Reflexões Astrológicas
Saturno em Peixes
Lisboa, 13h35min, 07/03/2023
Sol-Lua
Decanato: Saturno
Termos: Vénus
Monomoiria: Júpiter
O
primeiro ingresso de Saturno em Peixes ocorre com Caranguejo a marcar a hora,
para o tema de Lisboa e, deste modo, na IX, no Lugar de Deus, no Lugar do Deus
Sol, no decanato de Saturno, nos termos de Vénus e na monomoiria de Júpiter. O ingresso dá-se assim acima do horizonte e
cerca de seis horas após o nascer-do-sol. Saturno encontra-se, deste modo,
favorecido por estar no seu próprio segmento (αἵρεσις) e
no lugar do regente do segmento, o Sol. O estudo deste ingresso e do seu tema é
essencial para a compreensão dos tempos que se avizinham. A chegada de Saturno
a Peixes é o acontecimento astrológico mais importante de 2023, seguido pelo
ingresso de Júpiter em Touro em Maio, criando-se, nesse momento, uma harmonia
entre os planetas e os elementos Água e Terra. No tempo (Saturno) e no espaço
(Júpiter), o Eterno Feminino tornar-se-á a dádiva da transformação.
Primeiramente
é necessário situar, no tempo cronológico, este ingresso de Saturno em Peixes
que acontece em dois momentos. O primeiro ingresso ocorre de 7 de Março de 2023
a 25 de Maio de 2025 e o segundo, mais curto, de 1 de Setembro de 2025 a 14 de
Fevereiro de 2026. Passará por três momentos em que estará retrógrado:
o primeiro, de 17 de Junho a 4 de Novembro de 2023; o segundo, de 29 de Junho a
15 de Novembro de 2024; e o terceiro, de 13 de Julho a 28 de Novembro de 2025 e
que inclui, como é perceptível pelos períodos anteriormente mencionados, o
primeiro ingresso de Saturno em Carneiro e o retorno a Peixes. Neste dois
períodos, convém também assinalar a passagem de Júpiter pelos signos de
Carneiro a Caranguejo e o ingresso de Neptuno em Carneiro (primeiro de 30 de
Fevereiro a 22 de Outubro de 2025 e depois a partir de 26 de Janeiro de 2026),
isto para não falar do ingresso de Plutão em Aquário, a 23 de Março de 2023.
O
ingresso de Saturno, do planeta do Tempo e da Necessidade, em Peixes, no signo
da totalidade, transporta consigo um sentido natural de conclusão, de término
ou fim de ciclo. Segundo a ordem vernal, Peixes é o último signo e, assim sendo,
a chegada de Saturno a este signo tem necessariamente a significação do fim,
mas também a da repetição, da estruturação do mesmo, da criação de uma unidade
de sentido, resultante da assimilação da totalidade em torno do propósito que a
Necessidade estabelece. Ora essa ideia de propósito une tanto a regência de um
deus do tempo como a de um deus agrícola. Esse é também o sentido do aforismo
de Novalis que diz que “o fragmento é
semente”, ou seja, a singularidade de um fragmento de tempo torna-se quer o
potencial, quer a finalidade da proposta que ele próprio apresenta. A
Necessidade é portanto uma totalidade que permeia toda e qualquer parte.
Se
a respeito de Peixes já discutimos o imperativo de refundar a sua significação
(v. Reflexão Astrológica da Lua Nova de Peixes), então, no que a Saturno
concerne, confirma-se o mesmo imperativo. A questão em torno da refundação do
sentido não é exclusiva deste planeta, mas é neste caso mais evidente. A
significação planetária, e também zodiacal, tal como a conhecemos, resulta, de
um modo geral, de um modelo categórico da física aristotélica ou do eclectismo
ptolemaico. Porém, existiam, na Antiguidade, outros modelos interpretativos,
nomeadamente o de Platão e o do platonismo. Segundo Plotino, Saturno
simbolizaria o Intelecto (Νοῦς) e Zeus, a Alma (Enéadas V, I, 4). Existia pois uma glorificação de
Saturno por este não representar os poderes terrenos, mas sim o poder mais puro
do pensamento.
