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segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Escorpião

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Escorpião

Lisboa, 09h27min, 13/11/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Vénus

Termos: Júpiter

Monomoiria: Júpiter       

 

  A Lua Nova de Novembro ocorre no signo de Escorpião, estando Sagitário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XII, no lugar do Mau Destino ou Mau Espírito (κάκον δαίμων), no decanato de Vénus, nos termos e na monomoiria de Júpiter. A sizígia dá-se pois acima do horizonte e a cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos após o nascer-do-sol. Os luminares, estando a Lua fora do seu próprio segmento, mas num signo feminino, encontram-se num caminho de ascensão, rumo à culminação. A posição pós-ascendente, sem qualquer ligação ao Leme do tema, encerra sempre um mistério de sombra e de promessa de luz que pode confundir o seu sentido. A XII, segundo o entendimento antigo, não é, apesar de tudo, uma posição tal maligna como a VI, pois, por estar no início da escalada celeste, confere à luz o potencial de superação de si, o ânimo de quem sobe a montanha. Neste lugar, a sizígia em Escorpião é, mais do que qualquer outro, a luz que vence o destino e a morte.

  O novilúnio de Novembro, em Escorpião, no signo que encerra em si o sentido profundo da morte e no lugar do Mau Destino ou Mau Espírito, conjuga necessariamente as significações de luz e sombra, de valor da morte e de superação do destino. A XII, com o qualificativo κάκον para δαίμων, confere um valor negativo, seja pela sua própria natureza, seja pela sua dinâmica relacional, a um conceito ou entidade que reúne em si a divindade, o espírito ou génio e o destino. O facto da XII não se relacionar por envio de raios ou aspecto com a I revela a dificuldade da vida, do carácter ou do temperamento (leia-se personalidade ou consciência da vida) em aceitar as vicissitudes do destino que contrariam a vontade, ou seja, os acontecimentos, tanto internos como externos. Uma relação com a XI ou com XII implica sempre esta interacção existencial com o destino, a necessidade e a providência. O conceito de δαίμων traduz esta relação entre a vida e o destino, mas obriga sempre a um processo de mediação, neste caso, espiritual ou divina.

  Ao colocar-se a luz perante a morte e o destino, o que, para Escorpião, conduz a um desafio, o conceito filosófico de ἐγκράτεια adquire um valor de revelação, pois cada um terá de se tornar mestre de si mesmo. Séneca, nas Cartas a Lúcilio, diz-nos que “O cúmulo da felicidade consiste numa perfeita segurança, numa inabalável confiança no seu valor; ora o que as fazem é arranjar preocupação, é percorrer a traiçoeira estrada da vida ajoujadas de pesados fardos. Deste modo vão-se sempre distanciando cada vez mais da meta que procuram alcançar, e quanto mais se esforçam por atingi-la mais se embaraçam e retrocedem. Sucede-lhes como a alguém que corra num labirinto: a própria velocidade faz perder o norte.(Ep.44.7; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). O destino que, na sua própria urdidura, a astrologia apresenta tão bem obriga, e essa é agora a lição de Escorpião, a uma reflexão radical e que, em certo momento, será estruturante. Hermann Broch diz-nos, parafraseando, que o conhecimento da morte é o conhecimento da vida e que o conhecimento da vida é o conhecimento da morte, ora esta é a mensagem do eixo Touro-Escorpião cujo sentido profundo é o do valor.

  Para Séneca, Nenhuma meditação é tão imprescindível como a meditação da morte(Cartas a Lucílio, Ep.70.18). Segundo uma interpretação astro-mitológica, Escorpião vai radicar o seu sentido na morte tanto no trabalho de Hércules em que este luta com Hidra de Lerna como na morte de Órion, picado por um escorpião, e que com este sobe ao céu. No entanto, tal como já foi referido na reflexão do anterior, a do eclipse lunar, é o mito da violação de Alcipe que melhor constrói a natureza primordial de Escorpião (Figueiredo, R.M. de, 2021, Fragmentos Astrológicos, 126). Quer se queira, quer não, o mito é a raiz de sentido da astrologia, pois, sem a metáfora mitológica do céu, a linguagem astrológica não existiria.  

  Na acrópole de Atenas, perto do templo de Asclépio, onde existia uma fonte, Halirrótico, filho de Posídon, avançou sobre Alcipe, filha de Ares, e tentou violar a jovem. Irado e com desejo de vingança, Ares mata Halirrótico. Este é o mito que está na origem do tribunal do Areópago, pois Posídon exige o julgamento de Ares diante dos doze deuses. Contudo, Ares é ilibado, pois a sua acção foi considerada justificada (cf. Pausânias, Descrição da Grécia, I.21.4 e Apolodoro, Biblioteca, III,14.2). Séneca, na tragédia Hércules Furioso, resume o mito ao dizer, no desfecho da peça, o seguinte: “A minha terra [Atenas] espera por ti. / Ali Gradivus [Ares] libertou as mãos do sangue derramado / e entregou-as de novo às armas.” (1341-3: Nostra te tellus manet./ illic sohitam caede Gradivus manum/ restituit armis: ilia te, Alcide, vocat,/ facere innoceutes terra quae superos solet. A tradução é da minha responsabilidade).  

