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terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Solstício de Inverno

  Reflexões Astrológicas

Estações



Solstício de Inverno

Lisboa, 21h49min, 21/12/2022

 

Sol

Decanato: Júpiter

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Saturno

 

 

 

  O Solstício de Inverno (Hemisfério Norte), assinalado pelo ingresso do Sol em Capricórnio, representa, como o próprio signo indica, a ideia de culminação, a chegada ao cume da montanha, a vitória da luz sobre a sombra. Os solstícios são, a par do ciclo lunar mensal, os principais eventos do ano astrológico primordial, sobretudo na sua relação com a Natureza, com os ciclos que o paganismo, desde tempos sem memória, celebra e continua a celebrar. A ideia de finalidade surge agora como símbolo, como mimésis da realidade, pois é nos momentos mais escuros, mais difíceis, que a sobrevivência e a vida com sentido se tornam fundamentais.

  Os solstícios são as duas grandes festas do ano solar. No Verão, o Rei Carvalho encontra o seu auge e assim, sabendo que tudo nasce, morre e renasce, entrega o ceptro ao Rei Azevinho que governará o período em que a luz mingua até à escuridão, até ao momento em que morrerá para trazer a Criança Prometida, o novo rei. A roda é, por excelência, a matriz do tempo astrológico, do ciclo, do eterno retorno, que é bem diferente do tempo linear, aquele que marca a concepção tradicional judaico-cristã e que, com frequência, é quase impossível de conciliar com esse tempo circular de regresso a si mesmo.

  A imagética em torno de Capricórnio conduz-nos, por vezes, para uma percepção errónea de uma certa masculinidade ambiciosa, resiliente e focada, como a que é apreciada pelo paradigma socioeconómico vigente. No entanto, Capricórnio é um signo feminino. É a cabra que vence a montanha, as escarpas a pique, e que alcança, segura de si mesma, o alto cume, e é também Amalteia, a cabra ou a ninfa que alimentou Zeus/Júpiter em criança ou ainda a cabra indestrutível e invencível que o ajudou, quando estava fragilizado e sem tendões, a vencer Tífon. No fundo, é a força que vence a probabilidade, é o espírito inquebrável do feminino.

  Depois da morte de Osíris, essa força é também Ísis, a deusa de mil nomes que dará à Luz, no Solstício de Inverno, a Criança Prometida, Hórus, o recém-nascido que terá de vencer as trevas, de lutar com Set, para trazer a Primavera, os frutos do Verão, à terra negra. Ísis supera todas as dificuldades, todos os obstáculos, e torna-se a possibilidade do renascimento. A mumificação e o sepultamento de Osíris acontecem entre 3 de Novembro e 21 de Dezembro e Hórus nasce a 23 de Dezembro como touro de sua mãe, ocupando o trono vacante da terra, a própria deusa Ísis. Hórus, como novo rei, assimilará o disco solar e tornar-se-á Hórus-Ré, um novo deus Sol.    

  No Corpus Hermeticum, no Discurso de Nous a Hermes, podemos encontrar uma síntese do sentido que se oculta na profundidade deste mito, quando se diz que Assim como a Eternidade é a imagem de Deus, o mundo é a imagem da Eternidade, o Sol é a imagem do mundo, o homem é a imagem do Sol” (XI, 15 in Hermes Trismegisto, Corpus Hermeticum e Discurso de Iniciação com a Tábua de Esmeralda, ed. M. Pugliesi & N. de Paula Lima. São Paulo: Hemus, 1978, 57). Ora este crescente de ser e sentido de Humano, Sol, Mundo, Eternidade e Deus oculta uma matriz feminina que é também, na origem, essa mesma Eternidade, a imagem permanente de um deus indeterminado e inefável. Os nossos conceitos estão, deste modo, demasiado masculinizados e tendem a suprimir, mesmo sem consciência, a realidade divina feminina.

  A deusa não nasce, morre e renasce, ela permanece e só o seu rosto muda, ela é o silêncio primordial, a noite a partir da qual tudo nasceu, mas ela é também a Roda do Tempo, a Necessidade, aquela que tece o começo da vida, segue o seu curso e observa o seu fim. Na regência das árvores, pois quem vê uma árvore pode também ver o céu, o dia 22 de Dezembro é governado pelo Sabugueiro, representando a morte, e o dia 23, o Abeto-prateado, o renascimento, a primeira árvore de Natal. Estas são duas árvores da Deusa e particularmente sagradas, consagradas ao divino feminino, e que representam igualmente esse simbolismo da Roda do Tempo.  

  No solstício de Inverno, a deusa que, no solstício de Verão, era a Morte na Vida é agora a Vida na Morte, ela é a rainha da escuridão, do frio, da chuva e do gelo que cai sobre a terra. Hécate surge, no Inverno, como senhora tríplice dos caminhos cruzados, revelando que, na noite escura, é o feminino que eleva a candeia. A deusa, como senhora eterna de seu filho, consorte e irmão, é a única que preserva e garante o regresso do Deus da Luz. E é o feminino que avisa o Príncipe do Mal que o Príncipe da Paz está a chegar. Hórus, Krishna, Dioniso, Mitra, Buda, Jesus, entre outros, são a Criança Prometida, a esperança de renovação, ou redenção.

