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terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Sagitário

  Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Sagitário

Lisboa, 23h32min, 12/12/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Lua  

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Saturno        

 

  A Lua Nova de Dezembro ocorre no signo de Sagitário, estando Virgem a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na IV, no lugar sob a terra (ὑπόγειον), no decanato de Lua, nos termos de Mercúrio e na monomoiria de Saturno. A sizígia dá-se pois abaixo do horizonte e cerca de cinco horas e meia após o pôr-do-sol. Os luminares, estando a Lua no seu próprio segmento, mas num signo masculino, encontram-se num caminho de queda, rumo à anti-culminação. Esta é a primeira via luminar do novilúnio, a que se inicia com a sizígia em queda e termina, passando por Marte, no Ponto Subterrâneo. Agora em Sagitário, e seguindo uma ideia já explorada, a luz não desce do céu, nasce no abismo, no útero de Gaia, do Sagrado Feminino. Nesta constelação, essa luz é a sabedoria.

  Acerca do quarto lugar, Manílio afirma o seguinte: “Contudo, a que completa a via de retorno sob a aurora/ e que, de volta, com as forças exaustas, o arco/ escala, abraça por fim os derradeiros anos,/ a luz desvanecente da vida e a trémula velhice.” (Astronomica II, 852 – 855, ed. Goold, 1985, 56: at, qua perficitur cursus redeunte sub ortum,/ tarda supinatum lassatis viribus arcum/ ascendens, seros demum complectitur anos/ labentemque diem vitae tremulamque senectam. As traduções de Manílio são da minha responsabilidade). Este lugar, segundo o mesmo autor antigo, tem a regência de Saturno, uma que é diferente da de Trasilo e da tradição hermética, que coloca Saturno na XII. A significação de Manílio é fundamentalmente astro-mitológica, pois esta é a herança que vê Cronos/Saturno aprisionado por Zeus/Júpiter no Tártaro, no abismo da terra. A velhice e a morte tornam-se assim um elemento de sentido, daí que Manílio diga que é “de onde o Sol foge tombado e para o Tártaro se extende (II, 794, ed. Goold, 1985, 54: unde fugit mundus praecepsque in Tartara tendit). O quadrante que se alonga do Poente (VII) ao Subterrâneo (IV) encerra em si uma qualidade de morte, mas também um carácter temporal profundo, pois ambos criam uma ponte de sentido entre o passado, a morte e o além.

  Neste novilúnio, a luz está assim guardada no abismo da realidade, no útero da história. Por outro lado, por a Lua Nova ocorrer no signo de Sagitário, a sabedoria torna-se a potência dessa mesma luz. Esta atribuição pode ser entendida primeiramente pelo facto de Sagitário ser o domicílio de Júpiter. Do ponto de vista astro-mitológico, lembremo-nos que o poder de Zeus/Júpiter é fortalecido quando este absorve Métis, a deusa da sabedoria. Ora o eixo Gémeos-Sagitário que coloca, por via da regência domiciliar, Mercúrio e Júpiter a olharem-se de frente firma, desta forma, a palavra ou a razão diante da sabedoria. O conhecimento das coisas torna-se pois a sabedoria da coisa única. Este é o ar que se torna fogo. O elemento estruturante torna-se dinâmico, podendo este produzir a verdadeira mudança. Neste sentido, a seta de Sagitário tem um sentido literal, pois a sabedoria tem sempre um valor de propósito e finalidade.

  A respeito desta senda, Cícero, em Luculo (Academica priori), diz-nos o seguinte: “Pela minha parte, como não costumo coibir-me de discutir com todos quantos [têm por certo aquilo que julgam saber], não posso também recusar-me a admitir que haja quem não esteja de acordo comigo. A minha causa agora é fácil, já que não pretendo mais do que procurar a verdade com todo o interesse e esforço, mas sem facciosismo. A obtenção do conhecimento é sempre dificuldade por toda a espécie de obstáculos, uma mesma insuficiência decorre tanto da obscuridade das próprias matérias como da debilidade da nossa capacidade de julgar, pelo que não é sem razão, que os mais antigos e cultos filósofos duvidaram da possibilidade de encontrar o que procuravam; mas mesmo assim nem eles desistiram, nem eu abandonarei, cansado, o meu empenho em investigar a verdade.” (III, 7 in Textos Filosóficos, 2 ed., trad. J. A. Segurado e Campos, 99-100. Lisboa, 2018: Fundação Calouste Gulbenkian). A sabedoria e a verdade são ideias jupiterianas cujo valor se reacende neste novilúnio. Esta é uma luz de transformação e uma via que, embora exigente e incerta, nos conduz à felicidade.

  Em Gémeos, a discussão das ideias leva-nos ao conhecimento, mas, em Sagitário, coloca-nos no caminho da sabedoria. Se, de um ponto de vista da astrologia helenística, observarmos as atribuições planetárias dos termos egípcios, podemos constatar que só os signos regidos por Júpiter é que concedem mais de metade dos seus graus aos benéficos (Sagitário 17 graus e Peixes 16 graus). As dádivas da sabedoria e da verdade estão aqui particularmente activas. Séneca, na obra Dos Benefícios, alerta-nos para aceitação do destino como via de sabedoria e verdade quando afirma o seguinte: “Considera também isto, nada que seja externo obriga os deuses, pelo contrário, a sua vontade é eterna e segue a sua própria lei. O que eles estabeleceram não muda. Não parece que vão fazer algo que não queiram. Seja o que for que não possam parar, eles querem que continue a mover-se; eles nunca se arrependem do plano que inicialmente conceberam. Certo é que não podem ficar parados, nem afastar-se para o lado, mas a única razão é que a sua própria força os prende ao seu propósito; permanecem firmes, não por fraqueza, mas porque não lhes agrada afastar-se da perfeição, e porque assim se devem mover. Desta forma, naquela primeira dispensação, quando o cosmos se formou, eles até tiveram em consideração o nosso lote, e preocuparam-se com a humanidade. Por isso, não se pode dizer que percorram os céus e desenvolvam a sua obra apenas para si próprios, pois também nós fazemos parte dessa obra.(De Beneficiis 6.23. Seneca: How to Give - An Ancient Guide to Giving and Receiving, selected, translated, and introduced by J. S. Romm, 198-201. Princeton and Oxford, 2020: Princeton University Press. A tradução do latim é da minha responsabilidade).

