segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Retrogradação de Júpiter

  Reflexões Astrológicas


Retrogradações


Retrogradação de Júpiter

Lisboa, 15h11min, 04/09/2023

 

Júpiter

Decanato: Lua

Termos: Júpiter

Monomoiria: Mercúrio     

 


  Júpiter inicia a sua retrogradação no signo de Touro, no 16º grau (15º34΄), estando Sagitário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, o lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato da Lua, nos termos de Júpiter e na monomoiria do Mercúrio. A retrogradação começa assim de dia, abaixo do horizonte e depois do Sol passar a culminação. Em 2023, o movimento em que Júpiter nos concede a ilusão de estar a recuar estender-se-á até 31 de Dezembro, onde estará no 6º grau (5º34΄), nos termos de Vénus. Existirá pois um caminho de reintegração do potencial do bem entre os termos de Júpiter e os de Vénus, oposto ao que se assistiu na retrogradação de Vénus, quando o caminho se estendia entre os maléficos.  

  A ligação entre os benéficos torna-se particularmente expressiva se pensarmos que a retrogradação de Vénus termina quando vai começar a de Júpiter. A potencialidade do bem afirma-se durante todo este período com uma qualidade reflexiva, um meio de efectivação futura. Por outro lado, existe no fenómeno astrológico de retrogradação uma certa forma de negação da acção planetária. Ora é neste sentido que Hermann Melville, em Bartleby, o Escrivão (1853), expressou uma categoria filosófica que pode também ser entendida como um modo último de vida. A impotência, a não-potência, o acto de contrariar a acção impõe-se como possibilidade, como uma permanência na possibilidade. O dizer “Prefiro não o fazer” é o baluarte supremo da resistência, revelando que pode, mas prefere não o fazer.

  Existe aqui uma deliberação, uma escolha, que, embora impeça o acto, a realização, não deixa de ser activa. No entanto, para a astrologia, a retrogradação vai fixar-se entre a potencialidade, a impotência e a não-potência, não tanto por liberdade ou negação, mas por ser uma condição sine qua non, um meio através do qual a criação e a acção geram as suas raízes. Este processo de enraizamento contempla necessariamente a condição nefasta ou desvantajosa, descrita por Doroteu (Carmen Astrologicum, I, 6) ou por Paulo de Alexandria (Introdução, capítulo 14), sem perder, todavia, o carácter de semente. Por exemplo, Hades/Plutão é tanto o deus do submundo, dos mortos, como o deus da abundância, pois é sob a terra que a semente germina, ou não. Na retrogradação de Vénus e Júpiter, temos de considerar, desta forma, o enraizamento do bem e da justiça e, enquanto semente, o seu potencial de dádiva ou bênção. Esta terá de ser, neste caso, a matriz dos conceitos de δύναμις e de ἐνέργεια quando aplicados à astrologia.

  O sentido da retrogradação de Júpiter pode ser apreendido, à semelhança do que fizemos com Vénus, por uma análise astro-mitológica. A passagem de Júpiter pelo signo de Touro está intimamente associado ao Zeus cretense e à sua submissão à Grande Mãe, à deusa Reia. Seguindo essa interpretação, a retrogradação de Júpiter em Touro pode ligar-se, na teogonia cretense, ao momento em que os Curetes, os jovens guerreiros, dançam e brandem os seus escudos em redor de Zeus recém-nascido, para que o choro do jovem deus seja abafado e imperceptível para Cronos/Saturno, o pai reinante que devorava os próprios filhos. A acção dos Curetes é um acto iniciático, um que guarda o potencial de Zeus.

  Por outro lado, é a forma como Zeus se torna senhor do Olimpo, como adquire os seus poderes (potencialidades), que melhor descreve e define a retrogradação de Júpiter. O grande benéfico, seguindo as tradições matriarcais e matrilineares, embora algo corrompidas pela literatura já androcêntrica, herda os seus poderes de divindades femininas. Em termos astrológicos, este aspecto justifica, por exemplo, o facto de Caranguejo ser o lugar de exaltação de Júpiter. A misoginia, deliberada ou meramente ignorante, que ainda persiste em muita interpretação astrológica pode ficar um pouco arrepiada, mas a leitura astro-mitológica comprova esta raiz de sentido. As uniões de Zeus com outras divindades femininas são a forma de este adquirir os seus poderes.

