Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Escorpião
Lisboa, 09h27min, 13/11/2023
Sol-Lua
Decanato: Vénus
Termos: Júpiter
Monomoiria: Júpiter
A
Lua Nova de Novembro ocorre no signo de Escorpião, estando Sagitário a marcar a
hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XII, no lugar do Mau Destino ou
Mau Espírito (κάκον δαίμων), no decanato de Vénus, nos termos e
na monomoiria de Júpiter. A sizígia
dá-se pois acima do horizonte e a cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos
após o nascer-do-sol. Os luminares, estando a Lua fora do seu próprio segmento,
mas num signo feminino, encontram-se num caminho de ascensão, rumo à culminação.
A posição pós-ascendente, sem qualquer ligação ao Leme do tema, encerra sempre
um mistério de sombra e de promessa de luz que pode confundir o seu sentido. A
XII, segundo o entendimento antigo, não é, apesar de tudo, uma posição tal
maligna como a VI, pois, por estar no início da escalada celeste, confere à luz
o potencial de superação de si, o ânimo de quem sobe a montanha. Neste lugar, a
sizígia em Escorpião é, mais do que qualquer outro, a luz que vence o destino e
a morte.
O
novilúnio de Novembro, em Escorpião, no signo que encerra em si o sentido
profundo da morte e no lugar do Mau Destino ou Mau Espírito, conjuga necessariamente
as significações de luz e sombra, de valor da morte e de superação do destino.
A XII, com o qualificativo κάκον
para δαίμων,
confere um valor negativo, seja pela
sua própria natureza, seja pela sua dinâmica relacional, a um conceito ou
entidade que reúne em si a divindade, o espírito ou génio e o destino. O facto
da XII não se relacionar por envio de raios ou aspecto com a I revela a
dificuldade da vida, do carácter ou do temperamento (leia-se personalidade ou
consciência da vida) em aceitar as vicissitudes do destino que contrariam a
vontade, ou seja, os acontecimentos, tanto internos como externos. Uma relação
com a XI ou com XII implica sempre esta interacção existencial com o destino, a
necessidade e a providência. O conceito de δαίμων
traduz esta relação entre a vida e o
destino, mas obriga sempre a um processo de mediação, neste caso, espiritual ou
divina.
Ao
colocar-se a luz perante a morte e o destino, o que, para Escorpião, conduz a
um desafio, o conceito filosófico de ἐγκράτεια adquire um valor de revelação, pois cada um terá de se
tornar mestre de si mesmo. Séneca, nas Cartas
a Lúcilio, diz-nos que “O cúmulo da
felicidade consiste numa perfeita segurança, numa inabalável confiança no seu
valor; ora o que as fazem é arranjar preocupação, é percorrer a traiçoeira
estrada da vida ajoujadas de pesados fardos. Deste modo vão-se sempre
distanciando cada vez mais da meta que procuram alcançar, e quanto mais se
esforçam por atingi-la mais se embaraçam e retrocedem. Sucede-lhes como a
alguém que corra num labirinto: a própria velocidade faz perder o norte.” (Ep.44.7; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A.
Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). O
destino que, na sua própria urdidura, a astrologia apresenta tão bem obriga, e
essa é agora a lição de Escorpião, a uma reflexão radical e que, em certo
momento, será estruturante. Hermann Broch diz-nos, parafraseando, que o
conhecimento da morte é o conhecimento da vida e que o conhecimento da vida é o
conhecimento da morte, ora esta é a mensagem do eixo Touro-Escorpião cujo
sentido profundo é o do valor.
Para Séneca, “Nenhuma
meditação é tão imprescindível como a meditação da morte”(Cartas a Lucílio,
Ep.70.18).
Segundo uma interpretação astro-mitológica, Escorpião vai radicar o seu sentido
na morte tanto no trabalho de Hércules em que este luta com Hidra de Lerna como
na morte de Órion, picado por um escorpião, e que com este sobe ao céu. No
entanto, tal como já foi referido na reflexão do anterior, a do eclipse lunar,
é o mito da violação de Alcipe que melhor
constrói a natureza primordial de Escorpião (Figueiredo, R.M. de, 2021, Fragmentos Astrológicos, 126). Quer se queira, quer não, o mito é a
raiz de sentido da astrologia, pois, sem a metáfora mitológica do céu, a
linguagem astrológica não existiria.