  A inevitabilidade, a lei de Adrasteia, é uma realidade que conjuga os sentidos profundos de Júpiter e Saturno. Ora Saturno em Peixes, acompanhado por Neptuno, junto ao Poente vem trazer, uma vez mais, a aceitação do destino como integração da totalidade. A visão da montanha não é nem determinista, nem fatalista, é sim a compreensão serena de que tudo o que está em movimento concorda consigo mesmo. A necessidade é a mãe do destino, da fortuna. No entanto, o individualismo exacerbado teme esta visão, pois pensa que retira a liberdade, mas ignora que a visão da montanha é a forma suprema de liberdade.

  A co-presença de Marte com a sizígia, pelo segundo novilúnio consecutivo, e agora fora do domicílio e do segmento, adensa uma certa rebeldia ou desejo de mudança. Esta conjunção não pede para se abrir os horizontes, exige. Os jovens activistas climáticos estão aqui incluídos e, na verdade, o problema não está nem no facto de não terem razão, porque têm, nem na forma dos protestos, porque também com palmadinhas nas costas não se muda nada, a questão está no olhar dos outros que simplesmente não quer ver. Existem, porém, alguns elementos disruptivos. Primeiro, o Júpiter de Sagitário que deseja afirmar, enquanto o de Peixes procura estabilizar, não faz qualquer aspecto à sizígia, permanece desligado, passivo, face ao encontro dos luminares. Depois, a quadratura de Saturno e Neptuno em Peixes vai mostrar que esta mudança não será rápida, pois existe uma resistência estrutural à transformação dos modos de vida.

  Por outro lado, por não existir nenhum astro no quadrante da ascensão à culminação, a atenção foca-se nos planetas que, embora altos, já estão em queda, ou seja, em Úrano e Júpiter em Touro, na IX, mas sobretudo na via luminar mais abrangente em que se insere a sizígia. O caminho que se estende hexagonalmente de Plutão em Capricórnio a Vénus em Escorpião contempla aquilo que Antero de Quental inscreveu no soneto “Mors-Amor” e que já foi abordado noutras reflexões. A união simbólica, conceptual e existencial do Amor e da Morte possui um carácter transformador essencial e que, visceralmente, reduz a realidade ao que é fundamental. Esta via, passando pelo Tártaro profundo, confere pois uma proposta de refundação.    

  Paralelamente, existem outros dois aspectos que se relacionam com esta via luminar. A oposição ou diâmetro, como diriam os antigos astrólogos, entre Vénus em Escorpião e Júpiter (e Úrano) em Touro marca uma época quase solsticial e natalícia. Ora, seguindo a lição de Petosíris, uma oposição ou quadratura entre os benéficos nunca é má, excepto se acompanhada pelos maléficos, o que não é o caso. Assim, esta ligação de Vénus a Júpiter tem um efeito de dádiva e de uma atribuição positiva de valor ao eixo de sentido que se estende entre a vida e a morte.

  Por outro lado, o sextil entre Vénus em Escorpião e Saturno e Neptuno em Peixes vai colocar o amor e a morte na roda da necessidade. Face ao destino, o amor possuirá ou deverá possuir um carácter universal. Este é a teia que une tudo e todas numa simpatia universal, na Anima Mundi. Na astrologia esotérica, Neptuno tem um tom similar ao de Vénus, mas numa oitava acima, ou seja, na música das esferas, o amor ecoa pelo universo. Na verdade, para o astrólogo tradicional que siga o saber antigo e hermética, esta é somente uma expressão da exaltação de Vénus em Peixes. Júpiter e Úrano em Touro acompanham, também em sextil, a ligação da Vénus de Escorpião a Saturno e Neptuno em Peixes. Porém, a retrogradação de ambos vai restringir ainda a efectivação das suas bênçãos. Elas surgem no horizonte, mas não se tornam acção. Podemos ver aqui a situação dos civis palestinianos. Todos, com bom senso, vêem nos actos praticados crimes de guerra, crimes contra humanidade, todavia, face ao genocídio, permanecem imóveis, incapazes de produzir justiça e mudança.

  Neste novilúnio, os aspectos ao corpo do Dragão da Lua são igualmente significativos. No eixo da identidade, aquele que une Carneiro a Balança, a unidade e a dualidade, ou seja, o conheci de si como via de alteridade, surgem outros desafios. Sob a égide do destino e da necessidade, o eu enfrenta o mistério do outro. A luz da sabedoria, como proposta do novilúnio, une agora, de forma bem-aventurada (trígono à Caput e sextil à Cauda), a sizígia e Marte em Sagitário ao Dragão da Lua. O guardião da Lua, este dragão que cinge a luz, permitindo o seu reconhecimento, pois só depois de ver a sombra é que se reconhece a luz, vai conceder-nos, como bênção no caminho, a dádiva da sabedoria. No entanto, o gesto de seguir a sabedoria, ao oferecer a passagem do destino à necessidade, implica sempre um acto voluntário. É preciso ter iniciativa. Depois do despojamento de si, a sabedoria mantém aqueles que a seguem para além da fortuna.

  Por fim, é preciso referir a posição de Mercúrio (e Plutão) em Capricórnio. No signo da finalidade, onde agora o poder da palavra e o poder da morte se expressam, a fortuna outorga uma possibilidade de futuro. Esta potência, anunciando a época zodiacal seguinte, tem um valor de dádiva (trígono a Júpiter e Úrano e sextil a Vénus, Saturno e Neptuno). Porém, esta bênção de futuro, alertando-nos que a palavra tem um poder transformador (conjunção Mercúrio-Plutão), colide com o Dragão da Lua e com as exigências autocentradas da identidade (quadratura ao eixo nodal). O poder da palavra pode elevar-nos pois ao cume da montanha ao afundar-nos nas profundezas da nossa desmedida. A desinformação, o discurso único e a intolerância podem assim minar este potencial de dádiva.  

  O novilúnio de Dezembro, o último de 2023, transporta-nos, desta forma, para a mensagem de Sagitário e para a luz da sabedoria. A imagética, mesmo com reservas mitológicas, coloca-nos perante um centauro erguido, lançando a sua seta, e revela-nos que o elemento de passagem entre o animal e o humano acontece apenas devido à luz da sabedoria. Devemos assim segui-la e deixar que transforme as nossas vidas.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Escorpião

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Escorpião

Lisboa, 09h27min, 13/11/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Vénus

Termos: Júpiter

Monomoiria: Júpiter       

 

  A Lua Nova de Novembro ocorre no signo de Escorpião, estando Sagitário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XII, no lugar do Mau Destino ou Mau Espírito (κάκον δαίμων), no decanato de Vénus, nos termos e na monomoiria de Júpiter. A sizígia dá-se pois acima do horizonte e a cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos após o nascer-do-sol. Os luminares, estando a Lua fora do seu próprio segmento, mas num signo feminino, encontram-se num caminho de ascensão, rumo à culminação. A posição pós-ascendente, sem qualquer ligação ao Leme do tema, encerra sempre um mistério de sombra e de promessa de luz que pode confundir o seu sentido. A XII, segundo o entendimento antigo, não é, apesar de tudo, uma posição tal maligna como a VI, pois, por estar no início da escalada celeste, confere à luz o potencial de superação de si, o ânimo de quem sobe a montanha. Neste lugar, a sizígia em Escorpião é, mais do que qualquer outro, a luz que vence o destino e a morte.

