domingo, 23 de julho de 2023
terça-feira, 18 de julho de 2023
Livros - Rodolfo Miguel de Figueiredo: Catálogo 2023
segunda-feira, 17 de julho de 2023
Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Caranguejo
Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Caranguejo
Lisboa, 19h31min, 17/07/2023
Sol-Lua
Decanato: Lua
Termos: Júpiter
Monomoiria: Marte
A
Lua Nova de Julho ocorre no signo de Caranguejo, estando Capricórnio a marcar a
hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VII, o Poente (δύσις), no decanato de Lua, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se assim
acima do horizonte e a cerca de uma hora e trinta minutos do pôr-do-sol. Os
luminares encontram-se no eixo do horizonte, do lado poente, onde a luz se
afunda e desaparece. Este é o novilúnio que expressa o sentido da origem, a
matriz radical do Eterno Feminino. Caranguejo é o domicílio da Lua e, no Thema Mundi, é partir deste lugar que a
vida emerge, marcando-se, deste modo, o Ascendente do Mundo.
A
relação entre a Lua e o Ascendente, entre o leme da vida e a própria da vida,
estabelece a fundação da realidade, a sua origem. Naturalmente, esta é a matriz
inaugural do Feminino, do Eterno Feminino. Nesta relação, encontramos,
nomeadamente, o mito pelasgo da criação, em que deusa Eurínome surge como a
senhora da origem, a criadora de tudo o que existe. De um ponto de vista
astrológico, a forte herança mitológica em torno de divindade lunares deveria
fazer-nos repensar os sentidos profundos da Lua, mas para isso tinha de se
relativizar um certo exacerbamento, por um lado, da significação lunar de cariz
psicológico e, por outro, da tendência interpretativa de sobrevalorizar o
masculino face ao feminino. A Lua astrológica deveria continuar a ser uma deusa
da origem.
Neste
novilúnio, existe, porém, uma inversão dos pólos inaugurais no eixo do horizonte,
ou seja, Capricórnio está a ascender e Caranguejo a descender. De certa forma,
a origem está no fim e o fim está na origem. Ao estender-se no tempo, como a
própria Necessidade, o Eterno Feminino faz emergir, no ocaso da realidade, a
Senhora da Nova Era. Este é o tempo do Espírito Santo. Partindo da premissa de que
o termo hebraico (ruah) para espírito
é feminino, o Evangelho de Felipe afirma o seguinte: “Alguns dizem que Maria concebeu do Espírito Santo.
Erram não sabem o que dizem. Quando é que uma mulher concebeu de mulher? ” (55.20-30, ed. Piñero, Torrents & Bazán, II,
31. Lisboa, 2005: Ésquilo). No
entanto, um Espírito Santo feminino não nasce apenas de uma significação
terminológica, ele é o herdeiro natural da deusa hebraica e da hegemonia do
Sagrado Feminino na Antiguidade mais profunda. Esta é uma expressão do numinoso
que incomoda, que ofende o androcentrismo do pensamento religioso dominante dos
dois últimos milénios, mas também muita da espiritualidade actual. No entanto,
mesmo que seguido por poucos, ela existiu e continua a existir.
Os
versículos de Marcos que dizem que “aquele que blasfemar contra o Espírito Santo, nunca mais terá perdão, mas será réu de pecado eterno” (3:29, ed. João Ferreira de Almeida actualizada), mas também de Mateus, “Se alguém disser alguma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro” (Mateus 12:32), assinalam esta associação entre o Espírito Santo
e a Mãe Divina. Numa trindade de Pai, Mãe e Filho, como, por exemplo, a de
Osíris, Ísis e Hórus, a ofensa ao feminino será sempre a mais gravosa. Hoje o que
diríamos de alguém de ofende uma mulher, nomeadamente, a sua mãe, a esposa ou a
sua filha? Teria perdão o homem que ofende a mulher? O novilúnio de Caranguejo,
colocando a luz sobre o feminino, firma também esta questão. Uma outra de forma
de a vermos é se pensarmos no fogo de Héstia, na chama do feminino que arde no
centro do lar.
Menandro afirma que “O verdadeiro escravo do lar é o seu senhor”
(Frag. 760 Kock: εἷς ἐστι δοῦλος οἰκίας ὁ δεσπότης). Ora o fogo de Héstia/Vesta, ardendo no centro do
lar, é a imagem quase perfeita de um novilúnio no signo de Caranguejo e desta
servidão. Hoje este fogo arde sobre o Poente, mostrando, como uma palavra que
range no caminho (Marte en Virgem), que o fogo do feminino continua eclipsado
por um modo de ser, uma ponte corrompida entre o carácter e o valor, que tende
a rejeitar este fogo primordial. O pensamento androcêntrico dos últimos
séculos, ou milénios, fez com que colocássemos nas “cadeiras de poder” (o
antigo trono de Ísis, da Terra) figuras masculinos. Zeus/Júpiter, Ares/Marte ou
Apolo são a imagem do poder ou da força, todavia, Héstia/Vesta é a primogénita
de Reia e Cronos/Saturno e tem um lugar em todos os templos. Sem o fogo de
Héstia, os deuses não receberiam as suas oferendas.
