domingo, 2 de janeiro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Capricórnio

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Capricórnio

Lisboa, 18h33min, 02/01/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Marte

Termos: Júpiter

Monomoiria: Mercúrio

 

            A primeira Lua Nova de 2022 ocorre no signo de Capricórnio, com Caranguejo a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, abaixo do horizonte, no lugar do Ocaso (δύσις), no decanato de Marte, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Mercúrio. Neste novilúnio, o lugar onde se dá sizígia e a qualidade da luz que daí resulta são particularmente significativos.

            Se existe um aspecto que define os modelos primordiais da Astrologia Antiga, esse aspecto é a luz. O dia e a noite, o Sol e a Lua, a luz e a sombra, o Segmento de Luz eram para os antigos as primeiras de quaisquer observações astrológicas. A doutrina da αἵρεσις encontramo-la pela primeira vez em Trasilo, o astrólogo e amigo do Imperador Tibério, que nos diz que ela pertence à tradição de Nechepso e Petosíris, ou seja, provém da tradição hermética (CCAG VIII/3: 100.19-24).

            Na verdade, a linguagem astrológica é por essência uma representação mimética, uma tradução de sentido, da luz apreendida. O espanto primordial de olhar o céu é a origem de toda e qualquer significação. Ora neste novilúnio, a sizígia ocorre depois do pôr-do-sol, estando portanto ocultos os luminares. Esta é a razão pela qual a VII encerra, na continuidade da VIII, um valor de morte, pois indica o início do caminho nocturno do Sol, o percurso da alma pelo Hades. Assim, a luz surge no início do ano de 2022 como uma potencialidade, mas também como um tempo de espera. Existe um tempo certo para a luz brilhar e outro para se ocultar. Existe um tesouro de luz pura guardado para cada um.

            Os luminares unem-se por presença, na VII, no lugar do Ocaso, com Vénus e Plutão. O Amor e a Morte colhem a luz poente como flores do agora. Em Capricórnio, este encontro ganha naturalmente o valor da finalidade, pois o eixo Caranguejo-Capricórnio concede-nos sempre essa ponte de sentido entre a Dádiva da Origem e o Poder do Fim. A posição do eixo do horizonte sobre estes signos alude também ao Thema Mundi, à Natividade do Mundo, onde Caranguejo marca a hora e Capricórnio o poente, revelando essa via eleita da Lua a Saturno, esse mistério da vida e do tempo.

            A referência a estes indicadores primordiais apresenta-nos, para este novilúnio, uma senda necessária do nascer ao morrer e do morrer ao renascer, ou seja, temos de acolher a vida e a morte, integrando o amor e a luz, para sermos o berço do renascimento, o lugar onde intelecto ressurge. A alma humana assume-se aqui como parte activa da Anima Mundi, expressando a simpatia universal entre o microcosmo e macrocosmo. A luz torna-se, desta forma, a essência partilhada da humanidade e do universo. No entanto, enquanto luz poente, a chama oculta-se, sobrevivendo, na noite escura da alma, ou seja, temos de enfrentar a nossa própria sombra e a sombra do mundo para renascer iluminados.

            Vénus é o grande benéfico do novilúnio. No entanto, estando na sua retrogradação, a deusa do amor alimentará não o mundo, mas o interior de cada um, ou seja, a dádiva do amor não se expande como uma luz incandescente, guarda-se sim como revelação íntima e ensimesmada. Em Capricórnio, o Amor une-se ao Poder e à Finalidade e, junto dos luminares e de Plutão, mostra uma verdade por vezes agreste. O Amor vence sempre, mesmo quando os seus caminhos se esfumam em incerteza. Lembremo-nos, por exemplo, de Páris quando confrontado com o julgamento difícil de eleger uma das três deusas (Afrodite, Hera ou Atena). Quem vence é a deusa do amor, temida até pelo mais corajoso dos heróis.