  O mito da violação de Alcipe, esta facilmente identificada com o signo de Touro, oposto a Escorpião (Ares), resume a posição zodiacal deste signo, pois a deusa da justiça (Virgem), a acção da justiça (Balança), Posídon (Peixes), aquele que pede ou clama por justiça, e o outro signo regido por Ares, aquele que recebe as armas de novo, Carneiro, são como uma síntese simbólica e mimética deste sentido primordial astro-mitológico. No actual novilúnio, esta dinâmica da acção de Marte que é própria de Escorpião congrega-se nestes filamentos incandescentes de vingança, resistência e justiça. Hoje, mais do que nunca, esta teia força o peso do destino, a gravidade dos acontecimentos. No entanto, todas as potências planetárias, Marte inclusive, estão sujeitas, na sua expressão humana, à ἐγκράτεια de que se falava. Ao tornarmo-nos mestres de nós mesmo, colocamos a luz (a sizígia) sobre a morte e sobre o destino.

  A união da astrologia ao estoicismo, tal como existiu na Antiguidade, permite que se adquira essa mestria, daí que Séneca diga que “Uma alma que contempla a verdade, que atribui valor às coisas de acordo com a natureza e não com a opinião comum, que se insere na totalidade do universo e observa contemplativamente todos os seus movimentos, que dá igual atenção ao pensamento e à acção, uma alma grande e energética, invicta por igual na desventura e na felicidade e em caso algum se submetendo à fortuna, uma alma situada acima de todas as contingências e eventualidades, uma alma sã, íntegra, imperturbável, intrépida, uma alma que força alguma pode vergar, que circunstância alguma pode envaidecer ou deprimir – uma tal alma é a própria personificação da virtude.(Ep.66.6; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). A virtude é a luz que serve de candeia, erguida quando tudo aquilo que se vê é morte. Esse é o verdadeiro livre-arbítrio: a escolha da luz. Tudo o resto é destino, necessidade e providência.

  O novilúnio de Novembro, no signo de Escorpião, estando Marte sobre os raios da sizígia, tal como estará também na Lua Nova de Dezembro, em Sagitário, será determinado por um ímpeto bélico que fará com que a luz passe de fogo a incêndio. O humano demasiado humano, relembrando Nietzsche, tende a tornar as coisas humanas pequenas, insignificantes diante da subida da montanha. Marte, neste momento, podia ser uma força disruptiva de transformação que iria conceder mais humanidade ao humano, mas isso não está a acontecer. O eixo das portas do trabalho, ou seja, o da VI e da XII, mantem, à semelhança do anterior eclipse lunar, o seu peso sobre a realidade.

  Se observarmos o tema do actual novilúnio, podemos constatar que o único astro acima deste eixo, aquele que é também o astro mais alto, é Vénus em Balança. Na verdade, o caminho luminar da sizígia estende-se de Mercúrio em Sagitário, já pós-ascendente, até Vénus em Balança (sextil). Da sabedoria da palavra ao desejo de harmonia, a luz quer trilhar a senda que, na morte, funda a vida. Esta é, porém, uma via ascendente com a vontade de alcançar o cume, mas colide tanto com a força da morte e da destruição (Marte em Escorpião) como com o peso do destino e da dificuldade de o conciliar com a identidade (Cauda Draconis em Balança). A ligação entre Mercúrio em Sagitário e o Dragão da Lua (trígono à Caput em Carneiro e à Cauda em Balança) serve de proposta de sentido, de meio de integração do destino, na identidade, no reconhecimento de si e do outro.

  A oposição entre a sizígia e Marte em Escorpião e Júpiter e Úrano em Touro adquire também, nesta Lua Nova, um valor estrutural. Júpiter é o grande benéfico do tema do novilúnio e que vai determinar as suas bênçãos. No entanto, este olhar de frente e diametral (oposição) entre a dádiva e a luz, abeirada pela guerra, tem um valor potenciador, em que o grande benéfico colide com o grande maléfico do tema (Marte). A relação entre Marte e Júpiter é complexa, pois, por serem de segmentos de luz diferentes, expressam-se de forma distinta, mas a sua expressão não deixa de ser activa. Se Marte possuir uma dignificação mais intensa, então a acção destruidora será maior. O actual posicionamento de Júpiter serve, porém, de alerta, dado que ali encontraremos a necessidade de verdade e justiça. Nesta Lua Nova, vamos encontrar ainda muitos dos elementos interpretativos que foram abordados no Eclipse Lunar de 28 de Outubro.

  Face ao tema do eclipse lunar, Saturno em Peixes encontra-se agora directo, avançando no seu périplo pelo signo da totalidade. A sua acção tornou-se efectiva. A necessidade pede agora completude, expandindo a sua força, a sua gravidade, de fim de ciclo. Saturno em Peixes, por este ser o domicílio de Júpiter e a exaltação de Vénus, ganha necessariamente um certo sentido de dádiva, de bênção. A conjunção com Neptuno obriga a dar à percepção do destino e da realidade a imaginação criativa e a compaixão, esta enquanto expressão universal da empatia, todavia, existe neste processo de união pisciana de Saturno e Neptuno uma enorme resistência. A humanidade caminhou em sentido contrário, daí que o trígono entre estes e a sizígia e Marte em Escorpião queira trazer a luz que vence a morte a este desafio absurdamente humano.

  A ὕβρις (desmedida), que é própria do humano, leva a que Saturno tenha de repor a justa-medida das coisas. O sextil de Saturno e Neptuno em Peixes a Júpiter e Úrano em Touro e a Plutão em Capricórnio, e deste último à sizígia e a Marte em Escorpião, vão impor a ordem natural das coisas, segundo as leis de Gaia, mas também segundo os ditames da Necessidade e a força de Adrasteia, do Inevitável. Esta é hoje a colheita do humano, ceifada por uma humanidade ausente. A situação humanitária em Gaza e a incapacidade de olharmos, como um todo, para a dignidade humana fazem com que, para onde quer que olhemos, tudo o que vemos é morte, é tudo destruição. A quadratura de Mercúrio em Sagitário a Saturno e Neptuno em Peixes transporta-nos para a incapacidade de dar forma à palavra que descreve a alma do mundo, ao discurso primordial que conduz, de novo, até à Sabedoria, até à Mãe Divina.   

