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terça-feira, 1 de outubro de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Eclipse Solar Anular (Lua Nova em Balança)


Eclipse Solar Anular 

(Lua Nova em Balança)

Lisboa, 19h45min, 02/10/2024

 

Sol-Lua

Decanato: Saturno  

Termos: Mercúrio   

Monomoiria: Saturno    

                                          

 

   O Eclipse Solar Anular de 2 de Outubro ocorre no signo de Balança, com Carneiro a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, com os luminares abaixo do horizonte, na VII, junto ao Poente (δύσις), e cerca de trinta minutos após o ocaso (hora de Lisboa), no decanato de Saturno, termos de Mercúrio e na monomoiria do Saturno. Se observarmos os últimos eclipses solares, torna-se perceptível que o eclipse solar de 8 de Abril também se deu na VII, junto ao Poente, mas com os luminares acima do horizonte, já o eclipse de 14 de Outubro de 2023 deu-se, à semelhança do actual, na VII e abaixo do horizonte. Conclui-se, deste modo, que nos três últimos eclipses solares, para além do sentido da sombra, sobressai a significação radical do lugar do Ocaso. Fernando Pessoa, no poema “A morte é a curva da estrada” (1932), diz que Morrer é só não ser visto, ou seja, a ocultação do Sol é também a sua morte e, nesse sentido, o manto umbral torna-se um sinal de morte.

   Esta significação da sombra e da morte encontra-se novamente sobre o eixo da identidade (Carneiro-Balança). Ora o eixo traduz o princípio da identidade como uma ponte de sentido entre a unidade e a dualidade, ou seja, a identidade para se tornar consciência precisa do elemento dual, precisa de uma qualquer forma de alteridade. O eu tende para o outro, mesmo que o conhecimento do outro encontre o muro alto da subjectividade. Nunca conhecemos verdadeiramente o outro, porque não conseguimos sair do eu que conhece. Podemos ser genuínos na demanda, mas não deixamos de ser quem somos. Este não é, na verdade, um problema psicológico, é sim uma questão filosófica, uma que está na base de toda a filosofia. Do ponto de vista astrológico, este eixo revela uma outra questão essencial. O sentido dos eixos é uma proposta de viagem, ou seja, o eu só conhece o outro se se integrar no todo. Carneiro só conhece Balança se viajar até Peixes. Antes de chegar a Balança, passa por Virgem, onde conhece o sentido da parte, o que lhe permite observar a dualidade, o signo seguinte, mas é em Peixes que, adquirindo o valor da totalidade, pode vislumbrar o outro para além da subjectividade. Na senda da identidade, a unidade precisa do olhar da montanha, da imensidão do todo, do olhar de cima segundo Marco Aurélio. Marte, o regente de Carneiro, passa da guerra dos contrários, para a harmonia dos contrários, a Vénus de Balança. O Zodíaco é portanto viagem, essa é a sua matriz de sentido.

   O Dragão da Lua, através dos seus períodos nodais, dos seus eclipses, transmite-nos as sementes do destino. É como se asas do dragão espalhassem as sementes, todavia, existe, por vezes, uma sombra que nos impede de ver onde elas caem. O manto umbral, nesta fase nodal entre o eixo de integração e o eixo de identidade, não deixa que se vejam as sementes da unidade e da dualidade (Carneiro-Balança), da parte e do todo (Virgem-Peixes). No entanto, o destino deixa sempre sinais, o que está escrito escrito está e essa é a verdade. A necessidade não muda os seus ditames. Se a astrologia perder o discurso teleológico da providência, esvazia-se por completo e esse é o perigo de reduzir a influência astrológica, a sua matriz apotelesmática, a um quadro de tendências e de potencialidades sem uma efectivação necessária. Porém, existe algo que muda: o carácter. Ora o que fortalece o carácter, na sua percepção dos acontecimentos, é a virtude e esta brilha na identidade que vê o eu e o outro, a unidade na dualidade.