Klibansky, Panofsky e Saxl dizem-nos
que “Saturno possuía a dupla propriedade
de ser o antepassado de todos os outros deuses planetários e de ter o seu trono
no céu superior. Essas duas qualidades, que devem ter estado originalmente
conectadas, garantiram-lhe uma supremacia, sem qualquer contestação, no sistema
neoplatónico, que se esforçou neste caso, como em outros, por reconciliar as
visões platónicas com as aristotélicas. A hierarquia dos princípios metafísicos
que remontava a Platão, segundo a qual o genitor tinha precedência sobre o gerado, estava ligada ao princípio
aristotélico do pensamento "topológico", segundo o qual uma posição mais elevada no espaço significava
maior valor metafísico.” (Saturn and Melancholy,
1979: 152-3. Nendeln/ Liechtenstein: Kraus Reprint). Esta
proeminência de Saturno, a par da atribuição de Plotino, desperta uma outra
questão, visto que normalmente o Intelecto é o Sol.
Existiu uma tradição babilónica, sobretudo num período
de cerca de 750 a 612 AEC, que designava Saturno como “o Sol”, Šamaš, em vez da nomenclatura
astronómica mais comum (cf. van der Sluijs, M. A. & P. James,
2013, “Saturn as the Sun of Night in Ancient Near Eastern Tradition” in Aula Orientalis 31.2, 279-321). Esta
designação torna Saturno o “Sol da Noite”, em oposição ao
próprio Sol, o “Sol do Dia”, e pode ter a sua origem num dos elementos astrológicos
radicalmente babilónico: as exaltações planetárias (as outras são o aspecto de
trígono e as dodecatemoria). O lugar
de exaltação do Sol, Carneiro, opõe-se ao da exaltação de Saturno, Balança.
Esse eixo pode ser assim aquele que une o “Sol do Dia” e o “Sol da Noite” e a tradição deste
sentido de Saturno persiste, mesmo que de forma discreta, na tradição
greco-romana. Ptolomeu, por exemplo, diz que os habitantes do território entre
a Mesopotâmia e a Índia chamavam à estrela de Vénus Ísis e à de Saturno Mitra
Hélios (Apotelesmática II, 3).
Por outro lado, e seguindo também
uma interpretação que é quase oposta ao Saturno aristotélico, temos o Saturno
feminino, algo que já abordei por diversas vezes (Fragmentos Astrológicos, 2020: 167-72; Reflexões Astrológicas
2021: Parte II, 2022: 30-1). Esta é a tradição cuja referência mais antiga
pertence a Doroteu de Sídon (Carmen Astrologicum, I, 10, 18-19) e que pode ter
ainda uma matriz de sentido na proeminência do númen feminino no reinado de
Saturno. A astrologia precisa pois de uma metodologia interdisciplinar para
melhor compreender os seus conceitos. O estudo rigoroso da mitologia pode,
desta forma, contribuir para refundação desses mesmos conceitos.
No tempo de Cronos/Saturno, a sua mãe
Gaia e a sua esposa Reia eram duas deusas poderosas, que não se apresentavam com
uma submissão ao paradigma androcêntrico, como a que encontramos nos deuses
olímpicos. Ora esse factor está presente em Manílio quando coloca a Mãe dos
Deuses (Reia/Cíbele), a par de Júpiter, como regente divino do signo de Leão (Astronomica II, 447). Se pensarmos que, do outro lado do eixo, está Saturno como regente astrológico
de Aquário, encontramos então um elo de ligação com Saturno como o “Sol da
Noite”.
Compreendemos, desta forma, que as
significações não são lineares e que, ao longo dos tempos, transmitem uma
prevalência interpretativa que não é, no entanto, exclusiva. Existem outros
sentidos que podem e devem ser recuperados. De um ponto de vista mitológico ou
astro-mitológico, encontramos ainda uma outra tradição que nos concede um
elemento de passagem entre o próprio Saturno e o Saturno em Peixes. Para além
do facto de Saturno ser o regente da Idade de Ouro, ele é também o rei da Ilhas
dos Bem-Aventurados, ou Ilhas Abençoadas.
Neste mito (e.g. Hesíodo, Os Trabalhos e os
Dias 156 e ss.; Platão, Górgias
525a e ss.), após o seu destronamento e prisão no Tártaro, Cronos/Saturno terá sido
reabilitado e terá encontrado um novo trono nas Ilhas dos Bem-Aventurados que,
segundo alguns, incluiriam os nossos Açores ou toda a Macaronésia. Nestas
ilhas, onde se encontram os Campos Elísios, viveriam aqueles que não têm de
perturbar a terra com o vigor das mãos e que vivem uma existência sem lágrimas
(Píndaro, Ode
Olímpia 2.55 e ss.). Este mito indica, sem grande esforço interpretativo, Saturno em
Peixes, a Necessidade sobre a Totalidade.
