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sábado, 21 de janeiro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Aquário

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Aquário

Lisboa, 20h53min, 21/01/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Vénus

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Júpiter 

 

   A Lua Nova de Janeiro, a primeira do ano civil de 2023, ocorre no signo de Aquário, com Virgem a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, no Lugar do Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato de Vénus, nos termos de Mercúrio e na monomoiria de Júpiter. A sizígia dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de três horas e vinte minutos após o pôr-do-sol. A Lua encontra-se favorecida por estar no seu próprio segmento, embora abaixo do horizonte e num signo masculino, já o Sol encontra-se desfavorecido por estar fora do seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e abaixo do horizonte. A luz apresenta-se, deste modo, submersa, oculta.

   O encontro dos luminares em Aquário firma o seu carácter primordial enquanto signo da humanidade. Ora esta designação traduz um significado enraizado tanto na astrologia antiga como na astrologia mitológica. Em primeiro lugar, dos signos que assumem uma representação humana, Aquário é o único que parte de uma matriz exclusivamente humana. O signo de Gémeos é representado por dois irmãos, um de natureza humana, outro de natureza divina, enquanto o que lhe é diametralmente oposto, Sagitário, assume a forma de um ser parte humano, parte animal. Já Virgem configura-se sob a imagem da deusa da justiça, antropomorfizada, mas divina. Aquário é portanto o único que começa como humano.

   De uma perspectiva mitológica, Aquário é representado por Ganimedes, o jovem “humano” por quem Zeus se enamorou, e cujo amor é referido, por exemplo, por Platão (Fedro 255). Etimologicamente, Ganimedes tem a sua raiz na forma verbal γάνυμαι que designa o “alegrar-se” ou o “irradiar alegria”, mas também no substantivo μήδων, ou seja, os “genitais”. O sentido é aqui bastante óbvio, tornando o eixo Leão-Aquário, com esta relação entre Zeus (Leão) e Ganimedes (Aquário), aquele que melhor descreve a pederastia antiga e a homossexualidade masculina. Zeus, sob a forma de águia, rapta Ganimedes, levando-o para o Olimpo, fazendo dele o copeiro dos deuses, o que verte o néctar (ou o sémen), e torna-o Himeros, o deus do desejo. Existe pois uma passagem ulterior do humano ao divino.

   Para a astrologia antiga, sobretudo sob a égide do modelo conceptual do Thema Mundi, aquele que coloca Caranguejo como o Ascendente do Mundo, Aquário assume-se como o oitavo signo, estabelecendo-se, deste modo, no Lugar da Morte, aquele que define a qualidade do morrer. Ora é o momento mori, o conhecimento de que sabemos que vamos morrer que define a nossa humanidade, ou seja, o conhecimento da morte revela o conhecimento da vida e vice-versa, o que é particularmente significativo com o ingresso já anunciado de Plutão em Aquário. A finitude da vida, marcada pelo peso da morte, permite a procura do valor, do propósito, transformando o humano em humanidade. Saturno, como regente deste signo e daquele que é o Ocaso do Universo (Capricórnio), vem confirmar esta unidade conceptual entre o tempo e a morte.

   Por fim, já para a significação da astrologia moderna, também a regência de Úrano acentua o carácter primordial de Aquário enquanto signo da humanidade, pois a castração do deus do céu é feita por Cronos (Saturno), não apenas para tomar o poder de seu pai, mas para libertar os outros deuses, as outras potencialidades, aprisionadas no ventre de Gaia. Úrano, ao não se separar de Gaia, impedia que estes nascessem, que chegassem à luz. Assim, a castração de Úrano confere o dom do nascimento, uma representação por excelência da nossa humanidade. O absoluto que pertence à terra reside pois em encontrar na fertilidade de Gaia, nos seus frutos, os dons do nascer e do morrer. Aquário vem colocar, deste modo, o sentido da humanidade na observação desses dons.

