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terça-feira, 22 de agosto de 2023

Esopo: A raposa e as uvas

 
A raposa e as uvas

(Hsr. 15, Ch. 32)



Uma raposa esfomeada, quando viu uvas penduradas de uma ramada, tentou apanhá-las, mas não conseguiu. Então, ao afastar-se, disse para si mesma: “Estão verdes!” Do mesmo modo, alguns homens que não conseguem concretizar os seus objectivos, acusam as circunstâncias


Fonte: Ferreira, N. H. da Silva, 2014, Aesopica - A Fábula Esópica e a Tradição Fabular Grega, 113. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

Ilustração: "A raposa e as uvas" por Milo Winter (1919).

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Sermão do Amor que Deus é

David, Gerard, O Casamento em Caná, c.1500.
Paris: Museu do Louvre.



o mè agathôn ouk égnô tòn theón, 
hóti o theòs agápê estín.

Primeira Epístola de São João, 4, 8.



  Deus é Amor e aquele que ama, para amar verdadeiramente, terá de destruir o muro alto que torna o outro em morte. A destruição que a morte produz é sempre esse outro que avança, sem rosto, até nós. Porém, se, como um dilúvio, transbordares para além de ti o Amor que Deus é, a morte deixa de existir. O Amor que Deus é vive permanentemente. 

  Não te deixes enganar e julgues que transbordar o Amor que Deus é se afirma como coisa fácil, pois não o é. Transbordar de Amor implica ir para além de ti próprio e, despojado, avançar pela força do Amor que Deus é para o reino que a morte governa. A cada passo que deres, nessa alameda amorosa, perderás uma parte de ti, não o lugar Deus habita, mas sim a superfície de todas as vaidades, as camadas profundas de ignorância, erro e ilusão. 

  Por vezes, existem passos que são dolorosos, onde caminharás, descalço, sobre pedras aguçadas, pois não queres perder aquilo que julgas que é teu. Como tens tantas superfícies vãs sobre a pele da tua alma, não sabes que aquilo que é verdadeiramente teu é tão pouco, que é o que basta. 

  Aquele pequeno lume, aquela chama que, escondida, ocultas entre as tuas mãos, guardada no abismo da tua existência, é tudo aquilo que és. Esse pequeno lume, pela força do Amor que Deus é, pode conflagrar o universo e consumir tudo o que permanece apartado, fechado na confusão das coisas. 

  O Amor que Deus é está em ti como uma estrela no firmamento. Tu és a tua própria constelação. E, com a liberdade que emana da Providência, poderás escolher a ilusão daquilo que pensas que és ou diluíres-te na imensidão do Amor que Deus é. Na verdade, aquilo que julgas que é uma escolha não passa de uma afirmação da vontade, não daquela que move as paixões e a ignorância, mas sim aquela que é uma e a mesma.

  A Vontade de Deus é também a tua vontade, mas para compreenderes esse mistério terás de te despir de todas as vaidades, da ilusão que alimenta a tua identidade, e avançar como um recém-nascido na senda do Nada, da anulação da ignorância. Quando compreenderes que o mal é apenas a força confusa da ignorância, poderás imergir na vastidão da Vontade, da Sabedoria e do Amor. Essa Trindade surge à humanidade como Pai, Mãe e Filho.

  O Amor que Deus é revela-se como um dos três caminhos, aquele que surge da síntese da Vontade e da Sabedoria e que conduz ao Divino Indeterminado, o Deus que não pode ser nem palavra, nem pensamento. Somente no Nada conhecerás a totalidade de Deus. Essa é a verdade que tanto vezes negas. Sê portanto o Amor que Deus é.


RMdF
04/09/2018

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O Tarot como Liber Mundi: Uma Introdução

   A primeira ideia que a maioria das pessoas têm sobre o Tarot é que se trata de um baralho de cartas para adivinhar o futuro. Ora a arte adivinhatória é uma ínfima parte do que é o Tarot. O Tarot é acima de tudo um livro, um livro de imagens e estas imagens são uma sugestão de  símbolos e sentidos. A leitura do Tarot não se limita a uma análise sequencial, não se começa numa primeira carta e se termina numa última, à semelhança das páginas de um livro. As cartas lêem-se como uma teia, onde cada uma se relaciona com todas. Por outro lado, o significado de uma carta não se restringe à imagem apresentada, é o sentido que se esconde que lhe confere o seu significado. Porém, é quando designamos o Tarot de Liber Mundi que revelamos a sua verdadeira natureza, ou seja, como Livro do Mundo o Tarot é um reflexo da realidade, uma síntese imagética de arquétipos criadores.

  O Tarot une o simbolismo da letra, da palavra, com o do número, apontando para um caminho que explicita simbolicamente a relação profunda entre espaço e tempo. As 78 cartas do Tarot  dividem também o universal e o particular. Os 22 Arcanos Maiores indicam as ideias universais, os grandes arquétipos, enquanto os 56 Arcanos Maiores sintetizam expressões e tipologias humanas. Estes dividem-se em 40 cartas numeradas e 16 cartas de figuras que, por sua vez, se dividem em quatro, constituindo assim os quatro elementos essenciais: terra, água, ar e fogo. 

