Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Gémeos
Lisboa, 05h37min, 18/06/2023
Sol-Lua
Decanato: Sol
Termos: Saturno
Monomoiria: Sol
A
Lua Nova de Junho ocorre no signo de Gémeos, estando este a marcar a hora para
o tema de Lisboa e, deste modo, na I, o Leme (οἴαξ) do tema, no decanato de Sol, nos
termos de Saturno e na monomoiria de Sol.
A sizígia dá-se ainda abaixo do horizonte e a cerca de vinte e cinco minutos do
nascer-do-sol. No actual novilúnio, os luminares encontram-se sob o horizonte,
ainda ocultos, mas rumando, na barca da luz, o caminho de ascensão. A Lua
encontra-se pois desfavorecida por estar num signo masculino e, considerando-se
que apenas Mercúrio acompanha os luminares e numa fase helíaca também ela
masculina, a força do feminino assim encontra-se debilitada.
A
harmonia dos contrários depara-se, nesta qualidade essencial, com o primeiro
elemento disruptivo. Existe aqui um sentido inicial para o actual
desenraizamento da terra, do feminino. A dualidade de Gémeos, expressa
radicalmente no mito dos Dióscoros (cf.
Figueiredo, R. M. de, 2021, Fragmentos
Astrológicos, 137-8. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo), indica
o movimento de passagem entre o humano e o divino, tal como o signo que lhe é
oposto, Sagitário, aponta para a passagem do animal ao humano. Na verdade, esta
é a senda sapiencial, da forma como se passa do conhecimento à sabedoria. Ora
essa é a proposta do eixo Gémeos-Sagitário.
O
impulso primordial que nos deve encaminhar para a sabedoria é o mesmo que nos
faz procurar o divino. No entanto, a questão deste eixo é que ele não anula a
dualidade. Esta permanece activa, promovendo a alternância de sentido entre os
elementos duais. Neste eixo, não existe a integração do múltiplo no uno ou na
totalidade como aquela que é proposta no eixo Virgem-Peixes. A relação entre os
dois eixos torna-se aqui particularmente significativa porque Saturno
retrógrado em Peixes é, neste novilúnio, aquele que alimenta a cisão da
harmonia.
No
mito dos Dióscoros, não existe uma união dos contrários. Pólux conserva a sua
natureza semidivina, já Castor morre por ser humano, e mesmo a ascensão ao céu
estrelado não representa uma conciliação ou encontro, pois o dom do céu é
concedido em dias alternados. A desmedida e a retribuição não distinguem, contudo,
a natureza humana ou semidivina. Os dois pares de gémeos, Pólux e Helena
(divino) e Castor e Clitemnestra (humano), sofrem o peso, a gravidade, da
Necessidade. A tensão da sizígia em Gémeos a Saturno em Peixes é, desta forma,
indicadora desta condição primordial.
Cícero
adverte o leitor para a discórdia existencial entre a força da Necessidade e a
Virtude, dizendo o seguinte: “Tu
não sabes, insensato, não sabes de que força dispõe a virtude; limitas-te a
usar o nome da virtude, mas ignoras o seu efectivo valor. Ninguém que dependa
exclusivamente de si e considere que todo o seu bem está na qualidade do seu
carácter poderá não ser o mais feliz dos homens. Quem, pelo contrário, põe
todas as suas esperanças, cálculos e projectos na dependência da fortuna, esse
nunca possuirá nada seguro, nada do que empreendeu estará certo de guardar como
seu até ao fim do dia. Se encontrares no teu caminho um homem destes ameaça-o
com a morte ou com o exílio, e vê-lo-ás ficar em pânico. Pela minha parte, nem
tentarei subtrair-me nem oferecerei qualquer resistência a nada do que me
aconteça nesta tão ingrata cidade.” (Paradoxa
Stoicorum, Paradoxo II, 17-18 in
Cícero, Textos Filosóficos I, 2ª ed.,
trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2018: Fundação Calouste Gulbenkian, 12).
Viver sob a égide da Fortuna, dos
ditames da Necessidade, conduz-nos naturalmente a uma forma de servidão. Neste
novilúnio, depois de Marte reinar no cume do céu, Saturno em Peixes é o astro
mais alto, colocando assim a Necessidade e a proposta de totalidade como
elementos profundos de sentido. Cícero lembra-nos que é a virtude que nos
liberta do destino. Para quem crê na metempsicose, só a excelência nos
libertará da roda de reencarnações, dos ditames da Necessidade. Esta não é,
porém, nem uma virtude catequista, empoeirada por pó e cinza, nem uma aura de
herói que assombra o humano com o divino. A
virtude estóica é um modo de vida.