  O novilúnio de Novembro, em Escorpião, no signo que encerra em si o sentido profundo da morte e no lugar do Mau Destino ou Mau Espírito, conjuga necessariamente as significações de luz e sombra, de valor da morte e de superação do destino. A XII, com o qualificativo κάκον para δαίμων, confere um valor negativo, seja pela sua própria natureza, seja pela sua dinâmica relacional, a um conceito ou entidade que reúne em si a divindade, o espírito ou génio e o destino. O facto da XII não se relacionar por envio de raios ou aspecto com a I revela a dificuldade da vida, do carácter ou do temperamento (leia-se personalidade ou consciência da vida) em aceitar as vicissitudes do destino que contrariam a vontade, ou seja, os acontecimentos, tanto internos como externos. Uma relação com a XI ou com XII implica sempre esta interacção existencial com o destino, a necessidade e a providência. O conceito de δαίμων traduz esta relação entre a vida e o destino, mas obriga sempre a um processo de mediação, neste caso, espiritual ou divina.

  Ao colocar-se a luz perante a morte e o destino, o que, para Escorpião, conduz a um desafio, o conceito filosófico de ἐγκράτεια adquire um valor de revelação, pois cada um terá de se tornar mestre de si mesmo. Séneca, nas Cartas a Lúcilio, diz-nos que “O cúmulo da felicidade consiste numa perfeita segurança, numa inabalável confiança no seu valor; ora o que as fazem é arranjar preocupação, é percorrer a traiçoeira estrada da vida ajoujadas de pesados fardos. Deste modo vão-se sempre distanciando cada vez mais da meta que procuram alcançar, e quanto mais se esforçam por atingi-la mais se embaraçam e retrocedem. Sucede-lhes como a alguém que corra num labirinto: a própria velocidade faz perder o norte.(Ep.44.7; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). O destino que, na sua própria urdidura, a astrologia apresenta tão bem obriga, e essa é agora a lição de Escorpião, a uma reflexão radical e que, em certo momento, será estruturante. Hermann Broch diz-nos, parafraseando, que o conhecimento da morte é o conhecimento da vida e que o conhecimento da vida é o conhecimento da morte, ora esta é a mensagem do eixo Touro-Escorpião cujo sentido profundo é o do valor.

  Para Séneca, Nenhuma meditação é tão imprescindível como a meditação da morte(Cartas a Lucílio, Ep.70.18). Segundo uma interpretação astro-mitológica, Escorpião vai radicar o seu sentido na morte tanto no trabalho de Hércules em que este luta com Hidra de Lerna como na morte de Órion, picado por um escorpião, e que com este sobe ao céu. No entanto, tal como já foi referido na reflexão do anterior, a do eclipse lunar, é o mito da violação de Alcipe que melhor constrói a natureza primordial de Escorpião (Figueiredo, R.M. de, 2021, Fragmentos Astrológicos, 126). Quer se queira, quer não, o mito é a raiz de sentido da astrologia, pois, sem a metáfora mitológica do céu, a linguagem astrológica não existiria.  

  Na acrópole de Atenas, perto do templo de Asclépio, onde existia uma fonte, Halirrótico, filho de Posídon, avançou sobre Alcipe, filha de Ares, e tentou violar a jovem. Irado e com desejo de vingança, Ares mata Halirrótico. Este é o mito que está na origem do tribunal do Areópago, pois Posídon exige o julgamento de Ares diante dos doze deuses. Contudo, Ares é ilibado, pois a sua acção foi considerada justificada (cf. Pausânias, Descrição da Grécia, I.21.4 e Apolodoro, Biblioteca, III,14.2). Séneca, na tragédia Hércules Furioso, resume o mito ao dizer, no desfecho da peça, o seguinte: “A minha terra [Atenas] espera por ti. / Ali Gradivus [Ares] libertou as mãos do sangue derramado / e entregou-as de novo às armas.” (1341-3: Nostra te tellus manet./ illic sohitam caede Gradivus manum/ restituit armis: ilia te, Alcide, vocat,/ facere innoceutes terra quae superos solet. A tradução é da minha responsabilidade).  

  O mito da violação de Alcipe, esta facilmente identificada com o signo de Touro, oposto a Escorpião (Ares), resume a posição zodiacal deste signo, pois a deusa da justiça (Virgem), a acção da justiça (Balança), Posídon (Peixes), aquele que pede ou clama por justiça, e o outro signo regido por Ares, aquele que recebe as armas de novo, Carneiro, são como uma síntese simbólica e mimética deste sentido primordial astro-mitológico. No actual novilúnio, esta dinâmica da acção de Marte que é própria de Escorpião congrega-se nestes filamentos incandescentes de vingança, resistência e justiça. Hoje, mais do que nunca, esta teia força o peso do destino, a gravidade dos acontecimentos. No entanto, todas as potências planetárias, Marte inclusive, estão sujeitas, na sua expressão humana, à ἐγκράτεια de que se falava. Ao tornarmo-nos mestres de nós mesmo, colocamos a luz (a sizígia) sobre a morte e sobre o destino.

  A união da astrologia ao estoicismo, tal como existiu na Antiguidade, permite que se adquira essa mestria, daí que Séneca diga que “Uma alma que contempla a verdade, que atribui valor às coisas de acordo com a natureza e não com a opinião comum, que se insere na totalidade do universo e observa contemplativamente todos os seus movimentos, que dá igual atenção ao pensamento e à acção, uma alma grande e energética, invicta por igual na desventura e na felicidade e em caso algum se submetendo à fortuna, uma alma situada acima de todas as contingências e eventualidades, uma alma sã, íntegra, imperturbável, intrépida, uma alma que força alguma pode vergar, que circunstância alguma pode envaidecer ou deprimir – uma tal alma é a própria personificação da virtude.(Ep.66.6; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). A virtude é a luz que serve de candeia, erguida quando tudo aquilo que se vê é morte. Esse é o verdadeiro livre-arbítrio: a escolha da luz. Tudo o resto é destino, necessidade e providência.