  No novilúnio de Novembro, no signo de Escorpião, somos inevitavelmente confrontados com o nosso pior inimigo e, numa escala mundial, esse inimigo é o próprio humano. A natureza humana e a sua incapacidade de se congregar numa verdadeira humanidade fazem com que a morte que participa da vida e a destruição que circunda a criação excedam os seus limites. A luz guardada, cingindo numa única chama o feminino e o masculino, surge pois na mestria de nós de mesmos. A ἐγκράτεια de que se falou, bem como os princípios filosóficos do estoicismo, servem a astrologia hoje tal como serviram na Antiguidade. Essa é uma luz sobre o tempo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Eclipse Lunar Total - Lua Cheia Touro-Escorpião

  Reflexões Astrológicas


Eclipses



Eclipse Lunar Total 

(Lua Cheia: Touro-Escorpião)

Lisboa, 10h59min, 08/11/2022

 

Lua

Decanato: Lua

Termos: Júpiter

Monomoiria: Mercúrio  

 

Sol

Decanato: Sol

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Vénus

 

O Eclipse Lunar Total de dia 8 de Novembro ocorre com a Lua no signo de Touro e o Sol no de Escorpião, com Capricórnio a marcar a hora (hora de Lisboa), no Segmento de Luz (αἵρεσις) do Sol, estando este abaixo do horizonte, na V, no lugar da Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), e a Lua acima, na XI, no lugar do Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων). A Lua encontra-se no seu próprio decanato, nos termos de Júpiter e monomoiria de Mercúrio. O Sol encontra-se também no seu próprio decanato, nos termos de Mercúrio e monomoiria de Vénus. Na hora de Lisboa, o eclipse dar-se-á cerca de quatro horas após o ocaso do Lua e o nascimento do Sol. A ocultação da Lua, do Feminino e da Deusa, quer pela condição natural do próprio eclipse lunar, quer por estar abaixo do horizonte no segmento do Sol, será mais evidente, tornando simbólico o caminho por trilhar.

Se seguirmos uma outra técnica, diferente daquela que utilizámos no passado eclipse solar e baseada na ascensão recta no período de maior magnitude, concluímos que o efeito deste eclipse pode ficar perto dos três meses. Por outro lado, se nos sustentarmos no tempo de duração do eclipse, podemos fixar então um efeito que vai de cerca de um mês e meio até perto dos quatro meses, o que, na verdade, não faz divergir em muito o resultado.

Estas diferentes formas de se calcular o tempo em que os efeitos de um eclipse estarão mais presentes servem sobretudo para demonstrar que existem outros modelos para além do ptolemaico e das horas equatoriais. O eclipse de dia 8 quer pelo tempo que se acabou de fixar, quer pelas suas próprias características astrológicas não terá um efeito externo evidente, todavia possuirá um grande efeito interno, ou seja, o seu efeito nascerá das profundezas tanto da Terra como da alma.

Quanto ao seu efeito espacial, devemos observar primeiro as lições antigas. Manílio que nos deixou o primeiro manual de Astrologia Helenística – sim, porque Doroteu não só poderá ser ligeiramente posterior como o seu livro chegou até nós ou em fragmentos ou em versões posteriores – diz-nos que Touro rege a Cítia, a Ásia, por causa dos Montes Tauro na Turquia, e a Arábia (Astronomica, IV, 744-817). Vétio Valente segue esta tradição e coloca Touro a reger as regiões da Média (o actual noroeste do Irão, o Azerbaijão, o Curdistão Iraniano e o Tabaristão ou Mazandarão), da Cítia (Irão, mas também uma área que se estendeu da Bulgária às fronteiras da Rússia, Mongólia e China), do Chipre, da Arábia, da Pérsia e das montanhas do Cáucaso, da Samártia (junto à Média), de África, de Elymais ou Elamais (Cuzistão, uma província do Irão), de Cartago, da Arménia, da Índia e da Germânia (Antologia I, 2).

Por outro lado, o mapa da sombra do eclipse diz-nos, porém, que este abrange uma área que é quase a oposta à do eclipse solar de dia 25 de Outubro, pois, no actual a Europa e a África ficam quase excluídas do manto penumbral. O eclipse recairá sobre a Ásia, a Austrália, o Pacífico e as Américas. A regência astrológica sobre o continente Asiático coincide com as lições de Manílio e de Valente, confirmando as questões globais em torno da Rússia, da China, de Taiwan e das Coreias, bem como os problemas no Irão, no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão.

O efeito do eclipse sobre o Irão dará, por exemplo, continuidade aos actuais protestos políticos, bem como à sua repressão, e fará permanecer a questão em torno dos direitos das mulheres, embora esta seja uma questão que se colocará muito para além das fronteiras do Irão. Os avanços do populismo e da extrema-direita, tanto na Europa como nos Estados Unidos da América têm minado os direitos das mulheres. Em todos estes casos e, em especial, neste último, a descida da sombra, no tema astrológico de referência, sobre a terra e sobre o lugar que a Lua ocupa assume aqui um sentido literal que torna agora o símbolo uma realidade.    