   No actual novilúnio, seguindo a ideia de que o ὀμφαλός, o umbigo do mundo, é o lugar electivo do tema astrológico, neste caso Lisboa, a via luminar afunda-se após o Ocaso. Em Aquário, a sizígia segue na frente, acompanhados posteriormente por Vénus e Saturno que, num sentido mais amplo e em consequência do declínio helíaco, se tornam Estrelas da Tarde, adquirindo então um carácter feminino e uma qualidade potencial. No entanto, se estendermos o caminho da luz a toda a senda descendente, encontramos um trilho celeste que se alonga deste Neptuno, a descer junto do Ocaso, até Mercúrio, avançando rumo ao Ponto Subterrâneo (IC).         

   A luz, nesta via de Eterno Retorno, agora caminhando até ao abismo, seja ela de Neptuno em Peixes até Mercúrio em Capricórnio, da totalidade da imaginação ao poder da palavra, ou de Saturno e Vénus ao Sol e à Lua em Aquário, da necessidade e do amor à luz da humanidade, terá de enfrentar a sombra que, avançando à sua frente, tenta extinguir a sua presença. Ora, no signo da humanidade, a sombra é a ignorância. Para o humano, este é o maior dos males, o seu verdadeiro abismo. No Corpus Hermeticum, Hermes diz-nos o seguinte: “Olhai com os olhos do coração – se não todos, sejais capazes pelo menos alguns entre vós. O mal da ignorância inunda toda a terra e corrompe a alma, encerrada no corpo, impedindo-a de lançar a âncora no porto da salvação.” (VII, 1: γὰρ τῆς ἀγωσίας κακία ἐπικλύζει πᾶσαν τὴν γῆν καὶ συμφθείρει τὴν ἐν τῷ σώματι κατακεκλεισμένην ψυχήν, μὴ έῶσα ἐνορμίζεσθαι τοῖς τῆς σωτηρίας λιμέσι. Texto grego de La Rivelazione Segreta di Ermete Trismegisto, vol. I, a cura di Paolo Scapi. Turim, 2009: Fond Lorenzo Valla / Arnoldo Mondadori Editore, 108-9. A tradução é da minha responsabilidade).

   Tudo se concilia nesta ideia da ignorância como maior dos males. Marte em Gémeos, agora directo, é o astro mais alto e quase alcança a culminação. Nesta posição, encontramos nomeadamente a forma nefasta como a ignorância, como a sua força vil, corrompe a palavra e a razão. No entanto, a palavra é magia e o que destrói convive com o que cria. Marte em Gémeos vai cortar o laço entre o humano e o divino, semeando a guerra em nosso redor, não aquela que alguns forjam, entre países e movendo interesses, mas sim aquela que se ergue dentro de nós, aquela que coloca uma pequena chama diante de uma sombra imensa. Ora essa sombra é a ignorância.

   O facto de Marte estar no seu próprio segmento de luz e acima do horizonte não o torna o grande maléfico. Esse papel cabe a Saturno que segue na retaguarda da luz subterrânea. Desta forma, e por estar em trígono com a sizígia, com Vénus e Saturno, e em sextil com Júpiter, Marte guarda, no meio da discórdia que é a ignorância, a derradeira esperança que é a sabedoria. Esta não será, porém, seguida por muitos. A quadratura da sizígia ao Dragão da Lua aponta para a dificuldade de se encontrar o seu valor. A palavra que nos leva à sabedoria é ceifada pela nossa própria rejeição e a realidade divina torna-se cada vez mais distante. A quadratura de Marte e Neptuno fundamenta essa adversidade.     

   Se Marte avança para o Ponto de Culminação, Mercúrio segue para o Subterrâneo e é assim o astro que mais se afunda. A palavra (Mercúrio) e a morte (Plutão) unem-se num único poder (Capricórnio), adquirindo a revelação do abismo. São os timoneiros da sizígia, da luz do novilúnio, aqueles que seguem na frente. A razão está pois nas escarpas da existência e a palavra adquire a graça da semente da abundância, oculta sob a terra. Esta proposta une-se naturalmente à mensagem do Dragão da Lua (trígono à Caput e sextil à Cauda), ao valor que traz o conhecimento da morte ao modo de vida.

