Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Capricórnio
Lisboa, 10h17min, 23/12/2022
Sol-Lua
Decanato: Júpiter
Termos: Mercúrio
Monomoiria: Júpiter
A
Lua Nova de Dezembro ocorre no signo de Capricórnio, com Aquário a marcar a
hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XII, no Lugar do Mau Espírito (κακός δαίμων), no decanato de Júpiter, nos termos de Mercúrio e na monomoiria de Júpiter. A sizígia dá-se
assim acima do horizonte e cerca de duas horas e vinte minutos após o nascer-do-sol.
O Sol encontra-se pois favorecido por estar no seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e acima do horizonte, já a Lua colhe
as bênçãos de estar num signo feminino, no terceiro signo do elemento Terra,
onde está adversa, longe de casa, no seu exílio.
Esta
Lua Nova é particularmente significativa, não só por ser a última do ano de
2022, mas também por ser, para o referente espacial utilizado, ou seja, Lisboa,
a única Lua Nova do corrente ano em que a sizígia é a luz mais alta. Existe, deste
modo, um caminho ascendente que começa, sob o horizonte, com Saturno e sobe pelo
céu até ao Sol e à Lua. A posição posterior de Vénus e Mercúrio torna-os
estrelas da tarde, adquirindo então uma qualidade helíaca feminina. Esta via de
luz possui igualmente um outro sentido profundo, uma vez que se estende por
dois signos regidos por Saturno (Capricórnio e Aquário).
No
Thema Mundi, e seguindo uma lição que
podemos encontrar nomeadamente no mithraeum
das Sette Sfere em Óstia e no De antro nympharum (24) de Porfírio, esta região, regida por
Saturno, opõe-se à região da Luz, regida pelo Sol (Leão) e pela Lua
(Caranguejo). No entanto, o tema da Lua Nova é um espelho daquele em que se
inscreve o Thema Mundi. Os lugares de
luz estão agora no ocaso e os de sombra ocupam agora a ascensão e a
pós-ascensão. O carácter exacerbado de Saturno, nesta via actual, apresenta-se
também de modo significativo sobretudo se pensarmos que, a partir do início de
Março de 2023, mudará de signo, deixando para trás os seus domicílios e
avançando para o lugar de Júpiter (Peixes).
É,
porém, a dianteira desta via luminar que brilha agora alto no céu, caminhando
como é próprio da sua natureza, e neste caso mais do que em qualquer outro,
para a sua culminação. A união do Sol e da Lua em Capricórnio traz sempre
consigo a ideia de fim, o τέλος
grego, que se firma na posição
diametral da origem, a ἀρχή. O
eixo Caranguejo-Capricórnio leva-nos assim para essa ponte de sentido entre o
abismo e o cume, entre a origem e o fim, e seguindo a ideia deste novilúnio, Cícero,
em As Últimas Fronteiras do Bem e do Mal,
diz-nos que “Ninguém contesta que a
finalidade, o ponto de referência de todas as naturezas é o mesmo: o grau
supremo daquilo que, para elas, é apetecível.” (De Finíbus Bonorum et Malorum, Livro IV, XIII, 33 in Cícero, Textos Filosóficos I, 2ª ed., trad. J. A. Segurado e Campos.
Lisboa, 2018: Fundação Calouste Gulbenkian, 433). Α finalidade do bem, como
propósito radical, surge agora com uma vontade reforçada de efectivação, de
conclusão.
Capricórnio
apresenta a mensagem de Saturno com a sua própria luz, com o olhar melancólico
da montanha. O ano de 2022 começou com uma Lua Nova em Capricórnio e termina agora
com outra e já 2023 vai começar com uma Lua Nova em Aquário, o que reforça a continuidade
deste sentido saturnino, desta ideia fundamental. Ora Saturno encerra na sua
matriz conceptual a ideia de tempo, de necessidade e de destino e esta matriz,
conjugada com a de Júpiter, ou seja, o espaço, o bem e a justiça, produz aquilo
que se conhece como Providência e que, na verdade, é o Intelecto da Anima Mundi, a inteligência divina.
Proclo
afirma, nos Dez Problemas acerca da
Providência, que “Embora a
providência esteja situada acima de todos os seres de acordo com a sua divina
união e exerça uma actividade adequada ao Uno, tudo o que a ela acede participa
dela da forma que naturalmente é capaz.” (Problema
IV, 23.1-5, traduzido a partir Proclus:
Ten Problems Concerning Providence,
trad. J. Opsomer & C. Steel. Londres/ Nova Iorque, 2014: Bloomsbury, 87).
Esta é a verdadeira razão segunda a qual o livre-arbítrio, tal como é
simplisticamente entendido, é uma ilusão. Na planície da nossa existência, não
se vislumbra a montanha. Por outro lado, a visão do cume, expressa por
Capricórnio, revela-nos, com um entusiasmo inaugural, quase primitivo, que a
Providência (Júpiter e Saturno) é como que a teia que une o intelecto humano ao
Intelecto do Mundo, ao Uno, a Deus.
