Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Sagitário
Lisboa, 22h57min, 23/11/2022
Sol-Lua
Decanato: Mercúrio
Termos: Júpiter
Monomoiria: Marte
A Lua Nova de Novembro ocorre no signo de Sagitário,
com Leão a marcar a hora para o tema de Lisboa, e assim na V, no Lugar da Boa
Fortuna (ἀγαθή
τύχη), no decanato de Mercúrio, nos termos
de Júpiter e na monomoiria de Marte.
A sizígia dá-se, desta forma, abaixo do horizonte e cerca de três horas e meia
após o pôr-do-sol. O Sol encontra-se pois desfavorecido por estar fora do seu
próprio segmento de luz (αἵρεσις) e
abaixo do horizonte, já a Lua colhe as bênçãos da noite, embora esteja num
signo masculino. Recupera-se também aqui o elemento Fogo, ausente no tema do
eclipse lunar, e que reforça a força do intelecto.
Consequentemente,
a luz da sizígia, agora num signo de Fogo, encontra-se sob a terra, no útero de
Gaia. O olhar fixa-se então em Marte, como luz ascendente, e em Júpiter e
Saturno, como luzes que descendem. Úrano é a luz mais alta e Neptuno ladeia
Júpiter na sua queda. Porém, à hora do encontro dos luminares, todas estes
planetas, com a excepção de Saturno que se encontra conjunto ao Ponto do Ocaso,
se encontram retrógrados. Júpiter ficará directo cerca de cinco minutos após a
sizígia.
Esta
retrogradação, no hemisfério superior do tema, é particularmente significativa.
Saturno desaparece no horizonte e Marte, Úrano, Júpiter e Neptuno iludem o
olhar com seu movimento de retorno. Esta ilusão do movimento consagra a sua
impotência, a negação da potencialidade. O movimento volta a si mesmo, anulando
o potencial de acção. É um solipsismo e um ensimesmamento radical. No entanto,
como o movimento se estende no espaço e no tempo, esta negação tem uma
temporalidade restrita. A anulação do acto e o retorno a si tem um fim. A
questão que se coloca é saber se o período de ensimesmamento produziu uma
finalidade, um propósito que imerge de si mesmo e se torna acção.
Uma
Lua Nova em Sagitário obriga, de um outro modo, a reflectir sobre este signo de
passagem entre o animal e o humano. Se pensarmos no sistema tópico de casas,
tal foi primeiramente descrito, no século I EC, por Trasilo no Pínax (CCAG VIII/3: 99-101), e segundo a ordem vernal, Sagitário
ocupa então a IX, o lugar de Deus, já se olharmos para o mesmo sistema, mas
segundo a ordem do Thema Mundi, o
arqueiro ocupa a VI, o lugar da Má Fortuna, e é o outro signo, regido por
Júpiter (Peixes), que ocupa a IX, o lugar de Deus. Este aspecto firma um
sentido profundo, pois obriga, por um lado, a recuperar o potencial significativo
do Thema Mundi e, por outro, coloca o
valor conceptual de Sagitário para além da Sabedoria, frisando, todavia, a
mediação entre a luz e a sombra, entre o divino e o humano e entre o humano e o
animal.
Se o eixo-matriz do horizonte for, desta forma, o de
Caranguejo-Capricórnio, tal descreve o Thema
Mundi e seguindo a herança dos mistérios de Mitra, então o eixo da
pós-ascensão e do pós-declínio, daqueles que se seguem ao orto e ao ocaso, é o de
Gémeos-Sagitário. Curiosamente, ou não, este são os únicos signos duais de natureza
diversa (Peixes apresenta dois animais ou dois deuses de natureza similar).
Gémeos, segundo o mito de Pólux e Castor, apresentam um ser de natureza divina
ou semidivina e outro de natureza humana, já Sagitário indica um ser que é parte
humano e parte animal.
Sagitário é tradicionalmente associado ao centauro e se este
for Quíron, o seu pai será Cronos/Saturno, o regente do signo que, no Thema Mundi, está no Ocaso. Porém, os
centauros não utilizavam o arco e a flecha, o que leva Ps. Erastótenes a dizer
que este será Croto, o sátiro filho de Pã e Eufeme (cf. Rodolfo
Miguel de Figueiredo, Fragmentos
Astrológicas, 2021: 137-8, 149-50, 155-6). Neste caso, Pã relaciona-se com o carácter telúrico de Hermes/Mercúrio
(regente de Gémeos). Por outro lado, a relação de Croto com as Musas aponta
para a IX, o lugar de Sagitário na ordem vernal. Ora é o elemento de passagem
entre o animal e o humano que sobressai neste novilúnio. Podemos, no entanto,
congregar todas estas referências na mediação que a Sabedoria eleva entre as
trevas e a luz, ou seja, a Sabedoria funda o humano e aquele que a rejeita está
mais próximo da bestialidade do que da humanidade.
A Lua Nova de Sagitário, na V, no lugar da Boa Fortuna,
faz desta Sabedoria, uma promotora de abundância e torna-a, como elemento de
passagem, finalidade e destino. E se pensarmos bem, vemos, sem sombra de
dúvida, o quanto o mundo precisa de uma refundação segundo a Sabedoria. Porém,
a Sabedoria exige esforço e, para se tornar a fonte da abundância, é necessário
uma rejeição – a negação que anteriormente falávamos – da superficialidade. Marte
em Gémeos, opondo-se à sizígia, e como grande maléfico do tema, aquele que se
encontra no seu segmento de luz e acima do horizonte, firma-se na liquidez da
palavra, na mediação distorcida das falsas narrativas e na viagem pela
dualidade.
