Equinócio de Outono
Lisboa, 02h04min, 23/09/2022
Sol
Decanato: Lua
Termos: Saturno
Monomoiria: Vénus
Se o Equinócio da Primavera é, por excelência,
um tempo de iniciação, o Equinócio de Outono indica então um tempo de repouso. A
colheita iniciada em Agosto, no Lughnasadh ou Lammas da tradição pagã, mas cujo
potencial teve origem no Solstício de Verão, começa agora a chegar ao seu
termo. É a segunda e última colheita. Naturalmente, para o Hemisfério Sul, a
interpretação é a inversa e poderá ser encontrada na reflexão acerca da
Primavera. No entanto, o sentido de tempo após a colheita é universal seja qual
for o período anual em que se fixa. Este é o tempo em que o grão se torna pão.
É o tempo em que a vinha se torna vinho. A Mãe-Terra entrega assim ao Filho-Luz
o seu último alimento.
Os equinócios representam o
equilíbrio, a harmonia. O dia e a noite estão ao mesmo nível. Porém, no fluxo
anual existe uma continuidade e tudo segue o seu curso. O Sol prepara-se para a
sua morte e a escuridão aproxima-se. As festas de São Miguel Arcanjo celebram-se
uma semana após o equinócio: a 29 de Setembro. Ora o Arcanjo Miguel e o
Portador da Luz (Lúcifer) são, na verdade, os guardiões da luz, deste
equilíbrio equinocial. E, neste caso, estão ambos nos pórticos da luz,
esperando pelo Inverno, pelas trevas e pela morte. O Sol extinguir-se-á para
que um novo Sol possa renascer. A fénix voa morrente sobre nós.
De um ponto de vista astrológico,
esta tensão do equilíbrio é expressa pelo eixo Carneiro-Balança, pelo olhar de
frente (oposição) entre Marte e Vénus, os domicílios diurnos destes signos. Curiosamente,
o senhor do destino e da necessidade, o Dragão da Lua estende agora o seu corpo
pelos domicílios nocturnos destes planetas (Escorpião-Touro). Com base na
referência anterior, e de forma mais masculinizada, ou seja, por temor do
feminino, estes são também o Arcanjo Miguel (Marte) e Lúcifer (Vénus). Ora este
choque da polaridade, criando a harmonia ou a tensão, faz dos equinócios um
momento de stress, de pressão psíquica. O medo da ausência da luz paira sobre o
mundo e sobre o humano. A energia, fervilhando, trespassa, deste modo, tudo e
todos na esperança de harmonia, de equilíbrio.
Jung diz-nos, no Livro Vermelho, que “o diabo é a soma da escuridão da natureza
humana. Aquele que vive na luz luta para ser a imagem de Deus; aquele que vive
na escuridão luta para ser a imagem do diabo.” (The Red Book 2009: 322 [H1 176]. Ed. S. Shamdasani. Nova Iorque/
Londres: Philemon Series, W. W. Norton & Company. A tradução é da
minha responsabilidade). Existe
no Equinócio de Outono, nos meses que o cercam, esta tensão entre a escuridão e
a luz, entre as imagens de Deus e do Diabo e esta angústia da identidade, em si
e no outro, torna-se dominantemente interna. A sua expressão externa, ou
mundana, resulta do imperativo do repouso, do olhar que se fixa sobre si. Nas
profundezas e nas alturas da luz e da escuridão, aquele viaja pode alcançar o
olhar do abismo e o olhar da montanha e, em comunidade, como viajante
renascido, transformar o mundo.
O Outono traz consigo a espera da
folha caída, o tempo intermédio, entre mundos, de guardar, contemplando, o grão
e o pão. Esse é naturalmente um esforço interno que, por vezes, sai
astrologicamente reforçado. É o caso destes meses de Outono (ou de Primavera
para o Hemisfério Sul, neste caso, como iniciação). Neste período, o movimento
planetário centrar-se-á na passagem de retrógrado a directo ou do seu inverso.
Mercúrio, que se encontra
retrógrado, ficará directo no dia 2 de Outubro. Já Marte iniciará a estação em
movimento directo, mas, no dia 30 de Outubro, passará a retrógrado. Esta retrogradação
estender-se-á até 12 de Janeiro de 2023, já em pleno Inverno, permanecendo,
porém no mesmo signo, em Gémeos. Como sentido profundo, a acção tornar-se-á
potência e o carácter, potencialidade. Júpiter começa retrógrado, assim ficando
até 23 de Novembro, e, no dia 28 de Outubro, sairá de Carneiro, permanecendo em
Peixes até ao dia 20 de Dezembro (véspera do Solstício de Inverno). A justiça e
o bem expandir-se-ão entre a acção e a totalidade. Saturno deixará a sua
retrogradação no dia 23 de Outubro, tornando a consciência do tempo numa
aceitação da necessidade.