Este eclipse insere-se na série Saros 136, uma série relativamente recente, que se iniciou com o eclipse de 13 de Abril de 1680 sobre o eixo Balança-Carneiro. Esta série terminará a 16 de Junho de 2383 no eixo Sagitário-Gémeos, mas o primeiro eclipse da série é aquele que serve de matriz. Neste caso, menos de um mês após o eclipse, já em Maio de 1680, o Krakatoa, entre as ilhas de Java e Sumatra, entra em erupção. Algo que é astrologicamente confirmado pela quadratura da Lua e da Caput Draconis em Balança e do Sol, de Úrano, Marte e da Cauda Draconis em Carneiro a Saturno e Plutão em Caranguejo. Encontramos, com frequência, nos eclipses e, em especial, nos eclipses lunares, uma certo efeito sobre os desastres naturais, sejam eles erupções vulcânicas, sismos, tsunamis ou furacões.

Para além da erupção do Krakatoa, deve-se salientar o grande o auto-de-fé de 30 de Junho na Plaza Mayor, em Madrid, e cuja imagética pode ser apreendida pelo quadro de Francisco Rizi, exposto no Museu do Prado. Ora este facto é perceptível pela quadratura de Mercúrio e Júpiter em Touro a Neptuno em Aquário. A humanidade tende a acreditar na cristalização dos valores e na certeza de que a forma de alguns serem e estarem é a única que se pode aceitar.

Umas semanas antes, a 10 de Junho, é assinado um tratado de defesa mútua entre Espanha e Inglaterra. O sextil entre Mercúrio e Júpiter em Touro a Vénus em Peixes favoreceu a assinatura deste tipo de tratado. Por fim, e já para além dos efeitos imediatos do eclipse, mas assinalável, é o primeiro avistamento do cometa de 1680 que passou, nomeadamente, do tom cinza ao vermelho, como se visse, no céu, um feixe de luz, primeiro Saturno e depois Marte. À semelhança dos cometas antigos, a passagem do cometa de 1680 será de extrema importância.       

Na série 136, o último eclipse parcial da primeira da fase deu-se a 14 de Setembro de 1932. A Guerra de Chaco, entre a Bolívia e o Paraguai, marca o período em redor do eclipse, em especial, a Batalha de Boquerón, ou seja, o cerco da fortaleza de Boquerón pelos paraguaios, que ocorreu entre os dias 9 e 29 de Setembro de 1932, durante o próprio eclipse. Já o primeiro eclipse total da segunda fase desta série Saros aconteceu no dia 26 de Setembro de 1950.

Várias das séries Saros em que se inserem os últimos eclipses, os dos últimos anos, tiveram eclipses que correspondem ao período da Guerra da Coreia, o que encerra um sentido profundo, pois as questões que aí surgiram vão marcar acontecimentos actuais e futuros. A área geográfica das duas coreias continua a ser uma ameaça à paz mundial, pois o gatilho de uma grande guerra tende a ser puxado em questões aparentemente circunscritas.

O eclipse de 1950 inclui-se nesse lote. Uns dias antes do eclipse, deu-se a Batalha de Inchon (15/09) e, entre os dias 31 de Agosto e 19 de Setembro, a Batalha do Rio Ham. Como sinal claro do agravamento do conflito, a China entra na guerra, fortalecendo a posição norte-coreana. De uma outra forma e do outro lado do mundo, no Brasil, Getúlio Vargas é eleito presidente (03/10) para o último mandato e que terminará com o seu suicídio (24/08/1954). Neste período, criou-se muitas das dicotomias que ainda hoje persistem na sociedade e política brasileira. O eclipse 26 de Setembro de 1950 definiu-se por um carácter que diverge do actual, pois a sua expressão era externa e manifestou-se de forma explícita na geopolítica do seu tempo. Já o actual eclipse funda-se num elemento de ocultação que, na verdade, se une à natureza primordial de um eclipse.     

Robert Hand diz-nos, em Essays on Astrology, que “Os antigos adoravam todas as formas de divindades femininas, a maioria das quais estavam relacionadas com a Lua de alguma forma.” (1982: 14. Atglen: Whitford Press). Existe uma persistência natural da Lua no Sagrado Feminino, mas que, na astrologia, é por vezes desvalorizada. O exacerbamento conceptual da actual astrologia psicológica sobre a Lua traduz, na verdade, o medo do feminino e a rejeição, muitas vezes inconsciente, do seu potencial.          Tem-se esvaziado a Lua astrológica do espanto primordial, teofânico, que define a Lua como Grande Deusa.

Na mitologia grega, Hesíodo diz-nos, na Teogonia, que Hemera, Ἠμέρα (o Dia), e o Éter, Αἰθήρ (a Luz Celestial), nasceram de Érebo, Ἔρεβος (as Trevas), e de Nix, Νύξ (a Noite). Esta escuridão que reside na origem continua hoje a indicar esse medo do feminino, que assusta e faz enraivecer homens e mulheres, enraizados no patriarcalismo e na fragilidade de um masculino estereotipado e na distorção do feminino. Aquele que emerge nas águas da Grande Mãe, da deusa Sige, tem medo de se perder.

É curioso que os gregos faziam uma distinção entre o Éter que representa a luz celestial e o céu dos deuses com Úrano, o céu da natureza e dos humanos. Isto é algo que hoje tendemos a esquecer e que nos leva, uma vez mais, a repensar os planetas para além de Saturno e o seu verdeiro sentido. No caso do eclipse lunar, este aspecto é particularmente importante, uma vez que Úrano se encontra com a Lua, abaixo do horizonte, no reino sob a Terra. É impossível, também pela ausência do elemento Fogo neste eclipse, não relacionar o mesmo com a imagem da caverna, visto que ela representa essa escuridão primordial, essa Noite a partir da qual tudo nasce. 