   O sextil de Júpiter em Carneiro à sizígia e aos seus companheiros (Vénus e Saturno), sob o peso, sob a gravidade das nossas escolhas, coloca a acção do bem na luz que viaja pelo abismo. A humanidade pode portanto colher a acção do bem como uma chama que vence a escuridão. O bem, como sentido profundo de Júpiter, tem o poder de transformar o humano e construir uma nova humanidade. A acção que se efectiva no bem e na justiça, ou seja, a proposta de Júpiter em Carneiro, assume esse potencial. No entanto, no tema em análise, Júpiter encontra-se na VIII, no Lugar da Morte, caminhando para a sua ocultação, o que faz sobressair o significado da quadratura deste a Mercúrio e Plutão em Capricórnio.

   Existe, desta forma, uma colisão entre a acção e o poder e a palavra submersa, cristalizando a ignorância e a malícia, tenderá a assombrar a missão do bem e da justiça. A humanidade está no fio da navalha e terá inevitavelmente de escolher o seu lado. O sextil de Mercúrio e Plutão em Capricórnio a Neptuno em Peixes pede ao humano a sua refundação, elevando-se num discurso de solidariedade e promovendo um verdadeiro amor ao próximo. A empatia está no ocaso da humanidade e não será uma tarefa fácil conservar a sua luz. O caminho entre o actual novilúnio e o próximo sugere essa via árdua entre a humanidade e a totalidade.

   Neste mês lunar entre a Lua Nova em Aquário e a Lua Nova em Peixes, convém assinalar-se que Mercúrio avançará de Capricórnio para Aquário, Vénus de Aquário para Peixes, Júpiter manter-se-á em Carneiro e Saturno em Aquário. Já os transaturninos vão permanecer também nos seus signos: Úrano em Touro, Neptuno em Peixes e Plutão em Capricórnio. No actual novilúnio, o único planeta retrógrado é Úrano e que, aquando do próximo novilúnio, já estará directo. Da Lua Nova em Peixes até à segunda Lua Nova em Carneiro (20/04/2023) nenhum planeta estará retrógrado, activando-se assim todas as potências planetárias.

   O encontro dos luminares, no signo de Aquário, encerra o sentido profundo da passagem do humano, daquele que se encontrou a si mesmo, para a realidade agregadora que é a humanidade. No entanto, a ignorância é a verdadeira ameaça, o inimigo que nos espera. E, perante esse mal imenso, essa sombra que se estende sobre nós, só existe uma luz. A sabedoria é a luz no caminho.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Lançamento: Reflexões Astrológicas 2022: Parte II

 

Lançamento: Reflexões Astrológicas 2022: Parte II



Sinopse


Nas Reflexões Astrológicas, procura-se analisar anualmente alguns eventos astrológicos. O objectivo é examinar e explorar, de ano para ano, diferentes aspectos do sistema astrológico, de modo a apresentar uma compilação interpretativa o mais ampla possível. No ano de 2022, as Reflexões Astrológicas focam-se nos principais fenómenos astrológicos: as Luas Novas, os Eclipses e as Estações. Inclui-se também uma interpretação um pouco mais extensa dos eclipses que ocorrem em 2022.

Uma vez que os textos aqui reunidos foram publicados nos blogues do autor e nas redes sociais do autor, o livro electrónico é de distribuição livre e gratuita. As Reflexões Astrológicas para 2022 serão disponibilizadas em duas partes, correspondendo cada uma aos textos de um semestre. O livro impresso será comercializado a um preço reduzido, de modo a tornar estas reflexões acessíveis.

A astrologia, que nestas reflexões se quer expressar, nasce sobretudo de uma premissa de liberdade e independência, ou seja, o seu autor não se pretende fixar em correntes, não quer seguir mestres, e muito menos ser ele próprio um, nem pretende papaguear um discurso astrológico vazio, repetitivo, e que promove apenas a bajulação. Estas reflexões valem por si e procuram apenas servir a beleza do pensar e a vontade de dignificar a astrologia.


