Reflexões Astrológicas
Eclipse Solar Anular
(Lua Nova em Balança)
Lisboa, 18h59min, 14/10/2023
Sol-Lua
Decanato: Vénus
Termos: Saturno
Monomoiria: Sol
O
Eclipse Solar Anular de 14 de Outubro ocorre no signo de Balança, com Carneiro
a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, com os luminares abaixo do
horizonte, na VII, junto ao Poente (δύσις), e cerca de cinco minutos após o
ocaso (hora de Lisboa), no decanato de Vénus, termos de Saturno e na monomoiria do Sol. O sentido de sombra e
ocultação ganha assim um valor reforçado. O eclipse e o poente partilham o
carácter de lugar ou momento de escuridão. A luz é ferida pela dicotomia da sua
própria natureza e, sendo Saturno, o Sol
da Noite - como designaram os babilónicos -, o regente de Balança, este
eclipse adquire pois essa significação profunda.
Neste eclipse, mais do
que nos últimos e talvez mais do nos próximos, o Dragão da Lua cingirá por
completo a luz, o Sol, não por ser um eclipse com uma sombra extensa ou
espacialmente significativa, mas sim por encerrar uma conjugação reforçada de
sentidos. Por esta razão, a análise do eclipse solar de 14 de Outubro deve
considerar primeiramente o valor conceptual e escatológico da luz e da sombra
e, de forma paralela, o carácter simbólico deste dragão primordial. A
astrologia moderna, perdendo a herança mitológica e a imagem do dragão ou
serpente, preferiu as designações nodais em vez das dragontinas, todavia a sua
presença original deve ser recuperada.
No tratado gnóstico Pistis Sophia, tendo por base esta
inspiração, diz-se o seguinte: “Nesse momento, todavia, todos os céus vieram para o oeste, com todos os
aeons e a esfera e os seus arcontes e
todos os seus poderes. Todos eles correram para o oeste para a esquerda do
disco do sol e do disco da lua. Mas o disco do sol era um grande dragão cuja
cauda estava na sua boca e que levava consigo os sete poderes da esquerda.”
(IV, 136, ed C. Schmidt
& V. Macdermot, 1978: 354. Leiden: E. J. Brill). O
ourobóros, a serpente que circunda o
Sol ou um ovo, é por excelência uma imagem tanto do sagrado feminino como da
sombra eclíptica, lembremo-nos, por exemplo, do mito pelasgo da criação, de
Eurínome e Ofíon. Na astrologia, o Dragão da Lua, o eixo nodal, preserva toda uma
tradição de sentido, uma herança, que é particularmente fértil no que aos
eclipses concerne.
A natureza sombria do eclipse
implica, no entanto, e de acordo com a sua própria natureza, um carácter
maléfico. Uma leitura astrológica que teme a sombra, a destruição e a morte,
tão comum na astrologia contemporânea, fica sempre aquém da realidade. Dante, na Divina
Comédia, no Purgatório, diz, pela boca de Virgílio, falando para Estácio: “Tu se' ombra e ombra vedi.” (XXI, 132). De certa forma, é a
nossa condição: somos sombras e vemos sombras. Foi, todavia, o amor, a amizade
entre eles, que fê-lo tratar uma sombra como se fosse uma coisa sólida (Purgatório, XXI, 133-6: Ed ei
surgendo: «Or puoi la quantitate
/ comprender de l’amor ch’a te mi scalda,/
quand’ io dismento nostra vanitate,/ trattando l’ombre come cosa salda.»). O amor possui portanto o poder de transformar a sombra,
de lhe dar a forma de uma realidade interna ou externa, materializando-a, e
isso acontece por uma única razão: o amor é luz e não existe sombra sem luz.
Na subida
da montanha, o canto XX do Purgatório, anterior a este que aborda a amizade,
termina com um terramoto. Os desastres naturais e, em certa medida, os
desastres humanos (guerras, revoluções, assassinatos, etc.) têm uma relação
íntima com os eclipses. Entre a sombra e a ruína, existe um caminho e, por vezes,
é nos estilhaços, como um vestígio de vida, que a luz pode ser encontrada. A
observação do tema de eclipse para cada localidade, e em especial se manto
umbral a cobrir, é fundamental. Não devemos temer as previsões. Se um luminar
tiver a preponderância de bons aspectos, especialmente dos benéficos, e se
estiver no seu domicílio ou exaltação, os efeitos negativos serão minimizados,
mas não anulados. Já se estiver no seu exílio ou queda ou junto dos maléficos,
produzirá uma acção negativa aumentada. Os eclipses tendem assim a gerar
mudanças, redistribuições e desastres.
