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segunda-feira, 20 de março de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Carneiro

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Carneiro (Primeira)

Lisboa, 17h23min, 21/03/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Marte

Termos: Júpiter

Monomoiria: Marte  

 


  A Lua Nova de Março, aquela que marca o início do ano astrológico, ocorre naturalmente no signo de Carneiro, menos de um dia após o equinócio, com Virgem a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VIII, no Lugar da Morte (θάνατος), da qualidade da morte, no decanato de Marte, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se assim acima do horizonte e cerca de uma hora e vinte minutos antes do pôr-do-sol. Convém referir-se que, em 2023, vão assinalar-se duas luas novas no signo de Carneiro: uma no primeiro grau e outra no último, sendo esta um eclipse. No actual novilúnio, o encontro dos luminares ocorre a caminho do Poente, estando a Lua desfavorecida por estar fora do seu segmento de luz (αἵρεσις), num signo masculino, o da exaltação do Sol.

  Os temas do início do ano astrológico e da primeira Lua Nova de Carneiro convergem numa unidade de sentido que se estende, primordialmente, até ao segundo novilúnio, mas que marcará o ano de 2023, sobretudo até ao ingresso de Júpiter em Touro. Existem dois conceitos que marcam conceptualmente o signo de Carneiro. O primeiro é o conceito de Unidade, aquele que indica e promove o início do caminho vernal até Peixes, ou seja, da unidade à totalidade. O segundo conceito é o de πρᾶξις, a acção, e que resulta naturalmente do facto de, no Thema Mundi, Carneiro se encontrar no lugar de Culminação, no Meio do Céu, impulsionando tudo aquilo que se faz.  

  A via de Carneiro a Peixes ou de Peixes ao renovado Carneiro introduz, deste modo, uma outra ponte de sentido, uma que é, com frequência, difícil de conciliar, ou seja, aquela que une ou reúne a acção e a contemplação. A acção nasce da unidade e a contemplação procura a totalidade. São dois modos de ser e estar que a humanidade tem dificuldade de conciliar. No entanto, de um ponto de vista astrológico, a semente de um reside no outro. Um das mais antigas técnicas astrológicas, as dodecatemoria, cuja origem remonta à astrologia babilónica, embora naturalmente a um período posterior à criação do Zodíaco (século V AEC), apresenta a razão segundo a qual todas as propostas zodiacais criam uma harmonia de sentido.

  Na modelo do micro-zodíaco, mas também de uma outra forma na distribuição da décima segunda parte (v. Fragmentos Astrológicos, 2020: 173-92), ao dividir-se os trinta graus de um signo em doze partes de dois graus e meio e ao atribuí-las a cada signo, começando pelo próprio signo, existe uma integração das diversas significações numa só unidade. Assim sendo, acção e contemplação coexistem em todos os signos, embora no início ou no fim só em Carneiro e Peixes, assinalando-se a estrutura conceptual cíclica. 

  Manílio, numa das suas descrições dos signos, diz-nos, no entanto, acerca de Carneiro, que os seus desejos vão conduzi-lo ao desastre (Astronomica IV, 124-39). A acção sem finalidade, sem a contemplação ou a vontade de totalidade, é esvaziada e conduz necessariamente à ruína. Xenofonte, nas Memoráveis, afirma que “Os homens possuem, por natureza, tendências para a amizade, porque precisam uns dos outros: sentem compaixão, ajudam-se trabalhando em conjunto e, conscientes dessa situação, mostram-se agradecidos uns aos outros. Mas possuem também tendências para a guerra porque, quando consideram que as mesmas coisas são belas e agradáveis, lutam por causa delas e, como divergem nas opiniões, opõem-se uns aos outros; a discórdia e a ira são também sentimentos bélicos, a obsessão pelo lucro é hostil e a inveja conduz ao ódio.” (6.21-22, trad. A. Elias Pinheiro. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009). A lição de Xenofonte, de um ponto de astrológico, revela aqui o quanto Carneiro precisa do sentido de Balança, mas também do de Peixes, ou seja, na posição diametral e no fim do ciclo, encontra-se a chave da sua própria acção.

  Com a sizígia no Lugar da Morte, a acção que dá qualidade à morte torna-se mais significativa, sobretudo se conjugarmos esse sentido com o do Dragão da Lua. O eixo nodal passará, neste ano astrológico, do actual eixo Escorpião-Touro para o de Balança-Carneiro, ou seja, do eixo do valor (Morte e Vida) para o eixo da identidade (Dualidade e Unidade). Se considerarmos que o Dragão da Lua representa a interiorização do destino (Cauda Draconis) e da necessidade (Caput Draconis), a acção firma agora o seu sentido no peso, na gravidade do Destino e de como ele e o mundo são um e o mesmo. Nos Pensamentos, Marco Aurélio diz-nos o seguinte: “Tudo se harmoniza comigo o que contigo se harmoniza, ó mundo; nada me chega demasiado cedo ou demasiado tarde daquilo que a horas a ti acontece. Tudo quanto produzem as tuas estações, ó natureza, se volve para mim em recolhança de frutos! Tudo vem de ti, em ti se confina, a ti retorna.” (IV, 23, trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995). Desta forma, o mundo e a proposta de astrológica de unidade e totalidade constroem-se sob um princípio de concórdia, de simpatia universal.