Edição: Janeiro de 2023
ISBN: 9798371360762
Páginas: 124


Livro: Edição Comum (Paperback)
Preço de Lançamento: 5,50€ (depois 9,00€)
Ebook Gratuito



Saiba mais no nosso sítio

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Capricórnio

  Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Capricórnio

Lisboa, 10h17min, 23/12/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Júpiter

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Júpiter 

 

   A Lua Nova de Dezembro ocorre no signo de Capricórnio, com Aquário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XII, no Lugar do Mau Espírito (κακός δαίμων), no decanato de Júpiter, nos termos de Mercúrio e na monomoiria de Júpiter. A sizígia dá-se assim acima do horizonte e cerca de duas horas e vinte minutos após o nascer-do-sol. O Sol encontra-se pois favorecido por estar no seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e acima do horizonte, já a Lua colhe as bênçãos de estar num signo feminino, no terceiro signo do elemento Terra, onde está adversa, longe de casa, no seu exílio.

  Esta Lua Nova é particularmente significativa, não só por ser a última do ano de 2022, mas também por ser, para o referente espacial utilizado, ou seja, Lisboa, a única Lua Nova do corrente ano em que a sizígia é a luz mais alta. Existe, deste modo, um caminho ascendente que começa, sob o horizonte, com Saturno e sobe pelo céu até ao Sol e à Lua. A posição posterior de Vénus e Mercúrio torna-os estrelas da tarde, adquirindo então uma qualidade helíaca feminina. Esta via de luz possui igualmente um outro sentido profundo, uma vez que se estende por dois signos regidos por Saturno (Capricórnio e Aquário).

   No Thema Mundi, e seguindo uma lição que podemos encontrar nomeadamente no mithraeum das Sette Sfere em Óstia e no De antro nympharum (24) de Porfírio, esta região, regida por Saturno, opõe-se à região da Luz, regida pelo Sol (Leão) e pela Lua (Caranguejo). No entanto, o tema da Lua Nova é um espelho daquele em que se inscreve o Thema Mundi. Os lugares de luz estão agora no ocaso e os de sombra ocupam agora a ascensão e a pós-ascensão. O carácter exacerbado de Saturno, nesta via actual, apresenta-se também de modo significativo sobretudo se pensarmos que, a partir do início de Março de 2023, mudará de signo, deixando para trás os seus domicílios e avançando para o lugar de Júpiter (Peixes).

   É, porém, a dianteira desta via luminar que brilha agora alto no céu, caminhando como é próprio da sua natureza, e neste caso mais do que em qualquer outro, para a sua culminação. A união do Sol e da Lua em Capricórnio traz sempre consigo a ideia de fim, o τέλος grego, que se firma na posição diametral da origem, a ἀρχή. O eixo Caranguejo-Capricórnio leva-nos assim para essa ponte de sentido entre o abismo e o cume, entre a origem e o fim, e seguindo a ideia deste novilúnio, Cícero, em As Últimas Fronteiras do Bem e do Mal, diz-nos que “Ninguém contesta que a finalidade, o ponto de referência de todas as naturezas é o mesmo: o grau supremo daquilo que, para elas, é apetecível.” (De Finíbus Bonorum et Malorum, Livro IV, XIII, 33 in Cícero, Textos Filosóficos I, 2ª ed., trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2018: Fundação Calouste Gulbenkian, 433). Α finalidade do bem, como propósito radical, surge agora com uma vontade reforçada de efectivação, de conclusão.

   Capricórnio apresenta a mensagem de Saturno com a sua própria luz, com o olhar melancólico da montanha. O ano de 2022 começou com uma Lua Nova em Capricórnio e termina agora com outra e já 2023 vai começar com uma Lua Nova em Aquário, o que reforça a continuidade deste sentido saturnino, desta ideia fundamental. Ora Saturno encerra na sua matriz conceptual a ideia de tempo, de necessidade e de destino e esta matriz, conjugada com a de Júpiter, ou seja, o espaço, o bem e a justiça, produz aquilo que se conhece como Providência e que, na verdade, é o Intelecto da Anima Mundi, a inteligência divina.    