No caso
específico dos desastres naturais, os eclipses são indicadores importantes. Por
exemplo, as conjunções ou oposições de Marte, Júpiter ou Saturno são sinais
indiscutíveis, sobretudo em certos signos ou sobre os pólos (κέντρα).
Antes de avançar nesta questão, convém fixar-se a influência temporal e
geográfica do eclipse de 14 de Outubro. Se utilizarmos uma técnica que me é
cara, e um pouco diferente da ptolemaica, e que concilia a duração do eclipse
com os tempos de ascensão, chegamos a uma influência que se estende até cerca
de um ano e oito meses. Quanto a área geográfica, o eclipse ocorre ao longo do
continente americano, estando o seu centro ao largo da Nicarágua e da Costa
Rica. Este aspecto é interessante se pensarmos que o eclipse tem o seu lugar de
maior escuridão mesmo diante de um conjunto de parques e reservas naturais. Do
lado da Nicarágua, temos a Reserva Biológica Indio Maíz e, do lado da Costa
Rica, o Refúgio Nacional de Vida Silvestre Barra del Colorado e o Parque
Nacional Tortuguero. Se quisermos um planeta vivo no futuro, a vida selvagem
precisará urgentemente de luz.
De acordo com as regências da
astrologia antiga, a influência geográfica é um pouco diferente. Segundo
Valente (Antologia I, 2), as seguintes zonas estão sob a influência de
Balança: a Báctria (região persa do Coração que corresponde actualmente ao
Afeganistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e China), a China, a zona do
Cáspio, Tebaida (região do Antigo Egipto entre Abidos e Assuão), o Oásis (Oásis
de Siwa ou Siuá, no deserto da Líbia), Troglodítica (região antiga do deserto
líbio, mas que se pode estender por uma área que vai até ao Mar Vermelho e ao
Corno de África), a Itália, a Líbia, a Arábia, o Egipto, a Etiópia, Cartago,
Esmirna (Anatólia, Turquia), os Montes Tauro (Sul da Turquia), Cilícia
(Turquia) e Sinope (Norte de Turquia, junto ao Mar Negro). Manílio coloca a
Itália e, em especial, a cidade de Roma sob a regência de Balança, referindo,
por um lado, que Roma controla as mais variadas coisas, exaltando e
precipitando as nações nos pratos da balança e, por outro lado, este é signo do
imperador Augusto, que terá nascido a 23 de Setembro de 63 AEC (Astronomica
V,773-77).
O eclipse solar de 14 de Outubro
insere-se na série Saros 134. Esta série iniciou-se a 22 de Junho de 1248 e
terminará a 6 de Agosto de 2510. Começa portanto em Caranguejo (Lua) e finda em
Leão (Sol). A relação entre luz e sombra torna-se, uma vez mais, determinante.
O próximo eclipse da série será a 25 de Outubro de 2041, em Escorpião,
passando-se na série de Vénus a Marte. Existe novamente aqui um jogo de
polaridades que também se encontra no tema do actual eclipse: o caminho
descendente em que se insere a sizígia obscurecida estende-se também de Marte
em Escorpião até Vénus em Virgem. De outra forma e considerando-se apenas
Balança, o actual eclipse é o segundo da série a ocorrer de forma seguida neste
mesmo signo. O primeiro foi a 3 de Outubro de 2005. Os dois primeiros eclipses
totais da série 134 também se deram em Balança: a 9 de Outubro de 1428 e a 20
de Outubro de 1446. No entanto, a máxima interpretativa que se deve seguir é de
que o primeiro eclipse de uma série Saros e
o seu tema astrológico servem de matriz para toda a série, é o seu tema
genetlíaco.
A
22 de Junho de 1248, o Sol e a Lua estavam em Caranguejo, como já foi referido,
bem como Neptuno, Marte e Mercúrio em Leão, Saturno e Plutão em Escorpião,
Júpiter e Caput Draconis em Sagitário, logo a Cauda está em Gémeos, Úrano em
Aquário e Vénus em Touro.
