sexta-feira, 19 de maio de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Touro

  Reflexões Astrológicas


Lunações



Lua Nova em Touro

Lisboa, 16h53min, 19/05/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Saturno

Termos: Marte

Monomoiria: Vénus  

 


  A Lua Nova de Maio ocorre no signo de Touro, com Balança a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VIII, no Lugar da Morte (θάνατος), da qualidade da morte, no decanato de Saturno, nos termos de Marte e na monomoiria de Vénus. A sizígia dá-se assim acima do horizonte e cerca de quatro horas antes do pôr-do-sol. No actual novilúnio, o encontro dos luminares ocorre a caminho do Poente, estando a Lua desfavorecida por estar fora do seu segmento de luz (αἵρεσις), mas num signo feminino, o da sua própria exaltação. A Lua Nova de Touro vem fechar um conjunto sucessivo de fenómenos astrológicos nesta constelação: o eclipse lunar, o ingresso de Júpiter em Touro e a actual sizígia. Estes colocaram em análise o sentido profundo deste signo. Segundo Vétio Valente, Touro é feminino, sólido, gera ordem, é terreno, rústico, está relacionado com a agricultura, é semi-vocal ou mudo, nobre, invariável, energético, inacabado e indicador de propriedade e posses (Antologia I, 2). A significação antiga permanece no tempo e continua a permitir o aprofundamento conceptual daquilo que foi estabelecido.

  A ligação entre o signo de Touro e a Terra, a Grande Mãe, encontra-se radical e estruturalmente enraizada. É a matriz do crescimento e da abundância. Na reflexão acerca do ingresso de Júpiter em Touro, já explorámos a relação entre Reia e Zeus/Júpiter, o seu nascimento e infância em Creta, ou seja, o poder matriarcal na dádiva do Júpiter astrológico. No entanto, para a análise da sizígia, o rapto de Europa e a relação entre Pasífae e o Touro de Creta possuem uma outra dinâmica, uma que, para além do consequente encontro dos luminares, também se encontra indicado na conjunção de Vénus e Marte em Caranguejo. O touro é o companheiro da Deusa-Mãe, da Πτνια Θηρῶν, a Senhora dos Animais. Esta é uma deusa das origens e da qual descendem muitas das divindades femininas, tais como Reia, Cíbele, Hera, Ártemis, Deméter ou Atena.

  No meu livro Fragmentos Astrológicos, encontra-se a seguinte descrição: O rapto de Europa marca uma das fundações do mito do Touro Cretense. Zeus enamorou-se de Europa e para a cativar transformou-se num touro de resplandecente brancura e com os cornos em forma de lua. A jovem sentou-se no dorso do touro que fugiu em direcção ao mar. Chegados a Creta, os dois consumam a paixão junto de uma fonte, em Gortina, à sombra de plátanos. Europa teve de Zeus três filhos: Minos, Sarpédon e Radamanto. Numa segunda fase, o Touro é enviado, a partir do mar, por Posídon para a costa de Creta, o reino de Minos. A rainha Pasífae enamora-se do animal e pede a Dédalo que construa uma vaca de madeira, onde ela possa entrar e assim unir-se ao animal. Dessa união nasce o Minotauro, um ser metade homem, metade touro, que será colocado num labirinto e, mais tarde, derrotado por Teseu com a ajuda de Ariadne, filha de Pasífae e Minos. Por fim, numa terceira fase, Héracles é encarregue de apanhar o Touro. Este é depois libertado, percorrendo a Grécia até chegar a Maratona, onde é morto por Teseu. O herói vence sempre a fera, mas é o feminino que persiste.” (135-6. Lisboa, 2021: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo). Existe pois uma continuidade de sentido, um elemento mimético de passagem, que se estende ao longo da narrativa do mito do Touro Creta. O feminino, sobretudo se virmos para além do exacerbamento dos feitos masculinos, tem, nesta enunciação mitológica, um enorme poder, uma potencialidade criativa.

  A união da mulher e do touro e a passagem do animal ao humano, ou seja, a sua elevação, são elementos de transformação profundos. No encontro venusiano com o animal, a luz do feminino muda a realidade. Europa, Pasífae e Ariadne são elementos de continuidade, mas não são elementos passivos, é a sua acção que dá sentido à narrativa e que permite a possibilidade de mudança e, mesmo no caso de Héracles, não nos esqueçamos que o herói está ao serviço da deusa, de Hera, uma Deusa-Mãe. Ora o grande encontro de luz no signo de Touro (Lua, Sol, Úrano, Mercúrio e Júpiter) concede essa mesma mudança. Porém, esta não é nem súbita, nem radical, é uma mudança paciente, estruturada, que se funda e firma nas raízes da realidade, na demanda do valor, do sentido do viver. No tema de Lisboa, esse encontro de luz dá-se no lugar da morte. O signo da vida ocupa o espaço da morte. A frase lapidar Et in Arcadia ego que nos diz que também a Morte vive na Arcádia reafirma o seu sentido, a sua permanência conceptual e simbólica.