  O novilúnio de Novembro, no signo de Escorpião, estando Marte sobre os raios da sizígia, tal como estará também na Lua Nova de Dezembro, em Sagitário, será determinado por um ímpeto bélico que fará com que a luz passe de fogo a incêndio. O humano demasiado humano, relembrando Nietzsche, tende a tornar as coisas humanas pequenas, insignificantes diante da subida da montanha. Marte, neste momento, podia ser uma força disruptiva de transformação que iria conceder mais humanidade ao humano, mas isso não está a acontecer. O eixo das portas do trabalho, ou seja, o da VI e da XII, mantem, à semelhança do anterior eclipse lunar, o seu peso sobre a realidade.

  Se observarmos o tema do actual novilúnio, podemos constatar que o único astro acima deste eixo, aquele que é também o astro mais alto, é Vénus em Balança. Na verdade, o caminho luminar da sizígia estende-se de Mercúrio em Sagitário, já pós-ascendente, até Vénus em Balança (sextil). Da sabedoria da palavra ao desejo de harmonia, a luz quer trilhar a senda que, na morte, funda a vida. Esta é, porém, uma via ascendente com a vontade de alcançar o cume, mas colide tanto com a força da morte e da destruição (Marte em Escorpião) como com o peso do destino e da dificuldade de o conciliar com a identidade (Cauda Draconis em Balança). A ligação entre Mercúrio em Sagitário e o Dragão da Lua (trígono à Caput em Carneiro e à Cauda em Balança) serve de proposta de sentido, de meio de integração do destino, na identidade, no reconhecimento de si e do outro.

  A oposição entre a sizígia e Marte em Escorpião e Júpiter e Úrano em Touro adquire também, nesta Lua Nova, um valor estrutural. Júpiter é o grande benéfico do tema do novilúnio e que vai determinar as suas bênçãos. No entanto, este olhar de frente e diametral (oposição) entre a dádiva e a luz, abeirada pela guerra, tem um valor potenciador, em que o grande benéfico colide com o grande maléfico do tema (Marte). A relação entre Marte e Júpiter é complexa, pois, por serem de segmentos de luz diferentes, expressam-se de forma distinta, mas a sua expressão não deixa de ser activa. Se Marte possuir uma dignificação mais intensa, então a acção destruidora será maior. O actual posicionamento de Júpiter serve, porém, de alerta, dado que ali encontraremos a necessidade de verdade e justiça. Nesta Lua Nova, vamos encontrar ainda muitos dos elementos interpretativos que foram abordados no Eclipse Lunar de 28 de Outubro.

  Face ao tema do eclipse lunar, Saturno em Peixes encontra-se agora directo, avançando no seu périplo pelo signo da totalidade. A sua acção tornou-se efectiva. A necessidade pede agora completude, expandindo a sua força, a sua gravidade, de fim de ciclo. Saturno em Peixes, por este ser o domicílio de Júpiter e a exaltação de Vénus, ganha necessariamente um certo sentido de dádiva, de bênção. A conjunção com Neptuno obriga a dar à percepção do destino e da realidade a imaginação criativa e a compaixão, esta enquanto expressão universal da empatia, todavia, existe neste processo de união pisciana de Saturno e Neptuno uma enorme resistência. A humanidade caminhou em sentido contrário, daí que o trígono entre estes e a sizígia e Marte em Escorpião queira trazer a luz que vence a morte a este desafio absurdamente humano.

  A ὕβρις (desmedida), que é própria do humano, leva a que Saturno tenha de repor a justa-medida das coisas. O sextil de Saturno e Neptuno em Peixes a Júpiter e Úrano em Touro e a Plutão em Capricórnio, e deste último à sizígia e a Marte em Escorpião, vão impor a ordem natural das coisas, segundo as leis de Gaia, mas também segundo os ditames da Necessidade e a força de Adrasteia, do Inevitável. Esta é hoje a colheita do humano, ceifada por uma humanidade ausente. A situação humanitária em Gaza e a incapacidade de olharmos, como um todo, para a dignidade humana fazem com que, para onde quer que olhemos, tudo o que vemos é morte, é tudo destruição. A quadratura de Mercúrio em Sagitário a Saturno e Neptuno em Peixes transporta-nos para a incapacidade de dar forma à palavra que descreve a alma do mundo, ao discurso primordial que conduz, de novo, até à Sabedoria, até à Mãe Divina.   

  No novilúnio de Novembro, no signo de Escorpião, somos inevitavelmente confrontados com o nosso pior inimigo e, numa escala mundial, esse inimigo é o próprio humano. A natureza humana e a sua incapacidade de se congregar numa verdadeira humanidade fazem com que a morte que participa da vida e a destruição que circunda a criação excedam os seus limites. A luz guardada, cingindo numa única chama o feminino e o masculino, surge pois na mestria de nós de mesmos. A ἐγκράτεια de que se falou, bem como os princípios filosóficos do estoicismo, servem a astrologia hoje tal como serviram na Antiguidade. Essa é uma luz sobre o tempo.

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Eclipse Solar Anular - Lua Nova em Balança

 Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Solar Anular 

(Lua Nova em Balança)

Lisboa, 18h59min, 14/10/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Vénus  

Termos: Saturno   

Monomoiria: Sol  

                                           

 

  O Eclipse Solar Anular de 14 de Outubro ocorre no signo de Balança, com Carneiro a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, com os luminares abaixo do horizonte, na VII, junto ao Poente (δύσις), e cerca de cinco minutos após o ocaso (hora de Lisboa), no decanato de Vénus, termos de Saturno e na monomoiria do Sol. O sentido de sombra e ocultação ganha assim um valor reforçado. O eclipse e o poente partilham o carácter de lugar ou momento de escuridão. A luz é ferida pela dicotomia da sua própria natureza e, sendo Saturno, o Sol da Noite - como designaram os babilónicos -, o regente de Balança, este eclipse adquire pois essa significação profunda.  

  Neste eclipse, mais do que nos últimos e talvez mais do nos próximos, o Dragão da Lua cingirá por completo a luz, o Sol, não por ser um eclipse com uma sombra extensa ou espacialmente significativa, mas sim por encerrar uma conjugação reforçada de sentidos. Por esta razão, a análise do eclipse solar de 14 de Outubro deve considerar primeiramente o valor conceptual e escatológico da luz e da sombra e, de forma paralela, o carácter simbólico deste dragão primordial. A astrologia moderna, perdendo a herança mitológica e a imagem do dragão ou serpente, preferiu as designações nodais em vez das dragontinas, todavia a sua presença original deve ser recuperada.