Tarot Carlos VI
A Mansão de Deus
  A origem do Tarot tem sido também matéria de discussão. Uns apontam para um criação antiga que colocaria a sua génese em Thot, deus egípcio do conhecimento e da escrita, assim o Tarot representaria o livro do deus, uma imagem em palavra da sabedoria divina. Outros defendem que sua origem estaria relacionada com heresia medieval dos cátaros, uma vez que dois dos baralhos mais antigos apareceram em regiões com forte presença desse movimento, sul de França e norte de Itália. Embora a sua datação seja polémica, podemos situar os baralhos de Carlos VI, ou Gringonneur, e Visconti-Sforza entre os séculos XIV e XV, aliás bem como o Tarot de Marselha. Por fim, a origem também já foi atribuída aos Romani que, segundo a lenda, descendem directamente dos egípcios antigos e que, como estes, teriam uma ligação ancestral ao Tarot. Qualquer que seja a origem do Tarot, uma coisa podemos afirmar: uma análise atenta das cartas demonstra a predominância do feminino, como sentido alternativo da realidade. As imagens e os arquétipos femininos são um denominador comum no Livro Mundo, daí que alguns o tenham associado ao culto da Madalena, o qual estaria intimamente ligado aos cátaros. A carta aqui representada, a Mansão de Deus, seria uma referência à queda de Montségur.  

Tarot Visconti-Sforza
A Papisa
  O feminino é o centro do Tarot, tanto que é uma mulher que está no meio dos Arcanos Maiores. No Tarot de Marselha, é a Força que está no centro e esta carta é esotericamente designada de a vitória do espírito sobre a matéria, é a mulher que vence o leão. Na reinterpretação do Rider-Waite, o centro é entregue à Justiça, que indica o equilíbrio ou necessidade do mesmo. A associação do Tarot ao culto da Madalena apresenta, em especial, a Senhora em quatro cartas: a Sacerdotisa, a Imperatriz, a Estrela e o Mundo. Ora estas cartas sintetizam a mensagem do Tarot, pois, por um lado, nas cartas da Sacerdotisa e da Estrela revela-se a união da Sabedoria à Fé, a Pistis-Sophia, e, por outro, a Imperatriz e o Mundo indicam o regresso do Feminino ao mundo, a harmonia perdida do masculino e do feminino.

Tarot de Marselha
A Estrela
  A relação entre as cartas e o número é íntima e simbólica. Nos Arcanos Maiores, o número participa da identidade da própria carta, bem como do conjunto. O Louco, o Arcano 0, não se inclui directamente nos outros 21 Arcanos, embora nalguns casos lhe seja atribuído o número 22 ou a posição entre o Julgamento e o Mundo. O Louco é o zero, porque não é o caminho, é o caminhante. O zero é o peregrino que está no início e no fim. Desta forma, ficam os 21 Arcanos Maiores. Ora o número 21 é um número feminino, pois 21 mais 7 indica o ciclo lunar da mulher e, sendo estes 7 o mistério do sangue, a Lua que se esconde, fica o 21, o Feminino visível como Lua, crescente, cheia e minguante. Se o Louco é o caminhante, os 21 Arcanos Maiores são o caminho, e os Arcanos Menores são os participantes e as expressões exteriores desse mesmo caminho. Os 21 Arcanos podem-se dividir em três secções de sete, em três etapas do caminho. A primeira etapa vai do Mago ou ao Carro, a segunda da Justiça ou Força, conforme o baralho, à Temperança, e a terceira do Diabo ao Mundo, chegando o Louco ao fim o caminho começa de novo. Para além do valor e significado específico do número de carta, a sua composição tem também um sentido profundo, ou seja, por exemplo, a Morte tem o número 13 e 13 é 1+3 e 1+3 é 4, ora 4 é o Imperador, que é 1+3, o Mago e a Imperatriz. Em termos de sentido, podemos resumir da seguinte forma: a Transformação  (a Morte) e a Ordem (o Imperador) relacionam-se entre si, pois ambas resultam da mesma origem, que é a Vontade (o Mago) e o Amor (a Imperatriz). Este esquema interpretativo pode-se aplicar a todas as cartas e a todos conjuntos das mesmas.

Árvore da Vida
   O Tarot, como Liber Mundi, tem uma estreita relação com a letra, com a palavra. A cada Arcano Maior corresponde uma letra do alfabeto hebraico, uma vez que este tem vinte e duas letras. Aqui existem duas teses quanto ao início do alfabeto: uns atribuem a letra Aleph ao Louco, outros ao Mago. À semelhança de Aleister Crowley, optei por seguir atribuição de Aleph ao Louco, porém, não sigo a associação de Tsady ao Imperador e He à Estrela, pois mantenho a sequência das letras. A ligação entre o Tarot e o alfabeto hebraico revelam uma harmonia entre as cartas e a Árvore da Vida cabalística. Se a cada Arcano Maior corresponde uma letra, logo um caminho na árvore, a cada Arcano Menor corresponde uma Sephiroth, por exemplo: todos os quatro Ases são regidos por Kether, a Coroa, e todos os Dez por Malkuth, o Reino. Esta simbiose entre o Tarot e a Cabala sustenta a tese inicial de que o Tarot é um livro de sabedoria e não um mero método de adivinhação.