  Esta luta da Luz contra a Sombra firmará a sua vitória nas Candelárias e, num primeiro momento, num período que vai de 24 de Dezembro a 20 de Janeiro, é a Bétula a árvore que governará a origem ou o começo da expulsão dos espíritos nefastos. Existe naturalmente, neste tempo solsticial, uma necessidade de purificação e esta assume as mais variadas formas. No nordeste transmontano, a festa de Santo Estevão, entre os dias 24 e 26 de Dezembro, é uma festa de rapazes, onde os caretos, pela alvorada, fazem a sua chocalhada e, entre a folia e a tropelia, mostram como o jovem Rei Carvalho se inicia nessa luta da Luz contra Sombra. Estas festas trazem consigo reminiscências de ritos antigos e preservam no símbolo a memória.

  A Saturnália, dedicada a Saturno, originalmente um deus agrícola romano, promovia uma inversão da ordem social, onde nobres faziam de escravos e escravos, de nobres. Na Saturnália, no início realizada a 17 de Dezembro (calendário juliano), mas que mais tarde se estendera até 23 de Dezembro, não se trabalhava, o que a par da folia remeteria para a Idade de Ouro, onde a humanidade viveria em paz e abundância. Ora Capricórnio e Aquário são regidos tradicionalmente por Saturno e o planeta que astrólogos, estudantes de astrologia e curiosos conhecem pela sua austeridade não é bem o mesmo que é celebrado na Saturnália. O estudo da mitologia revela sempre os seus benefícios e esta inversão da ordem social é preciosa para o entendimento do Saturno astrológico.

  Este regente natural do solstício de Inverno traz agora consigo um sentido profundo, pois até ao fim da estação transitará de Aquário para Peixes, ou seja, deixará o signo que rege para avançar para o signo regido por Júpiter e onde Vénus se exalta, passará também do masculino para o feminino. A chegada de Saturno a Peixes, a 7 de Março, é a grande mudança da estação, pois o ingresso de Plutão em Aquário e de Marte em Caranguejo já será na Primavera, a 23 e a 25 de Março. Saturno em Peixes conserva, na verdade, o espírito da Saturnália, trazendo às estruturas humanas uma necessidade de renovação de valores, de inversão ou transformação da ordem social. A solidariedade, sobretudo à medida que Saturno se aproxima de Neptuno, trará consigo o poder da retribuição. A incapacidade social de trazer a empatia aos laços humanos pagará agora o peso da desmedida.

  Por outro lado, é preciso referir ainda a retrogradação de Mercúrio, de 29 de Dezembro de 2022 a 18 de Janeiro de 2023, e a passagem de Úrano a directo a 22 de Janeiro. A permanência da maior parte dos astros nas suas posições conserva, de facto, o simbolismo do Inverno, da chama que alimenta a lareira. No hemisfério sul, esta constância será como uma fogueira na praia, ao entardecer. No entanto, estas imagens não anulam nem os desafios, nem as oportunidades. Estas mudanças no movimento, da actividade à potência e da potência à actividade, reafirmam a efectivação planetária ou a sua suspensão. Mercúrio retrógrado apontará a via do pensamento, já Úrano directo dará uma oportunidade ao espírito revolucionário que pode salvar o planeta. O movimento é possibilidade.

  A luz, quando se espalha, tem o poder imenso de transformar a realidade e, num solstício de Inverno, quando a luz é uma pequena chama, guardada como um tesouro, esse valor surge reafirmado. Jâmblico de Cálcis diz-nos, no Dos Mistérios, que “Tal como quando o sol brilha, a escuridão, pela sua própria natureza, não é capaz de resistir à luz, e subitamente se torna totalmente invisível, retirando-se por completo para as suas brumas, e acabando por terminar, também quando o poder dos deuses, impregnando todos com os seus benefícios, resplandece em todas as direcções, o tumulto dos espíritos nefastos não tem lugar, e não se podem manifestar seja de que forma for, mas são afastados como nada ou não-ser, tendo uma natureza que de forma alguma se pode mover quando seres superiores estão presentes, ou que não é capaz de causar-lhes constrangimento quando eles brilham.” (III, 12, traduzido a partir de Iamblichus: De mysteriis, ed. E. C. Clarke, J. M. Dillon & J. P. Hershbell. Atlanta, 2009: Society of Biblical Literature, 152-3). É preciso, hoje mais do nunca, guardar a luz que afasta as trevas e Júpiter em Carneiro pode fazer erguer a espada da justiça, de um novo equilíbrio.

  Dada a proximidade entre o Solstício (21 de Dezembro) e a Lua Nova (23 de Dezembro), a actual situação astrológica será abordada na reflexão da Lua Nova, pois a mensagem que persiste neste Solstício de Inverno é a de tornar vivo o fogo da esperança, a promessa do amanhã. Na escuridão, um pequena chama pode fazer a diferença e a humanidade precisa dessas centelhas.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Equinócio de Outono

Reflexões Astrológicas

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Equinócio de Outono

Lisboa, 02h04min, 23/09/2022

 

Sol

Decanato: Lua

Termos: Saturno

Monomoiria: Vénus

 

             Se o Equinócio da Primavera é, por excelência, um tempo de iniciação, o Equinócio de Outono indica então um tempo de repouso. A colheita iniciada em Agosto, no Lughnasadh ou Lammas da tradição pagã, mas cujo potencial teve origem no Solstício de Verão, começa agora a chegar ao seu termo. É a segunda e última colheita. Naturalmente, para o Hemisfério Sul, a interpretação é a inversa e poderá ser encontrada na reflexão acerca da Primavera. No entanto, o sentido de tempo após a colheita é universal seja qual for o período anual em que se fixa. Este é o tempo em que o grão se torna pão. É o tempo em que a vinha se torna vinho. A Mãe-Terra entrega assim ao Filho-Luz o seu último alimento.

