Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Sagitário
Lisboa, 23h32min, 12/12/2023
Sol-Lua
Decanato: Lua
Termos: Mercúrio
Monomoiria: Saturno
A
Lua Nova de Dezembro ocorre no signo de Sagitário, estando Virgem a marcar a
hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na IV, no lugar sob a terra (ὑπόγειον), no decanato de Lua, nos termos de Mercúrio e na monomoiria de Saturno. A sizígia dá-se
pois abaixo do horizonte e cerca de cinco horas e meia após o pôr-do-sol. Os
luminares, estando a Lua no seu próprio segmento, mas num signo masculino,
encontram-se num caminho de queda, rumo à anti-culminação. Esta é a primeira
via luminar do novilúnio, a que se inicia com a sizígia em queda e termina,
passando por Marte, no Ponto Subterrâneo. Agora em Sagitário, e seguindo uma
ideia já explorada, a luz não desce do céu, nasce no abismo, no útero de Gaia,
do Sagrado Feminino. Nesta constelação, essa luz é a sabedoria.
Acerca
do quarto lugar, Manílio afirma o seguinte: “Contudo, a que completa a via de retorno
sob a aurora/ e que, de volta, com as forças exaustas, o arco/ escala, abraça por fim os derradeiros anos,/
a luz desvanecente da vida e a trémula
velhice.” (Astronomica II, 852 – 855,
ed. Goold, 1985, 56: at, qua perficitur cursus redeunte sub ortum,/
tarda supinatum lassatis viribus arcum/ ascendens, seros demum complectitur
anos/ labentemque diem vitae tremulamque senectam. As traduções de Manílio são
da minha responsabilidade). Este lugar, segundo
o mesmo autor antigo, tem a regência de Saturno, uma que é diferente da de
Trasilo e da tradição hermética, que coloca Saturno na XII. A significação de
Manílio é fundamentalmente astro-mitológica, pois esta é a herança que vê
Cronos/Saturno aprisionado por Zeus/Júpiter no Tártaro, no abismo da terra. A
velhice e a morte tornam-se assim um elemento de sentido, daí que Manílio diga
que é “de onde o Sol foge
tombado e para o Tártaro se extende” (II, 794, ed. Goold,
1985, 54: unde fugit mundus
praecepsque in Tartara tendit).
O quadrante que se alonga do Poente (VII) ao Subterrâneo (IV) encerra em si uma
qualidade de morte, mas também um carácter temporal profundo, pois ambos criam
uma ponte de sentido entre o passado, a morte e o além.
Neste
novilúnio, a luz está assim guardada no abismo da realidade, no útero da
história. Por outro lado, por a Lua Nova ocorrer no signo de Sagitário, a
sabedoria torna-se a potência dessa mesma luz. Esta atribuição pode ser entendida
primeiramente pelo facto de Sagitário ser o domicílio de Júpiter. Do ponto de
vista astro-mitológico, lembremo-nos que o poder de Zeus/Júpiter é fortalecido
quando este absorve Métis, a deusa da sabedoria. Ora o eixo Gémeos-Sagitário
que coloca, por via da regência domiciliar, Mercúrio e Júpiter a olharem-se de
frente firma, desta forma, a palavra ou a razão diante da sabedoria. O
conhecimento das coisas torna-se pois a sabedoria da coisa única. Este é o ar
que se torna fogo. O elemento estruturante torna-se dinâmico, podendo este
produzir a verdadeira mudança. Neste sentido, a seta de Sagitário tem um
sentido literal, pois a sabedoria tem sempre um valor de propósito e
finalidade.
A
respeito desta senda, Cícero, em Luculo
(Academica priori), diz-nos o
seguinte: “Pela minha parte, como não
costumo coibir-me de discutir com todos quantos [têm por certo aquilo que
julgam saber], não posso também
recusar-me a admitir que haja quem não esteja de acordo comigo. A minha causa
agora é fácil, já que não pretendo mais do que procurar a verdade com todo o
interesse e esforço, mas sem facciosismo. A obtenção do conhecimento é sempre
dificuldade por toda a espécie de obstáculos, uma mesma insuficiência decorre
tanto da obscuridade das próprias matérias como da debilidade da nossa
capacidade de julgar, pelo que não é sem razão, que os mais antigos e cultos
filósofos duvidaram da possibilidade de encontrar o que procuravam; mas mesmo
assim nem eles desistiram, nem eu abandonarei, cansado, o meu empenho em investigar
a verdade.” (III,
7 in Textos Filosóficos, 2 ed., trad.