   Proclo afirma, nos Dez Problemas acerca da Providência, que “Embora a providência esteja situada acima de todos os seres de acordo com a sua divina união e exerça uma actividade adequada ao Uno, tudo o que a ela acede participa dela da forma que naturalmente é capaz.” (Problema IV, 23.1-5, traduzido a partir Proclus: Ten Problems Concerning Providence, trad. J. Opsomer & C. Steel. Londres/ Nova Iorque, 2014: Bloomsbury, 87). Esta é a verdadeira razão segunda a qual o livre-arbítrio, tal como é simplisticamente entendido, é uma ilusão. Na planície da nossa existência, não se vislumbra a montanha. Por outro lado, a visão do cume, expressa por Capricórnio, revela-nos, com um entusiasmo inaugural, quase primitivo, que a Providência (Júpiter e Saturno) é como que a teia que une o intelecto humano ao Intelecto do Mundo, ao Uno, a Deus.

   Em Capricórnio, encontramos, neste novilúnio, a Lua, o Sol, Vénus, Mercúrio e Plutão. A luz, aqui reunida e concentrada, é como a visão divina da antiga Arcádia, tanto a mítica como aquela que descreve a região grega, narrada, por exemplo, por Pausânias na Descrição da Grécia. Este stellium, como hoje se designa, mas cujo termo não tem qualquer presença na Antiguidade, embora o sentido já se encontre na Antologia de Vétio Valente, surja agora como uma afirmação da Fortuna sobre a rudeza da terra agreste. É a luz que vence as intempéries e que, nas escarpas da montanha, resiste à tempestade. Com a co-presença de Plutão, existe também um imperativo do conhecimento da morte, isto é, torna-se necessário trazer para a vida a realidade esclarecida e transformadora da morte. A consciência do fim redefine a finalidade.

   Os benéficos formam, porém, entre si um aspecto quadrangular, colocando assim em tensão Júpiter em Carneiro com todos os planetas que se encontram em Capricórnio. As quadraturas entre os benéficos, sobretudo sem a co-presença dos maléficos, colocam em suspensão a efectivação do bem ou, no mínimo, dificultam-na. A dádiva tende a não ser recebida, seja porque não se está predisposto a recebê-la, seja porque ela tarda a chegar. Porém, a pulsão de resistência que nasce da actual luz em Capricórnio permite alcançar essa dádiva e superar o hiato que suspende os benéficos. O facto de Júpiter estar favorecido pelo Segmento de Luz do Sol, embora abaixo do horizonte, contribui também para essa superação. O Amor (Vénus) e a Palavra (Mercúrio) neste signo de montanha são como que a luz no caminho, o guia que aparece quando a noite a cai.

   De um outro modo, o eixo do Dragão da Lua separa significativamente, e de forma inversa ao eixo de culminação, os hemisférios oriental e ocidental, unindo-se com benevolência à sizígia e aos seus lanceiros. Se exceptuarmos Úrano que se encontra no mesmo signo e junto à Caput Draconis, então Marte é para o tema em análise o único planeta no hemisfério ocidental. Pode parecer simples e redutor, mas a proposta do novilúnio acentua a superação do eu como conhecimento e coloca o conflito no lugar do outro, na impossibilidade de conhecer o outro sem um salto de fé, o que não existe com Marte em Gémeos. Este cinge o argumento ou o discurso que medeia, tornando-o hostil.

   Esta posição, perante o facto de Marte ser, nesta Lua Nova, o maléfico com a força mais desvantajosa, pois Saturno está favorecido, promove a cisão de uma dualidade cooperante e harmoniosa, ou seja, não existe qualquer proposta de unidade gnoseológica que não seja aquela que se encontra no si mesmo. O sextil de Marte a Júpiter, o trígono a Saturno e a quadratura a Neptuno traduzem essa negação. Contrariamente, o sextil de Júpiter em Carneiro a Saturno em Aquário coloca o peso da justiça sobre a necessidade, sobre a retribuição.