   Séneca diz-nos que “Do mesmo modo que a luz do sol eclipsa as estrelas mais pequenas, também a virtude elimina e arrasa sob a sua própria grandeza tudo quanto seja dor, sofrimento, insulto; onde brilha a virtude, tudo quanto sem ela é visível fica eclipsado, ao chocar contra a virtude todos os incómodos têm tanto significado como uma nuvem vertendo chuva sobre o mar! E para te certificares de que assim é, vê como o homem de bem se afoitará sem hesitar a qualquer bela acção: ainda que diante dele se erga o carrasco, se erga o torcionário e a sua fogueira, o homem de bem avançará, atento apenas ao que deve fazer, e não ao que terá de sofrer, tão confiante no seu honesto propósito como o estaria ante um outro homem de bem; a seus olhos o seu acto aparecerá como verdadeiramente útil, seguro, bem-sucedido. Uma acção honesta, ainda que dolorosa e difícil, valerá tanto como um homem de bem, ainda que pobre, exilado ou doente!” (Ep.66.20-1; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). Se nos lembrarmos que a proposta de Balança é a da busca do equilíbrio, pois representa o momento em que a humanidade deixou de ver Astreia, Dike, a deusa da Justiça, representada na constelação de Virgem, então compreendemos a mensagem de Séneca. A virtude, a justiça, a harmonia, brilha mais do que qualquer coisa, eclipsando tudo o resto, mas, por outro lado, na sua ausência, nada brilha como ela. A morte e a sombra são, neste eclipse, a ocultação desta luz que brilha no abismo e na escuridão. É a luz que não morre, destruindo-se, mas que desaparece do olhar e, nesse sentido, fica a sombra sobre a humanidade.

   Se seguirmos o método ptolemaico das horas equatoriais, o período de influência deste eclipse seria menor, todavia, se utilizarmos outra metodologia, baseada uma na ascensão recta e outra na declinação do Sol chegar-se-ia a um período que iria dos quatro aos sete anos e meio. A opção por uma influência temporal mais extensa baseia-se, por um lado, nesta explanação astro-filosófica, mas, por outro lado, na determinação da natureza deste eclipse como um fenómeno de potência, ou seja, este manto umbral encerra em si o gérmen de acontecimentos que se vão fixar noutras efemérides. Poder-se-ia dizer que essa é uma determinação comum, todavia, existem momentos cuja potencialidade é qualitativamente mais intensa. Neste eclipse, o manto umbral cobre, em grande parte, uma área oceânica e, nas poucas zonas terrestres onde é visível, o número de pessoas que o podem observar numa visibilidade total é também limitado. É o oposto do eclipse lunar de 18 de Setembro. Este factor, sobretudo se pensarmos que o eclipse lunar anterior foi num signo de água, confere à sombra do actual eclipse um valor uterino.

   Os anos de 2026 e 2027 vão ter, por exemplo, eclipses solares com grande influência em termos geográficos, tanto na área terrestre como na visibilidade populacional. No entanto, o facto do actual eclipse se estender pelo mar não deve ser descurado, pois a relação da humanidade com os oceanos será no futuro uma condição para a continuidade da espécie e da vida na terra. O eclipse solar terá o seu centro no Oceano Pacífico perto das Ilhas Pitcairn e de Hanga Roa. Na América do Sul, terá a sua maior visibilidade nas zonas do sul do Chile e da Argentina, podendo ser observado parcialmente no sul do Peru, na Bolívia, no Paraguai, no sul do Brasil e no Uruguai. É também visível numa parte da Antárctida, o que também é relevante para a questão dos oceanos, do mar.           

   Nas regências geográficas antigas, Valente (Antologia I, 2) diz-nos que estão sob a influência de Balança a Báctria (região persa do Coração que corresponde actualmente ao Afeganistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e China), a China, a zona do Cáspio, Tebaida (região do Antigo Egipto entre Abidos e Assuão), o Oásis (Oásis de Siwa ou Siuá, no deserto da Líbia), Troglodítica (região antiga do deserto líbio, mas que se pode estender por uma região que vai até ao Mar Vermelho e ao Corno de África), a Itália, a Líbia, a Arábia, o Egipto, a Etiópia, Cartago, Esmirna (Anatólia, Turquia), os Montes Tauro (Sul da Turquia), Cilícia (Turquia) e Sinope (Norte de Turquia, junto ao Mar Negro). Manílio coloca a Itália e, em especial, a cidade de Roma sob a regência de Balança (Astronomica IV, 773-77), expressando pois a relação da natividade do imperador Augusto com este signo.

   O actual eclipse pertence à série Saros 144. É 17º eclipse de um total de setenta. Convém assinalar-se que esta série não tem eclipses totais, pois é composta apenas por eclipses parciais e anulares. A série teve o seu início a 11 de Abril de 1736, com um eclipse no signo Carneiro, e terminará a 5 de Maio de 2980, com um eclipse no signo de Touro. No eclipse-matriz, o Sol, a Lua e a Cauda Draconis estavam em Carneiro, ou seja, na posição inversa do actual eclipse. Saturno estava em Touro, no signo que marcava a hora, onde a série terminará. Neptuno estava em Gémeos, Plutão e a Caput Draconis em Balança, Úrano em Sagitário, Júpiter, Marte e o Ponto de Culminação em Aquário, Vénus e Mercúrio em Peixes.