J. A. Segurado e Campos, 99-100. Lisboa, 2018: Fundação Calouste Gulbenkian). A sabedoria e a verdade são ideias
jupiterianas cujo valor se reacende neste novilúnio. Esta é uma luz de
transformação e uma via que, embora exigente e incerta, nos conduz à
felicidade.
Em Gémeos, a discussão das ideias
leva-nos ao conhecimento, mas, em Sagitário, coloca-nos no caminho da
sabedoria. Se, de um ponto de vista da astrologia helenística, observarmos as
atribuições planetárias dos termos egípcios, podemos constatar que só os signos
regidos por Júpiter é que concedem mais de metade dos seus graus aos benéficos
(Sagitário 17 graus e Peixes 16 graus). As dádivas da sabedoria e da verdade
estão aqui particularmente activas. Séneca, na obra Dos Benefícios, alerta-nos para aceitação do destino como via de
sabedoria e verdade quando afirma o seguinte: “Considera
também isto, nada que seja externo obriga os deuses, pelo contrário, a sua
vontade é eterna e segue a sua própria lei. O que eles estabeleceram não muda.
Não parece que vão fazer algo que não queiram. Seja o que for que não possam
parar, eles querem que continue a mover-se; eles nunca se arrependem do plano
que inicialmente conceberam. Certo é que não podem ficar parados, nem
afastar-se para o lado, mas a única razão é que a sua própria força os prende
ao seu propósito; permanecem firmes, não por fraqueza, mas porque não lhes
agrada afastar-se da perfeição, e porque assim se devem mover. Desta forma,
naquela primeira dispensação, quando o cosmos se formou, eles até tiveram em
consideração o nosso lote, e preocuparam-se com a humanidade. Por isso, não se
pode dizer que percorram os céus e desenvolvam a sua obra apenas para si
próprios, pois também nós fazemos parte dessa obra.” (De Beneficiis 6.23. Seneca: How to
Give - An Ancient Guide to Giving and Receiving, selected, translated, and
introduced by J. S. Romm, 198-201. Princeton and Oxford, 2020:
Princeton University Press. A tradução do latim é da minha responsabilidade).
A
inevitabilidade, a lei de Adrasteia, é uma realidade que conjuga os sentidos
profundos de Júpiter e Saturno. Ora Saturno em Peixes, acompanhado por Neptuno,
junto ao Poente vem trazer, uma vez mais, a aceitação do destino como
integração da totalidade. A visão da montanha não é nem determinista, nem
fatalista, é sim a compreensão serena de que tudo o que está em movimento
concorda consigo mesmo. A necessidade é a mãe do destino, da fortuna. No
entanto, o individualismo exacerbado teme esta visão, pois pensa que retira a
liberdade, mas ignora que a visão da montanha é a forma suprema de liberdade.
A
co-presença de Marte com a sizígia, pelo segundo novilúnio consecutivo, e agora
fora do domicílio e do segmento, adensa uma certa rebeldia ou desejo de
mudança. Esta conjunção não pede para se abrir os horizontes, exige. Os jovens
activistas climáticos estão aqui incluídos e, na verdade, o problema não está
nem no facto de não terem razão, porque têm, nem na forma dos protestos, porque
também com palmadinhas nas costas não se muda nada, a questão está no olhar dos
outros que simplesmente não quer ver. Existem, porém, alguns elementos
disruptivos. Primeiro, o Júpiter de Sagitário que deseja afirmar, enquanto o de
Peixes procura estabilizar, não faz qualquer aspecto à sizígia, permanece
desligado, passivo, face ao encontro dos luminares. Depois, a quadratura de
Saturno e Neptuno em Peixes vai mostrar que esta mudança não será rápida, pois
existe uma resistência estrutural à transformação dos modos de vida.
Por
outro lado, por não existir nenhum astro no quadrante da ascensão à culminação,
a atenção foca-se nos planetas que, embora altos, já estão em queda, ou seja,
em Úrano e Júpiter em Touro, na IX, mas sobretudo na via luminar mais
abrangente em que se insere a sizígia. O caminho que se estende hexagonalmente
de Plutão em Capricórnio a Vénus em Escorpião contempla aquilo que Antero de
Quental inscreveu no soneto “Mors-Amor” e que já foi abordado noutras
reflexões. A união simbólica, conceptual e existencial do Amor e da Morte
possui um carácter transformador essencial e que, visceralmente, reduz a
realidade ao que é fundamental. Esta via, passando pelo Tártaro profundo,
confere pois uma proposta de refundação.