            Porém, Vénus não está só. O outro benéfico, embora fora do seu segmento, brilha com Neptuno a partir do Lugar de Deus (IX). Em Peixes, Júpiter e Neptuno unem-se em sextil ao Sol, à Lua, a Vénus e Plutão em Capricórnio. A Expansão da Solidariedade (Júpiter em Peixes) e o Amor de Deus (Neptuno em Peixes) são agora a luz guardada no coração do tabernáculo. Nestes tempos sombrios em que a empatia rareia e se torna tão difícil olhar para o outro e colocarmo-nos no seu lugar, a presença destes deuses na constelação de Peixes traz consigo a dádiva da fé e a bênção da esperança. Esses não são, todavia, dons que se tornem comuns. Nesta nossa sociedade, líquida e narcísica, existe uma resistência quase natural a este tipo de dons, mesmo em meios que se dizem espirituais, onde o mestre cheio de si teme a nuvem do não-ser. A imersão na totalidade divina assusta a efemeridade individualista, a vaidade humana.

            Um outro planeta que se junta, neste novilúnio, à relação benéfica que se estabelece entre os planetas em Capricórnio e Peixes é Úrano em Touro. O deus do céu e o senhor da liberdade une-se, a partir da XI, do Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), em sextil a Júpiter e Neptuno e em trígono aos luminares e a Vénus e Plutão. A água e a terra, partindo de Caranguejo, passando por Touro e Peixes e terminando em Capricórnio, trazem nesta Lua Nova a Revolução do Eterno do Feminino, não com cânticos, nem com ruído, mas sim com a voz silenciosa da Sabedoria. A mensagem que a partir destes quatro lugares se espalha infunde de Luz a realidade, apresenta como promessa ou anunciação a Deusa Pistis-Sophia.

            No entanto, se, por um lado, Úrano colhe as bênçãos anteriormente descritas, por outro, torna-se a raiz de algumas tempestades, pois forma com Mercúrio e Saturno em Aquário, no Lugar da Morte (VIII), um aspecto quadrangular. Existe no humano, no seu esforço de desumanidade, uma rejeição do conhecimento da morte que é o próprio conhecimento da vida. A morte habita o viver. Vive na Arcádia.

            Saturno já não goza da presença de Júpiter e agora com Mercúrio, uma Estrela da Tarde, adensa o seu carácter maléfico, transmitindo para o pensar e para o dizer as estruturas humanas que se revolvem por entre as ruínas da história. A intolerância, a xenofobia, o racismo, a misoginia e a indiferença são a sombra das estruturas cristalizadas que a extrema-direita e o conformismo dos povos teimam em fazer perdurar. O humano não cria uma verdadeira humanidade porque continua a ser absurdamente humano, ou seja, entre a luz e a sombra continua a seguir os vultos na caverna.  

            De um outro modo, Marte em Sagitário na VI, no Lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), fere a Sabedoria e corrompe a mensagem do Dragão da Lua e o seu último estádio no eixo Sagitário-Gémeos. Paulo de Alexandria define este lugar como ποινέ, isto é, a retribuição, o castigo ou a vingança (Introdução, cap. 24). A pandemia e as suas consequências ainda se fazem sentir e o mundo não é apenas a bolha de ilusão em que teimamos viver.

            A força surge aqui como uma forma de corrupção que lança os seus raios quadrangularmente até ao Lugar de Deus, até Júpiter e Neptuno. Esta é também a reacção, de que já falámos, aos dons da Expansão da Solidariedade e do Amor de Deus. O humano quer viajar no mundo, mostrar-se e exibir-se, mas tem um temor imenso de viajar em si e de se anular na imensidão do Todo. A solitude é assustadora. E o sextil de Marte a Mercúrio e Saturno vem mostrar o alcance diminuto e frágil das lições da pandemia. O humano não aprende, não porque não é capaz, mas porque não quer.  

            A primeira Lua Nova de 2022 traz-nos assim como síntese e revelação a ideia de Luz de Inverno, de promessa do amanhã, porque só a Luz nos transformará.

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