Se
pensarmos que este eclipse ocorreu no início do segundo quartel do século XIII,
numa época de profundas alterações políticas, socias, religiosas, espirituais e
culturais, estes elementos astrológicos tornam-se mais evidentes. Temos, por
exemplo, a fundação do império Mongol, do qual é preciso destacar o cerco de
Bagdad e a destruição da Casa da Sabedoria, mas também a criação da Inquisição.
Na data do eclipse inaugural desta série, é lançada a sétima cruzada pelo rei
de França Luís IX. A tensão nesta região estende-se até hoje, até ao conflito
israelo-palestiniano. Por outro lado, o rei Fernando III de Leão e Castela
recupera Sevilha aos Almóadas. Já de um ponto de vista religioso, a capela gótica
de Sainte-Chapelle é finalizada e consagrada com a cora de espinhos, uma relíquia
concedida pelo imperador de Constantinopla Balduíno II. Uns meses mais tarde é
colocada a pedra inaugural da Catedral de Colónia, depois da igreja antiga ter
ardido.
Séneca
afirma que “A luz distingue-se do reflexo por ter a sua origem em si mesma,
enquanto o reflexo brilha com luz alheia; a mesma diferença separa os dois
tipos de vida: a vida mundana tira o seu brilho de circunstâncias exteriores, e
o mínimo obstáculo imediatamente a torna sombria; a vida do sábio, essa brilha
com a sua própria luminosidade!” (Ep.21.2; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A.
Segurado e Campos, 2004: 74. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian). Ora
esta é, em certa medida, a matriz de sentido da série 134 e que se assume, de
forma bastante expressiva, no eclipse de solar de Outubro. Os factores de
intolerância política e religiosa, construídos sob o apelo da construção de
novas verdades, estenderam-se até hoje. No eclipse inaugural, a conjunção da
sizígia com Neptuno em Caranguejo, de Marte e Mercúrio em Leão, de Plutão e
Saturno em Escorpião, estando estes em quadratura a Úrano em Aquário, e de
Júpiter e da Caput Draconis em Sagitário são, de facto, sinais da promoção de
uma luz alheia como luz verdadeira. A humanidade tende a confundir-se com
sombras, ignorando a luz que brilha solitária e incógnita.
Paralelamente, a análise do eclipse
de dia 14 deve considerar, primeiramente, dois vectores que estão muito
marcados e que se estabelecem, de um ponto vista astrológico e de modo radical,
o caminho luminar descendente que se alonga entre Marte em Escorpião e Vénus em
Virgem, entre um deus da guerra domiciliado e uma deusa do amor em queda. Este
via obscurecida é mediada pela sizígia umbral em Balança e que coloca sob os
seus raios negros Mercúrio e a Cauda Draconis. Ora este caminho, e tendo em
mente a regência de Balança, trará problemas sérios às democracias e, em
especial, aos poderes parlamentares. A situação norte-americana é um bom exemplo,
todavia, a situação é bem mais ampla e para isso basta observar o galgar
mediático da extrema-direita populista e o carnaval que tem promovido nos
vários parlamentos europeus. Na América do Sul, encontramos também exemplos
semelhantes. A forma como o populismo confiscou os media constrói-se igualmente
nesta premissa.
Por outro lado, a conjugação desta
via com a oposição entre Marte em Escorpião a Júpiter e Úrano em Touro, bem
como a ligação destes a Saturno e Neptuno em Peixes (trígono e sextil) e a
Plutão em Capricórnio (sextil e trígono), conduzirá inevitavelmente a desastres
naturais, muitos deles particularmente destrutivos. Esta interpretação
astrológica não é catastrofista, é sim realista, pois os sinais são evidentes.
No caso português, e tendo em conta que o tema em análise foi elaborado para
Lisboa, é impossível não vislumbrar a aproximação de um grande sismo. O período
que circunscreve o actual eclipse, o eclipse solar total de 2 de Agosto de 2027 e o
eclipse solar anular de 26 Janeiro de 2028 é crítico, sobretudo pelo facto do manto umbral
destes dois últimos passar pelo epicentro do Terramoto de 1755 e pelo
paralelismo simbólico com esta série Saros. Colher estes sinais é difícil, mas
não os devemos temer. Na astrologia, como na vida, nem tudo são arco-íris.
No tema do eclipse, Plutão é o astro
mais alto e o sextil deste a Marte em Escorpião, os dois regentes deste signo,
adensam a sua acção. No entanto, considerando-se o futuro ingresso de Plutão em
Aquário, devemos ressalvar que a actividade destrutiva de Plutão não se limitará
ao signo de Capricórnio. A sua passagem por Aquário trará transformações que
não acontecerão connosco de mãos dadas, inspirando incenso e entoando mantras.
