domingo, 19 de fevereiro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Peixes

  Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Peixes

Lisboa, 07h06min, 20/02/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Saturno

Termos: Vénus

Monomoiria: Marte   

 

  A Lua Nova de Fevereiro, a última do actual ano astrológico, ocorre no signo de Peixes, com Aquário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na II, no Lugar do Viver (βίος), no decanato de Saturno, nos termos de Vénus e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de vinte minutos antes do nascer-do-sol. A Lua encontra-se favorecida por estar no seu próprio segmento e num signo feminino, embora abaixo do horizonte, já o Sol encontra-se desfavorecido por estar fora do seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e abaixo do horizonte. Desta forma, a luz, à semelhança do anterior novilúnio, continua a apresentar uma qualidade submersa, oculta, embora, nesse reino sob a terra, na lua nova anterior descesse e no actual suba.

  Se seguirmos a ordem vernal, Peixes é o último signo, daí que o conceito de totalidade seja aquele que melhor o define. Esta definição está também de acordo com a ordem do Thema Mundi que, com Caranguejo a marcar a hora, o coloca na IX, no Lugar de Deus, do deus Sol. Se pensarmos que, segundo o Thema Mundi, a III e a IX têm uma natureza de templo do feminino e do masculino, do Sol e da Lua, do divino, então torna-se compreensível como esta ideia de totalidade se integra, fundando o seu sentido, no signo de Peixes. Por outro lado, no que às dignidades concerne, Peixes é o único signo em que o domicílio e a exaltação estão entregues aos benéficos (domicílio de Júpiter e exaltação de Vénus). A dádiva do bem adquire assim a mesma ideia de totalidade. Júpiter estabiliza o bem para que Vénus o eleve no amor divino.

  Uma das grandes falácias da astrologia contemporânea é uma colagem quase absurda dos signos às casas (ou lugares, na terminologia antiga). Na Antiguidade, que é o período que me é caro, essa tentativa de simplificação não existe. Os círculos astrológicos de sentido são estruturas dinâmicas, daí que Peixes não seja a XII, tal como Carneiro não é a I e assim sucessivamente. Esta tentativa de unidade significativa resulta, a meu ver, do facto da astrológica moderna tentar simplificar os conceitos face à astrologia tradicional, considerada por muitos astrólogos como densa e com muitos conceitos e variantes. Com esta unidade de sentido, surgem, porém, interpretações bizarras e que alimentaram muitos livros e cursos, como por exemplo “Sol em Carneiro ou na I quer dizer isto ou aquilo” ou a “Lua em Touro ou na II quer dizer isto ou aquilo” e assim por diante. Estas interpretações contrariam, por completo, o sistema tópico de lugares ou casas, criado pela astrologia antiga de matriz hermética, em Alexandria, por volta do século I AEC.

  Ora este abuso interpretativo condicionou também o sentido atribuído aos transaturninos e, por consequência, aos signos por eles regidos, o que conduziu, directa ou indirectamente, a outra bizarria, à análise pessoal de um planeta colectivo. O uso destes três planetas na interpretação mundana ou naquela que relacione o indivíduo à sua realidade social e geracional é aceitável e compreensível, mas torná-los simplisticamente planetas pessoais é um erro grosseiro. Plutão, por exemplo, numa vida humana, não avançará muito além dos seis ou sete signos, o que limita o seu sentido pessoal.

  No entanto, não digo que se rejeite a sua utilização, porque é uma escolha, digo sim que os conceitos devem ser coerentes. Esta simplificação não serve a astrologia, serve a mercantilização de cursos que tornam o ensino de um saber milenar uma extensão de um instituto de formação profissional, onde a astrologia, em Portugal, não sequer é reconhecida como área de estudo. O esforço que exige estudar a história, as referências e as variáveis de sentido é substituído por uma cartilha de diapositivos repleta de lugares-comuns. O ensino da astrologia, pela sua própria natureza, tem de ser um caminho para a sabedoria, daí que a astrologia do hoje e do amanhã precise desesperadamente das humanidades e das suas metodologias. A história da astrologia tem recuperado, de forma séria e académica, a dignidade da astrologia e refundado um caminho para uma nova prática.