O novilúnio de Julho, não só por
ocorrer no signo de Caranguejo, mas por todas as relações que entre os astros
se estabelecem, aprofunda o valor universal do feminino. Existem, em termos
políticos, económicos e sociais, todo um caminho por trilhar no que ao feminino
concerne, porém, em termos espirituais, a senda tem sido frequentemente
negligenciado ou desprezado. Na espiritualidade contemporânea, o androcentrismo
continua a ser dominante, tocando ainda por vezes uma misoginia patriarcal,
totalmente antiquada e bolorenta. Existe, mesmo nos meios mais esotéricos, uma
grande resistência ao númen feminino em harmonia plena com o masculino, e não
um degrau abaixo. Não precisamos de uma Mãe de Deus, mas sim de um Deus-Mãe.
A presença do Dragão da Lua no
início do eixo Touro-Escorpião, grau zero e minuto zero, marcando a sua
despedida deste eixo e o facto de no tema do novilúnio não existir nenhum astro
no quadrante da ascensão à culminação, excepto a Cauda Draconis, assinala uma
forma muito específica de significação de Feminino sobre o Poente. O Destino
está nas alturas, contudo, é a memória do fim no cume da montanha. Esta não é
uma cantiga de júbilo, mas sim uma ode de inevitabilidade. Adrasteia diz-nos
apenas que o fio está tecido.
Os dois trígonos que se fundem nos
elementos Água e Terra adensam e aprofundam o sentido último de origem e o
valor universal do feminino. O Sol e a Lua em Caranguejo unem-se, desta forma,
a Saturno e a Neptuno em Peixes e à Cauda Draconis em Escorpião. No trígono de
Água, a significação assenta radicalmente na Necessidade ou no Destino como
origem. No centro da realidade, as Meras tecem o que foi, é e será. Por outro
lado, mas complementarmente, o trígono de Terra estrutura a realidade do
feminino na Natureza e no Humano. Neste elemento, unem-se assim em trígono
Júpiter, Úrano e a Caput Draconis em Touro, Marte em Virgem e Plutão em
Capricórnio.
O triângulo de Terra vai dizer-nos
como a vida e a morte, a criação e a destruição, são os meios através dos quais
a Providência se expressa. O destino funda essa passagem entre o que nasce e o
que morre, o que ascende e o que descende, o que surge e o que se oculta. Um
novilúnio em Caranguejo sobre o Ponto Poente revela, com a voz de sibila, que a
origem e o fim são uma e a mesma realidade. Tudo se une pois em um no intelecto
do mundo, na Anima Mundi, e o Eterno
Feminino é a matriz desse sentido.
Naturalmente, e de acordo com a
beleza geométrica da doutrina de aspectos, os dois triângulos de Água e Terra
fazem com que os astros que neles se enraízam se unam hexagonalmente. Convém
que se note, porém, que estas uniões resultam da doutrina antiga de aspectos
que segue o sistema de casa-signo ou signo inteiro. Segundo esta, os aspectos
são ao signo e não ao grau, a orbe traduz-se, deste modo, nos conceitos de
aplicação (συναφή) e separação (ἀπορρόη). A Deusa Primeva, senhora da Necessidade, da Vida e da Morte, surge
portanto no centro destes dois triângulos e deste grande hexágono.
Existe, todavia, um elemento
disruptivo, uma vez que a oposição da sizígia a Plutão tem um carácter mais
destruturante do que disruptivo. As quadraturas de Vénus e Mercúrio em Leão à
Caput Draconis, a Júpiter e a Úrano em Touro e dos primeiros à Cauda Draconis
em Escorpião revelam a tensão radical em torno do valor de Destino, da
Necessidade, e de como este pode colidir com o exacerbamento do eu e com a soma
de todas as vaidades. Se a alma for nobre, se brilhar como o sol, o destino não
se opõe à identidade, mas se, pelo contrário, a alma beber do lago de Narciso,
os lotes que a Necessidade distribuir, vão tornar-se motivo de revolta e
contenda. Aquele que julga que o destino lhe furtou o brilho, o reflexo, não
pode nunca ser a luz que verdadeiramente é.
O novilúnio de Julho recentra,
porém, a dinâmica nas águas uterinas da realidade, no sentido profundo da
origem e, neste lugar, o espelho de Narciso estilhaça-se, pois na radicalidade
última ele ainda não existe. No ventre do mundo e da alma, está tudo despojado,
livre das amarras que o tempo, a realidade e a vaidade tendem a forjar. O lugar
da origem é um espaço matriarcal e o seu tempo, a sua era, é a do Eterno
Feminino, a do Espírito Santo.