  No tratado gnóstico Pistis Sophia, tendo por base esta inspiração, diz-se o seguinte: Nesse momento, todavia, todos os céus vieram para o oeste, com todos os aeons e a esfera e os seus arcontes e todos os seus poderes. Todos eles correram para o oeste para a esquerda do disco do sol e do disco da lua. Mas o disco do sol era um grande dragão cuja cauda estava na sua boca e que levava consigo os sete poderes da esquerda.(IV, 136, ed C. Schmidt & V. Macdermot, 1978: 354. Leiden: E. J. Brill). O ourobóros, a serpente que circunda o Sol ou um ovo, é por excelência uma imagem tanto do sagrado feminino como da sombra eclíptica, lembremo-nos, por exemplo, do mito pelasgo da criação, de Eurínome e Ofíon. Na astrologia, o Dragão da Lua, o eixo nodal, preserva toda uma tradição de sentido, uma herança, que é particularmente fértil no que aos eclipses concerne.

  A natureza sombria do eclipse implica, no entanto, e de acordo com a sua própria natureza, um carácter maléfico. Uma leitura astrológica que teme a sombra, a destruição e a morte, tão comum na astrologia contemporânea, fica sempre aquém da realidade. Dante, na Divina Comédia, no Purgatório, diz, pela boca de Virgílio, falando para Estácio: “Tu se' ombra e ombra vedi.” (XXI, 132). De certa forma, é a nossa condição: somos sombras e vemos sombras. Foi, todavia, o amor, a amizade entre eles, que fê-lo tratar uma sombra como se fosse uma coisa sólida (Purgatório, XXI, 133-6: Ed ei surgendo: «Or puoi la quantitate / comprender de l’amor ch’a te mi scalda,/ quand’ io dismento nostra vanitate,/ trattando l’ombre come cosa salda.»). O amor possui portanto o poder de transformar a sombra, de lhe dar a forma de uma realidade interna ou externa, materializando-a, e isso acontece por uma única razão: o amor é luz e não existe sombra sem luz.  

  Na subida da montanha, o canto XX do Purgatório, anterior a este que aborda a amizade, termina com um terramoto. Os desastres naturais e, em certa medida, os desastres humanos (guerras, revoluções, assassinatos, etc.) têm uma relação íntima com os eclipses. Entre a sombra e a ruína, existe um caminho e, por vezes, é nos estilhaços, como um vestígio de vida, que a luz pode ser encontrada. A observação do tema de eclipse para cada localidade, e em especial se manto umbral a cobrir, é fundamental. Não devemos temer as previsões. Se um luminar tiver a preponderância de bons aspectos, especialmente dos benéficos, e se estiver no seu domicílio ou exaltação, os efeitos negativos serão minimizados, mas não anulados. Já se estiver no seu exílio ou queda ou junto dos maléficos, produzirá uma acção negativa aumentada. Os eclipses tendem assim a gerar mudanças, redistribuições e desastres.

  No caso específico dos desastres naturais, os eclipses são indicadores importantes. Por exemplo, as conjunções ou oposições de Marte, Júpiter ou Saturno são sinais indiscutíveis, sobretudo em certos signos ou sobre os pólos (κέντρα). Antes de avançar nesta questão, convém fixar-se a influência temporal e geográfica do eclipse de 14 de Outubro. Se utilizarmos uma técnica que me é cara, e um pouco diferente da ptolemaica, e que concilia a duração do eclipse com os tempos de ascensão, chegamos a uma influência que se estende até cerca de um ano e oito meses. Quanto a área geográfica, o eclipse ocorre ao longo do continente americano, estando o seu centro ao largo da Nicarágua e da Costa Rica. Este aspecto é interessante se pensarmos que o eclipse tem o seu lugar de maior escuridão mesmo diante de um conjunto de parques e reservas naturais. Do lado da Nicarágua, temos a Reserva Biológica Indio Maíz e, do lado da Costa Rica, o Refúgio Nacional de Vida Silvestre Barra del Colorado e o Parque Nacional Tortuguero. Se quisermos um planeta vivo no futuro, a vida selvagem precisará urgentemente de luz.

  De acordo com as regências da astrologia antiga, a influência geográfica é um pouco diferente. Segundo Valente (Antologia I, 2), as seguintes zonas estão sob a influência de Balança: a Báctria (região persa do Coração que corresponde actualmente ao Afeganistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e China), a China, a zona do Cáspio, Tebaida (região do Antigo Egipto entre Abidos e Assuão), o Oásis (Oásis de Siwa ou Siuá, no deserto da Líbia), Troglodítica (região antiga do deserto líbio, mas que se pode estender por uma área que vai até ao Mar Vermelho e ao Corno de África), a Itália, a Líbia, a Arábia, o Egipto, a Etiópia, Cartago, Esmirna (Anatólia, Turquia), os Montes Tauro (Sul da Turquia), Cilícia (Turquia) e Sinope (Norte de Turquia, junto ao Mar Negro). Manílio coloca a Itália e, em especial, a cidade de Roma sob a regência de Balança, referindo, por um lado, que Roma controla as mais variadas coisas, exaltando e precipitando as nações nos pratos da balança e, por outro lado, este é signo do imperador Augusto, que terá nascido a 23 de Setembro de 63 AEC (Astronomica V,773-77).

  O eclipse solar de 14 de Outubro insere-se na série Saros 134. Esta série iniciou-se a 22 de Junho de 1248 e terminará a 6 de Agosto de 2510. Começa portanto em Caranguejo (Lua) e finda em Leão (Sol). A relação entre luz e sombra torna-se, uma vez mais, determinante. O próximo eclipse da série será a 25 de Outubro de 2041, em Escorpião, passando-se na série de Vénus a Marte. Existe novamente aqui um jogo de polaridades que também se encontra no tema do actual eclipse: o caminho descendente em que se insere a sizígia obscurecida estende-se também de Marte em Escorpião até Vénus em Virgem. De outra forma e considerando-se apenas Balança, o actual eclipse é o segundo da série a ocorrer de forma seguida neste mesmo signo. O primeiro foi a 3 de Outubro de 2005. Os dois primeiros eclipses totais da série 134 também se deram em Balança: a 9 de Outubro de 1428 e a 20 de Outubro de 1446. No entanto, a máxima interpretativa que se deve seguir é de que o primeiro eclipse de uma série Saros e o seu tema astrológico servem de matriz para toda a série, é o seu tema genetlíaco.

  A 22 de Junho de 1248, o Sol e a Lua estavam em Caranguejo, como já foi referido, bem como Neptuno, Marte e Mercúrio em Leão, Saturno e Plutão em Escorpião, Júpiter e Caput Draconis em Sagitário, logo a Cauda está em Gémeos, Úrano em Aquário e Vénus em Touro.