  Este preâmbulo serve para reafirmar que o sentido dos signos não pode, de um modo fixo e descontextualizado, estar vinculado às casas. Desta forma, um novilúnio em Peixes, como o actual, vai-nos trazer, exacerbando, essa harmonia de sentido entre o domicílio de Júpiter e a exaltação Vénus, e não os sentidos atribuídos à décima segunda casa. Na verdade, é a exaltação de Vénus, que acontece nesta Lua Nova, embora não no grau exacto (27º), que melhor descreve o signo Peixes. De um ponto de vista mitológico, a constelação de Peixes representa primordialmente os Ikhthyokentauroi, os dois peixes que trouxeram Afrodite para a costa (cf. Rodolfo Miguel de Figueiredo, 2021, Fragmentos Astrológicos: 155-6). Este mito recupera a Afrodite cipriota, uma Grande Deusa, e não a deusa olímpica, limitada e reduzida a uma versão erótica e lúbrica. Afrodite é uma deusa das origens, uma expressão do eterno feminino. A exaltação de Vénus, no fim do Zodíaco, celebra um tempo novo, a era do Espírito Santo, do Sagrado Feminino. A pomba da deusa ergue-se no fim do tempo.

  O novilúnio de Fevereiro traz, deste modo, essa ponte entre a humanidade e a totalidade, entre Aquário e Peixes. No entanto, a totalidade proposta surge sob a forma de contemplação, de integração na luz. Manílio, na Astronomica:, diz-nos: “sacrificado é o humano, para que deus nele possa existir” (Astronomica IV, 407, Goold 1985: 94: impendendus homo est, deus esse ut possit in ipso). A humanidade só alcançará essa proposta de totalidade se encontrar uma forma de sacrifício, de despojamento e liberdade. Aquele que recebe, que se entrega, cria, só assim o ciclo se renovará, renascendo do fim a origem. É o desapego da totalidade, da imersão na luz, que permite um novo ciclo, ou seja, a acção promovida por Carneiro nasce desta totalidade contemplativa.

  Na Hermetica de Estobeu, encontramos um sentido para a dissolução do humano na totalidade. O texto afirma o seguinte: A decadência segue todo o nascimento, para que se possa nascer de novo. Isto porque aquilo que nasce surge daquilo que é decadente. O que nasce deve decair, para que o nascimento das entidades não pare. Para o nascimento dos seres, a decadência é o primeiro artesão.” (SH 2A16). E, logo a seguir, conserva uma verdadeira pérola de sabedoria quando diz: “O humano é a aparência da humanidade” (SH 2A1, Litwa, M. D., Hermetica II -The Excerpts of Stobaeus, Papyrus, and Ancient Testimonies in an English Translation with Notes and Introduction. Cambridge, 2018: Cambridge University Press, 34). A aceitação da decadência é uma visão da totalidade e o modo como o humano se sacrifica nessa totalidade define a própria humanidade.

  Com o novilúnio a fixar-se na II, isto para o tema de Lisboa, o valor do viver refunda-se na luz da totalidade. Trasilo diz que o segundo lugar é um “indicador de esperanças”, ἐλπίδων σημαντικήν (CCAG VIII/3: 101.20). A promessa do fim surge pois como uma esperança de renascimento. Existe uma refundação do tempo cíclico, de eterno retorno, na unidade do instante, na simplicidade do agora. A união entre os luminares e Vénus e Neptuno potencia a união da luz ao princípio do amor, do amor universal, aquele que permeia o mundo e une, no divino, todas as criaturas. A luz da solidariedade imite raios de esperança. A humanidade só se perderá se se afastar desses raios, pois a empatia, o amor ao próximo tem a capacidade extraordinária de transformar o humano.  