Na alegoria da caverna, Platão afirma o seguinte: se alguém o forçasse a olhar para a própria e luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objectos para os quais podia olhar” (República 515e, trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 15ª ed., 2017). O medo do feminino, da escuridão uterina, revela, com uma frequência abissalmente comum, o medo da luz. Por norma, aquele que teme a sombra quebra também perante a luz. A revelação, tanto por aquilo que se oculta como por aquilo se expõe, causa quase sempre um temor avassalador, daí que aquele que aceita a luz e nasce da caverna do feminino seja rejeitado e vilipendiado. A excepção e o comum nunca andam de mãos dadas. Porém, tanto a escuridão como a luz, tanto a noite como o dia são o nosso único caminho.

Com o Sol, Vénus e Mercúrio em Escorpião, ambos sob os raios solares e Mercúrio no Coração do Sol, sendo estes, para o tema de Lisboa, os únicos acima do horizonte, o sentido de mediação, segundo aquilo que se oculta, ganha uma nova força, uma outra dinâmica. Na XI, no lugar do Bom Espírito, esta pulsão solar torna-se assim a nascente no interior da caverna, a origem do rio e da passagem. Caído o escorpião, uma águia erguer-se-á, mas engana-se aquele que julga que a águia é um escorpião benévolo, pois se um ataca escondido na terra, o outro precipita-se oculto no ar. A morte é, contudo, uma e a mesma.

Vénus em Escorpião é a sensualidade que mata e o desejo que envenena, é como a música dos UHF “Matas-me com o teu olhar”, e essa morte não é apenas erótica, é também bélica. A deusa do amor e da guerra passeia-se por entre as hordas. Já Mercúrio em Escorpião é palavra que eleva os mortos, o cântico do Psicopompo que guia as almas no submundo. Aqui a palavra é um demiurgo necromante que recupera a sabedoria do passado e dos ancestrais. Neste eclipse, se temermos a morte e os mortos, a destruição, não alcançaremos a sua mensagem.

Existe, porém, nesta palavra sussurrada uma dádiva que emerge: Júpiter e Neptuno em Peixes unem-se triangularmente a esta concentração de luz e sombra em Escorpião. O retorno de Júpiter a Peixes e o reencontro com Neptuno recupera a dádiva das Musas e das Graças. A criação nasce do bem e, mesmo que discreta, pode salvar o mundo. O novo humano nasce também da sua criatividade, daquela que nasce da solidão do espírito e não da vaidade no meio da multidão.

Com Marte em Gémeos, em retrogradação, olhando para trás, quadrangularmente, para Júpiter e Neptuno em Peixes, rangendo os dentes e arranhando os cotovelos, a inveja ficará à espreita e irá expandir esse azedume para com o outro com a força que evita o choque de olhar para si. A aversão do lugar do Sol e dos seus porta-estandartes, Mercúrio e Vénus, ou seja, de Escorpião ao lugar de Marte, Gémeos, revela também este desligamento radical, esta apostrofia tópica, que, neste eclipse, enfraquece o próprio Marte. Paralelamente, e por Marte estar fora do segmento de luz dominante, Saturno torna-se o grande maléfico, tornando estruturante, uma vez mais, o trígono com Marte. O destino coloca a retribuição e a desmedida sobre os excessos da humanidade.

Saturno em Aquário, neste eclipse na II, no lugar do Viver (hora de Lisboa), representa aqui a ameaça sobre os bens de primeira necessidade, sobre a dignidade humana, e a prevalência da desigualdade social sobre a justa distribuição da riqueza. Saturno lança quadrangularmente, a partir do reino sob a terra, os seus raios sobre o eclipse, sobre os astros em Touro e Escorpião, que devolvem a escuridão penumbral, enlaçando-a entre a vida e a morte. As raízes da Terra, com a Lua, Úrano e a Caput Draconis em Touro, na Boa Fortuna (V), junto à Cornucópia de Amalteia, querem lançar, em igualdade, a abundância sobre todas e todos, mas as trevas impedem o caminho do bem.

O grande benéfico, que é Júpiter em Peixes, une-se em trígono (Escorpião) e em sextil (Touro) aos luminares, ao Dragão da Lua e aos planetas que os acompanham e revela, de facto, a via do bem que se oculta sob a sombra do eclipse. Júpiter e Neptuno trazem, de novo, dando à humanidade a outra hipótese de anular os erros do passado, a dádiva da bondade e compaixão, de trazer a si, ao si que se revela depois do eu, a bênção da totalidade, da imersão da alma individual na alma do mundo. Plutão em Capricórnio contribui para esta dádiva com sextil aos astros em Escorpião e Touro, com o poder da morte e com a transformação radical de nos apercebermos que tudo nasce, morre e renasce, que o que se cria também se dissolve. O apego é uma outra senda que não pertence ao caminho do bem.            

Este eclipse lunar total, no eixo Touro-Escorpião, coloca o binómio luz-sombra sobre a vida e a morte, sobre a qualidade do viver e do morrer, estabelecendo sobre o que se cria e o que se perde novas estruturas de valor. Será, deste modo, e se for essa nossa vontade, a Deusa eclipsada, o Feminino renegado, a recuperar o absoluto que pertence à Terra.  