            Os equinócios representam o equilíbrio, a harmonia. O dia e a noite estão ao mesmo nível. Porém, no fluxo anual existe uma continuidade e tudo segue o seu curso. O Sol prepara-se para a sua morte e a escuridão aproxima-se. As festas de São Miguel Arcanjo celebram-se uma semana após o equinócio: a 29 de Setembro. Ora o Arcanjo Miguel e o Portador da Luz (Lúcifer) são, na verdade, os guardiões da luz, deste equilíbrio equinocial. E, neste caso, estão ambos nos pórticos da luz, esperando pelo Inverno, pelas trevas e pela morte. O Sol extinguir-se-á para que um novo Sol possa renascer. A fénix voa morrente sobre nós.

            De um ponto de vista astrológico, esta tensão do equilíbrio é expressa pelo eixo Carneiro-Balança, pelo olhar de frente (oposição) entre Marte e Vénus, os domicílios diurnos destes signos. Curiosamente, o senhor do destino e da necessidade, o Dragão da Lua estende agora o seu corpo pelos domicílios nocturnos destes planetas (Escorpião-Touro). Com base na referência anterior, e de forma mais masculinizada, ou seja, por temor do feminino, estes são também o Arcanjo Miguel (Marte) e Lúcifer (Vénus). Ora este choque da polaridade, criando a harmonia ou a tensão, faz dos equinócios um momento de stress, de pressão psíquica. O medo da ausência da luz paira sobre o mundo e sobre o humano. A energia, fervilhando, trespassa, deste modo, tudo e todos na esperança de harmonia, de equilíbrio.

            Jung diz-nos, no Livro Vermelho, que “o diabo é a soma da escuridão da natureza humana. Aquele que vive na luz luta para ser a imagem de Deus; aquele que vive na escuridão luta para ser a imagem do diabo.(The Red Book 2009: 322 [H1 176]. Ed. S. Shamdasani. Nova Iorque/ Londres: Philemon Series, W. W. Norton & Company. A tradução é da minha responsabilidade). Existe no Equinócio de Outono, nos meses que o cercam, esta tensão entre a escuridão e a luz, entre as imagens de Deus e do Diabo e esta angústia da identidade, em si e no outro, torna-se dominantemente interna. A sua expressão externa, ou mundana, resulta do imperativo do repouso, do olhar que se fixa sobre si. Nas profundezas e nas alturas da luz e da escuridão, aquele viaja pode alcançar o olhar do abismo e o olhar da montanha e, em comunidade, como viajante renascido, transformar o mundo.

            O Outono traz consigo a espera da folha caída, o tempo intermédio, entre mundos, de guardar, contemplando, o grão e o pão. Esse é naturalmente um esforço interno que, por vezes, sai astrologicamente reforçado. É o caso destes meses de Outono (ou de Primavera para o Hemisfério Sul, neste caso, como iniciação). Neste período, o movimento planetário centrar-se-á na passagem de retrógrado a directo ou do seu inverso.

            Mercúrio, que se encontra retrógrado, ficará directo no dia 2 de Outubro. Já Marte iniciará a estação em movimento directo, mas, no dia 30 de Outubro, passará a retrógrado. Esta retrogradação estender-se-á até 12 de Janeiro de 2023, já em pleno Inverno, permanecendo, porém no mesmo signo, em Gémeos. Como sentido profundo, a acção tornar-se-á potência e o carácter, potencialidade. Júpiter começa retrógrado, assim ficando até 23 de Novembro, e, no dia 28 de Outubro, sairá de Carneiro, permanecendo em Peixes até ao dia 20 de Dezembro (véspera do Solstício de Inverno). A justiça e o bem expandir-se-ão entre a acção e a totalidade. Saturno deixará a sua retrogradação no dia 23 de Outubro, tornando a consciência do tempo numa aceitação da necessidade.

            Quanto aos planetas transaturninos ou transpessoais, Úrano e Neptuno mantêm a retrogradação, respectivamente em Touro e Peixes, enquanto Plutão em Capricórnio passará a directo no dia 8 de Outubro. Ora este caminho de avanço real e do recuo aparente será particularmente intenso na estação que agora se inicia. Saturno e Plutão são aqueles que, de forma mais célere, irão escapar a esse processo interno de retorno a si mesmo, fazendo da sua acção um processo efectivo e que exteriormente se concretiza.

            A partir do outro, da apreensão da dualidade (Balança), o eu (Carneiro) já não regressará ao próprio eu, terá de integrar e expressar o si. Esse esforço, essa tensão, firmar-se-á entre a Luz e a Sombra, entre o olhar de Marte e o olhar de Vénus. No entanto, a Necessidade (Saturno) e a Morte (Plutão) tendem agora, por força da acção directa, a criar as suas raízes, trazendo os frutos da sua obra aos tempos de escuridão que se avizinhavam. A escuridão não deve, todavia, alimentar o temor, deve sim servir de sentido profundo, pois só na noite escura é que a candeia da alma se erguerá.