  Essa concentração do valor do amor na mensagem da sizígia (luminares, Vénus e Neptuno) espalha-se benevolamente para a Úrano em Touro e Plutão em Capricórnio, que dão a estrutura da vontade a essa mensagem, mas também ao Dragão da Lua que reúne, neste sentido, o valor axial da vida e da morte. O grande obstáculo continua a ser a Marte em Gémeos que se une quadrangularmente à sizígia. No tema, Marte é o planeta mais ocidental e que escapa à identidade, ao leme do sentido proposto. O planeta do deus da guerra é um aqui um outro, não um que se possa conhecer, mas um estranho. Marte, face ao sentido da sizígia, fende a realidade, cria separação e discórdia. No entanto, por se unir em trígono a Mercúrio e a Saturno em Aquário e em sextil a Júpiter em Carneiro, existem elos de possibilidade, ou seja, entre a desarmonia e a dissonância podem ser criados elementos de concórdia, sobretudo se não se perder o leme de sentido desta sizígia, a luz que emana da totalidade, trazendo solidariedade ao mundo.

  De um outro ponto de vista, o caminho da luz é, no interior do signo de Peixes, uma via ascendente que se inicia em Vénus, uma Estrela da Tarde, passa por Neptuno até alcançar, na dianteira, os luminares. Este caminho, como já o referimos, contém em si a esperança da luz, da sua transformação. Se considerarmos, todavia, um caminho mais extenso, então esta via ascendente, embora submersa, pode se iniciar tanto em Úrano em Touro como em Júpiter em Carneiro e expandir-se até Saturno em Aquário, fazendo deste o timoneiro desta barca luminar. Ora Saturno conserva aqui um sentido profundo, pois até ao próximo novilúnio Saturno transitará de Aquário para Peixes.  

  Com o senhor da Necessidade na dianteira, a sua mensagem reafirma-se, até porque se encontra em conjunção a Mercúrio e em sextil a Júpiter. A razão e a acção do destino, a força dos ditames da Providência, colhem, com a foice da realidade, o sentido de totalidade. É como diz Epicteto: “Pois isto é teu: interpretar belamente o papel que te é dado – mas escolhê-lo, cabe a outro” (Encheiridion 17, trad. A. Dinucci & A. Julien, 2014: 46. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra). Somos actores no teatro do real e é o destino ou a necessidade o verdadeiro autor do texto interpretado. Contudo, o poder da palavra pode trazer consigo a luz ou a sombra, o bem ou mal (sextil de Mercúrio e Júpiter). A qualidade da nossa representação depende pois apenas de nós.  

  Convém também referir-se que Plutão é o astro mais alto, revelando como o Senhor do Hades reina sobre a realidade, impondo o poder da morte e a efemeridade da vida. A quadratura entre Júpiter em Carneiro e Plutão em Capricórnio coloca em tensão a acção do bem sobre o poder da morte. Algo que está sintonia com a quadratura de Saturno em Aquário ao Dragão da Lua no eixo Touro-Escorpião, ou seja, o destino da humanidade a colidir com o valor da vida e da morte. O devastador sismo na Turquia e na Síria, que estava infelizmente previsto no eclipse lunar de 8 de Novembro, coloca na clepsidra do humano a escolha do bem e será sobre a humanidade que se criará a solidariedade e a compaixão, pois é essa a proposta de sentido do novilúnio de Peixes

  Entre a Lua Nova em Peixes e a Lua Nova em Carneiro, Mercúrio avançará de Aquário para Carneiro, Vénus de Peixes para Touro, Júpiter manter-se-á em Carneiro e Saturno chegará a Peixes. Já os transaturninos vão permanecer também nos seus signos: Úrano em Touro, Neptuno em Peixes e Plutão em Capricórnio. No período que medeia as duas luas novas, não existirá nenhuma retrogradação planetária, o que promove a acção dos planetas e os seus efeitos.

  Em suma, a actual Lua Nova exorta a totalidade e clama por uma luz que reúne, no amor universal, a dádiva do Eterno Feminino.   

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