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Eclipse Solar Parcial - Lua Nova em Escorpião

 Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Solar Parcial 

(Lua Nova em Escorpião)

Lisboa, 12h00min, 25/10/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Marte   

Termos: Marte  

Monomoiria: Vénus   

 

  O Eclipse Solar Parcial de 25 de Outubro ocorre no signo de Escorpião, com Sagitário a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) do Sol, com os luminares acima do horizonte, embora na XII, também designada de Pós-Ascensão, o lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), e a cerca de quatro horas após o orto solar (hora de Lisboa), no decanato e termos de Marte e na monomoiria da Vénus. Os eclipses, no eixo nodal Escorpião-Touro, serão particularmente expressivos até ao eclipse total de 20 de Abril de 2023, já em Carneiro, embora a influência de alguns destes eclipses, como o actual, se estenderá pelos próximos anos, marcando assim essa ponte entre a morte a vida, entre as estruturas de valor que constroem a realidade e alimentam a nossa actividade.  

  A distribuição planetária pelo tema consolida a ideia – e que aliás será demonstrada pela matriz da série Saros em que este eclipse se insere – de que os elementos estruturantes (Terra e Ar) actuam agora de forma mais activa do que os elementos dinâmicos (Água e Fogo). Em primeiro lugar, deve-se estabelecer as fundações da uma nova realidade para depois colocar em movimento as novas forças criativas. Porém, metade dos astros, se considerarmos os transaturninos, encontram-se abaixo da linha do horizonte, o que potencia, no elemento Água, o princípio de sombra uterina do próprio eclipse.

  Mercúrio é a luz mais alta e a Estrela da Manhã, mas o eclipse ocultará a sua luz, bem como a de Vénus, a Estrela da Tarde, e, junto ao Poente, caindo para o reino sob a Terra, a de Marte. O número pode assim encobrir o sentido preciso e profundo deste eclipse, ou seja, Escorpião, qual timoneiro da morte, encerra em si, como um nevoeiro denso e temível, as chaves do abismo, e sem se descer ao abismo não se sobe à montanha. Essa é a dureza da verdade e do caminho da sabedoria, é como uma via iniciática que se trilha com esforço desapegado e despido de toda a vaidade.     

  Um eclipse tem o potencial extraordinário de colocar a sombra e a luz sobre o tempo e espaço, ocultando e revelando a sua dádiva. Ora, em termos geográficos e segundo as lições da astrologia antiga, Manílio refere primeiramente que Escorpião governa Cartago, a Líbia, o Egipto, Cirene, a Itália e a Sardenha (Astronomica IV, 777-82), enquanto Vétio Valente (Antologia I,2) diz-nos que Escorpião rege a Mesopotâmia, a Babilónia, a Grécia, a Acaia, Creta, as ilhas Cíclades, o Peloponeso, a Arcádia, Cirene, a Dória, a Sicília, a Pérsia, Metagonitis ou a Numídia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Mauritânia, a Getúlia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Síria, Comagena (Ásia Menor), a Capadócia, Itália, Cartago, a Líbia, Amom (Jordânia), Espanha e Roma.

  A sombra do actual eclipse cobre de facto muitas destas áreas, estendendo-se desde a Islândia até ao norte da Mongólia, entre o norte de África e o Médio Oriente e as regiões árcticas. No entanto, o centro do eclipse ocorre entre as cidades russas de Surgut e de Nizhnevartovsk, na planície siberiana ocidental. Estas são duas cidades cuja riqueza resulta especialmente do gás natural e do petróleo, alertando-nos para um agravamento da crise dos bens de primeira necessidade. Aquilo que tem valor está sob julgamento. De uma forma simplista e animada pela propaganda ocidental, dir-se-ia que a sombra da morte recairá sobre a Rússia e que a Ucrânia inverterá o ónus bélico, mas o lugar da morte pode também ser o sítio a partir do qual ela se expande, o seu actual domicílio. A guerra é sempre guerra e a humanidade perde sempre.

  Independentemente da perspectiva, a realidade diz-nos que será a partir deste território, seja qual for o lado das barricadas, que as hordas de falsos valores conduzirão a humanidade até às suas ruínas. A lição de uma sizígia sob corpo do Dragão da Lua e no signo de Escorpião remete-nos para uma concentração de luz e sombra num elemento destrutivo e este não é apenas a guerra, vai muito para além dela, pois coloca-nos no limiar do abismo, sem a segurança do fio de Ariadne, e obrigando-nos a centrar, ou recentrar, no essencial. Joseph Campbell, em O Poder do Mito, diz-nos: “Ama os teus inimigos porque eles são os instrumentos do teu destino.” (trad. J. F. Moisés, 174. São Paulo, 1990: Palas Athena). E, para aquele que se firma somente na vida (Touro) não existe maior inimigo que a morte (Escorpião), mas a vida e a morte, seja pela aceitação ou pelo temor, são os instrumentos originais do nosso destino.

  O tempo, face ao destino, surge assim como a cruz que se carrega por amor. O Amor de Deus vive na totalidade do tempo, na eternidade, todavia, o humano teme o instante e a eternidade, pois estes são, na verdade, um e o mesmo. A Necessidade, neste eclipse, traça os seus ditames de forma oculta. Se, de uma forma um pouco diferente do método ptolemaico, considerarmos três factores antigos, ou seja, o avanço de 10º do eixo nodal a cada eclipse de uma série Saros, a magnitude do eclipse e os tempos de ascensão para o centro do eclipse, constatámos então que a influência deste eclipse poder-se-á estender dos seis meses até aos quatro anos e meio. Este efeito funda-se num sentido que se encontra profundamente enraizado nas transferências de luz e sombra da presente série Saros.