            Nas Máximas de Delfos, encontramos dois aforismos que marcam este processo de transformação: πρρόνοιαν τίμα (Honra a providência) e ἄρχε σεαυτοῦ (Governa-te a ti próprio). Ora a aceitação do destino e o governo de si mesmo actuam como ponte, sobretudo no tempo de repouso, para a passagem da escuridão à luz. Existe um aspecto astrológico que marca o equinócio e que confirma a mensagem destas máximas. O Sol e Mercúrio em Balança unem-se triangularmente a Marte em Gémeos e a Saturno Retrógrado em Aquário.

            Um trígono com os dois maléficos, já diziam os antigos, tem um sempre um efeito maligno, apesar de ser um trígono, contudo, pelo modo como um triângulo reúne em si a força da necessidade, a Providência faz do mal e da destruição uma condição de potencialidade, ou seja, só depois da queda existe ascensão e é do abismo que desejamos o cume. No entanto, por ocorrer no elemento Ar, coloca um peso, uma gravidade, nas ideias e na comunicação. A intolerância, por vezes violenta, pode destruturar a paz social e acentuar as assimetrias e as desigualdades sociais. Existe palavras que destroem e essa será uma experiência nos próximos meses.

            De um outro modo, a dupla quadratura de Marte em Gémeos a Vénus em Virgem e a Neptuno em Peixes que, desta forma, se opõem, assume também um carácter estruturante e dinâmico. Marte lança um olhar quadrangular a Vénus e à sua oitava sobre um eixo (Virgem-Peixes) que rege, por excelência, o serviço à humanidade e à divindade. O cuidar da parte e do todo, a solidariedade com elemento civilizacional, sofre aqui uma enorme ameaça, pois a palavra como forma de manipulação e propaganda, isto é, como arma, não de luta social, mas de imposição de narrativas, será agora particularmente nociva.

            Paralelamente, encontramos um triângulo no elemento Terra que reúne Úrano e a Caput Draconis em Touro, Vénus em Virgem e Plutão em Capricórnio. Existe aqui, como também é próprio de um equinócio, uma necessidade de integração da dádiva, ou seja, é imperativo que se colham as graças da abundância, da Mãe-Terra. Porém, Úrano e Plutão podem, ou melhor dizendo, exigem, que novas formas de receber essas dádivas sejam criadas e, para que isso aconteça, as velhas formas de lidar com a riqueza, com os bens de primeira necessidade, com tudo aquilo que se recebe e produz a partir da Mãe-Terra vão ter de morrer, de ser destruídas. Na verdade, essa é também a mensagem do Dragão da Lua sobre o eixo Escorpião-Touro. Só existirá um novo modo de viver quando os velhos valores sucumbirem. A vida nascerá assim da morte.

            Dada a proximidade temporal da Lua Nova (dia 25), deixarei algumas das posições e aspectos para essa reflexão. Porém, a posição da Lua merece ainda a nossa atenção. A Lua encontra-se em Leão, no domicílio do Sol, com quem se une, juntamente com Mercúrio, em sextil. Lança igualmente raios hexagonais para Marte em Gémeos e triangulares para Júpiter em Carneiro, olha de frente (oposição) para Saturno em Aquário e estabelece uma tensão quadrangular com Úrano e o Dragão da Lua. Esta posição relativa da Lua coloca a nobreza da alma, a sua expressão biológica e emocional, bem como o carácter, sobre os laços da liberdade e os nós do destino. Estão colocados pois, nos passos da humanidade, os sinais que firmam a sua vida e determinam a evolução da alma.

            Neste Equinócio de Outono, ao seguirmos o repouso após a colheita, relembramos a lição de que é no silêncio que repousa a sabedoria e, perante as sombras, os sábios não choram, rejubilam. O Divino Feminino, a Sagrada Sabedoria e a Deusa, tal como em Elêusis, esperam por nós com a semente do nosso futuro e essa é dádiva da esperança.    

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Solstício de Verão

 Reflexões Astrológicas

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Solstício de Verão

Lisboa, 10h14min, 21/06/2022

 

Sol

Decanato: Vénus

Termos: Marte

Monomoiria: Lua

 

  

  O Solstício de Verão (Hemisfério Norte), com o ingresso do Sol em Caranguejo, é por excelência uma celebração da luz, não a luz que vence as trevas, como a que se começa a sentir nas Candelárias (a Thesmophoria dos mistérios de Elêusis), mas sim a luz que fertiliza. O Rei Carvalho surge como senhor do Verão, reinando até que a morte o vença e o Rei Azevinho, senhor do Inverno, ocupe o seu lugar. As bagas brancas do visco sagrado, crescendo no carvalho, são substituídas pelas bagas vermelhas do azevinho, entre umas e outras, as bagas negras do sabugueiro, consagrado à Senhora e cuja madeira não pode ser queimada sob a pena de maldição, assinalam a continuidade do seu poder.  

  Nesta mimésis da realidade, o Rei morre e renasce, tal como a luz surge e desaparece, mas a Deusa, Senhora da Roda do Tempo e do Caldeirão do Mundo, não conhece a morte e a destruição. A Deusa é a Lua que muda de rosto, mas permanece a mesma, é a Morte na Vida e a Vida na Morte. A religião patriarcal suprimiu a Deusa, mas o sentido profundo do seu papel nesta mimésis da realidade sobreviveu, continua activo. O Sagrado Feminino é assim, no Verão, a Morte na Vida e, no Inverno, a Vida na Morte, daí que o ingresso do Sol em Caranguejo represente a Origem e em Capricórnio o Fim.