  A via de luz que ocupa, neste novilúnio, o quadrante superior feminino estende-se de Úrano até Neptuno e, de certa forma, até Saturno, embora já pós-poente. É portanto uma senda que transporta a revolução da Mãe-Terra, da Grande Mãe, a partir do Lugar de Deus, até à totalidade do amor universal e da necessidade, no lugar onde a luz fenece e a morte solar se alonga. No entanto, se concentrarmos o sentido da luz apenas no signo da sizígia, podemos encontrar um caminho que começa em Júpiter, passa por Mercúrio e termina no encontro dos luminares. Júpiter e Mercúrio são, em sentido lato, Estrelas da Tarde, tendo portanto uma visibilidade pós-poente que os torna, neste caso, expressões femininas. No entanto, numa análise mais restrita, existe uma diferença entre os dois planetas, pois Mercúrio encontra-se sob os raios solares (15 graus). A força abrasiva do Sol enfraquece assim a sua expressão.

  Júpiter e Mercúrio, devida a esta posição helíaca, tornam-se dependentes da força activa da sizígia. Porém, a união da razão e da palavra e da justiça e do bem à acção da luz adquire aqui uma força reforçada. Por outro lado, por estar fora do seu segmento e consequentemente ser o grande maléfico, Marte ganha uma força destrutiva suplementar. A essa qualidade acrescenta-se também o facto de ser o astro mais alto e aquele que se encontra mais próximo da culminação.

  Estes elementos posicionais concedem a Marte em Gémeos, já no fim do seu caminho por este signo, uma malignidade que contamina a acção humana. Ora, desta forma, o sextil entre Marte e a sizígia, bem como a Júpiter e Mercúrio, transporta consigo o peso da liberdade, ou seja, quando se escolhe o litígio, o confronto, as expressões de ira ou inveja, sofre-se o retorno da desmedida. A acção traz sempre consigo a reacção. A Necessidade não permite que roda do destino pare.        

  A retribuição da acção promovida por Marte em Gémeos expressa-se pelos raios quadrangulares entre este e Saturno e Neptuno em Peixes. De um ponto de vista astro-político, este é representa, como uma tensão, a dificuldade de se promover o Estado Social, a sua função primordial de diminuir a desigualdade e as assimetrias sociais. A conjunção de Saturno e Neptuno pedirá, ou exigirá, a refundação do socialismo como ideologia, mas também como sistema político e modelo socioeconómico.

  Na verdade, quando Júpiter passar para Touro, unindo-se hexagonalmente a estes planetas, o ecosocialismo reforçará a sua expressão política. Se pensarmos que, quando Plutão ingressar em Aquário, fará uma quadratura a Úrano em Touro, agravando as consequências nefastas das alterações climáticas, percebemos então que as transformações político-ideológicas se tornam necessárias. A selvajaria do individualismo liberal e a incapacidade de mudança do conservadorismo, a par da intolerância da extrema-direita, não vão servir os tempos que se avizinham e as necessidades da humanidade. 

  É também assinalável, pela força da despedida, a quadratura de Plutão em Capricórnio à Lua, ao Sol, a Mercúrio e a Júpiter em Carneiro. O poder da morte colide com a luz da acção. Existe uma pulsão de transformação que não se efectiva. Não existe, no acto criativo que cada um pode promover, uma integração da via do abismo ao cume, daquela que, como diria Heraclito, faz com que o caminho a subir e a descer seja um e o mesmo. A revelação que ilumina esse trilho que se oculta na espuma dos dias encontra-se parcialmente em Vénus.

  Em Touro, a deusa do amor encontra-se no seu domicílio e curiosamente encontra-se com aquele que, segundo o mito patriarcal, lhe deu origem. Afrodite/Vénus terá nascido da castração de Úrano. No entanto, neste signo feminino, existe uma proeminência da deusa do amor sobre o deus do céu. Aqui Vénus firma a sua expressão de amor universal, mas também de dádiva da terra, de flor e fruto.

  A relação de Vénus e de Úrano em Touro, a partir do Lugar de Deus, com Saturno e Neptuno em Peixes (sextil), mas também com Plutão em Capricórnio (trígono), agregando em si a mensagem do Dragão da Lua, assinala a forma como o Sagrado Feminino marca os nossos tempos. O amor e a necessidade assumem-se como baluartes de uma nova era, um tempo em que a sabedoria se erguerá sobre as cinzas da realidade. Na Era do Espírito Santo, depois de séculos de exílio, o rosto feminino do divino revelar-se-á.

  No tempo entre o actual novilúnio e a segunda Lua Nova de Carneiro, não encontraremos nenhum planeta retrógrado, promovendo-se assim, uma vez mais, a ideia de actividade. Mercúrio, Vénus e Marte avançarão para os signos seguintes: Mercúrio de Carneiro para Touro; Vénus de Touro para Gémeos; e Marte de Gémeos para Caranguejo. Já Júpiter e Saturno permanecerão nos signos actuais, ou seja, Júpiter em Carneiro e Saturno em Peixes. Nos planetas colectivos, Úrano continuará o seu ingresso por Touro e Neptuno por Peixes, enquanto Plutão chegará a Aquário.

  A Lua Nova de Carneiro transporta consigo o sentido profundo de conjugar a unidade na acção e de tornar a identidade uma forma de actividade. No entanto, a acção precisa de propósito, de finalidade. Esse é o desafio que se avizinha.  