Na
acrópole de Atenas, perto do templo de Asclépio, onde existia uma fonte, Halirrótico,
filho de Posídon, avançou sobre Alcipe, filha de Ares, e tentou violar a jovem.
Irado e com desejo de vingança, Ares mata Halirrótico. Este é o mito que está
na origem do tribunal do Areópago, pois Posídon exige o julgamento de Ares
diante dos doze deuses. Contudo, Ares é ilibado, pois a sua acção foi
considerada justificada (cf. Pausânias, Descrição
da Grécia, I.21.4 e Apolodoro, Biblioteca,
III,14.2). Séneca, na tragédia Hércules Furioso, resume o mito ao dizer,
no desfecho da peça, o seguinte: “A minha
terra [Atenas] espera por ti. / Ali Gradivus [Ares] libertou as mãos do sangue derramado / e entregou-as de novo às armas.” (1341-3: Nostra
te tellus manet./ illic sohitam caede Gradivus manum/ restituit armis: ilia te,
Alcide, vocat,/ facere innoceutes terra quae superos solet. A tradução é da
minha responsabilidade).
O mito da violação de Alcipe, esta
facilmente identificada com o signo de Touro, oposto a Escorpião (Ares), resume
a posição zodiacal deste signo, pois a deusa da justiça (Virgem), a acção da
justiça (Balança), Posídon (Peixes), aquele que pede ou clama por justiça, e o
outro signo regido por Ares, aquele que recebe as armas de novo, Carneiro, são
como uma síntese simbólica e mimética deste sentido primordial
astro-mitológico. No actual novilúnio, esta dinâmica da acção de Marte que é
própria de Escorpião congrega-se nestes filamentos incandescentes de vingança,
resistência e justiça. Hoje, mais do que nunca, esta teia força o peso do
destino, a gravidade dos acontecimentos. No entanto, todas as potências
planetárias, Marte inclusive, estão sujeitas, na sua expressão humana, à ἐγκράτεια de que se falava. Ao tornarmo-nos
mestres de nós mesmo, colocamos a luz (a sizígia) sobre a morte e sobre o
destino.
A união da astrologia ao estoicismo,
tal como existiu na Antiguidade, permite que se adquira essa mestria, daí que
Séneca diga que “Uma alma que contempla a
verdade, que atribui valor às coisas de acordo com a natureza e não com a
opinião comum, que se insere na totalidade do universo e observa
contemplativamente todos os seus movimentos, que dá igual atenção ao pensamento
e à acção, uma alma grande e energética, invicta por igual na desventura e na
felicidade e em caso algum se submetendo à fortuna, uma alma situada acima de
todas as contingências e eventualidades, uma alma sã, íntegra, imperturbável,
intrépida, uma alma que força alguma pode vergar, que circunstância alguma pode
envaidecer ou deprimir – uma tal alma é a própria personificação da virtude.”
(Ep.66.6; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A.
Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). A
virtude é a luz que serve de candeia, erguida quando tudo aquilo que se vê é
morte. Esse é o verdadeiro livre-arbítrio: a escolha da luz. Tudo o resto é
destino, necessidade e providência.
O
novilúnio de Novembro, no signo de Escorpião, estando Marte sobre os raios da
sizígia, tal como estará também na Lua Nova de Dezembro, em Sagitário, será
determinado por um ímpeto bélico que fará com que a luz passe de fogo a
incêndio. O humano demasiado humano, relembrando Nietzsche, tende a tornar as coisas
humanas pequenas, insignificantes diante da subida da montanha. Marte, neste
momento, podia ser uma força disruptiva de transformação que iria conceder mais
humanidade ao humano, mas isso não está a acontecer. O eixo das portas do trabalho, ou seja, o da VI e
da XII, mantem, à semelhança do anterior eclipse lunar, o seu peso sobre a
realidade.
Se
observarmos o tema do actual novilúnio, podemos constatar que o único astro
acima deste eixo, aquele que é também o astro mais alto, é Vénus em Balança. Na
verdade, o caminho luminar da sizígia estende-se de Mercúrio em Sagitário, já
pós-ascendente, até Vénus em Balança (sextil). Da sabedoria da palavra ao
desejo de harmonia, a luz quer trilhar a senda que, na morte, funda a vida.