  Existe naturalmente, nesta simbólica de matriz pagã, uma relação implícita deste eixo Caranguejo-Capricórnio com o eixo Touro-Escorpião, que representa a Vida e a Morte - e onde hoje se encontra o Dragão da Lua -, ou seja, quando, em Touro, a Deusa e o Deus se unem, gerando o Rei-Menino, é esse o fruto que, a partir do poder de sua Mãe (Caranguejo), surgirá no auge da luz como Senhor do Verão ou quando, em Escorpião, a Senhora da Roda levar até ao Rei a sua Morte (Escorpião), será o Rei-Morto no seu cume de vida a tornar-se o Senhor do Inverno.

  O eixo solsticial Caranguejo-Capricórnio, tecendo o veio da Origem ao Fim, para além de marcar a influência da luz que cria e destrói e a importância primordial e radical do Verão e do Inverno, serve também para relembrar e reafirmar astrologicamente a ordem estabelecida no thema mundi como alternativa à ordem vernal (Carneiro na Casa I). Ao colocar-se Caranguejo a marcar a Hora, na Casa I, e Capricórnio no Poente, na Casa VII, conservamos o sentido profundo apresentado na mimésis pagã da realidade, acima mencionada, e que está também em harmonia tanto com os significados herméticos do círculo dos doze lugares (δωδεκατόπος) como com os mistérios de Mitra, em especial, com a arquitectura simbólica do mithraeum.

  Em termos de regência zodiacal e domiciliar, o Verão inicia-se sob os auspícios de Caranguejo e da Lua, passando depois para Leão e para o Sol. A Água e o Fogo tornam-se consequentemente elementos dinâmicos de fertilização e maturação, uma condição para a colheita no fim do Verão, no início do Outono. Ora é este o sentido que encontramos no Corpus Hermeticum (Discurso de Hermes Trismegisto: Poimandres) quando se afirma o seguinte: Como disse então, o nascimento dos sete ocorreu do seguinte modo. Feminina era a Terra. A Água fertilizava. O Fogo era a força de maturação. A Natureza tomou o sopro vital do éter e fez nascer os corpos sob a forma humana. Da vida e da luz, o Humano tornou-se alma e mente; da vida veio a alma, da luz veio a mente, e todas as coisas no mundo dos sentidos permaneceram assim até ao fim do ciclo (e) as espécies começarem a ser.” (I, 17). Hermes sintetiza, desta forma, as interpretações anteriormente apresentadas.

  Curiosamente, a Lua, no actual Solstício, encontra-se peregrina, sem qualquer dignidade essencial, no signo de exaltação do Sol e, para o tema de Lisboa, no Lugar de Deus (IX), a casa onde, no seu Segmento de Luz (αἵρεσις), mais brilha o Deus-Sol, iluminando o círculo desde o tabernáculo. Esta Lua é a deusa errante, a Sabedoria ignorada e desprezada. Em Carneiro, é a acção potencial do feminino que não se efectua, a impotência da possibilidade. Já o Sol encontra-se com Júpiter em recepção mútua por exaltação, atenuando a hostilidade quadrangular e transformando-a numa afinidade que enaltece o potencial de cada um.

  Por outro lado, Mercúrio, Vénus, Marte e Saturno encontram-se nos seus próprios domicílios. Vénus e Saturno são também os regentes da triplicidade e este último encontra-se nos seus próprios termos, enquanto Marte, que também se encontra-se nos seus próprios termos, recebe a luz de Mercúrio (sextil) e do Sol (quadratura), que se encontra nos termos de Marte. De um modo geral, a influência planetária age de acordo com a sua própria natureza, ou seja, o seu potencial de sentido age por si. A luz expande-se a partir da sua própria matriz.

  A acção é, de facto, um denominador comum no tema do solstício e no período do Verão. Essa dinâmica activa da origem, da génese (Caranguejo), ao acto (Carneiro) e do acto ao fim, à finalidade (Capricórnio), funda-se no tempo em causa numa actividade que é tanto externa como interna, que condicionará quer a acção humana, quer o seu modo estar, de sentir e pensar. Epicteto diz-nos o seguinte: Quando discernires que deves fazer alguma coisa, faz. Jamais evites ser visto fazendo-a, mesmo que a maioria suponha algo diferente sobre <a acção>. Pois se não fores agir correctamente, evita a própria acção. Mas se <fores agir> correctamente, por que temer os que te repreenderão incorrectamente?” (Encheiridion 35, trad. A. Dinucci & A. Julien, 2014: p.59. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra). Esta poderá ser a força (Marte) da acção (Carneiro) mediada pela justiça (Júpiter). A justa-medida favorece sempre o acto conveniente e apropriado.

  Se pensarmos assim que, do solstício de Verão ao equinócio de Outono, o fenómeno astrológico de retrogradação marcará com destaque este tempo electivo, concluiremos essa mediação. Júpiter passará de directo a retrógrado e Saturno manter-se-á retrógrado, já Úrano e Neptuno passarão de directos a retrógrados e Plutão passará a directo, activando a morte e a transformação. Mercúrio, Vénus e Marte irão viajar naturalmente pelo Zodíaco. Mercúrio seguirá de Gémeos a Balança, passando a retrógrado só no dia 10 de Setembro. Vénus, com a regularidade que lhe é natural, avançará de Touro a Balança, os seus domicílios. Por fim, Marte marchará de Carneiro a Gémeos, onde ficará mais tempo.