No caminho da luz que avança pelo submundo, é o Sol que
caminha na dianteira, seguido pela Lua, por Vénus e por Mercúrio, duas estrelas
do entardecer que assumem um carácter feminino, imaginativo e intuitivo. Existe
pois, nesta senda nocturna, uma acção criativa, um acto inaugural que acorda no
raiar da aurora. Este é um novilúnio em que a condição de espera, da virtude da
paciência e da tolerância, estará exacerbada. É o momento precioso e único em
que o arqueiro espera pelo destino da seta lançada. Pelo caminho, a seta
cruzará o lugar mais profundo do submundo (o IC) e a Cauda Draconis, lançando-se no destino e na morte, na destruição de
si mesma.
Júpiter e Neptuno em Peixes trazem, nesta lua nova, até
pelo fim anunciado da retrogradação de Júpiter e pela quadratura à sizígia e a
Vénus e Mercúrio, a passagem entre a dúvida e a esperança, ou a assunção da fé
como a outra via do caminho da verdade. Pistis-Sophia, a deusa da gnose
milenar, carrega assim, como anúncio de concórdia, essa união entre a dádiva de
Sagitário e a dádiva de Peixes. No entanto, a concórdia entre a sabedoria e a
fé exige um esforço. É o salto para o abismo, o precipitar-se do alto da
montanha. A quadratura dos benéficos (Júpiter e Vénus) indica esse labor do bem
que não anula a sua condição, mas frisa a necessidade de cuidado e diligência.
Crisipo de Solos diz-nos que “a justiça existe por natureza e não por convenção” (SVF
III, 308: φύσει τε τὸ δίκαιον εἶναι καὶ μὴ θέσει). Os sextis de Júpiter e Neptuno em Peixes a Úrano e à Caput Draconis em Touro e a Plutão em
Capricórnio reforçam a qualidade primordial da justiça, o seu enraizamento na
realidade. Naturalmente, quando se fala da justiça como condição natural é
impossível não relacionar este espírito de Júpiter com o tempo e a necessidade,
os atributos primordiais de Saturno. Estes aspectos anunciados inscrevem na liberdade
a justiça e a necessidade, é portanto livre aquele que cumpre, que realiza o seu
destino.
O Dragão da Lua, após o fim da segunda época anual de
eclipses, fortalece agora o seu sentido profundo. Fernando Pessoa definiu a Caput Draconis, afirmando que esta “é o escudo abstracto do destino” (Pessoa Inédito, ed.
Teresa Rita Lopes, 1993: 41. Lisboa: Livros Horizonte). Na cabeça do Dragão da
Lua, a Necessidade torna-se o fogo que, por ele lançado, ilumina a realidade,
já a cauda chicoteia o real com o peso do destino, da retribuição. Este animal
mítico é, na verdade, o derradeiro guardião do Sagrado Feminino, da Deusa da
Lua. A relação de Júpiter em Peixes (sextil e trígono) e Saturno em Aquário
(quadratura), bem como de Úrano de Touro (conjunção e oposição), de Neptuno em
Peixes (sextil e trígono) e de Plutão em Capricórnio (sextil e trígono), ao
Dragão da Lua no eixo Touro-Escorpião determina, deste modo, a força da roda da
fortuna sobre a realidade e sobre o humano.
Na continuidade da mensagem do Dragão da Lua, surge
Saturno tanto por estar fora do seu segmento de luz como pela posição
crepuscular. Este une-se, em sextil, ao Sol, à Lua, a Vénus e a Mercúrio, dando
ao peso da Necessidade sobre a Sabedoria uma qualidade significativa, ou seja,
o propósito da deusa Sophia, do Sagrado Feminino e da era do Espírito Santo,
como rosto feminino da Trindade, torna-se cada vez mais claro. A humanidade só
poderá ser uma unidade colectiva se o númen agregador for o da Grande Deusa. A
passagem de Saturno, em 2023, de Aquário para Peixes, de um signo masculino
para um feminino, cria essa ponte de sentido entre a humanidade e a totalidade.
Existe, no entanto, e aliás como sempre, uma resistência
patriarcal, mesmo daqueles que não se anunciam como prelados de valores
misóginos e androcêntricos. A quadratura de Marte em Gémeos a Júpiter e Neptuno
em Peixes e a oposição a Vénus em Sagitário cria, por um lado, uma tensão com
ambos os benéficos (Vénus e Júpiter) e, por outro, um conflito com o princípio
do Amor (Vénus) e com a sua exaltação (Neptuno), expressões do Sagrado Feminino.
A força disruptiva de Marte em Gémeos, agora em retrogradação, corrompe o
elemento mitológico de passagem entre o humano e o divino que o signo mutável
de Ar nos propõe, apresentando-nos a ruína inevitável da influência de certos
valores sobre o pensamento e os conceitos, sobre a palavra e o discurso.
A Lua Nova de Sagitário é a seta incandescente que ora
alumia o céu estrelado, ora cai e incendeia. O fogo da Sabedoria tem, de facto,
um potencial natural de iluminar a humanidade, mas reserva também para si, tal
como a lição do estoicismo antigo nos anuncia, o poder de conflagrar o mundo,
para o renovar ou o destruir.
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