  Se pensarmos que este eclipse ocorreu no início do segundo quartel do século XIII, numa época de profundas alterações políticas, socias, religiosas, espirituais e culturais, estes elementos astrológicos tornam-se mais evidentes. Temos, por exemplo, a fundação do império Mongol, do qual é preciso destacar o cerco de Bagdad e a destruição da Casa da Sabedoria, mas também a criação da Inquisição. Na data do eclipse inaugural desta série, é lançada a sétima cruzada pelo rei de França Luís IX. A tensão nesta região estende-se até hoje, até ao conflito israelo-palestiniano. Por outro lado, o rei Fernando III de Leão e Castela recupera Sevilha aos Almóadas. Já de um ponto de vista religioso, a capela gótica de Sainte-Chapelle é finalizada e consagrada com a cora de espinhos, uma relíquia concedida pelo imperador de Constantinopla Balduíno II. Uns meses mais tarde é colocada a pedra inaugural da Catedral de Colónia, depois da igreja antiga ter ardido.   

  Séneca afirma que A luz distingue-se do reflexo por ter a sua origem em si mesma, enquanto o reflexo brilha com luz alheia; a mesma diferença separa os dois tipos de vida: a vida mundana tira o seu brilho de circunstâncias exteriores, e o mínimo obstáculo imediatamente a torna sombria; a vida do sábio, essa brilha com a sua própria luminosidade!” (Ep.21.2; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos, 2004: 74. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian). Ora esta é, em certa medida, a matriz de sentido da série 134 e que se assume, de forma bastante expressiva, no eclipse de solar de Outubro. Os factores de intolerância política e religiosa, construídos sob o apelo da construção de novas verdades, estenderam-se até hoje. No eclipse inaugural, a conjunção da sizígia com Neptuno em Caranguejo, de Marte e Mercúrio em Leão, de Plutão e Saturno em Escorpião, estando estes em quadratura a Úrano em Aquário, e de Júpiter e da Caput Draconis em Sagitário são, de facto, sinais da promoção de uma luz alheia como luz verdadeira. A humanidade tende a confundir-se com sombras, ignorando a luz que brilha solitária e incógnita.  

  Paralelamente, a análise do eclipse de dia 14 deve considerar, primeiramente, dois vectores que estão muito marcados e que se estabelecem, de um ponto vista astrológico e de modo radical, o caminho luminar descendente que se alonga entre Marte em Escorpião e Vénus em Virgem, entre um deus da guerra domiciliado e uma deusa do amor em queda. Este via obscurecida é mediada pela sizígia umbral em Balança e que coloca sob os seus raios negros Mercúrio e a Cauda Draconis. Ora este caminho, e tendo em mente a regência de Balança, trará problemas sérios às democracias e, em especial, aos poderes parlamentares. A situação norte-americana é um bom exemplo, todavia, a situação é bem mais ampla e para isso basta observar o galgar mediático da extrema-direita populista e o carnaval que tem promovido nos vários parlamentos europeus. Na América do Sul, encontramos também exemplos semelhantes. A forma como o populismo confiscou os media constrói-se igualmente nesta premissa.

  Por outro lado, a conjugação desta via com a oposição entre Marte em Escorpião a Júpiter e Úrano em Touro, bem como a ligação destes a Saturno e Neptuno em Peixes (trígono e sextil) e a Plutão em Capricórnio (sextil e trígono), conduzirá inevitavelmente a desastres naturais, muitos deles particularmente destrutivos. Esta interpretação astrológica não é catastrofista, é sim realista, pois os sinais são evidentes. No caso português, e tendo em conta que o tema em análise foi elaborado para Lisboa, é impossível não vislumbrar a aproximação de um grande sismo. O período que circunscreve o actual eclipse, o eclipse solar total de 2 de Agosto de 2027 e o eclipse solar anular de 26 Janeiro de 2028 é crítico, sobretudo pelo facto do manto umbral destes dois últimos passar pelo epicentro do Terramoto de 1755 e pelo paralelismo simbólico com esta série Saros. Colher estes sinais é difícil, mas não os devemos temer. Na astrologia, como na vida, nem tudo são arco-íris.

  No tema do eclipse, Plutão é o astro mais alto e o sextil deste a Marte em Escorpião, os dois regentes deste signo, adensam a sua acção. No entanto, considerando-se o futuro ingresso de Plutão em Aquário, devemos ressalvar que a actividade destrutiva de Plutão não se limitará ao signo de Capricórnio. A sua passagem por Aquário trará transformações que não acontecerão connosco de mãos dadas, inspirando incenso e entoando mantras. Plutão não actua desta forma. Lembremo-nos que é o regente moderno de Escorpião e que olha quadrangularmente para Aquário, que é regido por Saturno (convém não esquecer) e por Úrano, ou seja, existe tensão nestas duas naturezas. Por outro lado, o facto de o tema do eclipse, para a hora de Lisboa, estabelecer-se de acordo com a ordem vernal coloca Marte em Escorpião, na VIII, no lugar da Morte. Esta posição dará uma força suplementar ao Senhor da Guerra e à sua natureza primordial. Note-se também que o anterior novilúnio estabeleceu-se segundo a ordem do Thema Mundi, o que confere um carácter radical e estruturante e uma continuidade aos dois eventos astrológicos.

  Este eclipse coloca naturalmente uma sombra sobre o signo de Balança, obscurecendo o seu potencial e adensando as suas qualidades negativas. Mercúrio estará sob esta influência contrária, trazendo uma expressão disruptiva à palavra e ao conhecimento. Não existirá portanto na comunicação um palco para a concórdia, bem pelo contrário. A presença da Cauda Draconis contrai, sob a égide do destino, o peso, a gravidade, da desmedida. A humanidade cai diante dos seus próprios erros. O grande maléfico, Saturno, traz consigo e com o seu companheiro de viagem, Neptuno, as feridas da Fortuna, sempre visíveis aquando do fim de um ciclo. Em Peixes, a pressão ou libertação que a totalidade confere torna-se realidade. Carneiro começa a subida da montanha, Capricórnio com o sentido de finalidade alcança o cume e Peixes senta-se e contempla a visão do mundo. Ora a acção, a finalidade e a totalidade são algumas das etapas da nossa viagem, individual e colectiva. Saturno pede-nos uma visão desempoeirada do mundo, liberta das amarras, das feridas, das vaidades, das paixões desse nosso caminho (sextil de Saturno e Neptuno a Júpiter e Úrano). No entanto, essa visão é extremamente difícil, sobretudo na actualidade, pois Saturno pede-nos para manter os olhos abertos, contemplativos, no meio de uma tempestade de areia. Neptuno, por seu lado, continua a alertar-nos para a necessidade de uma imaginação criativa e de uma vida compassiva, integrando a fantasia no sonho e não na ilusão. Este relembra-nos também que existem humanos de primeira e humanos de segundo.