  Este movimento de Marte determinará, em grande parte, a evolução das guerras, em especial, a da Ucrânia. O peso dos avanços militares centrados nos líderes políticos e nos nacionalismos (Carneiro), passará para uma maior movimentação das tropas no terreno, reforçando o papel das infantarias e da artilharia e o domínio dos territórios (Touro) e, desta fase, para uma escalada da tensão diplomática e da instrumentalização dos media, bem para um aumento dos ataques aéreos e do poder de destruição dos mísseis utilizados (Gémeos). Lembremo-nos que as bombas de Hiroshima e Nagasaki foram lançadas com Marte em Gémeos. Em suma, no que à guerra e aos seus efeitos concerne, os tempos serão difíceis.

  Nas relações que se estabelecem no tema do solstício, a quadratura do Sol em Caranguejo à Lua, Júpiter e Marte em Carneiro é, tal como já descrevemos, de particular importância, forçando tanto a actividade do humano como a impossibilidade – no tempo actual – de realização do Sagrado Feminino. No entanto, a relação hexagonal do Sol a Vénus, a Úrano e à Caput Draconis em Touro acentua o valor que vai da Origem ao Viver, questionando e reformulando a nossa ligação à Terra-Mãe, à Natureza, bem como àquilo que consideramos bens de primeira necessidade, o que é reforçado pelas ligações do Sol ao Dragão da Lua, projectando como revelação a luz e a sombra sobre os nosso valores.

  De um outro modo, o Senhor do Hades (Plutão) afronta os luminares (oposição ao Sol e quadratura à Lua), relembrando que a Morte também vive na Arcádia e que, em breve, furtará a sua mãe a Rainha Perséfone. O amor de Hades por Perséfone é uma condição de possibilidade da vida, do nascer e do morrer, daí o trígono de Plutão e Vénus, unindo o Morte ao Amor, o corcel e o cavaleiro do soneto de Antero Quental (“Mors-Amor” in Sonetos, 1880). No entanto, a quadratura de Plutão Retrógrado à Lua, estende-se também a Júpiter e a Marte. As relações de poder (Capricórnio-Carneiro) revelam como o cume da identidade é a morte do eu e como a transformação pela força do bem implica sempre uma qualquer forma de destruição, pois, vencida a ignorância, a visão da montanha torna-se também a visão do horizonte.

  Saturno Retrógrado, fazendo do tempo retorno e repetição, lança hexagonalmente os seus raios até à Lua, até Júpiter e Marte, triangularmente até a Mercúrio e quadrangularmente até Vénus e Úrano, até ao Dragão da Lua. O Senhor do Tempo e da Necessidade, do Destino e da Retribuição coloca um peso, uma gravidade reflexiva, sobre aquilo que colectivamente temos feito. A acção recai sobre o julgamento e sobre o desejo de encontrar, no mundo (ou na natureza), entre a vida e a morte, o valor. A forma como temos habitado o planeta Terra, aquilo que produzimos ou a que atribuímos valor, a desmedida da nossa acção, tudo isso estará sob julgamento. Porém, a sentença colectiva não é apenas externa, não surge apenas como efeito, ela é também interna, pois coloca o seu peso na faculdade de julgar, de tecer sob nós próprios a nossa retribuição. O valor e a acção surgem assim sob a égide da Necessidade.

  Colhendo de Mercúrio a faculdade de pensar, a nossa palavra, o nosso espírito livre e crítico, poderá vencer o mal radical que é a ignorância, o que está em harmonia com relação harmoniosa (sextil) entre Mercúrio em Gémeos e a Lua, Júpiter e Marte em Carneiro. Esta é, porém, a palavra tornado acto, o pensamento que se efectiva enquanto força do bem. No entanto, o pensamento terá de encontrar o caminho entre a ilusão e a imaginação, entre os fantasmas do mal e a contemplação do Amor de Deus (quadratura de Mercúrio a Neptuno).  

  O Senhor do Mar, usurpador do trono feminino da Água, colhe benevolamente os raios do Sol (trígono) e de Vénus (sextil) e lança sobre a morte o dom da compaixão, a dádiva da Luz do Amor. Com Úrano em Touro (sextil) e Plutão em Capricórnio (sextil), Neptuno em Peixes cria uma trindade que tem dado forma às grandes mudanças dos nossos tempos. E, passada a fertilização da passagem da Primavera ao Verão, o Fogo agirá como elemento de maturação, tornando doce a fruta recém-brotada. A nobreza da alma (Leão), a luz interna, tornar-se-á assim a ponte entre a origem (Caranguejo) e a colheita (Virgem), integrando a individualidade no tempo colectivo. Da água, emerge o fogo sempre vivo.  

  Em suma, o Verão deve ser vivido como a celebração da luz que fertiliza, porque da Origem surge a dádiva que no tempo se efectiva. Nesta estação, teremos de aprender o valor dos frutos da terra e a importância de uma acção com finalidade.  

sábado, 19 de março de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Equinócio da Primavera (Ano Novo Astrológico)

 Reflexões Astrológicas

Estações



Equinócio da Primavera 

(Ano Novo Astrológico)


Lisboa, 15h34min, 20/03/2022

 

Sol

Decanato: Marte

Termos: Júpiter

Monomoiria: Marte

 

            O retorno da Primavera traz sempre consigo um potencial de renovação. Essa é de facto a palavra que melhor descreve a raiz de sentido do ingresso anual do Sol em Carneiro e de um novo ano astrológico. O termo renovação constrói-se a partir de uma simbiose de repetição e novidade. Existe pois uma recuperação antagónica do novo, ou seja, repete-se o ciclo sem anular a novidade e que é, na verdade, um Eterno Retorno que conserva o carácter inaugural da consciência da vida e do tempo. O ciclo zodiacal que se inicia com a Primavera não é assim nem uma repetição, nem uma novidade, mas sim uma renovação. É a Perséfone que sobe do Hades, da semente guardada na terra, e renova a natureza, traz à mesma árvore, uma nova flor, um novo fruto.