Esta é, porém, uma via ascendente com a vontade de alcançar o cume, mas colide
tanto com a força da morte e da destruição (Marte em Escorpião) como com o peso
do destino e da dificuldade de o conciliar com a identidade (Cauda Draconis em
Balança). A ligação entre Mercúrio em Sagitário e o Dragão da Lua (trígono à
Caput em Carneiro e à Cauda em Balança) serve de proposta de sentido, de meio
de integração do destino, na identidade, no reconhecimento de si e do outro.
A
oposição entre a sizígia e Marte em Escorpião e Júpiter e Úrano em Touro adquire
também, nesta Lua Nova, um valor estrutural. Júpiter é o grande benéfico do
tema do novilúnio e que vai determinar as suas bênçãos. No entanto, este olhar
de frente e diametral (oposição) entre a dádiva e a luz, abeirada pela guerra,
tem um valor potenciador, em que o grande benéfico colide com o grande maléfico
do tema (Marte). A relação entre Marte e Júpiter é complexa, pois, por serem de
segmentos de luz diferentes, expressam-se de forma distinta, mas a sua
expressão não deixa de ser activa. Se Marte possuir uma dignificação mais
intensa, então a acção destruidora será maior. O actual posicionamento de
Júpiter serve, porém, de alerta, dado que ali encontraremos a necessidade de
verdade e justiça. Nesta Lua Nova, vamos encontrar ainda muitos dos elementos
interpretativos que foram abordados no Eclipse Lunar de 28 de Outubro.
Face
ao tema do eclipse lunar, Saturno em Peixes encontra-se agora directo,
avançando no seu périplo pelo signo da totalidade. A sua acção tornou-se
efectiva. A necessidade pede agora completude, expandindo a sua força, a sua
gravidade, de fim de ciclo. Saturno em Peixes, por este ser o domicílio de
Júpiter e a exaltação de Vénus, ganha necessariamente um certo sentido de
dádiva, de bênção. A conjunção com Neptuno obriga a dar à percepção do destino
e da realidade a imaginação criativa e a compaixão, esta enquanto expressão
universal da empatia, todavia, existe neste processo de união pisciana de
Saturno e Neptuno uma enorme resistência. A humanidade caminhou em sentido
contrário, daí que o trígono entre estes e a sizígia e Marte em Escorpião queira
trazer a luz que vence a morte a este desafio absurdamente humano.
A ὕβρις (desmedida), que é própria do humano,
leva a que Saturno tenha de repor a justa-medida das coisas. O
sextil de Saturno e Neptuno em Peixes a Júpiter e Úrano em Touro e a Plutão em
Capricórnio, e deste último à sizígia e a Marte em Escorpião, vão impor a ordem
natural das coisas, segundo as leis de Gaia, mas também segundo os ditames da
Necessidade e a força de Adrasteia, do Inevitável. Esta é hoje a colheita do
humano, ceifada por uma humanidade ausente. A situação humanitária em Gaza e a incapacidade
de olharmos, como um todo, para a dignidade humana fazem com que, para onde
quer que olhemos, tudo o que vemos é morte, é tudo destruição. A quadratura de
Mercúrio em Sagitário a Saturno e Neptuno em Peixes transporta-nos para a incapacidade
de dar forma à palavra que descreve a alma do mundo, ao discurso primordial que
conduz, de novo, até à Sabedoria, até à Mãe Divina.
No novilúnio de Novembro, no signo de Escorpião, somos inevitavelmente confrontados com o nosso pior inimigo e, numa escala mundial, esse inimigo é o próprio humano. A natureza humana e a sua incapacidade de se congregar numa verdadeira humanidade fazem com que a morte que participa da vida e a destruição que circunda a criação excedam os seus limites. A luz guardada, cingindo numa única chama o feminino e o masculino, surge pois na mestria de nós de mesmos. A ἐγκράτεια de que se falou, bem como os princípios filosóficos do estoicismo, servem a astrologia hoje tal como serviram na Antiguidade. Essa é uma luz sobre o tempo.
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