Paralelamente,
existem outros dois aspectos que se relacionam com esta via luminar. A oposição
ou diâmetro, como diriam os antigos astrólogos, entre Vénus em Escorpião e
Júpiter (e Úrano) em Touro marca uma época quase solsticial e natalícia. Ora,
seguindo a lição de Petosíris, uma oposição ou quadratura entre os benéficos
nunca é má, excepto se acompanhada pelos maléficos, o que não é o caso. Assim,
esta ligação de Vénus a Júpiter tem um efeito de dádiva e de uma atribuição
positiva de valor ao eixo de sentido que se estende entre a vida e a morte.
Por
outro lado, o sextil entre Vénus em Escorpião e Saturno e Neptuno em Peixes vai
colocar o amor e a morte na roda da necessidade. Face ao destino, o amor
possuirá ou deverá possuir um carácter universal. Este é a teia que une tudo e
todas numa simpatia universal, na Anima
Mundi. Na astrologia esotérica, Neptuno tem um tom similar ao de Vénus, mas
numa oitava acima, ou seja, na música das esferas, o amor ecoa pelo universo.
Na verdade, para o astrólogo tradicional que siga o saber antigo e hermética,
esta é somente uma expressão da exaltação de Vénus em Peixes. Júpiter e Úrano
em Touro acompanham, também em sextil, a ligação da Vénus de Escorpião a
Saturno e Neptuno em Peixes. Porém, a retrogradação de ambos vai restringir
ainda a efectivação das suas bênçãos. Elas surgem no horizonte, mas não se
tornam acção. Podemos ver aqui a situação dos civis palestinianos. Todos, com bom
senso, vêem nos actos praticados crimes de guerra, crimes contra humanidade,
todavia, face ao genocídio, permanecem imóveis, incapazes de produzir justiça e
mudança.
Neste
novilúnio, os aspectos ao corpo do Dragão da Lua são igualmente significativos.
No eixo da identidade, aquele que une Carneiro a Balança, a unidade e a
dualidade, ou seja, o conheci de si como via de alteridade, surgem outros
desafios. Sob a égide do destino e da necessidade, o eu enfrenta o mistério do
outro. A luz da sabedoria, como proposta do novilúnio, une agora, de forma
bem-aventurada (trígono à Caput e sextil à Cauda), a sizígia e Marte em
Sagitário ao Dragão da Lua. O guardião da Lua, este dragão que cinge a luz,
permitindo o seu reconhecimento, pois só depois de ver a sombra é que se
reconhece a luz, vai conceder-nos, como bênção no caminho, a dádiva da sabedoria.
No entanto, o gesto de seguir a sabedoria, ao oferecer a passagem do destino à
necessidade, implica sempre um acto voluntário. É preciso ter iniciativa.
Depois do despojamento de si, a sabedoria mantém aqueles que a seguem para além
da fortuna.
Por
fim, é preciso referir a posição de Mercúrio (e Plutão) em Capricórnio. No
signo da finalidade, onde agora o poder da palavra e o poder da morte se
expressam, a fortuna outorga uma possibilidade de futuro. Esta potência,
anunciando a época zodiacal seguinte, tem um valor de dádiva (trígono a Júpiter
e Úrano e sextil a Vénus, Saturno e Neptuno). Porém, esta bênção de futuro,
alertando-nos que a palavra tem um poder transformador (conjunção
Mercúrio-Plutão), colide com o Dragão da Lua e com as exigências autocentradas
da identidade (quadratura ao eixo nodal). O poder da palavra pode elevar-nos
pois ao cume da montanha ao afundar-nos nas profundezas da nossa desmedida. A
desinformação, o discurso único e a intolerância podem assim minar este
potencial de dádiva.
O
novilúnio de Dezembro, o último de 2023, transporta-nos, desta forma, para a
mensagem de Sagitário e para a luz da sabedoria. A imagética, mesmo com
reservas mitológicas, coloca-nos perante um centauro erguido, lançando a sua
seta, e revela-nos que o elemento de passagem entre o animal e o humano
acontece apenas devido à luz da sabedoria. Devemos assim segui-la e deixar que
transforme as nossas vidas.
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