioteca, III, 136-7). A existência dos gémeos Castor e Pólux fixar-se-ia então entre o reino de Zeus (Júpiter) e o reino de Hades (Plutão). Lembremo-nos da relação astrológica de Gémeos com os domicílios de Júpiter, Sagitário (oposição/diâmetro) e Peixes (quadratura), mas também com Plutão, Escorpião (150º). Os antigos descreveriam esta relação de aspecto como débil e passiva. Ora a herança astro-mitológica reforça estas influências sobre o signo de Gémeos, dizendo que Poseídon (Neptuno) recompensou Castor e Pólux com cavalos e o poder de auxílio sobre náufragos (Ps.Higino, Astronomica 2.22). É estabelecida aqui uma outra relação com o signo de Peixes, particularmente pertinente face à actual presença de Saturno neste signo.

   A relação Júpiter-Saturno é, depois da dos luminares, a mais estruturante de todas as relações astrológicas. Quando Júpiter estava em Touro e Saturno em Peixes, existia uma harmonia (sextil Terra-Água) entre os senhores do espaço e do tempo, mas com a passagem de Júpiter para Gémeos passará a existir uma tensão (quadratura Ar-Água). Entre o elemento estruturante masculino (Ar) e o elemento dinâmico feminino (Água), criam-se necessariamente elementos de discórdia. No entanto, existem duas interpretações a ter aqui em consideração: a primeira é a Necessidade, isto é, existe um sentido último em cada relação, uma razão de ser; e a segunda é que a discórdia é a outra face da harmonia, lembremo-nos, por exemplo, dos textos filosóficos de Heraclito ou Empédocles. De uma perspectiva mundana, mas também genetlíaca, esta relação entre Júpiter e Saturno conduz-nos assim a outros desafios.

   Séneca, no De Constantia Sapientis, diz-nos o seguinte: Afirmo, pois, que o sábio não está sujeito a nenhuma injúria; por isso, não importa que muitos dardos sejam arremessados contra ele, porque é impenetrável a todos.” (3.5, Séneca: Sobre a Providência Divina e Sobre a Firmeza do Homem Sábio, ed. R. da Cunha Lima, 79. São Paulo, 2000: Nova Alexandria). Estando Júpiter e Saturno em signos mutáveis, nos quais a dualidade é uma questão, um dos desafios passa por encontrar elementos de constância, de permanência, e a sabedoria é o primeiro de todos eles.  A dualidade geminiana constrói-se na alternância ambivalente entre o humano e o divino. Se pensarmos na regência domiciliar de Mercúrio, compreendemos que esta alternância procura criar um elo entre a ignorância humana e a sabedoria divina. Dos signos duais, Gémeos é único em que esta dicotomia permanece separada, neste caso sob o véu da alternância. Sagitário encerra num único ser o humano e o animal e Peixes, contrariamente à crença moderna e infundada de que os dois animais nadam em direcção oposta, conflui numa ideia de totalidade, pois, embora um seja boreal e o outro astral, estão unidas pela estrela Alpha Piscium ou Alrescha, já a mitologia coloca Afrodite e Cupido a fugirem juntos, lado a lado, de Tífon e coloca também da mesma forma os dois peixes que trouxeram Afrodite para a costa. A constelação de Gémeos tem uma disposição estelar semelhante, mas não converge numa única estrela.

   O ingresso de Júpiter em Gémeos acontece de 26 de Maio de 2024 a 9 de Junho de 2025. Nesse período, estará retrógrado de 9 de Outubro de 2024 a 4 de Fevereiro de 2025. Se observarmos as dignidades, concluímos que, nesta passagem, os efeitos benéficos serão maiores nos graus do primeiro decanato (1 a 10) e nos seus próprios termos (graus 7 a 12). No entanto, podemos dizer, face à adversidade domiciliar (detrimento) já anunciada, que Júpiter só encontrará o seu maior potencial (exaltação) quando ingressar em Caranguejo, até lá a relação com Mercúrio, sobretudo nos graus descritos, sairá reforçada. De um outro modo, é também relevante o facto de os dois benéficos se encontrarem conjuntos, com o Sol como parceiro. A união de Vénus e Júpiter congrega sempre um valor de bênção, de dádiva. É como se aquelas duas luzes brilhassem no céu como anúncio ou prenúncio do sentido primordial do bem, da beleza e da justiça, mas também da proposta transformadora que une amorosamente a sabedoria à fé.        