  Ora é seguindo essa tradição mitológica que Hesíodo afirma o seguinte: “Zeus, rei dos deuses, tomou por primeira esposa Métis,/ a que mais sabe sobre os deuses e os homens mortais./ Mas, quando ela estava prestes a dar à luz a deusa Atena de olhos garços,/nessa altura, ele enganou o seu espírito,/com palavras ardilosas, e engoliu-a no seu ventre,/ por conselho da Terra e do Céu coberto de estrelas./ Ambos o aconselharam assim, para que o poder régio/ não pertencesse a nenhum outro dos deuses que vivem sempre, senão a Zeus./ Porque estava predestinado que dela nascessem filhos muito inteligentes:/ a primeira, a filha de olhos garços, a Tritogéneia,/ detentora de força e de uma sábia vontade igual à do pai;/ depois, seria a vez de um filho, rei dos deuses e dos homens,/ que ela daria à luz, um filho de coração soberbo./ Mas, antes, Zeus engoliu-a no seu ventre,/ para que a deusa lhe pudesse aconselhar o que é bom e o que é mau.” (886-900, trad. A. Elias Pinheiro & J. Ribeiro Ferreira. 2005: 74. Lisboa: IN-CM). Depois de Gaia e Reia, Métis é a primeira a permitir a hegemonia de Zeus/Júpiter. Na verdade, Atena nasce posteriormente com a condição de filha sem mãe, anulando o poder matrilinear. Este aspecto determina a forma como Zeus/Júpiter adquire o seu poder através de uma eliminação do poder feminino.

  A sua segunda esposa é Témis, a mãe das Horas e das Moiras. Esta concede ao deus o poder da justiça que, com o intelecto de Métis, vai estabelecer a sua omnisciência. Depois segue-se Eurínome, com quem teve as Graças e que, segundo a teogonia pelasga, foi a primeira a reinar no Olimpo, num tempo anterior ao de Cronos e de Zeus. Com Mnemósine tem as Musas, com Deméter, Perséfone, e com Latona, Apolo e Ártemis. Os poderes da memória e poderes sobre a terra, o sol e a lua são adquiridos assim através destas deusas e passados para a sua prole. A sua última esposa, aquela que ficou mais marcada na tradição e mais adulterada pela misoginia dos tempos, é Hera, com quem terá tido Hebe, Ares e Ilitia. Hera era uma grande deusa, adorada em Argos, em Samos e na Argólida e venerada em Olímpia antes do próprio Zeus, mas que a tradição descreve apenas como a esposa ciumenta e vingativa.

  A passagem do poder, das potencialidades radicais, das antigas divindades femininas para Zeus firma astrologicamente esse movimento que vai da retrogradação ao estado directo. Em 2023, retrogradação acontece não de forma isolada, mas como um acorde da música das esferas. Primeiro, inicia-se após a retrogradação de Vénus. Quando esta começou, Gémeos marcava a hora (tema de Lisboa) e agora quando Júpiter nos ilude com o seu retrocesso, é Sagitário que marca a hora. O eixo do conhecimento e da sabedoria fundam a interiorização da dádiva do bem. Paralelamente, a retrogradação de Júpiter inicia-se com cinco planetas retrógrados (Mercúrio, Saturno, Úrano, Neptuno e Plutão), acentuando-se assim a já descrita qualidade do estádio.

  No período em que Júpiter estará retrógrado, ou seja, de 4 de Setembro a 31 de Dezembro de 2023, devemos destacar os seguintes movimentos planetários: Mercúrio avançará de Virgem até Carneiro, estando retrógrado de 23 de Agosto a 15 de Setembro e de 13 de Dezembro a 2 de Janeiro de 2024, aqui já para além do período indicado; Vénus passará pelos signos de Leão a Sagitário; Marte transitará pelos signos de Balança, Escorpião e Sagitário; Saturno em Peixes ficará directo a 4 de Novembro; Neptuno também em Peixes passará a directo a 6 de Dezembro; e Plutão em Capricórnio terminará a retrogradação a 11 de Outubro, preparando agora o seu derradeiro périplo por esta constelação. Por fim, é preciso destacar o eclipse solar a 14 de Outubro e o eclipse lunar a 28 de Outubro. Estes são uma parte dos acordes celestes que nos acompanharão nos próximos tempos.