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Peixes

  Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Peixes

Lisboa, 07h06min, 20/02/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Saturno

Termos: Vénus

Monomoiria: Marte   

 

  A Lua Nova de Fevereiro, a última do actual ano astrológico, ocorre no signo de Peixes, com Aquário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na II, no Lugar do Viver (βίος), no decanato de Saturno, nos termos de Vénus e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de vinte minutos antes do nascer-do-sol. A Lua encontra-se favorecida por estar no seu próprio segmento e num signo feminino, embora abaixo do horizonte, já o Sol encontra-se desfavorecido por estar fora do seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e abaixo do horizonte. Desta forma, a luz, à semelhança do anterior novilúnio, continua a apresentar uma qualidade submersa, oculta, embora, nesse reino sob a terra, na lua nova anterior descesse e no actual suba.

  Se seguirmos a ordem vernal, Peixes é o último signo, daí que o conceito de totalidade seja aquele que melhor o define. Esta definição está também de acordo com a ordem do Thema Mundi que, com Caranguejo a marcar a hora, o coloca na IX, no Lugar de Deus, do deus Sol. Se pensarmos que, segundo o Thema Mundi, a III e a IX têm uma natureza de templo do feminino e do masculino, do Sol e da Lua, do divino, então torna-se compreensível como esta ideia de totalidade se integra, fundando o seu sentido, no signo de Peixes. Por outro lado, no que às dignidades concerne, Peixes é o único signo em que o domicílio e a exaltação estão entregues aos benéficos (domicílio de Júpiter e exaltação de Vénus). A dádiva do bem adquire assim a mesma ideia de totalidade. Júpiter estabiliza o bem para que Vénus o eleve no amor divino.

  Uma das grandes falácias da astrologia contemporânea é uma colagem quase absurda dos signos às casas (ou lugares, na terminologia antiga). Na Antiguidade, que é o período que me é caro, essa tentativa de simplificação não existe. Os círculos astrológicos de sentido são estruturas dinâmicas, daí que Peixes não seja a XII, tal como Carneiro não é a I e assim sucessivamente. Esta tentativa de unidade significativa resulta, a meu ver, do facto da astrológica moderna tentar simplificar os conceitos face à astrologia tradicional, considerada por muitos astrólogos como densa e com muitos conceitos e variantes. Com esta unidade de sentido, surgem, porém, interpretações bizarras e que alimentaram muitos livros e cursos, como por exemplo “Sol em Carneiro ou na I quer dizer isto ou aquilo” ou a “Lua em Touro ou na II quer dizer isto ou aquilo” e assim por diante. Estas interpretações contrariam, por completo, o sistema tópico de lugares ou casas, criado pela astrologia antiga de matriz hermética, em Alexandria, por volta do século I AEC.

  Ora este abuso interpretativo condicionou também o sentido atribuído aos transaturninos e, por consequência, aos signos por eles regidos, o que conduziu, directa ou indirectamente, a outra bizarria, à análise pessoal de um planeta colectivo. O uso destes três planetas na interpretação mundana ou naquela que relacione o indivíduo à sua realidade social e geracional é aceitável e compreensível, mas torná-los simplisticamente planetas pessoais é um erro grosseiro. Plutão, por exemplo, numa vida humana, não avançará muito além dos seis ou sete signos, o que limita o seu sentido pessoal.

  No entanto, não digo que se rejeite a sua utilização, porque é uma escolha, digo sim que os conceitos devem ser coerentes. Esta simplificação não serve a astrologia, serve a mercantilização de cursos que tornam o ensino de um saber milenar uma extensão de um instituto de formação profissional, onde a astrologia, em Portugal, não sequer é reconhecida como área de estudo. O esforço que exige estudar a história, as referências e as variáveis de sentido é substituído por uma cartilha de diapositivos repleta de lugares-comuns. O ensino da astrologia, pela sua própria natureza, tem de ser um caminho para a sabedoria, daí que a astrologia do hoje e do amanhã precise desesperadamente das humanidades e das suas metodologias. A história da astrologia tem recuperado, de forma séria e académica, a dignidade da astrologia e refundado um caminho para uma nova prática.

  Este preâmbulo serve para reafirmar que o sentido dos signos não pode, de um modo fixo e descontextualizado, estar vinculado às casas. Desta forma, um novilúnio em Peixes, como o actual, vai-nos trazer, exacerbando, essa harmonia de sentido entre o domicílio de Júpiter e a exaltação Vénus, e não os sentidos atribuídos à décima segunda casa. Na verdade, é a exaltação de Vénus, que acontece nesta Lua Nova, embora não no grau exacto (27º), que melhor descreve o signo Peixes. De um ponto de vista mitológico, a constelação de Peixes representa primordialmente os Ikhthyokentauroi, os dois peixes que trouxeram Afrodite para a costa (cf. Rodolfo Miguel de Figueiredo, 2021, Fragmentos Astrológicos: 155-6). Este mito recupera a Afrodite cipriota, uma Grande Deusa, e não a deusa olímpica, limitada e reduzida a uma versão erótica e lúbrica. Afrodite é uma deusa das origens, uma expressão do eterno feminino. A exaltação de Vénus, no fim do Zodíaco, celebra um tempo novo, a era do Espírito Santo, do Sagrado Feminino. A pomba da deusa ergue-se no fim do tempo.