Tarot Rider-Waite
Ás de Copas
  A associação do Tarot à Astrologia é a sua terceira ligação esotérica. A cada Arcano maior corresponde um signo ou um planeta/luminar. O Louco é regido por Úrano, senhor da liberdade e da aprendizagem pelo colectivo, ou seja, a liberdade do peregrino implica a aceitação dos outros, do grupo que o rodeia. O Mundo é governado por Saturno, senhor do tempo e da sua relação com o espaço, isto é o peregrino quando termina a sua viagem compreende que o tempo é círculo que a si mesmo retorna e que terá de reiniciar o seu caminho. Os Arcanos Menores, que apontam para o concreto e para o pessoal, estabelecem uma correspondência mais específica. O Ás de Ouros é regido pelo elemento Terra e pelo conjunto dos três dignos deste elemento: Touro, Virgem e Capricórnio. O Dez de Copas é associado ao elemento Água, ao terceiro decanato de Peixes e a Marte em Peixes. A Rainha de Paus é denominada de Fogo de Água e é regida pelo signo de Carneiro. A natureza astrológica de cada carta é também susceptível de se relacionar, por exemplo: a Estrela, regida por Aquário, junto do Quatro de Copas, associado ao terceiro decanato de Caranguejo e à Lua em Caranguejo, pode indicar uma perda de fé, uma dúvida acerca do divino ou uma indecisão que só será superada pela confiança em si. O Tarot e a Astrologia unem-se numa harmonia de sentido. 

   O Tarot como Liber Mundi permite que se aceda à sua verdadeira natureza, a de um livro sagrado dedicado à deusa Sophia. A sabedoria é a patrona do Tarot, o que é perceptível se observamos o Arcano II: a Sacerdotisa guarda o livro que é um enigma por revelar. O Tarot guarda os segredos do Todo e fecha na sua teia de símbolos e sentidos os mistérios humanos e divinos, porém, tal como o Louco é caminhante, também o leitor é mestre de si mesmo. Procura e encontrarás.


Nota: Todas as imagens apresentadas estão em domínio público.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Uma Outra Teologia (Teosofia)

A Vontade, enquanto primeiro aspecto, pessoa, da Divindade apresenta-se como Deus em acto. O Silêncio que é a Mãe da Trindade é Deus em potência, pois é do Silêncio que nasce o Pai e a Mãe, ou seja, a Vontade e a Sabedoria. O Pai representa Deus em movimento, uma vez que é pela Vontade que o obra divina que se realiza. Já a Mãe representa Deus enquanto conhecimento de si mesmo, pois é pela consciência do Bem, da Justiça e da Beleza que a obra divina que se realiza, ou seja, a Sabedoria atribui uma finalidade ao projecto divino. O Pai e a Mãe geram a síntese da sua natureza, o Filho torna-se o Logos da Criação, o Amor que em tudo está presente. Sobre o Divino só não se falar do Indeterminado que é a Origem do Silêncio. A palavra fica aquém do entendimento.   

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Tarot: Um Itinerário Divino em Imagens

O Indeterminado
A Origem Incognoscível
O Inominável
(no plano humano, representa o Peregrino)

                                      
  O Pai Divino                                                      A Mãe Divina
 A Vontade                                                         A Sabedoria

O Amor Divino
A União do Pai e da Mãe
A Génese do Filho

O Filho Divino
O Logos
A Palavra Divina
O Amor Divino em Acto

O Ser Humano
A Centelha Divina

domingo, 13 de outubro de 2013

Do Dogma à Sabedoria

Yogananda fala de Lahiri Mahasaya, discípulo de Babaji.

"O grande guru ensinava os seus discípulos a evitarem discussões teóricas sobre as Escrituras Sagradas. «Só aquele que se dedica a realizar, e não apenas a ler, as antigas revelações, pode ser considerado sábio», dizia. «Resolva todos os problemas através da meditação. Substitua as especulações religiosas inúteis pelo verdadeiro contacto com Deus. Limpe a mente do entulho teológico dos dogmas, para que nela possam penetrar as águas frescas do poder curativo e da percepção directa. em sintonia com a efectiva Orientação interior. A Voz Divina tem a resposta para todos os dilemas da vida. Embora a criatividade humana para se meter em dificuldades pareça não ter fim, o Socorro Infinito não é menos inventivo.»"

Yogananda, Paramahansa, Autobiografia de um Iogue, pp. 353-4. Tradução António Olinto e Lucia Sweet-Lima. Lisboa: Dinalivro, 2008.