  Bernadette Brady, em Predictive Astrology, acerca do conceito de série Saros, afirma o seguinte: “Imagine-se todo o conceito como uma floresta. Cada série Saros é uma árvore na floresta e cada eclipse é uma folha dessa árvore em particular.” (2022: 196. Newburyport: Weiser Books. Originalmente: The Eagle and the Lark, 1992). Cada série Saros produz um eclipse solar a cada 18 anos e 9 ou 11 dias, consoante os anos são bissextos, e estender-se-á por cerca de 650 anos. À medida que a série avança, cerca de 10 graus a cada eclipse, o eclipse acontece mais perto do eixo nodal, reduzindo-se a orbe entre o eixo e eclipse. Se a série começou no Pólo Norte, ela terminará no Pólo Sul, e vice-versa. Existe neste conceito não só um sentido profundo, riquíssimo para a Astrologia Mundana ou Global, mas também uma enorme beleza.

  O primeiro eclipse de uma série e o seu tema astrológico servem de matriz para toda a série, é o seu tema genetlíaco. A série Saros 124 começou com o eclipse de 3 de Março de 1049. Ora, a 12 de Fevereiro, Leão IX tornou-se papa e este será o pontífice que marcou, até 1054, o período que conduziu ao Grande Cisma, à separação entre a igreja católica e a igreja ortodoxa. Pode parecer, à primeira vista, apenas um acontecimento ou fenómeno espiritual, todavia, este cisma estabeleceu um conjunto de alterações políticas que subsistem até aos nossos dias. Por outro lado, o último eclipse da primeira fase, isto é, da primeira fase eclipses parciais, deu-se a 1 de Junho de 1193. Uma data que consolidou o desfecho da terceira cruzada: morre Saladino e o rei Ricardo I, no seu regresso, é capturado por Leopoldo V, duque da Áustria, e entregue ao imperador Henrique VI, por suspeita de envolvimento no assassinato de Conrado de Monferrato, eleito rei de Jerusalém.

  O Sol, a Lua, Vénus e Mercúrio em Peixes, no eclipse matriz (06/03/1049), em sextil a Saturno em Capricórnio e também Neptuno em Carneiro em sextil a Júpiter e Plutão em Aquário favorecem estes acontecimentos e determinam uma tendência que está presente em toda a série. De facto, no primeiro eclipse total que assinala o início da segunda fase (12/06/1229), os factos históricos prosseguem em sentido similar, pois, nesse ano, termina a sexta cruzada na Terra Santa e é assinado o Tratado de Paris que impõe o fim da cruzada albigense que, por consequência, leva a igreja católica a estabelecer permanentemente o Santo Ofício da Inquisição em Roma, chefiado pela ordem dominicana.

  A segunda fase da série Saros 124, aquela em que ocorreram os eclipses totais, estendeu-se até ao eclipse total de 22 de Setembro de 1950 ou até ao eclipse híbrido de 3 de Outubro de 1986. No primeiro, a Guerra da Coreia domina o panorama geoestratégico mundial, mas também ideológico. Deve-se destacar que, na data do próprio eclipse, começou a Segunda Batalha de Seul e, no dia seguinte, a Batalha da Colina 282. Já na data do eclipse híbrido, convém salientar o sismo de San Salvador (10/10/1986) e o encontro de Reagan e Gorbatchev, em Reiquiavique, para se discutir a redução do arsenal bélico. Este encontro falhou o seu propósito. Porém, do ponto vista astrológico, o centro do eclipse ocorreu na costa da Islândia, confirmando o seu sentido.

  A terceira e última fase da série iniciou-se com o eclipse parcial de 14 de Outubro de 2004 e terminará a 11 de Maio de 2347. No eclipse de 2004, menos de duas semanas após o mesmo, assinou-se o Tratado de Roma, a primeira constituição europeia. É assim bastante evidente que esta série está profundamente enraizada em valores espirituais e políticos, todavia, quando são colocados em acção, assumem-se, com frequência, quer como promotores de concórdia, quer como fontes de intolerância e até de totalitarismo. A intensidade maléfica do actual trígono de Ar, ou seja, Mercúrio em Balança, Marte em Gémeos e Saturno em Aquário, possui muitos dos elementos que corromperam o pensamento, as ideias e a comunicação. A superficialidade com são abordados muitos dos temas é exemplo disso mesmo, bem como o poder disruptivo da propaganda e da desinformação.

  A aversão entre o eclipse, entre a posição dos luminares e de Vénus em Escorpião, e Marte em Gémeos estabelece-se com profundidade, pois não se funda apenas na posição geométrica e na respectiva ausência de aspecto ptolemaico, mas também no facto de o regente domiciliar do eclipse se encontrar neste lugar disfuncional, onde a morte da sombra e da luz, sugerida pelo eclipse, é de facto anunciada. Existe aqui, nesta aversão, uma destruição que não é explícita, mas que se oculta no prenúncio de Hades, na sua sombra sob a terra, sob o reino de Deméter. A relação do eclipse com Júpiter em Carneiro fundamenta-se também numa aversão, contudo, quer por ser um benéfico, quer por não ter a mesmo dignidade em Escorpião ou ainda pelo trânsito futuro por Peixes e depois por Touro, não assume o mesmo carácter que Marte em Gémeos.            