  O novilúnio de Fevereiro traz, deste modo, essa ponte entre a humanidade e a totalidade, entre Aquário e Peixes. No entanto, a totalidade proposta surge sob a forma de contemplação, de integração na luz. Manílio, na Astronomica:, diz-nos: “sacrificado é o humano, para que deus nele possa existir” (Astronomica IV, 407, Goold 1985: 94: impendendus homo est, deus esse ut possit in ipso). A humanidade só alcançará essa proposta de totalidade se encontrar uma forma de sacrifício, de despojamento e liberdade. Aquele que recebe, que se entrega, cria, só assim o ciclo se renovará, renascendo do fim a origem. É o desapego da totalidade, da imersão na luz, que permite um novo ciclo, ou seja, a acção promovida por Carneiro nasce desta totalidade contemplativa.

  Na Hermetica de Estobeu, encontramos um sentido para a dissolução do humano na totalidade. O texto afirma o seguinte: A decadência segue todo o nascimento, para que se possa nascer de novo. Isto porque aquilo que nasce surge daquilo que é decadente. O que nasce deve decair, para que o nascimento das entidades não pare. Para o nascimento dos seres, a decadência é o primeiro artesão.” (SH 2A16). E, logo a seguir, conserva uma verdadeira pérola de sabedoria quando diz: “O humano é a aparência da humanidade” (SH 2A1, Litwa, M. D., Hermetica II -The Excerpts of Stobaeus, Papyrus, and Ancient Testimonies in an English Translation with Notes and Introduction. Cambridge, 2018: Cambridge University Press, 34). A aceitação da decadência é uma visão da totalidade e o modo como o humano se sacrifica nessa totalidade define a própria humanidade.

  Com o novilúnio a fixar-se na II, isto para o tema de Lisboa, o valor do viver refunda-se na luz da totalidade. Trasilo diz que o segundo lugar é um “indicador de esperanças”, ἐλπίδων σημαντικήν (CCAG VIII/3: 101.20). A promessa do fim surge pois como uma esperança de renascimento. Existe uma refundação do tempo cíclico, de eterno retorno, na unidade do instante, na simplicidade do agora. A união entre os luminares e Vénus e Neptuno potencia a união da luz ao princípio do amor, do amor universal, aquele que permeia o mundo e une, no divino, todas as criaturas. A luz da solidariedade imite raios de esperança. A humanidade só se perderá se se afastar desses raios, pois a empatia, o amor ao próximo tem a capacidade extraordinária de transformar o humano.  

  Essa concentração do valor do amor na mensagem da sizígia (luminares, Vénus e Neptuno) espalha-se benevolamente para a Úrano em Touro e Plutão em Capricórnio, que dão a estrutura da vontade a essa mensagem, mas também ao Dragão da Lua que reúne, neste sentido, o valor axial da vida e da morte. O grande obstáculo continua a ser a Marte em Gémeos que se une quadrangularmente à sizígia. No tema, Marte é o planeta mais ocidental e que escapa à identidade, ao leme do sentido proposto. O planeta do deus da guerra é um aqui um outro, não um que se possa conhecer, mas um estranho. Marte, face ao sentido da sizígia, fende a realidade, cria separação e discórdia. No entanto, por se unir em trígono a Mercúrio e a Saturno em Aquário e em sextil a Júpiter em Carneiro, existem elos de possibilidade, ou seja, entre a desarmonia e a dissonância podem ser criados elementos de concórdia, sobretudo se não se perder o leme de sentido desta sizígia, a luz que emana da totalidade, trazendo solidariedade ao mundo.

  De um outro ponto de vista, o caminho da luz é, no interior do signo de Peixes, uma via ascendente que se inicia em Vénus, uma Estrela da Tarde, passa por Neptuno até alcançar, na dianteira, os luminares. Este caminho, como já o referimos, contém em si a esperança da luz, da sua transformação. Se considerarmos, todavia, um caminho mais extenso, então esta via ascendente, embora submersa, pode se iniciar tanto em Úrano em Touro como em Júpiter em Carneiro e expandir-se até Saturno em Aquário, fazendo deste o timoneiro desta barca luminar. Ora Saturno conserva aqui um sentido profundo, pois até ao próximo novilúnio Saturno transitará de Aquário para Peixes.  

  Com o senhor da Necessidade na dianteira, a sua mensagem reafirma-se, até porque se encontra em conjunção a Mercúrio e em sextil a Júpiter. A razão e a acção do destino, a força dos ditames da Providência, colhem, com a foice da realidade, o sentido de totalidade. É como diz Epicteto: “Pois isto é teu: interpretar belamente o papel que te é dado – mas escolhê-lo, cabe a outro” (Encheiridion 17, trad. A. Dinucci & A. Julien, 2014: 46. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra). Somos actores no teatro do real e é o destino ou a necessidade o verdadeiro autor do texto interpretado. Contudo, o poder da palavra pode trazer consigo a luz ou a sombra, o bem ou mal (sextil de Mercúrio e Júpiter). A qualidade da nossa representação depende pois apenas de nós.  