   A união da sizígia e dos seus lanceiros, em trígono, a Úrano e, em sextil, a Neptuno, sendo Plutão um dos lanceiros, transfere a luz do Novilúnio da montanha da consciência, onde a melancolia proactiva de Capricórnio habita, para a dimensão social. Nesta Lua Nova, estes aspectos, a par da quadratura de Saturno em Aquário a Úrano em Touro (o signo que receberá Júpiter em 2023), pedem, e nalguns casos exigem, a construção ou reconstrução das estruturas humanas. Porém, essa via assenta num binómio perigoso, pois essa necessidade estruturante pode não ser construída sobre os pilares da democracia, da igualdade e da liberdade, nem da solidariedade, da compaixão ou da fraternidade. Os novos totalitarismos estão à espreita, pois como diz a canção “Vampiros” de Zeca Afonso: “No céu cinzento sob o astro mudo/ Batendo as asas pela noite calada/ Vêm em bandos com pés de veludo/ Chupar o sangue fresco da manada”. A extrema-direita e o populismo, tal como nos anos 30 do século passado, podem minar a esperança e o melhor da humanidade e como sempre a escolha é nossa.

  A mensagem desta Lua Nova, a última de 2022, reafirma o mito de Capricórnio, da cabra-pan (Αἰγίπαν), aquela cujo corno gerou a Cornucópia da Abundância e que foi a única, quando todos os deuses fugiram, deixando Zeus/Júpiter à mercê de Tífon, que ajudou o senhor do Olimpo (Rodolfo Miguel de Figueiredo, Fragmentos Astrológicos, 2021: 153-4). Este é um tempo em que a luz exorta a raridade e clama pela excelência.


terça-feira, 22 de novembro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Sagitário

 Reflexões Astrológicas


Lunações



Lua Nova em Sagitário

Lisboa, 22h57min, 23/11/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Mercúrio

Termos: Júpiter

Monomoiria: Marte 

 

  A Lua Nova de Novembro ocorre no signo de Sagitário, com Leão a marcar a hora para o tema de Lisboa, e assim na V, no Lugar da Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), no decanato de Mercúrio, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se, desta forma, abaixo do horizonte e cerca de três horas e meia após o pôr-do-sol. O Sol encontra-se pois desfavorecido por estar fora do seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e abaixo do horizonte, já a Lua colhe as bênçãos da noite, embora esteja num signo masculino. Recupera-se também aqui o elemento Fogo, ausente no tema do eclipse lunar, e que reforça a força do intelecto.

  Consequentemente, a luz da sizígia, agora num signo de Fogo, encontra-se sob a terra, no útero de Gaia. O olhar fixa-se então em Marte, como luz ascendente, e em Júpiter e Saturno, como luzes que descendem. Úrano é a luz mais alta e Neptuno ladeia Júpiter na sua queda. Porém, à hora do encontro dos luminares, todas estes planetas, com a excepção de Saturno que se encontra conjunto ao Ponto do Ocaso, se encontram retrógrados. Júpiter ficará directo cerca de cinco minutos após a sizígia.

  Esta retrogradação, no hemisfério superior do tema, é particularmente significativa. Saturno desaparece no horizonte e Marte, Úrano, Júpiter e Neptuno iludem o olhar com seu movimento de retorno. Esta ilusão do movimento consagra a sua impotência, a negação da potencialidade. O movimento volta a si mesmo, anulando o potencial de acção. É um solipsismo e um ensimesmamento radical. No entanto, como o movimento se estende no espaço e no tempo, esta negação tem uma temporalidade restrita. A anulação do acto e o retorno a si tem um fim. A questão que se coloca é saber se o período de ensimesmamento produziu uma finalidade, um propósito que imerge de si mesmo e se torna acção.

  Uma Lua Nova em Sagitário obriga, de um outro modo, a reflectir sobre este signo de passagem entre o animal e o humano. Se pensarmos no sistema tópico de casas, tal foi primeiramente descrito, no século I EC, por Trasilo no Pínax (CCAG VIII/3: 99-101), e segundo a ordem vernal, Sagitário ocupa então a IX, o lugar de Deus, já se olharmos para o mesmo sistema, mas segundo a ordem do Thema Mundi, o arqueiro ocupa a VI, o lugar da Má Fortuna, e é o outro signo, regido por Júpiter (Peixes), que ocupa a IX, o lugar de Deus. Este aspecto firma um sentido profundo, pois obriga, por um lado, a recuperar o potencial significativo do Thema Mundi e, por outro, coloca o valor conceptual de Sagitário para além da Sabedoria, frisando, todavia, a mediação entre a luz e a sombra, entre o divino e o humano e entre o humano e o animal.    