Séneca, na continuidade desse
sentido, diz-nos que “Para formar juízos
de valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma, pois de outro
modo atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal como objectos
perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos ao meio quando os vemos
metidos dentro de água. O que interessa não é o que vemos, mas o modo como
vemos; e no geral o espírito humano mostra-se cego para a verdade!” (Ep.71.24-5; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A.
Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). Ora
a dualidade luminar da sizígia em Gémeos em colisão com a necessidade como
totalidade indica-nos essa mesma cegueira da verdade. No fundo, e hoje mais do
nunca, a ignorância e o excesso de si tolda-nos os juízos e impede-nos de ver a
verdade. A palavra pode ser também aqui um elemento disruptivo.
A relação entre liberdade e destino
é um pilar de sentido na filosofia astrológica, todavia, não deve ser entendida
como é comummente abordada, como se existisse um antagonismo radical nos
conceitos. A questão é que, da perspetiva que dominou uma parte considerável
do pensamento antigo, a liberdade está para além da roda da necessidade e não
no seu interior. A união de Saturno e Neptuno em Peixes no cume do tema da Lua
Nova representa essa dificuldade e, do outro lado do sentido, encontra-se a
dualidade de luz entre o humano e o divino como leme da vida e da acção. A
sizígia em Gémeos, pela regência domiciliar de Mercúrio, vai pedir uma
reestruturação da palavra e da razão, ou seja, é exigida uma renovada mediação.
O elemento de passagem é essencial neste signo dual. A integração da necessidade
na vida pede portanto que se encontre a harmonia nesta tensão radical.
Neste novilúnio, Plutão surge também
como elemento disruptivo, primeiro por seu o único astro do hemisfério
ocidental e depois devido à sua retrogradação e ao seu regresso a Capricórnio.
As estruturas afectadas por este trânsito vão voltar a sofrer as influências
plutonianas, nomeadamente os sistemas económicos e financeiros, mas também as
estruturas profundas da terra, como por exemplo as erupções vulcânicas das últimas
semanas, mas também as consequências das alterações climáticas, como os
incêndios no Canadá.
Nos meses em que Plutão estiver em
Capricórnio, podemos voltar a assistir a falências ou crises no sistema
bancário, bem como às consequências da inflação, da subida das taxas de juros e
da especulação imobiliária. No entanto, a relação benéfica de Plutão a Júpiter
e a Úrano em Touro (trígono) e a Saturno e Neptuno em Peixes (sextil), bem como
ao Dragão da Lua (trígono à Caput em Touro e sextil à Cauda em Escorpião),
conferem uma possibilidade de transformação colectiva. A renovação do valor do
viver, a ligação à Terra e a necessidade de empatia e solidariedade são a luz
no caminho.
O último grande elemento disruptivo
possui também ele uma qualidade dual, ou seja, possui tanto um valor benéfico
como um potencial maléfico. A posição de Vénus e Marte em Leão junto ao Ponto
Subterrâneo enraíza, no tema do novilúnio, esta harmonia dos contrários. De um
ponto de vista colectivo, a nobreza da alma e o narcisismo serão as duas faces
da mesma realidade e, neste sentido, esta dicotomia leonina será colocada entre
o desejo e a força, entre Vénus e Marte. Porém, esta pulsão ou paixão
primordial possui uma dimensão relativa e é esta que atribuirá ou condicionará
o seu valor. O sextil de Vénus e Marte em Leão à sizígia e a Mercúrio em Gémeos
poderá, através da palavra e da razão ou do elemento de passagem entre o humano
e o divino, criar as condições para a nobreza da alma, para um carácter
transformação. No entanto, a quadratura de Vénus e Marte a Júpiter e a Úrano em
Touro, na XII, no lugar do Mau Espírito (κακός δαίμων), bem
como ao Dragão da Lua, condicionará fortemente o potencial do aspecto anterior.
Existe assim uma resistência à dádiva
e ao espírito transformador. Os modos de ser e estar estão de tal forma enraizados
que, mesmo que exista a consciência da necessidade de transformação, se tornarão
extensões da identidade e da afirmação social. Face à corrupção do planeta e da
Mãe-Terra, o que estaríamos dispostos a fazer? Deixaríamos, por exemplo, de
utilizar um veículo próprio? Consumiríamos menos e de forma mais responsável? Alteraríamos
o nosso estilo de vida? A grande questão é saber se possuímos uma
disponibilidade genuína de mudança.
A passagem anunciada do Dragão da Lua do eixo Touro-Escorpião para Carneiro-Balança, ou seja, do eixo do valor para o da identidade, aprofunda o sentido desta inquirição e o novilúnio de Gémeos vem anunciá-la, representando a necessidade de mediação e de construção de elementos de passagem, sejam eles pessoais ou colectivos. A harmonia dos contrários nasce de uma dualidade comprometida tanto com a identidade como com a necessidade de relação. Essa é uma proposta para o presente e para o futuro.
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