  Convém também referir-se que Plutão é o astro mais alto, revelando como o Senhor do Hades reina sobre a realidade, impondo o poder da morte e a efemeridade da vida. A quadratura entre Júpiter em Carneiro e Plutão em Capricórnio coloca em tensão a acção do bem sobre o poder da morte. Algo que está sintonia com a quadratura de Saturno em Aquário ao Dragão da Lua no eixo Touro-Escorpião, ou seja, o destino da humanidade a colidir com o valor da vida e da morte. O devastador sismo na Turquia e na Síria, que estava infelizmente previsto no eclipse lunar de 8 de Novembro, coloca na clepsidra do humano a escolha do bem e será sobre a humanidade que se criará a solidariedade e a compaixão, pois é essa a proposta de sentido do novilúnio de Peixes

  Entre a Lua Nova em Peixes e a Lua Nova em Carneiro, Mercúrio avançará de Aquário para Carneiro, Vénus de Peixes para Touro, Júpiter manter-se-á em Carneiro e Saturno chegará a Peixes. Já os transaturninos vão permanecer também nos seus signos: Úrano em Touro, Neptuno em Peixes e Plutão em Capricórnio. No período que medeia as duas luas novas, não existirá nenhuma retrogradação planetária, o que promove a acção dos planetas e os seus efeitos.

  Em suma, a actual Lua Nova exorta a totalidade e clama por uma luz que reúne, no amor universal, a dádiva do Eterno Feminino.   

sábado, 21 de janeiro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Aquário

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Aquário

Lisboa, 20h53min, 21/01/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Vénus

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Júpiter 

 

   A Lua Nova de Janeiro, a primeira do ano civil de 2023, ocorre no signo de Aquário, com Virgem a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, no Lugar do Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato de Vénus, nos termos de Mercúrio e na monomoiria de Júpiter. A sizígia dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de três horas e vinte minutos após o pôr-do-sol. A Lua encontra-se favorecida por estar no seu próprio segmento, embora abaixo do horizonte e num signo masculino, já o Sol encontra-se desfavorecido por estar fora do seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e abaixo do horizonte. A luz apresenta-se, deste modo, submersa, oculta.

   O encontro dos luminares em Aquário firma o seu carácter primordial enquanto signo da humanidade. Ora esta designação traduz um significado enraizado tanto na astrologia antiga como na astrologia mitológica. Em primeiro lugar, dos signos que assumem uma representação humana, Aquário é o único que parte de uma matriz exclusivamente humana. O signo de Gémeos é representado por dois irmãos, um de natureza humana, outro de natureza divina, enquanto o que lhe é diametralmente oposto, Sagitário, assume a forma de um ser parte humano, parte animal. Já Virgem configura-se sob a imagem da deusa da justiça, antropomorfizada, mas divina. Aquário é portanto o único que começa como humano.

   De uma perspectiva mitológica, Aquário é representado por Ganimedes, o jovem “humano” por quem Zeus se enamorou, e cujo amor é referido, por exemplo, por Platão (Fedro 255). Etimologicamente, Ganimedes tem a sua raiz na forma verbal γάνυμαι que designa o “alegrar-se” ou o “irradiar alegria”, mas também no substantivo μήδων, ou seja, os “genitais”. O sentido é aqui bastante óbvio, tornando o eixo Leão-Aquário, com esta relação entre Zeus (Leão) e Ganimedes (Aquário), aquele que melhor descreve a pederastia antiga e a homossexualidade masculina. Zeus, sob a forma de águia, rapta Ganimedes, levando-o para o Olimpo, fazendo dele o copeiro dos deuses, o que verte o néctar (ou o sémen), e torna-o Himeros, o deus do desejo. Existe pois uma passagem ulterior do humano ao divino.

   Para a astrologia antiga, sobretudo sob a égide do modelo conceptual do Thema Mundi, aquele que coloca Caranguejo como o Ascendente do Mundo, Aquário assume-se como o oitavo signo, estabelecendo-se, deste modo, no Lugar da Morte, aquele que define a qualidade do morrer. Ora é o momento mori, o conhecimento de que sabemos que vamos morrer que define a nossa humanidade, ou seja, o conhecimento da morte revela o conhecimento da vida e vice-versa, o que é particularmente significativo com o ingresso já anunciado de Plutão em Aquário. A finitude da vida, marcada pelo peso da morte, permite a procura do valor, do propósito, transformando o humano em humanidade. Saturno, como regente deste signo e daquele que é o Ocaso do Universo (Capricórnio), vem confirmar esta unidade conceptual entre o tempo e a morte.

   Por fim, já para a significação da astrologia moderna, também a regência de Úrano acentua o carácter primordial de Aquário enquanto signo da humanidade, pois a castração do deus do céu é feita por Cronos (Saturno), não apenas para tomar o poder de seu pai, mas para libertar os outros deuses, as outras potencialidades, aprisionadas no ventre de Gaia. Úrano, ao não se separar de Gaia, impedia que estes nascessem, que chegassem à luz. Assim, a castração de Úrano confere o dom do nascimento, uma representação por excelência da nossa humanidade. O absoluto que pertence à terra reside pois em encontrar na fertilidade de Gaia, nos seus frutos, os dons do nascer e do morrer. Aquário vem colocar, deste modo, o sentido da humanidade na observação desses dons.