   Plutarco, na obra Da Educação das Crianças, descreve, do seguinte modo, aquilo que pode ser considerado um bem, nomeadamente o bem conferido por Júpiter em Gémeos e que concilia Júpiter e Mercúrio: “A boa estirpe é, seguramente, um bem, mas é um bem herdado dos progenitores; sem dúvida que a riqueza é preciosa, mas é um bem fruto do acaso, posto que, muitas vezes, se afasta dos que a têm e vai ao encontro daqueles que não a esperam; uma grande riqueza é um objectivo para aqueles que desejam alcançar as bolsas, os criados perversos e os sicofantas, e, o pior, encontra-se também entre os mais perversos. A glória é, seguramente, algo venerável, mas inconstante; a beleza é desejável, mas passageira; a saúde é preciosa, mas perecível; a força é invejável, mas diminui na doença e na velhice. Ou seja, se alguém se orgulha da força do corpo, logo que dá conta do engano compreende a força da inteligência. Pois, qual é o poder da força humana comparado com o dos outros animais? Como o dos elefantes, dos touros e dos leões? A formação é o único dos bens que temos que é imortal e divino. Na natureza humana, os dois bens mais importantes são a inteligência e o raciocínio. A inteligência comanda o raciocínio e o raciocínio está ao serviço da inteligência. O raciocínio, por sua vez, não se perturba com a sorte, não se pode tirar pela calúnia, é incorruptível na doença e não se injuria na velhice. Na verdade, apenas a inteligência, ao envelhecer, se rejuvenesce. O tempo, que tira todas as coisas, concede na velhice o conhecimento. A guerra, como uma torrente, arrasta toda a justiça e leva tudo à frente, só não pode destruir a formação.” (8, 5c-f, Plutarco: Obras Morais - Da Educação das Crianças, ed. J. Pinheiro, 44-5. Coimbra, 2008: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos).

   O valor do raciocínio e da inteligência, da educação e do conhecimento, descrito por Plutarco, resume o bem concedido por Júpiter em Gémeos e potenciado pela co-presença do Sol, de Júpiter e de Vénus neste signo. No Sonho de Cipião, Cícero designa Júpiter como “aquele fulgor próspero e salutar” (De re publica, VI, 17: prosperus et salutares ille fulgor). Aquando do ingresso, o Mercúrio não faz qualquer aspecto aos planetas no signo por ele regido. Este elemento interpretativo, a par da quadratura a Saturno e Neptuno em Peixes e do sextil à conjunção de Marte e da Caput Draconis em Carneiro, revela a dificuldade de fixar como bem, e como apela Júpiter em Gémeos, a premissa de Plutarco de que “A formação é o único dos bens que temos que é imortal e divino.” Esse é um potencial que pede efectivação. A incompletude do propósito, dessa via da inteligência, pode ser também compreendida pela astrologia. Mercúrio tem o seu domicílio em Gémeos e em Virgem, todavia, é em Virgem que encontra a sua exaltação. Um dos lugares de domicílio (Gémeos) e o de exaltação (Virgem), que é também domicílio, lançam entre si raios quadrangulares, o que só acontece com os maléficos (Marte, Carneiro e Caranguejo, e Saturno, Capricórnio e Balança). Virgem, por indicar uma deusa, mostra essa finalidade divina: a sabedoria. Já Gémeos traduz um caminho, um que é frequentemente rejeitado.