  O tema do início da retrogradação Júpiter é também um importante meio de análise do período que agora se inicia. Primeiramente é preciso considerar aqueles que estão co-presentes. Neste caso, Júpiter faz-se acompanhar pela Lua e por Úrano e, estando entre eles, firma-se um caminho de luz que se afunda sob o horizonte de Úrano à Lua. Esta é deveras importante, pois Touro é o seu lugar de exaltação. Aqui a Lua é Métis e todas as outras deusas que deram os poderes a Zeus. O caminho luminar agora descrito assinala também a ascensão de Zeus, pois começa com a castração de Úrano e subida de seu pai, Cronos/Saturno, ao trono do Olimpo e estende-se até às uniões com as deusas antigas e que permitiram a assimilação dos seus poderes.

  Por outro lado, a quadratura que se estabelece entre os benéficos é bastante significativa, senão mesmo estruturante e, por se dar em signos cardinais, vai fundar os movimentos colectivos e pessoais de integração dos conceitos ou ideias de verdade, de bem e de justiça. Por se estar a falar de Júpiter, os princípios vão adquirir um valor espacial e, por confirmação ou negação, vão espalhar-se ou afastar-se de tudo aquilo que nos rodeia. Se pensarmos que a retrogradação de Vénus terminou quando a de Júpiter começou, esta quadratura vê expandido o seu sentido profundo, aquele que, segundo Petosíris, nos diz que uma tensão quadrangular entre os benéficos não é necessariamente má. Uma tensão do bem não cria o mal. No entanto, devemos considerar sempre o seu valor reflexivo e estruturante. Vénus em Leão, no lugar de deus (IX), vem dizer-nos que a nobreza da alma pode triunfar sobre a má fortuna ou a suspensão da fortuna (Júpiter retrógrado em Touro, na VI), mas o egocentrismo e a vaidade não triunfarão.

  A posição de Júpiter em Touro, com a Lua e Úrano, insere-se num triângulo, fundado no elemento Terra, com o Sol e Mercúrio retrógrado em Virgem e com Plutão retrógrado em Capricórnio. A retrogradação tem o sentido que já abordámos. O potencial do valor da Terra, como elemento de estruturação da realidade, assume agora um sentido mais profundo, tanto pela sua expressão mais negativa, e que é observável nas várias formas de alienação que as estruturas materiais de valor produzem, como por tudo aquilo que ainda se pode produzir e que pode transformar beneficamente a humanidade. Esta posição triangular traz o destino para a integração do elemento Terra. Para a humanidade, é difícil criar estruturas colectivas, fundadas no elemento Terra, pois a partilha de riqueza, a igualdade, a solidariedade e a justiça social têm sempre uma qualquer forma de resistência. Se as considerarmos a partir dos elementos Água, Ar ou Fogo, como sentimentos, ideias ou princípios espirituais, é mais fácil, mas quando mexe com a carteira ou o estilo de vida, aí é que as coisas se complicam.

  O sextil de Júpiter, da Lua e de Úrano em Touro a Saturno e Neptuno em Peixes e destes últimos a Plutão em Capricórnio vai obrigar a fluir, esses dons ou penas da Terra, por entre os sentidos de necessidade e de solidariedade, nas águas universais. Estes aspectos vão servir de fundação da realidade, de restruturação a partir de valores antigos, de ideias que foram desenvolvidas, mas que aguardam uma expressão renovada. A oposição do Sol e Mercúrio retrógrado em Virgem a Saturno e Neptuno, ambos retrógrados, em Peixes aponta para esse caminho. Existem dois exemplos que servem esse propósito de recriação conceptual. De um lado, temos o hermetismo e o gnosticismo e, do outro, temos o estoicismo. Estes movimentos filosóficos e espirituais trazem assim para o nosso tempo uma expressão renovada e, na verdade, são todos muito próximos da astrologia, sendo até as suas maiores matrizes filosóficas.  

  A retrogradação de Júpiter que domina sempre uma parte considerável do ano astrológico é um período fértil em oportunidades, mesmo que nem sempre de forma explícita. É preciso encontrar os dons da verdade, do bem e da justiça nesse processo necessário de ensimesmamento individual e colectivo. Não devemos portanto temer o voltar a si, esse retorno ao potencial, à raiz, da nossa existência.

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