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terça-feira, 12 de setembro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Parte I - Citação 1


Lançamento de Livro

Reflexões Astrológicas 2023: Parte I


Sinopse

Nas Reflexões Astrológicas, procura-se analisar anualmente alguns eventos astrológicos. O objectivo é examinar e explorar, de ano para ano, diferentes aspectos do sistema astrológico, de modo a apresentar uma compilação interpretativa o mais ampla possível.

No ano de 2023, as Reflexões Astrológicas focam-se nos principais fenómenos astrológicos: as Luas Novas, os Eclipses, Ingressos e Retrogradações. Inclui-se também uma interpretação um pouco mais extensa dos eclipses que ocorrem em 2022.

Uma vez que os textos aqui reunidos foram publicados nos blogues do autor e nas redes sociais do autor, o livro electrónico é de distribuição livre e gratuita. As Reflexões Astrológicas para 2023 serão disponibilizadas em duas partes, correspondendo cada uma aos textos de um semestre. O livro impresso será comercializado a preço reduzido, de modo a tornar estas reflexões acessíveis.


Livro

Edição Comum
(Paperback)

Edição: Julho de 2023

Páginas: 120

ISBN: 9798398702453

Preço: 9,00€ (UE)



Ebook Gratuito


Saiba mais acerca deste ou de outros títulos em https://rodolfomfigueiredo.wixsite.com/livros

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Reflexões Astrológicos: 5 Livros


Reflexões Astrológicos: 5 Livros


Conheça os títulos disponíveis deste projecto com dois anos e meio e que já conta com mais de 600 páginas. Os livros estão disponíveis por 9,00€ cada (preço amazon.es) e os ebooks são de acesso gratuito.

Saiba mais no nosso site acerca destes e de outros títulos https://rodolfomfigueiredo.wixsite.com/livros

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Retrogradação de Júpiter

  Reflexões Astrológicas


Retrogradações


Retrogradação de Júpiter

Lisboa, 15h11min, 04/09/2023

 

Júpiter

Decanato: Lua

Termos: Júpiter

Monomoiria: Mercúrio     

 


  Júpiter inicia a sua retrogradação no signo de Touro, no 16º grau (15º34΄), estando Sagitário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, o lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato da Lua, nos termos de Júpiter e na monomoiria do Mercúrio. A retrogradação começa assim de dia, abaixo do horizonte e depois do Sol passar a culminação. Em 2023, o movimento em que Júpiter nos concede a ilusão de estar a recuar estender-se-á até 31 de Dezembro, onde estará no 6º grau (5º34΄), nos termos de Vénus. Existirá pois um caminho de reintegração do potencial do bem entre os termos de Júpiter e os de Vénus, oposto ao que se assistiu na retrogradação de Vénus, quando o caminho se estendia entre os maléficos.  

  A ligação entre os benéficos torna-se particularmente expressiva se pensarmos que a retrogradação de Vénus termina quando vai começar a de Júpiter. A potencialidade do bem afirma-se durante todo este período com uma qualidade reflexiva, um meio de efectivação futura. Por outro lado, existe no fenómeno astrológico de retrogradação uma certa forma de negação da acção planetária. Ora é neste sentido que Hermann Melville, em Bartleby, o Escrivão (1853), expressou uma categoria filosófica que pode também ser entendida como um modo último de vida. A impotência, a não-potência, o acto de contrariar a acção impõe-se como possibilidade, como uma permanência na possibilidade. O dizer “Prefiro não o fazer” é o baluarte supremo da resistência, revelando que pode, mas prefere não o fazer.