  Por entre as sombras, é preciso, porém, saber colher as bênçãos. Procurá-las e encontrá-las, mesmo que seja por entre as cinzas. Vivemos tempos de guerra, de destruição e, por necessidade, de transformação. Os perigos, mais do que à espreita, circulam à nossa frente, todavia, existem sempre bênçãos. De uma perspectiva astrológica, mas também filosófica, para cada maléfico existe um benéfico e ao lado de cada sombra existe sempre luz. Temos de observar portanto Vénus e Júpiter. A posição dos benéficos não é contudo das mais favoráveis: Vénus está em queda e Júpiter retrógrado. Mas unem-se em trígono, dizendo-nos que a necessidade tece a vida electiva do bem. Vénus encontra-se fechada em si mesma, distante do mundo. Face à acção humana, o eterno feminino recuou e a Deusa escondeu-se.

  A oposição de Vénus em Virgem a Saturno e Neptuno em Peixes revela, como ferida do tempo e do destino, o peso da retribuição, desse afastamento. Porém, o trígono de Vénus em Virgem e Júpiter em Touro a Plutão em Capricórnio traz-nos, de acordo com a ordem tempo e da providência, uma era que conjuga a vingança de Gaia com o renascimento de Gaia. A natureza encontra caminho, já o humano pode perder-se na estrada da realidade. O sextil de Vénus a Marte e de Júpiter a Saturno exemplifica, uma vez mais, essa justaposição de bem e mal, de luz e sombra. A liberdade humana não está nos acontecimentos, está sim nesta escolha.

  O eclipse solar de 14 de Outubro, no signo de Balança, vem colocar a sombra sobre a harmonia dos contrários, ocultando a luz da concórdia. Este manto umbral vai dar-nos, como síntese do tempo, a retribuição, o preço da nossa desmedida. Só caminhando pela sombra chegaremos à luz.              

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Virgem

  Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Virgem

Lisboa, 02h39min, 15/09/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Mercúrio

Termos: Marte

Monomoiria: Mercúrio      

 

  A Lua Nova de Setembro ocorre no signo de Virgem, estando Caranguejo a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na III, no lugar da Deusa, no decanato de Mercúrio, nos termos de Marte e na monomoiria de Mercúrio. A sizígia dá-se pois abaixo do horizonte e a cerca de quatro horas e meia do pôr-do-sol. Os luminares, estando a Lua no seu próprio segmento, embora submersa, encontram-se num caminho de ascensão, rumo ao lugar de origem. Esse efeito matriz é expresso pelo facto da distribuição tópica de lugares ou casas ser a mesma do Thema Mundi, ou seja, com Caranguejo a marcar a hora. A disposição torna-se particularmente significativa se tivermos em consideração que a luz da sizígia emana de um lugar que lhe natural.

  Segundo o Thema Mundi, o Eterno Feminino expressa, no eixo de Virgem-Peixes, o seu valor de númen primordial de transformação, mas de também de revolução. Este eixo, porque na ordem Vernal indica o meio e o fim e na ordem do Thema Mundi o lugar da Deusa e do Deus, vai apresentar o sentido profundo da parte e do todo. Esse é um mistério iniciático que permite a revelação ou a interiorização dos desígnios da Necessidade, da Fortuna. A compreensão da parte, ou seja, do lote ou do quinhão do destino, do pequeno fio que cinge o caminho na urdidura da Grande Tecedeira, é algo que podemos encontrar no signo de Virgem.

  Toda a parte passa, em Virgem, por um processo de distinção que só será estabilizado em Peixes, com a integração no todo. Ora é neste lugar que Mercúrio encontra o seu domicílio e exaltação, pedindo portanto esse esforço de análise ou compreensão. Da lição de Hermes Trismegisto, isto é, do lugar da Deusa, o de Virgem, podemos elevar-nos até ao lugar do Deus, onde os benéficos, Júpiter e Vénus, expressam a sua luz. Em Peixes, a visão do todo vai permitir o regresso da Deusa Mãe e a harmonia dos opostos. Esta é a sibila do tempo, cantando a madrugada futura. A luz de uma sizígia em Virgem, no lugar da Deusa, escreve esse potencial, guardando a candeia que se erguerá. No entanto, o esforço de compreensão da parte não é fácil. Cada lote emanado pelas Meras representa um desafio. Ele surge pois como um enigma, uma suspensão da realidade, do todo, de modo a tornar possível a sua distinção face aos demais.    

  Plutarco, no livro A Fortuna ou a Virtude de Alexandre Magno, fala-nos desta dificuldade, quando diz que Devemos dizer, então, que a Fortuna faz os homens pequenos, medrosos e mesquinhos? Mas não é justo ligar o vício à má sorte, nem a coragem e a sabedoria à boa sorte. Muito, ao invés, teve a Fortuna a ganhar no reinado de Alexandre, porque então ela foi prestigiosa, invencível, magnânima, moderada e humana; pois, mal que ele morreu, logo Leóstenes disse que as suas forças, nas suas errâncias até à exaustão, se assemelhavam ao Ciclope que, depois de ter ficado cego, estendia suas mãos para tudo sem nenhuma meta: do mesmo modo o grande império agitava-se no vazio e desabava por causa da anarquia.” (336E-F, ed. R. Marques Liparotti, 90. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017). A distinção do sentido de cada lote conduz-nos necessariamente a este esforço de compreensão, daí que, por exemplo, os lotes astrológicos tenham uma importância vital em todo o sistema helenístico. São a mimésis deste sentido primordial

  O filósofo platónico continua essa ideia, afirmando que Assim como os artistas inábeis, colocando grandes bases sob pequenas estátuas votivas, lhes expõem a insignificância, também a Fortuna, de cada vez que eleva um ânimo medíocre por actos de peso e notoriedade, o que faz é desnudá-lo e desonrá-lo mais explicitamente, por causa dos erros e da vacilação gerados pela sua leviandade. A grandeza consiste, portanto, não na posse, mas no uso dos bens, já que até as crianças herdam reinos e poderes paternos, como Carilau, que Licurgo levou de fraldas a um convívio público e proclamou, em sua vez, rei de Esparta.” (337 C-D, ed. R. Marques Liparotti, 92). Se, de acordo com os dons de Hermes, se compreender, separando e distinguindo, os fios que o destino teceu, então a Vénus Celestial, exaltada em Peixes, poderá surgir como revelação. Essa é, de certa forma, a mensagem do Livro XI de O Burro de Ouro de Apuleio, quando a deusa Ísis surge como a salvadora de Lúcio, metamorfoseado em burro e sujeito às vicissitudes da Fortuna. Compreendida a parte, o todo ilumina-se.