            Desta forma, existe no fim de um ciclo em Peixes e de um novo ciclo em Carneiro uma passagem hermética da contemplação à acção. A sabedoria da totalidade torna-se a acção sobre a realidade. No entanto, sem o registo sobre a Roda da Necessidade do ciclo anterior, Carneiro age sozinho e, centrado no eu – e não no si –, inicia a experiência de cada estágio de vida, de cada tempo e lugar. Este é Hércules, realizando sozinho, como exigência de Euristeu, cada um dos doze trabalhos. Existe, porém, uma excepção. Para matar a Hidra (o trabalho que representa o signo de Escorpião), Hércules precisa da ajuda de Iolau para cauterizar as cabeças decepadas, impedindo-as assim de voltar a crescer. Curiosamente, é precisamente o veneno da Hidra que, mais tarde, mata o herói.

            O planeta Marte, que coloca a viagem iniciática em acção (Carneiro, dia), é o mesmo que conduz ao veneno que mata o herói (Escorpião, noite) e ao único trabalho em que Hércules é efectivamente ajudado, onde o eu recorre ao outro para vencer o pior dos monstros, o temor da morte certa. Este é o trabalho que se segue ao que é diametralmente oposto ao primeiro (eixo Carneiro-Balança). Depois do eu e do outro, do que nasce e do que se põe, apreende-se a experiência da morte, do limiar.

            Paralelamente, como segunda viagem iniciática, a que que parte de um Carneiro que viaja a partir de Peixes e renova a sua demanda, temos a busca de Jasão e dos Argonautas pelo velo de ouro. Note-se que o aríete imortal que possuía o tosão dourado (Carneiro como exaltação do Sol) era filho de Posídon (Peixes). Nesta viagem, Jasão não vai sozinho. As suas aventuras são partilhadas. No entanto, após a demanda, Jasão abandona Medeia, com quem tinha dois filhos e que o ajudara a conseguir o velo, por Creúsa, sua prima. Furiosa, Medeia envenena o vestido de noiva de Creúsa, matando-a, e assassina os filhos que tivera com Jasão. Medeia é então levada para Atenas por um carro puxado por dragões, ou serpentes, oferecido pelo seu avô, o deus Hélios (Sol). Os deuses estão do lado de Medeia e Jasão, perdendo os favores de Hera, morre sozinho.

            Estas duas variações do ciclo zodiacal e vernal têm um elemento em comum: a relação entre o eu e o outro e o Sagrado Feminino. A mitologia olímpica, demasiado masculinizada e a que mais influenciou os modelos astrológicos elementares, faz de Hera a esposa ciumenta e vingativa. Porém, Hera é uma Grande Mãe, sucessora de Reia-Cíbele. E, esquecido quiçá por os leitores de Os Trabalhos de Hércules de Alice Bailey (1957-8), Hércules é o grego Herácles (Ἡρακλῆς) que significa glória de Hera (Ἥρα+κλέος). A inimiga patriarcal é, na verdade, a deusa benévola. De uma forma ou de outra, tanto Hércules como Jasão rejeitam o Feminino e sofrem o seu castigo. Se nos focarmos em demasia no simbolismo masculino do signo de Carneiro e ignorarmos a exaltação do Feminino que é o início da Primavera, perdemos o valor primordial da transformação, da passagem da noite escura invernal à natureza em flor, dádiva do Feminino.

            A Perséfone, renascida no Equinócio da Primavera é, segundo o hino órfico que lhe é dedicado (hino 29), tanto “a rainha sob a terra” (ὑποχθονίων βασίλεια, hino órfico a Perséfone 29.6) como “a donzela abundante em frutos” (κόρη καρποῖσι βρύουσα, hino órfico a Perséfone 29.10). É a mãe das Erínias e a filha de Démeter. É a luz e a sombra. A Primavera implica sempre essa passagem da sombra do Inverno à luz que brota da cornucópia primaveril e que atinge a sua plenitude no Solstício de Verão. Ora, neste equinócio, a luz do Sol no início de Carneiro estende-se até à Lua no final de Balança e, tal como nos exemplos astro-mitológicos, a projecção do eu no outro e do outro em nós determinam os tempos difíceis que vivemos em que Marte brande o gume e o escudo, a lança e o elmo.

            O regente de Carneiro encontra-se em Aquário, no signo da humanidade, e, com ele, Vénus e Saturno constroem essa potência concentrada de força, desejo e necessidade. A guerra não surge como sinal dos tempos, mas como consequência do humano. E, nessa ponte entre o eu e o outro, a solidariedade e a bondade (Júpiter e Neptuno) colidem com a impossibilidade dessa relação. A apreensão do outro torna-se apenas imagem de nós. A caridade líquida e fotogénica (Mercúrio em Peixes), que não é uma verdadeira solidariedade e que nasce da corrupção do espírito da Era de Peixes e que se acentua no trânsito de Júpiter e Neptuno, serve mais quem a pratica do quem recebe, pois não tem por objectivo transformar a realidade. Confortar quem sofre não é o mesmo que impedir o sofrimento.