  O segmento de luz intensifica também o carácter maligno de Marte, fazendo deste o grande maléfico do eclipse. Já Saturno em Aquário, apesar de atenuado pelo segmento de luz diurno, une-se quadrangularmente com os luminares e com Vénus. Este traz consigo a morte de Penteu, o rei de Tebas que casou com Harmonia, filha de Afrodite e Ares. As bacantes, adoradoras de Dioniso, confundem, no seu frenesim, Penteu com um javali e matam-no. É Dioniso quem leva as bacantes a cometer o acto, porque Penteu renegava o deus e desrespeitava o seu culto. O carácter apolíneo de Penteu, enraizado aqui em Touro, opõe-se ao dionisíaco, à expressão de Escorpião e este é o eixo nodal, o corpo do Dragão da Lua, que rege este eclipse. Saturno em Aquário concede quadrangularmente, com peso, com gravidade, a este eixo e a esta oposição entre Apolo e Dioniso, entre Touro e Escorpião, a ὕβρις, a desmedida. Existe, deste modo, uma nova tensão nas fundações da Natureza.

  A relação do eclipse com os transaturninos pode encontrar também aqui uma matriz de sentido que é mitológica e astrológica. Se Escorpião é Dioniso, então a sombra do eclipse vai levar a estes planetas o êxtase da destruição, o frenesim da separação, aquele em que o indivíduo se perde, emergindo num delírio espiritual e místico. As profundezas reservam para si esse poder. Tem de existir uma renovação pela morte. Esta é a condição necessária para o renascimento, para a chegada de uma nova luz. A sabedoria voltará a brilhar, pois morto o velho humano, o novo nascerá.

  A forma como, no entanto, este princípio leva os seus raios aos planetas transaturninos obriga-nos a rever a estrutura conceptual que lhes outorgarmos, pois se analisarmos com cuidado a mitologia de Úrano, de Neptuno e de Plutão, percebemos que podemos estar a cair numa falácia. Quando, para facilitar a interpretação, a astrologia contemporânea colou o significado dos signos primeiro ao significado das casas na ordem vernal e depois destas aos seus regentes, criou-se um sentido que pode ser desadequado e exagerado. Algo que, pelo peso da tradição, não aconteceu com os restantes planetas. Contrariou-se, por exemplo, o valor conceptual do thema mundi e o significado tópico do sistema de casas, ambos criados pela matriz hermética da astrologia antiga. A mitologia pode refundar estes conceitos e trazer outros sentidos aos transaturninos.        

  A oposição entre os luminares e Vénus em Escorpião, sob o manto do eclipse, e Úrano em Touro tem, neste binómio nietzschiano de apolíneo e dionisíaco, uma hegemonia do tirso, qual deus itifálico, sobre o deus castrado emasculado. A castração de Úrano não é, de um ponto de vista astrológico, a consequência directa de uma certa androgenia de Hermes/Mercúrio. Úrano é castrado por Cronos/Saturno por se recusar a separar-se de Gaia, impedindo os seus filhos de sair do seu ventre. Na verdade, a posição de Úrano em Touro reforça este aspecto. Este é também o céu agressor e o símbolo da terra abusada, subjugada. A actual quadratura de Saturno e Úrano traduz, neste cenário mitológico, a libertação da Terra do seu jugo. Hoje o abusador é o humano e a Terra clama por liberdade.

  De uma outra forma, o trígono com Neptuno em Peixes mostra como o deus Posídon não representa de todo a ilusão ou a evasão. É um deus dominante, misógino como Zeus, que tomou o trono de Eurínome, a deusa do mar e da origem, e que sob a forma de cavalo é sexualmente prolífico, daí que represente aqui a teogamia e a fertilização divina. Já o sextil com Plutão em Capricórnio introduz, por exemplo, como o deus romano Plutão representa a abundância, pois as riquezas nascem sob a terra, no seu domínio. Ora, indicando Capricórnio o corno de Amalteia, a cornucópia da abundância, esta posição adquire assim um outro sentido. Este é o poder da semente. Os planetas transaturninos devem pois passar por uma refundada exegese que os liberte do pensamento único.

  Neste eclipse, o grande benéfico, devido ao segmento de luz, é Júpiter em Carneiro. No signo que é fogo em acto, exacerbará a dinâmica criativa, mas aquilo que cria também destrói. Essa é a regência domiciliar de Marte sobre Carneiro. A actual oposição de Júpiter e Mercúrio, estando em Balança, mas ainda sobre os raios sombrios do eclipse (15º), estende diametralmente a dádiva e a palavra. Existe uma separação entre a justiça e o pensamento. A ilusão da propaganda populista e belicista serve essa cisão. O sextil, símbolo do livre-arbítrio, entre Júpiter em Carneiro e Marte em Gémeos, entre o grande benéfico e o grande maléfico do tema do eclipse, consolida aqui, de forma negativa, esta tendência para a corrupção da justiça e do pensamento.  

  Já, por outro lado, o sextil entre Júpiter em Carneiro e Saturno em Aquário pede à liberdade humana uma integração do destino na dádiva, criando uma outra justiça. A nova era, o tempo do Espírito Santo, do Divino Feminino, cria, sob os auspícios de Júpiter e Saturno, o espaço e o tempo para a Sabedoria. Porém, existem agora três quadraturas que minam os passos que hoje temos de dar nesse sentido. São elas a quadratura de Mercúrio em Balança e Plutão em Capricórnio, a de Marte em Gémeos e Neptuno em Peixes e a de Júpiter em Carneiro e Plutão em Capricórnio. Todas revelam, tal como a mensagem do Dragão da Lua indica, os falsos valores que estão demasiados enraizados e que a humanidade teima em defender. O falso sentido de universalidade, a obstinação do pensamento único e a parcialidade da injustiça impedem a mudança necessária.

  Um eclipse solar em Escorpião, mais do que em qualquer outro signo, coloca-nos perante a Sombra, não aquela que tudo escurece, mas aquela que oculta a Luz.