  Se o eixo-matriz do horizonte for, desta forma, o de Caranguejo-Capricórnio, tal descreve o Thema Mundi e seguindo a herança dos mistérios de Mitra, então o eixo da pós-ascensão e do pós-declínio, daqueles que se seguem ao orto e ao ocaso, é o de Gémeos-Sagitário. Curiosamente, ou não, este são os únicos signos duais de natureza diversa (Peixes apresenta dois animais ou dois deuses de natureza similar). Gémeos, segundo o mito de Pólux e Castor, apresentam um ser de natureza divina ou semidivina e outro de natureza humana, já Sagitário indica um ser que é parte humano e parte animal.

  Sagitário é tradicionalmente associado ao centauro e se este for Quíron, o seu pai será Cronos/Saturno, o regente do signo que, no Thema Mundi, está no Ocaso. Porém, os centauros não utilizavam o arco e a flecha, o que leva Ps. Erastótenes a dizer que este será Croto, o sátiro filho de Pã e Eufeme (cf. Rodolfo Miguel de Figueiredo, Fragmentos Astrológicas, 2021: 137-8, 149-50, 155-6). Neste caso, Pã relaciona-se com o carácter telúrico de Hermes/Mercúrio (regente de Gémeos). Por outro lado, a relação de Croto com as Musas aponta para a IX, o lugar de Sagitário na ordem vernal. Ora é o elemento de passagem entre o animal e o humano que sobressai neste novilúnio. Podemos, no entanto, congregar todas estas referências na mediação que a Sabedoria eleva entre as trevas e a luz, ou seja, a Sabedoria funda o humano e aquele que a rejeita está mais próximo da bestialidade do que da humanidade.    

  A Lua Nova de Sagitário, na V, no lugar da Boa Fortuna, faz desta Sabedoria, uma promotora de abundância e torna-a, como elemento de passagem, finalidade e destino. E se pensarmos bem, vemos, sem sombra de dúvida, o quanto o mundo precisa de uma refundação segundo a Sabedoria. Porém, a Sabedoria exige esforço e, para se tornar a fonte da abundância, é necessário uma rejeição – a negação que anteriormente falávamos – da superficialidade. Marte em Gémeos, opondo-se à sizígia, e como grande maléfico do tema, aquele que se encontra no seu segmento de luz e acima do horizonte, firma-se na liquidez da palavra, na mediação distorcida das falsas narrativas e na viagem pela dualidade.  

  No caminho da luz que avança pelo submundo, é o Sol que caminha na dianteira, seguido pela Lua, por Vénus e por Mercúrio, duas estrelas do entardecer que assumem um carácter feminino, imaginativo e intuitivo. Existe pois, nesta senda nocturna, uma acção criativa, um acto inaugural que acorda no raiar da aurora. Este é um novilúnio em que a condição de espera, da virtude da paciência e da tolerância, estará exacerbada. É o momento precioso e único em que o arqueiro espera pelo destino da seta lançada. Pelo caminho, a seta cruzará o lugar mais profundo do submundo (o IC) e a Cauda Draconis, lançando-se no destino e na morte, na destruição de si mesma.  

  Júpiter e Neptuno em Peixes trazem, nesta lua nova, até pelo fim anunciado da retrogradação de Júpiter e pela quadratura à sizígia e a Vénus e Mercúrio, a passagem entre a dúvida e a esperança, ou a assunção da fé como a outra via do caminho da verdade. Pistis-Sophia, a deusa da gnose milenar, carrega assim, como anúncio de concórdia, essa união entre a dádiva de Sagitário e a dádiva de Peixes. No entanto, a concórdia entre a sabedoria e a fé exige um esforço. É o salto para o abismo, o precipitar-se do alto da montanha. A quadratura dos benéficos (Júpiter e Vénus) indica esse labor do bem que não anula a sua condição, mas frisa a necessidade de cuidado e diligência.

