terça-feira, 22 de novembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Sagitário

 Reflexões Astrológicas


Lunações



Lua Nova em Sagitário

Lisboa, 22h57min, 23/11/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Mercúrio

Termos: Júpiter

Monomoiria: Marte 

 

  A Lua Nova de Novembro ocorre no signo de Sagitário, com Leão a marcar a hora para o tema de Lisboa, e assim na V, no Lugar da Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), no decanato de Mercúrio, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se, desta forma, abaixo do horizonte e cerca de três horas e meia após o pôr-do-sol. O Sol encontra-se pois desfavorecido por estar fora do seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e abaixo do horizonte, já a Lua colhe as bênçãos da noite, embora esteja num signo masculino. Recupera-se também aqui o elemento Fogo, ausente no tema do eclipse lunar, e que reforça a força do intelecto.

  Consequentemente, a luz da sizígia, agora num signo de Fogo, encontra-se sob a terra, no útero de Gaia. O olhar fixa-se então em Marte, como luz ascendente, e em Júpiter e Saturno, como luzes que descendem. Úrano é a luz mais alta e Neptuno ladeia Júpiter na sua queda. Porém, à hora do encontro dos luminares, todas estes planetas, com a excepção de Saturno que se encontra conjunto ao Ponto do Ocaso, se encontram retrógrados. Júpiter ficará directo cerca de cinco minutos após a sizígia.

  Esta retrogradação, no hemisfério superior do tema, é particularmente significativa. Saturno desaparece no horizonte e Marte, Úrano, Júpiter e Neptuno iludem o olhar com seu movimento de retorno. Esta ilusão do movimento consagra a sua impotência, a negação da potencialidade. O movimento volta a si mesmo, anulando o potencial de acção. É um solipsismo e um ensimesmamento radical. No entanto, como o movimento se estende no espaço e no tempo, esta negação tem uma temporalidade restrita. A anulação do acto e o retorno a si tem um fim. A questão que se coloca é saber se o período de ensimesmamento produziu uma finalidade, um propósito que imerge de si mesmo e se torna acção.

  Uma Lua Nova em Sagitário obriga, de um outro modo, a reflectir sobre este signo de passagem entre o animal e o humano. Se pensarmos no sistema tópico de casas, tal foi primeiramente descrito, no século I EC, por Trasilo no Pínax (CCAG VIII/3: 99-101), e segundo a ordem vernal, Sagitário ocupa então a IX, o lugar de Deus, já se olharmos para o mesmo sistema, mas segundo a ordem do Thema Mundi, o arqueiro ocupa a VI, o lugar da Má Fortuna, e é o outro signo, regido por Júpiter (Peixes), que ocupa a IX, o lugar de Deus. Este aspecto firma um sentido profundo, pois obriga, por um lado, a recuperar o potencial significativo do Thema Mundi e, por outro, coloca o valor conceptual de Sagitário para além da Sabedoria, frisando, todavia, a mediação entre a luz e a sombra, entre o divino e o humano e entre o humano e o animal.    

  Se o eixo-matriz do horizonte for, desta forma, o de Caranguejo-Capricórnio, tal descreve o Thema Mundi e seguindo a herança dos mistérios de Mitra, então o eixo da pós-ascensão e do pós-declínio, daqueles que se seguem ao orto e ao ocaso, é o de Gémeos-Sagitário. Curiosamente, ou não, este são os únicos signos duais de natureza diversa (Peixes apresenta dois animais ou dois deuses de natureza similar). Gémeos, segundo o mito de Pólux e Castor, apresentam um ser de natureza divina ou semidivina e outro de natureza humana, já Sagitário indica um ser que é parte humano e parte animal.

  Sagitário é tradicionalmente associado ao centauro e se este for Quíron, o seu pai será Cronos/Saturno, o regente do signo que, no Thema Mundi, está no Ocaso. Porém, os centauros não utilizavam o arco e a flecha, o que leva Ps. Erastótenes a dizer que este será Croto, o sátiro filho de Pã e Eufeme (cf. Rodolfo Miguel de Figueiredo, Fragmentos Astrológicas, 2021: 137-8, 149-50, 155-6). Neste caso, Pã relaciona-se com o carácter telúrico de Hermes/Mercúrio (regente de Gémeos). Por outro lado, a relação de Croto com as Musas aponta para a IX, o lugar de Sagitário na ordem vernal. Ora é o elemento de passagem entre o animal e o humano que sobressai neste novilúnio. Podemos, no entanto, congregar todas estas referências na mediação que a Sabedoria eleva entre as trevas e a luz, ou seja, a Sabedoria funda o humano e aquele que a rejeita está mais próximo da bestialidade do que da humanidade.    

  A Lua Nova de Sagitário, na V, no lugar da Boa Fortuna, faz desta Sabedoria, uma promotora de abundância e torna-a, como elemento de passagem, finalidade e destino. E se pensarmos bem, vemos, sem sombra de dúvida, o quanto o mundo precisa de uma refundação segundo a Sabedoria. Porém, a Sabedoria exige esforço e, para se tornar a fonte da abundância, é necessário uma rejeição – a negação que anteriormente falávamos – da superficialidade. Marte em Gémeos, opondo-se à sizígia, e como grande maléfico do tema, aquele que se encontra no seu segmento de luz e acima do horizonte, firma-se na liquidez da palavra, na mediação distorcida das falsas narrativas e na viagem pela dualidade.  