Plutão não actua desta forma. Lembremo-nos que é o regente moderno de Escorpião
e que olha quadrangularmente para Aquário, que é regido por Saturno (convém não
esquecer) e por Úrano, ou seja, existe tensão nestas duas naturezas. Por outro
lado, o facto de o tema do eclipse, para a hora de Lisboa, estabelecer-se de
acordo com a ordem vernal coloca Marte em Escorpião, na VIII, no lugar da
Morte. Esta posição dará uma força suplementar ao Senhor da Guerra e à sua
natureza primordial. Note-se também que o anterior novilúnio estabeleceu-se
segundo a ordem do Thema Mundi, o que confere um carácter radical e
estruturante e uma continuidade aos dois eventos astrológicos.
Este eclipse coloca naturalmente uma
sombra sobre o signo de Balança, obscurecendo o seu potencial e adensando as
suas qualidades negativas. Mercúrio estará sob esta influência contrária, trazendo
uma expressão disruptiva à palavra e ao conhecimento. Não existirá portanto na
comunicação um palco para a concórdia, bem pelo contrário. A presença da Cauda
Draconis contrai, sob a égide do destino, o peso, a gravidade, da desmedida. A
humanidade cai diante dos seus próprios erros. O grande maléfico, Saturno, traz
consigo e com o seu companheiro de viagem, Neptuno, as feridas da Fortuna,
sempre visíveis aquando do fim de um ciclo. Em Peixes, a pressão ou libertação
que a totalidade confere torna-se realidade. Carneiro começa a subida da
montanha, Capricórnio com o sentido de finalidade alcança o cume e Peixes
senta-se e contempla a visão do mundo. Ora a acção, a finalidade e a totalidade
são algumas das etapas da nossa viagem, individual e colectiva. Saturno
pede-nos uma visão desempoeirada do mundo, liberta das amarras, das feridas,
das vaidades, das paixões desse nosso caminho (sextil de Saturno e Neptuno a
Júpiter e Úrano). No entanto, essa visão é extremamente difícil, sobretudo na
actualidade, pois Saturno pede-nos para manter os olhos abertos,
contemplativos, no meio de uma tempestade de areia. Neptuno, por seu lado,
continua a alertar-nos para a necessidade de uma imaginação criativa e de uma
vida compassiva, integrando a fantasia no sonho e não na ilusão. Este
relembra-nos também que existem humanos de primeira e humanos de segundo.
Por entre as sombras, é preciso,
porém, saber colher as bênçãos. Procurá-las e encontrá-las, mesmo que seja por
entre as cinzas. Vivemos tempos de guerra, de destruição e, por necessidade, de
transformação. Os perigos, mais do que à espreita, circulam à nossa frente,
todavia, existem sempre bênçãos. De uma perspectiva astrológica, mas também
filosófica, para cada maléfico existe um benéfico e ao lado de cada sombra
existe sempre luz. Temos de observar portanto Vénus e Júpiter. A posição dos
benéficos não é contudo das mais favoráveis: Vénus está em queda e Júpiter
retrógrado. Mas unem-se em trígono, dizendo-nos que a necessidade tece a vida
electiva do bem. Vénus encontra-se fechada em si mesma, distante do mundo. Face
à acção humana, o eterno feminino recuou e a Deusa escondeu-se.
A oposição de Vénus em Virgem a
Saturno e Neptuno em Peixes revela, como ferida do tempo e do destino, o peso
da retribuição, desse afastamento. Porém, o trígono de Vénus em Virgem e
Júpiter em Touro a Plutão em Capricórnio traz-nos, de acordo com a ordem tempo
e da providência, uma era que conjuga a vingança de Gaia com o renascimento de
Gaia. A natureza encontra caminho, já o humano pode perder-se na estrada da
realidade. O sextil de Vénus a Marte e de Júpiter a Saturno exemplifica, uma
vez mais, essa justaposição de bem e mal, de luz e sombra. A liberdade humana
não está nos acontecimentos, está sim nesta escolha.
O eclipse solar de 14 de Outubro, no signo de Balança, vem colocar a sombra sobre a harmonia dos contrários, ocultando a luz da concórdia. Este manto umbral vai dar-nos, como síntese do tempo, a retribuição, o preço da nossa desmedida. Só caminhando pela sombra chegaremos à luz.
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