  Crisipo de Solos diz-nos que “a justiça existe por natureza e não por convenção” (SVF III, 308: φύσει τε τὸ δίκαιον εἶναι καὶ μὴ θέσει). Os sextis de Júpiter e Neptuno em Peixes a Úrano e à Caput Draconis em Touro e a Plutão em Capricórnio reforçam a qualidade primordial da justiça, o seu enraizamento na realidade. Naturalmente, quando se fala da justiça como condição natural é impossível não relacionar este espírito de Júpiter com o tempo e a necessidade, os atributos primordiais de Saturno. Estes aspectos anunciados inscrevem na liberdade a justiça e a necessidade, é portanto livre aquele que cumpre, que realiza o seu destino.

  O Dragão da Lua, após o fim da segunda época anual de eclipses, fortalece agora o seu sentido profundo. Fernando Pessoa definiu a Caput Draconis, afirmando que esta “é o escudo abstracto do destino” (Pessoa Inédito, ed. Teresa Rita Lopes, 1993: 41. Lisboa: Livros Horizonte). Na cabeça do Dragão da Lua, a Necessidade torna-se o fogo que, por ele lançado, ilumina a realidade, já a cauda chicoteia o real com o peso do destino, da retribuição. Este animal mítico é, na verdade, o derradeiro guardião do Sagrado Feminino, da Deusa da Lua. A relação de Júpiter em Peixes (sextil e trígono) e Saturno em Aquário (quadratura), bem como de Úrano de Touro (conjunção e oposição), de Neptuno em Peixes (sextil e trígono) e de Plutão em Capricórnio (sextil e trígono), ao Dragão da Lua no eixo Touro-Escorpião determina, deste modo, a força da roda da fortuna sobre a realidade e sobre o humano.

  Na continuidade da mensagem do Dragão da Lua, surge Saturno tanto por estar fora do seu segmento de luz como pela posição crepuscular. Este une-se, em sextil, ao Sol, à Lua, a Vénus e a Mercúrio, dando ao peso da Necessidade sobre a Sabedoria uma qualidade significativa, ou seja, o propósito da deusa Sophia, do Sagrado Feminino e da era do Espírito Santo, como rosto feminino da Trindade, torna-se cada vez mais claro. A humanidade só poderá ser uma unidade colectiva se o númen agregador for o da Grande Deusa. A passagem de Saturno, em 2023, de Aquário para Peixes, de um signo masculino para um feminino, cria essa ponte de sentido entre a humanidade e a totalidade.

  Existe, no entanto, e aliás como sempre, uma resistência patriarcal, mesmo daqueles que não se anunciam como prelados de valores misóginos e androcêntricos. A quadratura de Marte em Gémeos a Júpiter e Neptuno em Peixes e a oposição a Vénus em Sagitário cria, por um lado, uma tensão com ambos os benéficos (Vénus e Júpiter) e, por outro, um conflito com o princípio do Amor (Vénus) e com a sua exaltação (Neptuno), expressões do Sagrado Feminino. A força disruptiva de Marte em Gémeos, agora em retrogradação, corrompe o elemento mitológico de passagem entre o humano e o divino que o signo mutável de Ar nos propõe, apresentando-nos a ruína inevitável da influência de certos valores sobre o pensamento e os conceitos, sobre a palavra e o discurso. 

  A Lua Nova de Sagitário é a seta incandescente que ora alumia o céu estrelado, ora cai e incendeia. O fogo da Sabedoria tem, de facto, um potencial natural de iluminar a humanidade, mas reserva também para si, tal como a lição do estoicismo antigo nos anuncia, o poder de conflagrar o mundo, para o renovar ou o destruir.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Podcast A Boa Deusa: Episódio 1 - O Eclipse Solar de 25 de Outubro de 2022

As Reflexões Astrológicas estão agora disponíveis no Podcast A Boa Deusa

O episódio 1 contempla a reflexão acerca do Eclipse Solar Parcial de 25 de Outubro de 2022

Visite a página de A Boa Deusa e assiste ao episódio, por exemplo, no Spotify.