   No actual novilúnio, seguindo a ideia de que o ὀμφαλός, o umbigo do mundo, é o lugar electivo do tema astrológico, neste caso Lisboa, a via luminar afunda-se após o Ocaso. Em Aquário, a sizígia segue na frente, acompanhados posteriormente por Vénus e Saturno que, num sentido mais amplo e em consequência do declínio helíaco, se tornam Estrelas da Tarde, adquirindo então um carácter feminino e uma qualidade potencial. No entanto, se estendermos o caminho da luz a toda a senda descendente, encontramos um trilho celeste que se alonga deste Neptuno, a descer junto do Ocaso, até Mercúrio, avançando rumo ao Ponto Subterrâneo (IC).         

   A luz, nesta via de Eterno Retorno, agora caminhando até ao abismo, seja ela de Neptuno em Peixes até Mercúrio em Capricórnio, da totalidade da imaginação ao poder da palavra, ou de Saturno e Vénus ao Sol e à Lua em Aquário, da necessidade e do amor à luz da humanidade, terá de enfrentar a sombra que, avançando à sua frente, tenta extinguir a sua presença. Ora, no signo da humanidade, a sombra é a ignorância. Para o humano, este é o maior dos males, o seu verdadeiro abismo. No Corpus Hermeticum, Hermes diz-nos o seguinte: “Olhai com os olhos do coração – se não todos, sejais capazes pelo menos alguns entre vós. O mal da ignorância inunda toda a terra e corrompe a alma, encerrada no corpo, impedindo-a de lançar a âncora no porto da salvação.” (VII, 1: γὰρ τῆς ἀγωσίας κακία ἐπικλύζει πᾶσαν τὴν γῆν καὶ συμφθείρει τὴν ἐν τῷ σώματι κατακεκλεισμένην ψυχήν, μὴ έῶσα ἐνορμίζεσθαι τοῖς τῆς σωτηρίας λιμέσι. Texto grego de La Rivelazione Segreta di Ermete Trismegisto, vol. I, a cura di Paolo Scapi. Turim, 2009: Fond Lorenzo Valla / Arnoldo Mondadori Editore, 108-9. A tradução é da minha responsabilidade).

   Tudo se concilia nesta ideia da ignorância como maior dos males. Marte em Gémeos, agora directo, é o astro mais alto e quase alcança a culminação. Nesta posição, encontramos nomeadamente a forma nefasta como a ignorância, como a sua força vil, corrompe a palavra e a razão. No entanto, a palavra é magia e o que destrói convive com o que cria. Marte em Gémeos vai cortar o laço entre o humano e o divino, semeando a guerra em nosso redor, não aquela que alguns forjam, entre países e movendo interesses, mas sim aquela que se ergue dentro de nós, aquela que coloca uma pequena chama diante de uma sombra imensa. Ora essa sombra é a ignorância.

   O facto de Marte estar no seu próprio segmento de luz e acima do horizonte não o torna o grande maléfico. Esse papel cabe a Saturno que segue na retaguarda da luz subterrânea. Desta forma, e por estar em trígono com a sizígia, com Vénus e Saturno, e em sextil com Júpiter, Marte guarda, no meio da discórdia que é a ignorância, a derradeira esperança que é a sabedoria. Esta não será, porém, seguida por muitos. A quadratura da sizígia ao Dragão da Lua aponta para a dificuldade de se encontrar o seu valor. A palavra que nos leva à sabedoria é ceifada pela nossa própria rejeição e a realidade divina torna-se cada vez mais distante. A quadratura de Marte e Neptuno fundamenta essa adversidade.     

   Se Marte avança para o Ponto de Culminação, Mercúrio segue para o Subterrâneo e é assim o astro que mais se afunda. A palavra (Mercúrio) e a morte (Plutão) unem-se num único poder (Capricórnio), adquirindo a revelação do abismo. São os timoneiros da sizígia, da luz do novilúnio, aqueles que seguem na frente. A razão está pois nas escarpas da existência e a palavra adquire a graça da semente da abundância, oculta sob a terra. Esta proposta une-se naturalmente à mensagem do Dragão da Lua (trígono à Caput e sextil à Cauda), ao valor que traz o conhecimento da morte ao modo de vida.

   O sextil de Júpiter em Carneiro à sizígia e aos seus companheiros (Vénus e Saturno), sob o peso, sob a gravidade das nossas escolhas, coloca a acção do bem na luz que viaja pelo abismo. A humanidade pode portanto colher a acção do bem como uma chama que vence a escuridão. O bem, como sentido profundo de Júpiter, tem o poder de transformar o humano e construir uma nova humanidade. A acção que se efectiva no bem e na justiça, ou seja, a proposta de Júpiter em Carneiro, assume esse potencial. No entanto, no tema em análise, Júpiter encontra-se na VIII, no Lugar da Morte, caminhando para a sua ocultação, o que faz sobressair o significado da quadratura deste a Mercúrio e Plutão em Capricórnio.

   Existe, desta forma, uma colisão entre a acção e o poder e a palavra submersa, cristalizando a ignorância e a malícia, tenderá a assombrar a missão do bem e da justiça. A humanidade está no fio da navalha e terá inevitavelmente de escolher o seu lado. O sextil de Mercúrio e Plutão em Capricórnio a Neptuno em Peixes pede ao humano a sua refundação, elevando-se num discurso de solidariedade e promovendo um verdadeiro amor ao próximo. A empatia está no ocaso da humanidade e não será uma tarefa fácil conservar a sua luz. O caminho entre o actual novilúnio e o próximo sugere essa via árdua entre a humanidade e a totalidade.