Em Capricórnio, encontramos, neste
novilúnio, a Lua, o Sol, Vénus, Mercúrio e Plutão. A luz, aqui reunida e
concentrada, é como a visão divina da antiga Arcádia, tanto a mítica como
aquela que descreve a região grega, narrada, por exemplo, por Pausânias na Descrição da Grécia. Este stellium, como hoje se designa, mas cujo
termo não tem qualquer presença na Antiguidade, embora o sentido já se encontre
na Antologia de Vétio Valente, surja
agora como uma afirmação da Fortuna sobre a rudeza da terra agreste. É a luz
que vence as intempéries e que, nas escarpas da montanha, resiste à tempestade.
Com a co-presença de Plutão, existe também um imperativo do conhecimento da
morte, isto é, torna-se necessário trazer para a vida a realidade esclarecida e
transformadora da morte. A consciência do fim redefine a finalidade.
Os benéficos formam, porém, entre si
um aspecto quadrangular, colocando assim em tensão Júpiter em Carneiro com todos
os planetas que se encontram em Capricórnio. As quadraturas entre os benéficos,
sobretudo sem a co-presença dos maléficos, colocam em suspensão a efectivação
do bem ou, no mínimo, dificultam-na. A dádiva tende a não ser recebida, seja
porque não se está predisposto a recebê-la, seja porque ela tarda a chegar.
Porém, a pulsão de resistência que nasce da actual luz em Capricórnio permite
alcançar essa dádiva e superar o hiato que suspende os benéficos. O facto de
Júpiter estar favorecido pelo Segmento de Luz do Sol, embora abaixo do horizonte,
contribui também para essa superação. O Amor (Vénus) e a Palavra (Mercúrio)
neste signo de montanha são como que a luz no caminho, o guia que aparece
quando a noite a cai.
De um outro modo, o eixo do Dragão
da Lua separa significativamente, e de forma inversa ao eixo de culminação, os
hemisférios oriental e ocidental, unindo-se com benevolência à sizígia e aos
seus lanceiros. Se exceptuarmos Úrano que se encontra no mesmo signo e junto à Caput Draconis, então Marte é para o
tema em análise o único planeta no hemisfério ocidental. Pode parecer simples e
redutor, mas a proposta do novilúnio acentua a superação do eu como conhecimento
e coloca o conflito no lugar do outro, na impossibilidade de conhecer o outro
sem um salto de fé, o que não existe com Marte em Gémeos. Este cinge o
argumento ou o discurso que medeia, tornando-o hostil.
Esta posição, perante o facto de
Marte ser, nesta Lua Nova, o maléfico com a força mais desvantajosa, pois
Saturno está favorecido, promove a cisão de uma dualidade cooperante e
harmoniosa, ou seja, não existe qualquer proposta de unidade gnoseológica que
não seja aquela que se encontra no si mesmo. O sextil de Marte a Júpiter, o
trígono a Saturno e a quadratura a Neptuno traduzem essa negação. Contrariamente,
o sextil de Júpiter em Carneiro a Saturno em Aquário coloca o peso da justiça
sobre a necessidade, sobre a retribuição.
A união da sizígia e dos seus
lanceiros, em trígono, a Úrano e, em sextil, a Neptuno, sendo Plutão um dos
lanceiros, transfere a luz do Novilúnio da montanha da consciência, onde a
melancolia proactiva de Capricórnio habita, para a dimensão social. Nesta Lua
Nova, estes aspectos, a par da quadratura de Saturno em Aquário a Úrano em
Touro (o signo que receberá Júpiter em 2023), pedem, e nalguns casos exigem, a
construção ou reconstrução das estruturas humanas. Porém, essa via assenta num
binómio perigoso, pois essa necessidade estruturante pode não ser construída
sobre os pilares da democracia, da igualdade e da liberdade, nem da solidariedade,
da compaixão ou da fraternidade. Os novos totalitarismos estão à espreita, pois
como diz a canção “Vampiros” de Zeca Afonso: “No céu cinzento sob o astro mudo/ Batendo
as asas pela noite calada/ Vêm em bandos com pés de veludo/ Chupar o sangue fresco da manada”.
A extrema-direita e o populismo, tal como nos anos 30 do século passado, podem
minar a esperança e o melhor da humanidade e como sempre a escolha é nossa.
A mensagem
desta Lua Nova, a última de 2022, reafirma o mito de Capricórnio, da cabra-pan
(Αἰγίπαν), aquela cujo corno gerou a Cornucópia da Abundância e que
foi a única, quando todos os deuses fugiram, deixando Zeus/Júpiter à mercê de
Tífon, que ajudou o senhor do Olimpo (Rodolfo
Miguel de Figueiredo, Fragmentos
Astrológicos, 2021: 153-4). Este é um tempo em
que a luz exorta a raridade e clama pela excelência.
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