   Sob a influência da conjunção de Marte e Júpiter e com a sizígia umbral em Carneiro estende-se o conflito entre a Rússia e o Império Otomano. Em 1736, o exército russo, sob o comando do marechal Burkhard Christoph von Münnich, capturou a fortaleza de Azov dos otomanos, um marco importante na guerra. Após o eclipse, este conflito continuou com outras importantes batalhas. Três dias após o eclipse, dá-se na Escócia, em Edimburgo, a Revolta de Porteous que começou como um motim e acabou com a execução ilegal de John Porteous, o capitão da guarda da cidade, que havia sido condenado por ordenar que seus homens atirassem em uma multidão durante uma execução pública. As tensões políticas e sociais aumentaram e contribuíram para o descontentamento dos escoceses face às autoridades britânicas. É uma questão que se estende até hoje com parte dos escoceses a quererem a independência.

   Vénus e Mercúrio em Peixes em quadratura a Neptuno em Gémeos vão favorecer outro tipo de acontecimentos. Por exemplo, a Companhia Holandesa das Índias Orientais estava no auge da sua expansão no sudeste asiático, continuando assim a dominar o comércio internacional na região. Ora, em 1736, consolidou as suas posições em várias colónias, incluindo territórios na actual Indonésia. De uma outra forma, também em 1736, chega ao Equador a expedição científica ao Peru, liderada por Charles Marie de La Condamine e Pierre Bouguer, com o intuito de proceder à determinação exacta do grau do arco de meridiano nas proximidades da linha do equador. Com esta expedição, poder-se-ia verificar a hipótese de Newton, contestada por muitos, do achatamento da Terra nas zonas polares. A 11 de Abril de 1736, no dia do próprio eclipse-matriz, William Law, um influente teólogo anglicano, publicou o seu famoso tratado A Serious Call to a Devout and Holy Life. Esta obra teve um impacto profundo no movimento metodista, bem como em todo cristianismo anglicano e em outros movimentos protestantes, e foi uma das obras que influenciou John Wesley e Samuel Johnson. Estes acontecimentos revelam alguns dos elementos de sentido do eclipse-matriz, o qual servirá de base interpretativa para todos os eclipses da série.

   Já no actual eclipse existem, na leitura dos aspectos astrológicos, duas configurações geométricas que sobressaem: o Quadrado (ou Cruz) Cardinal e o Triângulo de Água. O primeiro é particularmente significativo por duas razões: primeiro, porque encerra em si a sizígia umbral e o Dragão da Lua e segundo, porque no tema de Lisboa, o que está em análise, encontra-se sobre os pólos (κέντρα), com Carneiro marcando a hora e Capricórnio culminando. Estas razões conferem aos planetas e pontos que neles se fixam um valor determinante e uma influência reforçada. Nesta configuração, encontramos assim a Caput Draconis em Carneiro, Marte em Caranguejo, o Sol, a Lua, Mercúrio e a Cauda Draconis em Balança e Plutão em Capricórnio. A união de raios quadrangulares e diametrais sobre os pólos têm assim um sentido reforçado. Neste tema, é impossível não observar que existe um certo peso, uma certa gravidade nesta configuração. Note-se que é a cauda e não a cabeça do Dragão da Lua que se une à sizígia umbral, o que obriga aqui a uma maior imposição do peso do destino. Esta é uma configuração que conduzirá ou exacerbará conflitos e guerras, desastres naturais e destruição. A perda de casas e de vidas está ainda no horizonte.

   Esta configuração leva-nos necessariamente, e neste ponto é mesmo por via da Necessidade, ao triângulo de água. Ora este une Marte em Caranguejo, Vénus em Escorpião e Saturno e Neptuno em Peixes. Por ser um trígono, o destino actua aqui como dádiva, todavia, as bênçãos do lote das Meras podem surgir da destruição, podem ser a semente que germina nas cinzas. Cícero dizia: “Se tens um jardim e uma biblioteca, nada te faltará.” (Epistulae ad familiares IX, 4: Si hortum in bibliotheca habes, nihil deerit). Se pensarmos que Vénus, por ser este um tema nocturno, é o benéfico mais benevolente e Marte é o maléfico menos prejudicial, compreendemos então que nos é pedida uma revaloração do desejo, daquilo que nos move. Temos de encontrar o centro no que verdadeiramente importa. Porém, Vénus está no seu detrimento, tornando mais difícil este processo e Saturno continua a trazer consigo a gravidade do destino, da ordem do tempo. É-nos oferecido então o olhar de cima de Marco Aurélio, já anteriormente referido.