   No tema do ingresso de Júpiter de Gémeos, existem outros elementos a assinalar. O primeiro concerne ao facto de só a Lua é que está acima do horizonte. É uma deusa solitária, ascendendo a partir de um lugar débil. A Lua em Capricórnio oculta na noite escura a Cornucópia de Amalteia. A fortuna espera o momento oportuno e o forçar do momento é sempre sinal de infortúnio, daí que o ingresso ocorra no lugar da Má Fortuna (VI). Por outro lado, e reforçando a debilidade lunar, o corpo do Dragão da Lua afunda-se na realidade. A Caput em Carneiro encontra-se na IV e a Cauda em Balança na X. Cerca de dezoito horas após o ingresso, a Lua estará em quadratura exacta ao Dragão da Lua, o que, segundo os antigos, era sempre um sinal de desventura e adversidade. Ora o valor destas significações serve também para afirmar que, por vezes, pode existir ou persistir o engano de que Júpiter traz sempre a fortuna. Em certas situações, a dádiva é um valor oculto e esse dragão de luz e sombra traz consigo uma crise na identidade, na ponte entre a unidade e a dualidade.   

   O trígono entre Júpiter, Vénus e o Sol em Gémeos e Plutão em Aquário vem confirmar e adensar o sentido da ambivalência geminiana descrita na abordagem astro-mitológica. O eixo entre o humano e o divino que coloca os Dióscoros entre o Hades e o Olimpo, entre o Submundo e o Céu, possibilitando uma ponte da morte à eternidade, da corrupção à elevação. Não podemos esquecer, contudo, que é a Necessidade, o destino, que estabelece as linhas que tecem estes eixos. A quadratura dos planetas em Gémeos a Saturno e a Neptuno em Peixes trazem consigo o desafio da integração do destino e da compaixão nessa ambivalência radical. A chave-mestra para esse desafio pode ser encontrada no sextil entre Saturno e Neptuno em Peixes e Mercúrio e Úrano em Touro. Esta é uma chave encerrada dentro desse trígono de Júpiter e Plutão. A liberdade humana não altera o destino, permite, como afinidade electiva, a escolha do conhecimento e da senda da sabedoria. Ora este sextil oferece a possibilidade de se integrar na imensidão do tempo a restruturação do conhecimento.

   A anterior co-presença de Júpiter e Úrano em Touro e a actual de Mercúrio e Úrano, com Júpiter passando para o signo regido por Mercúrio, indica, entre muitas outras coisas, a revitalização do conhecimento astrológico. Este momento serviu de marco, de síntese, de uma revolução no conhecimento astrológico. Nos últimos anos, acentuando uma tendência das últimas décadas, a astrologia largou as amarras de um ciclo que se estendeu do final do século XIX até às últimas décadas do século XX. A predominância de uma astrologia dependente de movimentos espirituais, muito distante do conhecimento académico e frequentemente superficial, deu lugar a uma restruturação dos sistemas astrológicos, fundamentada sobretudo na história da astrologia e na astrologia tradicional, e deixando-se influenciar paralelamente pela psicologia e pela filosofia. A astrologia antiga ou helenística é quiçá o melhor exemplo deste novo ciclo. Com ela, temos modelos astrológicos recuperados e renovados, mas também a possibilidade de uma filosofia da astrologia. Este é um bom exemplo e um sinal dos tempos. São as centelhas de conhecimento que iluminam a escuridão da ignorância.

   O ingresso de Júpiter em Gémeos recupera como bem o raciocínio e a inteligência. Porém, por muito que a dádiva seja natural, ela pede uma disposição electiva. Temos de escolher para além dos bens mais fáceis, líquidos e passageiros e, entre o humano e o divino, a palavra e a comunicação podem tanto ascender à realidade celeste e supra-humana como espalhar-se por entre a ignorância, a desinformação e a mentira, próprias da humanidade e da sua desmedida. Como senhor do espaço, Júpiter em Gémeos expande a palavra, todavia, o valor da palavra, a finalidade do seu sentido, depende do humano. Em suma, Júpiter em Gémeos é uma proposta para se encontrar a dádiva do bem numa ambivalência radical entre o que nos eleva e o que nos afunda, entre o divino e o humano.