   Neste mês lunar entre a Lua Nova em Aquário e a Lua Nova em Peixes, convém assinalar-se que Mercúrio avançará de Capricórnio para Aquário, Vénus de Aquário para Peixes, Júpiter manter-se-á em Carneiro e Saturno em Aquário. Já os transaturninos vão permanecer também nos seus signos: Úrano em Touro, Neptuno em Peixes e Plutão em Capricórnio. No actual novilúnio, o único planeta retrógrado é Úrano e que, aquando do próximo novilúnio, já estará directo. Da Lua Nova em Peixes até à segunda Lua Nova em Carneiro (20/04/2023) nenhum planeta estará retrógrado, activando-se assim todas as potências planetárias.

   O encontro dos luminares, no signo de Aquário, encerra o sentido profundo da passagem do humano, daquele que se encontrou a si mesmo, para a realidade agregadora que é a humanidade. No entanto, a ignorância é a verdadeira ameaça, o inimigo que nos espera. E, perante esse mal imenso, essa sombra que se estende sobre nós, só existe uma luz. A sabedoria é a luz no caminho.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Capricórnio

  Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Capricórnio

Lisboa, 10h17min, 23/12/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Júpiter

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Júpiter 

 

   A Lua Nova de Dezembro ocorre no signo de Capricórnio, com Aquário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XII, no Lugar do Mau Espírito (κακός δαίμων), no decanato de Júpiter, nos termos de Mercúrio e na monomoiria de Júpiter. A sizígia dá-se assim acima do horizonte e cerca de duas horas e vinte minutos após o nascer-do-sol. O Sol encontra-se pois favorecido por estar no seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e acima do horizonte, já a Lua colhe as bênçãos de estar num signo feminino, no terceiro signo do elemento Terra, onde está adversa, longe de casa, no seu exílio.

  Esta Lua Nova é particularmente significativa, não só por ser a última do ano de 2022, mas também por ser, para o referente espacial utilizado, ou seja, Lisboa, a única Lua Nova do corrente ano em que a sizígia é a luz mais alta. Existe, deste modo, um caminho ascendente que começa, sob o horizonte, com Saturno e sobe pelo céu até ao Sol e à Lua. A posição posterior de Vénus e Mercúrio torna-os estrelas da tarde, adquirindo então uma qualidade helíaca feminina. Esta via de luz possui igualmente um outro sentido profundo, uma vez que se estende por dois signos regidos por Saturno (Capricórnio e Aquário).

   No Thema Mundi, e seguindo uma lição que podemos encontrar nomeadamente no mithraeum das Sette Sfere em Óstia e no De antro nympharum (24) de Porfírio, esta região, regida por Saturno, opõe-se à região da Luz, regida pelo Sol (Leão) e pela Lua (Caranguejo). No entanto, o tema da Lua Nova é um espelho daquele em que se inscreve o Thema Mundi. Os lugares de luz estão agora no ocaso e os de sombra ocupam agora a ascensão e a pós-ascensão. O carácter exacerbado de Saturno, nesta via actual, apresenta-se também de modo significativo sobretudo se pensarmos que, a partir do início de Março de 2023, mudará de signo, deixando para trás os seus domicílios e avançando para o lugar de Júpiter (Peixes).

   É, porém, a dianteira desta via luminar que brilha agora alto no céu, caminhando como é próprio da sua natureza, e neste caso mais do que em qualquer outro, para a sua culminação. A união do Sol e da Lua em Capricórnio traz sempre consigo a ideia de fim, o τέλος grego, que se firma na posição diametral da origem, a ἀρχή. O eixo Caranguejo-Capricórnio leva-nos assim para essa ponte de sentido entre o abismo e o cume, entre a origem e o fim, e seguindo a ideia deste novilúnio, Cícero, em As Últimas Fronteiras do Bem e do Mal, diz-nos que “Ninguém contesta que a finalidade, o ponto de referência de todas as naturezas é o mesmo: o grau supremo daquilo que, para elas, é apetecível.” (De Finíbus Bonorum et Malorum, Livro IV, XIII, 33 in Cícero, Textos Filosóficos I, 2ª ed., trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2018: Fundação Calouste Gulbenkian, 433). Α finalidade do bem, como propósito radical, surge agora com uma vontade reforçada de efectivação, de conclusão.

   Capricórnio apresenta a mensagem de Saturno com a sua própria luz, com o olhar melancólico da montanha. O ano de 2022 começou com uma Lua Nova em Capricórnio e termina agora com outra e já 2023 vai começar com uma Lua Nova em Aquário, o que reforça a continuidade deste sentido saturnino, desta ideia fundamental. Ora Saturno encerra na sua matriz conceptual a ideia de tempo, de necessidade e de destino e esta matriz, conjugada com a de Júpiter, ou seja, o espaço, o bem e a justiça, produz aquilo que se conhece como Providência e que, na verdade, é o Intelecto da Anima Mundi, a inteligência divina.    