   O exercício espiritual consiste em centrarmo-nos na nossa tranquilidade e relativizar tudo aquilo que não controlamos, tudo aquilo que é superficial. Pensemos em nós, no espaço e tempo que ocupamos, nas lições de Júpiter e Saturno. Agora vejamos esse mesmo lugar na rua e no quarteirão que vivemos, depois na cidade, no país, no continente, no planeta Terra, no sistema solar, na Via Láctea, no universo. Do mesmo modo, pensemos no momento que vivemos, depois nos nossos anos de vida, de seguida, considere-se um século, dois, três, um milénio, dois, três, a história da humanidade, a história do planeta, o tempo de existência do Sol, de outras estrelas mais antigas, do universo. De facto, como diria Cícero, face a tudo isto, uma biblioteca e um jardim podem oferecer-nos uma certa paz, pois somos apenas uma minúscula e ínfima poeira de estrelas. Este eclipse sobre o signo de Balança, um lugar que procura a harmonia face ao desequilíbrio das escalas, dos pratos da balança, pede-nos este esforço, este dom de nos sentarmos no cume da montanha e olhar para baixo.

   O triângulo de Água segue-se ao triângulo de Terra que encontrámos no eclipse lunar. O Eterno Feminino é a dádiva do destino, contudo, é uma candeia oculta sob um manto de sombra. De entre os sextis que observamos neste eclipse, o sextil de Vénus em Escorpião a Plutão em Capricórnio, unindo o amor e a morte, diz-nos que face à corrupção do desejo temos de encontrar, no poder da morte, da destruição, o ímpeto de transformação, não dos acontecimentos, mas do carácter. A união dos sextis entre os signos de Terra e Água poderia gerar um Grande Hexágono, porém, não existem aquando do eclipse planetas no signo de Virgem, deixando assim o hexágono incompleto. Astreia, a deusa da justiça, continua a estar ausente, distante da humanidade que a rejeitou.

   O trígono entre Júpiter em Gémeos e a sizígia umbral e Mercúrio em Balança diz-nos que o intelecto e a palavra podem, como realização da Humanidade, iluminar o caminho do bem, da justiça. No entanto, a sombra e a escuridão, a morte da razão anda pelas ruas, ocultando a via eleita. A união benévola de Júpiter em Gémeos ao Dragão da Lua (sextil à Caput, trígono à Cauda) indica-nos também, face ao destino e à necessidade, essa outra via para o pensamento e para a palavra. No entanto, Júpiter, por este ser um tema nocturno, é o benéfico que menos brilha, sentindo sobre si o peso da quadratura de Saturno e Neptuno em Peixes. A humanidade sabe o caminho, a sabedoria está mesmo à nossa frente, mas continuamos a desviar o olhar, a fingir que não a vemos e, dessa forma, levamos o pensamento e a palavra até ao domínio da ignorância, da ilusão e do engano. Nesse domínio, a acção separa e distingue, desune, em vez de agregar, de confluir o humano na humanidade.

   A oposição entre Vénus em Escorpião e Úrano em Touro dá ao eixo entre a vida e a morte um choque, uma colisão, entre a inflexibilidade e a imprevisibilidade. O desejo de apego e o desejo de mudança contaminam as estruturas que a humanidade criou. A relação do humano com a natureza, com o planeta, é disso mesmo o melhor exemplo. Sabemos onde errámos, sabemos o que tem de mudar, mas estamos presos aos hábitos, ao modo de vida que impede a mudança. Os sextis dos maléficos a Úrano exemplificam essa liberdade corrompida. Quando Úrano entrar em Gémeos, em 2025, à questão do planeta, da sua sustentabilidade, iremos juntar os desafios da inteligência artificial e do lugar do humano e da humanidade.

   O eclipse solar de 2 de Outubro marca um tempo de transição, de passagem. A sombra actua como uma condição necessária e através da qual a luz se vai erguer no céu, escalando montanhas, ou habitar as profundezas da terra, guardando-se na escuridão do abismo. Lao Zi diz-nos que “O céu perdura, a terra subsiste.” (Dao De Jing, ed. C. Ribeiro. Coimbra, 7, p. 53. Coimbra, 2024: Instituto de Estudos Filosóficos). É entre essa permanência e subsistência que a luz e a escuridão ocupam o seu lugar. Este eclipse abre o caminho para o ano de 2025, um ano de grandes mudanças astrológicas. Neste ciclo nodal, este é o último eclipse em Balança. A necessidade de harmonia, de concórdia, torna-se assim uma afinidade electiva, uma via para o futuro.