O tema do ingresso de Saturno em
Peixes, para a hora de Lisboa, tem uma particularidade deveras interessante,
pois ao fixar a hora em Caranguejo reproduz a disposição de lugares do Thema Mundi. Ora, desta forma, Saturno
vai cair no lugar de Peixes, a IX, o Lugar de Deus. Esta posição torna mais
significativa uma certa diminuição da malignidade de Saturno, uma vez que em Peixes
está no domicílio de Júpiter, aquele mitologicamente ocupou o seu lugar, e está
também fora de seu segmento de luz e num signo feminino. A condição de Saturno
pode assim, se a humanidade permitir, conceder à totalidade a Necessidade, ou
seja, pode conferir a dádiva da aceitação do destino, a sua interiorização. Se
conhecermos o propósito, a finalidade, o sentido do todo, o caminho adquire um
outro valor e transforma toda a acção.
Este tema, considerando-se os eixos
de ascensão e culminação, apresenta uma beleza singular e uma intensa expressão
do feminino que, tendo em conta os sentidos alternativos para Saturno, alcança
uma proposta significativa profunda. Primeiro temos o eixo pós-plenilúnio que
une a Lua em Virgem a Saturno, Mercúrio, ao Sol e a Neptuno em Peixes,
estendendo esta concentração até ao Lugar da Deusa, a III, onde a Lua se
encontra.
De seguida, temos
os dois trígonos: o da Água que une o ponto que marca a Hora em Caranguejo aos
planetas em Peixes e à Cauda Draconis
em Escorpião, em que o Destino se torna a vida e a fé, a sabedoria; e o de
Terra que, por sua vez, une a Lua em Virgem a Úrano e à Cauda Draconis em Touro e a Plutão em Capricórnio, a caminho do
poente, ou seja, um triângulo que faz da Deusa, do Eterno Feminino, o espírito
que se erguerá sobre as cinzas do velho mundo e a aurora de uma Nova Era. Por
fim, face a estes dois trígonos, temos os seis sextis que resultam destas
ligações, destas harmonias.
Existem, no entanto, dois elementos
que divergem desta unidade entre a Água e a Terra. Um diverge, convergindo,
pois afirma a acção do bem sobre esta proposta de sentido. Vénus e Júpiter em
Carneiro permitem que o bem, a beleza e justiça se tornem actividade. Desde que
a humanidade queira, a efectivação da dádiva é uma possibilidade. Os benéficos
são os astros mais altos, raiando de esperança, de luz, mas colidindo com a
morte sobre o Ocaso (Plutão em Capricórnio), sobre o seu poder. A destruição é o
perigo de uma actividade movida pela desmedida. No entanto, uma vez mais, será
Marte em Gémeos a expressar uma pulsão de divergência disruptiva, firmada pelos
raios quadrangulares aos planetas em Peixes e à Lua em Virgem. A malignidade do
pensamento dual que finge querer a mudança, quando o que faz é ferir e separar,
continua a ser uma ameaça real. As teias de desinformação que alimentam o ódio,
a xenofobia, a misoginia, o racismo, a intolerância são o abismo do humano.
Porém, a acção do bem, dos actos que promovem a igualdade, a liberdade e a
fraternidade continuam a ser o outro lado da barricada (sextil de Marte em
Gémeos a Vénus e Júpiter em Carneiro).
Saturno ingressa em Peixes no momento em que, neste signo, se encontram o Sol, Mercúrio e Neptuno. Esta concentração de luz, a partir do Lugar de Deus, apresenta-se como o fogo na câmara interna, no Santo dos Santos. Desse santuário profundo, a luz e a necessidade, a palavra e o amor universal podem alcançar a humanidade, a totalidade. Se considerarmos Saturno como o Intelecto, o que não diverge da ideia estóica de Destino ou a ideia platónica de Necessidade, podemos observar então a sua acção como parte deste princípio que permeia o mundo e que tece uma harmonia, uma simpatia, entre o microcosmos e o macrocosmos. Saturno em Peixes é, em suma, a Necessidade ou o Destino na totalidade.
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