  No caminho da luz que avança pelo submundo, é o Sol que caminha na dianteira, seguido pela Lua, por Vénus e por Mercúrio, duas estrelas do entardecer que assumem um carácter feminino, imaginativo e intuitivo. Existe pois, nesta senda nocturna, uma acção criativa, um acto inaugural que acorda no raiar da aurora. Este é um novilúnio em que a condição de espera, da virtude da paciência e da tolerância, estará exacerbada. É o momento precioso e único em que o arqueiro espera pelo destino da seta lançada. Pelo caminho, a seta cruzará o lugar mais profundo do submundo (o IC) e a Cauda Draconis, lançando-se no destino e na morte, na destruição de si mesma.  

  Júpiter e Neptuno em Peixes trazem, nesta lua nova, até pelo fim anunciado da retrogradação de Júpiter e pela quadratura à sizígia e a Vénus e Mercúrio, a passagem entre a dúvida e a esperança, ou a assunção da fé como a outra via do caminho da verdade. Pistis-Sophia, a deusa da gnose milenar, carrega assim, como anúncio de concórdia, essa união entre a dádiva de Sagitário e a dádiva de Peixes. No entanto, a concórdia entre a sabedoria e a fé exige um esforço. É o salto para o abismo, o precipitar-se do alto da montanha. A quadratura dos benéficos (Júpiter e Vénus) indica esse labor do bem que não anula a sua condição, mas frisa a necessidade de cuidado e diligência.

  Crisipo de Solos diz-nos que “a justiça existe por natureza e não por convenção” (SVF III, 308: φύσει τε τὸ δίκαιον εἶναι καὶ μὴ θέσει). Os sextis de Júpiter e Neptuno em Peixes a Úrano e à Caput Draconis em Touro e a Plutão em Capricórnio reforçam a qualidade primordial da justiça, o seu enraizamento na realidade. Naturalmente, quando se fala da justiça como condição natural é impossível não relacionar este espírito de Júpiter com o tempo e a necessidade, os atributos primordiais de Saturno. Estes aspectos anunciados inscrevem na liberdade a justiça e a necessidade, é portanto livre aquele que cumpre, que realiza o seu destino.

  O Dragão da Lua, após o fim da segunda época anual de eclipses, fortalece agora o seu sentido profundo. Fernando Pessoa definiu a Caput Draconis, afirmando que esta “é o escudo abstracto do destino” (Pessoa Inédito, ed. Teresa Rita Lopes, 1993: 41. Lisboa: Livros Horizonte). Na cabeça do Dragão da Lua, a Necessidade torna-se o fogo que, por ele lançado, ilumina a realidade, já a cauda chicoteia o real com o peso do destino, da retribuição. Este animal mítico é, na verdade, o derradeiro guardião do Sagrado Feminino, da Deusa da Lua. A relação de Júpiter em Peixes (sextil e trígono) e Saturno em Aquário (quadratura), bem como de Úrano de Touro (conjunção e oposição), de Neptuno em Peixes (sextil e trígono) e de Plutão em Capricórnio (sextil e trígono), ao Dragão da Lua no eixo Touro-Escorpião determina, deste modo, a força da roda da fortuna sobre a realidade e sobre o humano.

  Na continuidade da mensagem do Dragão da Lua, surge Saturno tanto por estar fora do seu segmento de luz como pela posição crepuscular. Este une-se, em sextil, ao Sol, à Lua, a Vénus e a Mercúrio, dando ao peso da Necessidade sobre a Sabedoria uma qualidade significativa, ou seja, o propósito da deusa Sophia, do Sagrado Feminino e da era do Espírito Santo, como rosto feminino da Trindade, torna-se cada vez mais claro. A humanidade só poderá ser uma unidade colectiva se o númen agregador for o da Grande Deusa. A passagem de Saturno, em 2023, de Aquário para Peixes, de um signo masculino para um feminino, cria essa ponte de sentido entre a humanidade e a totalidade.

  Existe, no entanto, e aliás como sempre, uma resistência patriarcal, mesmo daqueles que não se anunciam como prelados de valores misóginos e androcêntricos. A quadratura de Marte em Gémeos a Júpiter e Neptuno em Peixes e a oposição a Vénus em Sagitário cria, por um lado, uma tensão com ambos os benéficos (Vénus e Júpiter) e, por outro, um conflito com o princípio do Amor (Vénus) e com a sua exaltação (Neptuno), expressões do Sagrado Feminino. A força disruptiva de Marte em Gémeos, agora em retrogradação, corrompe o elemento mitológico de passagem entre o humano e o divino que o signo mutável de Ar nos propõe, apresentando-nos a ruína inevitável da influência de certos valores sobre o pensamento e os conceitos, sobre a palavra e o discurso. 

  A Lua Nova de Sagitário é a seta incandescente que ora alumia o céu estrelado, ora cai e incendeia. O fogo da Sabedoria tem, de facto, um potencial natural de iluminar a humanidade, mas reserva também para si, tal como a lição do estoicismo antigo nos anuncia, o poder de conflagrar o mundo, para o renovar ou o destruir.

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