   Proclo afirma, nos Dez Problemas acerca da Providência, que “Embora a providência esteja situada acima de todos os seres de acordo com a sua divina união e exerça uma actividade adequada ao Uno, tudo o que a ela acede participa dela da forma que naturalmente é capaz.” (Problema IV, 23.1-5, traduzido a partir Proclus: Ten Problems Concerning Providence, trad. J. Opsomer & C. Steel. Londres/ Nova Iorque, 2014: Bloomsbury, 87). Esta é a verdadeira razão segunda a qual o livre-arbítrio, tal como é simplisticamente entendido, é uma ilusão. Na planície da nossa existência, não se vislumbra a montanha. Por outro lado, a visão do cume, expressa por Capricórnio, revela-nos, com um entusiasmo inaugural, quase primitivo, que a Providência (Júpiter e Saturno) é como que a teia que une o intelecto humano ao Intelecto do Mundo, ao Uno, a Deus.

   Em Capricórnio, encontramos, neste novilúnio, a Lua, o Sol, Vénus, Mercúrio e Plutão. A luz, aqui reunida e concentrada, é como a visão divina da antiga Arcádia, tanto a mítica como aquela que descreve a região grega, narrada, por exemplo, por Pausânias na Descrição da Grécia. Este stellium, como hoje se designa, mas cujo termo não tem qualquer presença na Antiguidade, embora o sentido já se encontre na Antologia de Vétio Valente, surja agora como uma afirmação da Fortuna sobre a rudeza da terra agreste. É a luz que vence as intempéries e que, nas escarpas da montanha, resiste à tempestade. Com a co-presença de Plutão, existe também um imperativo do conhecimento da morte, isto é, torna-se necessário trazer para a vida a realidade esclarecida e transformadora da morte. A consciência do fim redefine a finalidade.

   Os benéficos formam, porém, entre si um aspecto quadrangular, colocando assim em tensão Júpiter em Carneiro com todos os planetas que se encontram em Capricórnio. As quadraturas entre os benéficos, sobretudo sem a co-presença dos maléficos, colocam em suspensão a efectivação do bem ou, no mínimo, dificultam-na. A dádiva tende a não ser recebida, seja porque não se está predisposto a recebê-la, seja porque ela tarda a chegar. Porém, a pulsão de resistência que nasce da actual luz em Capricórnio permite alcançar essa dádiva e superar o hiato que suspende os benéficos. O facto de Júpiter estar favorecido pelo Segmento de Luz do Sol, embora abaixo do horizonte, contribui também para essa superação. O Amor (Vénus) e a Palavra (Mercúrio) neste signo de montanha são como que a luz no caminho, o guia que aparece quando a noite a cai.

   De um outro modo, o eixo do Dragão da Lua separa significativamente, e de forma inversa ao eixo de culminação, os hemisférios oriental e ocidental, unindo-se com benevolência à sizígia e aos seus lanceiros. Se exceptuarmos Úrano que se encontra no mesmo signo e junto à Caput Draconis, então Marte é para o tema em análise o único planeta no hemisfério ocidental. Pode parecer simples e redutor, mas a proposta do novilúnio acentua a superação do eu como conhecimento e coloca o conflito no lugar do outro, na impossibilidade de conhecer o outro sem um salto de fé, o que não existe com Marte em Gémeos. Este cinge o argumento ou o discurso que medeia, tornando-o hostil.

   Esta posição, perante o facto de Marte ser, nesta Lua Nova, o maléfico com a força mais desvantajosa, pois Saturno está favorecido, promove a cisão de uma dualidade cooperante e harmoniosa, ou seja, não existe qualquer proposta de unidade gnoseológica que não seja aquela que se encontra no si mesmo. O sextil de Marte a Júpiter, o trígono a Saturno e a quadratura a Neptuno traduzem essa negação. Contrariamente, o sextil de Júpiter em Carneiro a Saturno em Aquário coloca o peso da justiça sobre a necessidade, sobre a retribuição.

   A união da sizígia e dos seus lanceiros, em trígono, a Úrano e, em sextil, a Neptuno, sendo Plutão um dos lanceiros, transfere a luz do Novilúnio da montanha da consciência, onde a melancolia proactiva de Capricórnio habita, para a dimensão social. Nesta Lua Nova, estes aspectos, a par da quadratura de Saturno em Aquário a Úrano em Touro (o signo que receberá Júpiter em 2023), pedem, e nalguns casos exigem, a construção ou reconstrução das estruturas humanas. Porém, essa via assenta num binómio perigoso, pois essa necessidade estruturante pode não ser construída sobre os pilares da democracia, da igualdade e da liberdade, nem da solidariedade, da compaixão ou da fraternidade. Os novos totalitarismos estão à espreita, pois como diz a canção “Vampiros” de Zeca Afonso: “No céu cinzento sob o astro mudo/ Batendo as asas pela noite calada/ Vêm em bandos com pés de veludo/ Chupar o sangue fresco da manada”. A extrema-direita e o populismo, tal como nos anos 30 do século passado, podem minar a esperança e o melhor da humanidade e como sempre a escolha é nossa.

  A mensagem desta Lua Nova, a última de 2022, reafirma o mito de Capricórnio, da cabra-pan (Αἰγίπαν), aquela cujo corno gerou a Cornucópia da Abundância e que foi a única, quando todos os deuses fugiram, deixando Zeus/Júpiter à mercê de Tífon, que ajudou o senhor do Olimpo (Rodolfo Miguel de Figueiredo, Fragmentos Astrológicos, 2021: 153-4). Este é um tempo em que a luz exorta a raridade e clama pela excelência.