  Epicteto afirma o seguinte: “Humanos, aguardai Deus. Quando ele enviar o sinal e vos libertar desse serviço, então vos liberteis para ele. Mas, por ora, suportai, permanecendo neste mesmo lugar ao qual ele vos designou. Pouco é o tempo para permanecer aqui, e fácil para os que estão desse modo dispostos. Pois qual tirano ou qual ladrão, ou quais tribunais ainda serão temíveis para os que tornaram comparáveis a nada o corpo e as posses deste? Esperai! Não partais de modo irracional!” (Diatribes I.9, 16-17, trad. Dinucci, 88. Coimbra, 2020: IUC). A dádiva da luz é uma bênção do bem e da virtude e a procura do valor, desse absoluto que pertence à terra, implica um processo racional de elevação: do animal ao humano, do humano ao divino. Não esqueçamos, porém, que o deus estóico não é um ser distante que traz até nós a revelação. Para o estoicismo, e em particular para Epicteto, nós somos um fragmento de Deus, somos o próprio deus, logo a revelação não é externa, ela inicia-se única e exclusivamente naquilo que somos, é um conhecimento de si.

  O encontro de luz no signo de Touro, sobretudo se pensarmos que se inicia na Lua e no Sol, passa por Úrano e Mercúrio assexuais ou andróginos, embora neste caso, devido à posição helíaca, masculinos, e termina em Júpiter, e também pela conjunção destes à estrela Algol, encontramos um choque, uma colisão, entre a necessidade de ressurgimento do númen feminino e as estruturas patriarcais dominantes. Algol dá poder ao feminino, mas alimenta a intensidade, não fosse ela a cabeça da Medusa, um símbolo por excelência do feminino. Segundo Ovídio, Medusa era uma bela donzela que terá sido violada por Posídon no templo de Atena. Ora a deusa sem mãe castiga a donzela, transformando-a num monstro, por esta ter conspurcado com o seu templo. Encontramos aqui a simbologia desta união de luz, do encontro dos planetas em Touro com a estrela Algol. No entanto, não se pode esquecer a tradição e, neste caso, a malignidade de Algol. Neste sentido, o encontro desta estrela com a sizígia pode, de facto, trazer violência e destruição, sobretudo desastres naturais resultantes das alterações climáticas.

  Por outro lado, o tema da sizígia encerra também uma outra dinâmica que já se iniciara no eclipse lunar e que continuou no ingresso de Júpiter de Touro. O facto de Marte e Plutão se estenderem, opondo-se ou quase, ao longo do eixo de culminação, e de Balança marcar a hora apresenta-se como uma dinâmica comum, uma que funda também, sobre o caminho do abismo ao cume, uma potência de destruição. Marte traz destruição, ou violência, ao lugar da Lua e Plutão espalha quadrangularmente os raios da morte até à sizígia e àqueles que a acompanham. Este novilúnio, embora firme a matriz do signo de Touro, transporta consigo uma potencialidade disruptiva que pode estender a sua influência para além do mês lunar. A humanidade está sobre aviso e isso está cada vez mais claro.

  Séneca, referindo-se aos tempos áureos, diz-nos, na sua Medeia, que “Os nossos pais viveram em tempos / magníficos dos quais o embuste estava bem arredado. / Cada um ficava tranquilamente nos seus litorais / e chegava à velhice nos campos ancestrais, / rico com pouco; não conhecia senão / as riquezas que o solo pátrio produzia. (329-334, trad. A. A. Alves de Sousa. Coimbra, 2013: Imprensa da Universidade de Coimbra). Se tivermos em consideração que a Idade de Ouro fora regida por Saturno, encontrarmos um indício da proposta de transformação. O sextil da sizígia e daqueles que estão co-presentes a Saturno e Neptuno em Peixes e os trígonos destes últimos a Vénus e Marte em Caranguejo e à Cauda Draconis em Escorpião congregam uma mensagem semelhante àquela que Séneca descreve. Está a ser-nos pedido, senão mesmo exigido, que mudemos o modo de vida. Pede-se um regresso à Idade de Ouro, em que a Terra esteja viva e em que a sua abundância nos seja suficiente. As deslocações desenfreadas, face ao facto de serem extremamente poluentes e nos desviarem do essencial, e o nosso consumismo colocaram a humanidade sobre o fio da navalha. Tornámo-nos a sombra da nossa desmedida e isso traz até nós o peso, a gravidade, do destino. Existe uma causalidade que encaminhou até nós as penas de Némesis. E, perante o abismo, o que podemos fazer? Seguir a luz. Essa é nossa única solução.

  O novilúnio de Maio, com a sua intensa concentração de luz, mas também de alguma sombra, no signo de Touro, encerra uma proposta de abundância. Ora essa proposta, em particular no actual ano astrológico, estará em evidência sobretudo nos movimentos astrológicos pelos signos de Terra e de Água. A Era do Espírito Santo, do Sagrado Feminino, está a anunciar-se tanto com a pomba que cinge o céu como com a sacerdotisa que sibila e dança ao som do tambor nocturno. Nesta Lua Nova, a Deusa-Mãe, a Terra, concede-nos uma dádiva que precisamos de aceitar.

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