Quanto aos planetas transaturninos
ou transpessoais, Úrano e Neptuno mantêm a retrogradação, respectivamente em
Touro e Peixes, enquanto Plutão em Capricórnio passará a directo no dia 8 de
Outubro. Ora este caminho de avanço real e do recuo aparente será
particularmente intenso na estação que agora se inicia. Saturno e Plutão são
aqueles que, de forma mais célere, irão escapar a esse processo interno de
retorno a si mesmo, fazendo da sua acção um processo efectivo e que
exteriormente se concretiza.
A partir do outro, da apreensão da
dualidade (Balança), o eu (Carneiro) já não regressará ao próprio eu, terá de
integrar e expressar o si. Esse esforço, essa tensão, firmar-se-á entre a Luz e
a Sombra, entre o olhar de Marte e o olhar de Vénus. No entanto, a Necessidade
(Saturno) e a Morte (Plutão) tendem agora, por força da acção directa, a criar
as suas raízes, trazendo os frutos da sua obra aos tempos de escuridão que se
avizinhavam. A escuridão não deve, todavia, alimentar o temor, deve sim servir
de sentido profundo, pois só na noite escura é que a candeia da alma se
erguerá.
Nas Máximas de Delfos, encontramos dois aforismos que marcam este
processo de transformação: πρρόνοιαν
τίμα (Honra
a providência) e ἄρχε
σεαυτοῦ (Governa-te a ti próprio). Ora a
aceitação do destino e o governo de si mesmo actuam como ponte, sobretudo no
tempo de repouso, para a passagem da escuridão à luz. Existe um aspecto
astrológico que marca o equinócio e que confirma a mensagem destas máximas. O
Sol e Mercúrio em Balança unem-se triangularmente a Marte em Gémeos e a Saturno
Retrógrado em Aquário.
Um trígono com os dois maléficos, já
diziam os antigos, tem um sempre um efeito maligno, apesar de ser um trígono,
contudo, pelo modo como um triângulo reúne em si a força da necessidade, a
Providência faz do mal e da destruição uma condição de potencialidade, ou seja,
só depois da queda existe ascensão e é do abismo que desejamos o cume. No
entanto, por ocorrer no elemento Ar, coloca um peso, uma gravidade, nas ideias
e na comunicação. A intolerância, por vezes violenta, pode destruturar a paz
social e acentuar as assimetrias e as desigualdades sociais. Existe palavras
que destroem e essa será uma experiência nos próximos meses.
De um outro modo, a dupla quadratura
de Marte em Gémeos a Vénus em Virgem e a Neptuno em Peixes que, desta forma, se
opõem, assume também um carácter estruturante e dinâmico. Marte lança um olhar
quadrangular a Vénus e à sua oitava sobre um eixo (Virgem-Peixes) que rege, por
excelência, o serviço à humanidade e à divindade. O cuidar da parte e do todo,
a solidariedade com elemento civilizacional, sofre aqui uma enorme ameaça, pois
a palavra como forma de manipulação e propaganda, isto é, como arma, não de
luta social, mas de imposição de narrativas, será agora particularmente nociva.
Paralelamente, encontramos um
triângulo no elemento Terra que reúne Úrano e a Caput Draconis em Touro, Vénus em Virgem e Plutão em Capricórnio. Existe
aqui, como também é próprio de um equinócio, uma necessidade de integração da
dádiva, ou seja, é imperativo que se colham as graças da abundância, da
Mãe-Terra. Porém, Úrano e Plutão podem, ou melhor dizendo, exigem, que novas
formas de receber essas dádivas sejam criadas e, para que isso aconteça, as
velhas formas de lidar com a riqueza, com os bens de primeira necessidade, com
tudo aquilo que se recebe e produz a partir da Mãe-Terra vão ter de morrer, de
ser destruídas. Na verdade, essa é também a mensagem do Dragão da Lua sobre o
eixo Escorpião-Touro. Só existirá um novo modo de viver quando os velhos
valores sucumbirem. A vida nascerá assim da morte.
Dada a proximidade temporal da Lua
Nova (dia 25), deixarei algumas das posições e aspectos para essa reflexão.
Porém, a posição da Lua merece ainda a nossa atenção. A Lua encontra-se em
Leão, no domicílio do Sol, com quem se une, juntamente com Mercúrio, em sextil.
Lança igualmente raios hexagonais para Marte em Gémeos e triangulares para
Júpiter em Carneiro, olha de frente (oposição) para Saturno em Aquário e
estabelece uma tensão quadrangular com Úrano e o Dragão da Lua. Esta posição
relativa da Lua coloca a nobreza da alma, a sua expressão biológica e emocional,
bem como o carácter, sobre os laços da liberdade e os nós do destino. Estão colocados
pois, nos passos da humanidade, os sinais que firmam a sua vida e determinam a evolução
da alma.
Neste Equinócio de Outono, ao seguirmos o repouso após a colheita, relembramos a lição de que é no silêncio que repousa a sabedoria e, perante as sombras, os sábios não choram, rejubilam. O Divino Feminino, a Sagrada Sabedoria e a Deusa, tal como em Elêusis, esperam por nós com a semente do nosso futuro e essa é dádiva da esperança.