            Devemos então trazer até nós a questão e a dúvida. Porque conseguimos mostrar mais empatia porque sofre na Ucrânia do que por quem sofre no Iémen, na Somália, na Palestina ou em Myanmar, só para dar alguns exemplos? Será que esse outro que sofre mais longe permanece o outro, o estranho, e não serve a projecção do eu no imediatismo dos media e na vaidade das redes sociais? As crianças que morrem de fome, por exemplo, no Iémen e por quem a ONU e a UNICEF têm clamado não merecem a nossa atenção e compaixão? Ou que ajuda humanitária entregámos colectivamente nos campos de refugiados de Calais ou Mória? Neptuno e Júpiter em Peixes são tanto a empatia e a justiça social como a ilusão e o fanatismo. A necessidade de totalidade não se efectiva e a parcialidade permanece.

            A ligação hexagonal que se estabelece entre o Sol em Carneiro com Vénus, Marte e Saturno em Aquário ou triangular destes com Lua colide com a relação diametral dos luminares e com o aspecto quadrangular do Sol a Plutão em Capricórnio. Os instintos primários do humano são aqueles fazem transparecer a impossibilidade filosófica da relação sujeito-objecto, do eu com o outro. E, por outro lado, tanto o Dragão da Lua como Úrano em Touro pedem uma reavaliação (ou mesmo revolução) dos valores e uma refundação necessária que estende da morte ao viver (eixo nodal Escorpião-Touro). A configuração do equinócio vernal alerta também, em consequência destas posições ou aspectos, aliadas a Mercúrio, Júpiter e Neptuno em Peixes, para os perigos do pensamento único e dos nacionalismos.

            Quando Marte e Júpiter estiverem co-presentes em Carneiro no Solstício de Verão, a guerra e os nacionalismos que estão na origem de regimes totalitários podem não só persistir como agravar-se. Natália Correia escreveu, num papel avulso, conservado no seu espólio: “Consumada que é a Pátria, falta dizer Mátria para que no tempo os amantes escrevam o nome da realidade unificante: Frátria.” (Franco, J. E. & J. A. Mourão, 2005, A Influência de Joaquim de Flora em Portugal e na Europa: Escritos de Natália Correia sobre a Utopia da Idade Feminina do Espírito Santo, 229. Lisboa: Roma Editora). Uma Mátria não tem fronteiras, nem nacionalidades, tem terra e gentes. E uma Frátria só tem um planeta e uma humanidade. Essa a verdadeira promessa aquariana. E o Sagrado Feminino é o elemento de passagem. O destino por cumprir não é de um país é sim de uma “Mãe que é Deus também”, uma proposta de sentido explorada no meu romance A Casa da Torre Velha (2022).

            Marte em Gémeos no Equinócio de Outono e no Solstício de Inverno podem trazer hostilidade às negociações e extremismo aos media, mas pelo menos existirão verdadeiras negociações. O movimento ao longo do ano de Marte e Júpiter serão fundamentais para compreender o que nos espera num mundo que pede mudança, mas permanece no mesmo. Por outro lado, o regresso dos movimentos de retrogradação retomará a difícil lição que vai da desmedida à retribuição, trazendo até nós o imperativo da Necessidade. Neste ano em que infelizmente os conflitos serão o gérmen dos dias, será fundamental compreender a primeira de todas as lições da astrologia antiga: a luz e a sombra.

            A doutrina do segmento de luz (αἵρεσις) permite-nos compreender essa harmonia dos opostos. No ingresso das estações e com um olhar a partir de Lisboa, os luminares estarão em acima do horizonte nos dois primeiros e de dia (Primavera e Verão) e nos outros dois abaixo e de noite (Outono e Inverno), cumprindo o significado radical. Existe, deste modo, e como sempre, uma necessidade de integrar a luz na sombra e a sombra na luz. De um ponto de vista astrológico, é preciso sobretudo não ler o mundo com os olhos do nosso próprio tema, pois se o fizermos, rejeitarem-nos a parte que a sombra guarda em nós e no mundo e revelaremos apenas a dimensão inabitada dos nossos temores.

            Liz Greene resume na perfeição esta dificuldade quando diz que "Se nos identificamos muito fortemente com um determinado conjunto de qualidades na nossa própria natureza, quando o oposto vem à superfície ou aparece em outra pessoa, o resultado em geral é a repulsa. Trata-se de uma profunda repulsa moral, uma verdadeira aversão pelo que a outra pessoa representa. Não é apenas um desinteresse ou um desagrado casual. A sombra desperta em nós uma raiva totalmente desproporcional à situação." (Greene, Liz, 1994, "A Sombra na Astrologia" in Ao Encontro da Sombra: O Potencial Oculto do Lado Escuro da Natureza Humana, org. C. Zweig & J. Abrams, 177 [175-8]. São Paulo: Editora Cultrix). É portanto necessário integrar a sombra na luz e compreender que nem nós, nem o mundo somos o sentido absoluto da parte, mas devemos sim aspirar a ser o todo, um verdadeiro microcosmos. O ciclo anual das estações e do Zodíaco é uma imagem dessa totalidade.

            Em suma, quer-se que esta Primavera reforce o espírito de renovação que a natureza nos transmite e que o humano tende a rejeitar. A serenidade da compaixão, tornada uma natureza em acto, deve ser o caminho e a humanidade precisa dessa renovação. O Sagrado Feminino é luz no caminho.