  A sizígia de Setembro insere-se, primeiramente, num caminho ascendente de luz que se estende do próprio encontro dos luminares até Mercúrio retrógrado, o único planeta nesta condição abaixo do horizonte. Este caminho indica, porém, uma certa dificuldade de passar a mensagem de Virgem, de compreender, distinguindo, cada lote do destino. Paralelamente, este caminho insere-se numa via mais extensa que vai de Marte em Balança, junto ao Ponto Subterrâneo até à Vénus em Leão. Nesta senda, a harmonia dos opostos vê reforçada o seu imperativo escatológico de via salvífica de união entre o Deus e a Deusa, entre o Sol e a Lua. A retrogradação de Mercúrio apresenta, deste modo, uma certa resistência em interiorizar-se a mensagem do Eterno Feminino. Esta não é, todavia, uma novidade. Nas últimas décadas, quando se assistiu a uma expressão dinâmica da mensagem de um Divino Feminino, independentemente da sua forma, existiu sempre um qualquer tipo de resistência, ora mais académico, ora menos. Marte, no seu exílio em Balança, evidencia essa permanência, essa acção disruptiva, que suspende ou enfraquece a força transformativa da Mãe Divina.

  Já com uma outra manifestação, agora acima do horizonte, todos os planetas estão retrógrados (Úrano, Júpiter, Neptuno, Saturno e Plutão) e, num caminho de escalada pela montanha do céu, qual Monte Ida, ou seja, do Ascendente à Culminação, Júpiter é o astro mais alto. A mensagem do grande benéfico é aquela que já abordámos na reflexão acerca da sua actual retrogradação. No entanto, no tema do novilúnio de Virgem, Júpiter retrógrado em Touro firma-se no lugar do Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), corroborando aqui o sentido profundo da compreensão de um lote ou parte do destino, pois o termo δαίμων é tanto o espírito como o destino, como ainda a divindade. A terminologia astrológica antiga é fértil e revela a especificidade do sistema helenístico, justificando-se assim a sua continuidade e o seu estudo.  

  Esta extensão espacial de planetas retrógrados acima do horizonte encerra ainda uma significação suplementar. Estes alongam-se triangularmente pelo céu, desde Úrano e Júpiter em Touro até Plutão em Capricórnio, junto ao Poente. Existe aqui uma senda da vida à morte, consolidando-se assim o bem da vida e o poder da morte, o modo de vida e a finalidade. Este trígono forma com a sizígia e Mercúrio em Virgem um Grande Triângulo de Terra, um que pede, pela força da retrogradação, uma reformulação das estruturas de valor. Dada a proximidade astro-mitológica de Virgem, e não Balança, à deusa da Justiça (cf. Figueiredo, R. M. de, 2021, Fragmentos Astrológicos, 143-6), esta renovação axiológica exige que se faça dos bens uma virtude, ou seja, em si mesmos, os bens do mundo não valem nada, servem apenas de meio para a natureza humana se expressar e para a humanidade ter uma vida melhor. A necessidade conduz-nos, seja por lição ou retribuição, a essa mudança de paradigma. 

  A relação do Grande Triângulo de Terra com o elemento Água é igualmente significativa, pois temos, por um lado, a oposição de Saturno e Neptuno em Peixes à sizígia e a Mercúrio em Virgem e, por outro, os dois sextis dos primeiros tanto a Júpiter e a Úrano em Touro como a Plutão em Capricórnio. Esta é a seta do destino que refunda a força da Necessidade na possibilidade de se criar uma liberdade de ser. Estes aspectos, conjuntamente ao sentido profundo do eixo Virgem-Peixes, vão colocar diante da percepção humana a compreensão daquilo que se julga ser a dicotomia entre determinismo e livre-arbítrio. Segundo o espírito da astrologia helenística, influenciada pelo estoicismo, pelo platonismo e pelo pitagorismo, os fios da Meras tecem os acontecimentos, mas não o nosso modo de ser e estar. Nesse sentido, a astrologia antiga, ou a sua herança para uma prática contemporâneo, não pode dizer que indica tendências ou possibilidades. O destino não muda, o que muda é a percepção de nós mesmos e do mundo. É um tema complicado, mas Saturno em Peixes vem colocar a Necessidade num sentido renovado de totalidade. No entanto, para que isso aconteça, e essa é a mensagem da oposição, é necessário a compreensão de cada lote ou quinhão do destino, ou seja, seguindo a máximo de Santo Agostinho é preciso crer para compreender e compreender para crer.

  O Dragão da Lua vem fortalecer o sentido profundo da Necessidade. Sobre o eixo Carneiro-Balança, a identidade, criando um elemento significativo de passagem entre a dualidade (Balança) e a unidade (Carneiro), terá de sair renascida, não por via da ilusão da alteridade, mas porque o peso do destino firma a consciência num ensimesmamento esclarecido. Na Cauda Draconis em Balança, a sombra do destino testará o humano e, na Caput Draconis em Carneiro, a luz da providência renovará a sua acção. Esta é uma mensagem importante sobretudo se tivermos em conta que se aproxima a segunda época de eclipses de 2023 (Eclipse Solar a 14 de Outubro e Eclipse Lunar a 28 de Outubro). O peso da sombra do destino está agora mais denso pelo facto de Marte está co-presente à Cauda Draconis em Balança. A debilidade de Marte em Balança e a gravidade da cauda do Dragão da Lua vão trazer consigo a inevitabilidade dos acontecimentos e se considerarmos, por exemplo, a quadratura destes a Plutão em Capricórnio, o sismo de Marrocos e a erupção do Kilauea encontrarão um sentido astrológico.

  Já a Vénus em Leão continua, agora no seu movimento directo, o significado que já explorámos anteriormente, dando a nobreza da alma ao desejo e às ligações. A sua união ao Dragão da Lua, por trígono à Caput e sextil à Cauda, vai fazer com que, rumo a um bem maior, o destino consuma a vaidade. Na verdade, a quadratura entre os benéficos fortalece esse imperativo: a universalidade do bem como tensão criadora. Já o sextil de Vénus em Leão a Marte em Balança recupera aquilo que já dissemos acerca do caminho ascendente de luz onde se insere o actual novilúnio. A Lua Nova de Virgem pede, em suma, esse esforço de compreensão dos desígnios da Fortuna, inserindo na razão de um todo cada parte do destino.