  Existe aqui uma deliberação, uma escolha, que, embora impeça o acto, a realização, não deixa de ser activa. No entanto, para a astrologia, a retrogradação vai fixar-se entre a potencialidade, a impotência e a não-potência, não tanto por liberdade ou negação, mas por ser uma condição sine qua non, um meio através do qual a criação e a acção geram as suas raízes. Este processo de enraizamento contempla necessariamente a condição nefasta ou desvantajosa, descrita por Doroteu (Carmen Astrologicum, I, 6) ou por Paulo de Alexandria (Introdução, capítulo 14), sem perder, todavia, o carácter de semente. Por exemplo, Hades/Plutão é tanto o deus do submundo, dos mortos, como o deus da abundância, pois é sob a terra que a semente germina, ou não. Na retrogradação de Vénus e Júpiter, temos de considerar, desta forma, o enraizamento do bem e da justiça e, enquanto semente, o seu potencial de dádiva ou bênção. Esta terá de ser, neste caso, a matriz dos conceitos de δύναμις e de ἐνέργεια quando aplicados à astrologia.

  O sentido da retrogradação de Júpiter pode ser apreendido, à semelhança do que fizemos com Vénus, por uma análise astro-mitológica. A passagem de Júpiter pelo signo de Touro está intimamente associado ao Zeus cretense e à sua submissão à Grande Mãe, à deusa Reia. Seguindo essa interpretação, a retrogradação de Júpiter em Touro pode ligar-se, na teogonia cretense, ao momento em que os Curetes, os jovens guerreiros, dançam e brandem os seus escudos em redor de Zeus recém-nascido, para que o choro do jovem deus seja abafado e imperceptível para Cronos/Saturno, o pai reinante que devorava os próprios filhos. A acção dos Curetes é um acto iniciático, um que guarda o potencial de Zeus.

  Por outro lado, é a forma como Zeus se torna senhor do Olimpo, como adquire os seus poderes (potencialidades), que melhor descreve e define a retrogradação de Júpiter. O grande benéfico, seguindo as tradições matriarcais e matrilineares, embora algo corrompidas pela literatura já androcêntrica, herda os seus poderes de divindades femininas. Em termos astrológicos, este aspecto justifica, por exemplo, o facto de Caranguejo ser o lugar de exaltação de Júpiter. A misoginia, deliberada ou meramente ignorante, que ainda persiste em muita interpretação astrológica pode ficar um pouco arrepiada, mas a leitura astro-mitológica comprova esta raiz de sentido. As uniões de Zeus com outras divindades femininas são a forma de este adquirir os seus poderes.

  Ora é seguindo essa tradição mitológica que Hesíodo afirma o seguinte: “Zeus, rei dos deuses, tomou por primeira esposa Métis,/ a que mais sabe sobre os deuses e os homens mortais./ Mas, quando ela estava prestes a dar à luz a deusa Atena de olhos garços,/nessa altura, ele enganou o seu espírito,/com palavras ardilosas, e engoliu-a no seu ventre,/ por conselho da Terra e do Céu coberto de estrelas./ Ambos o aconselharam assim, para que o poder régio/ não pertencesse a nenhum outro dos deuses que vivem sempre, senão a Zeus./ Porque estava predestinado que dela nascessem filhos muito inteligentes:/ a primeira, a filha de olhos garços, a Tritogéneia,/ detentora de força e de uma sábia vontade igual à do pai;/ depois, seria a vez de um filho, rei dos deuses e dos homens,/ que ela daria à luz, um filho de coração soberbo./ Mas, antes, Zeus engoliu-a no seu ventre,/ para que a deusa lhe pudesse aconselhar o que é bom e o que é mau.” (886-900, trad. A. Elias Pinheiro & J. Ribeiro Ferreira. 2005: 74. Lisboa: IN-CM). Depois de Gaia e Reia, Métis é a primeira a permitir a hegemonia de Zeus/Júpiter. Na verdade, Atena nasce posteriormente com a condição de filha sem mãe, anulando o poder matrilinear. Este aspecto determina a forma como Zeus/Júpiter adquire o seu poder através de uma eliminação do poder feminino.

  A sua segunda esposa é Témis, a mãe das Horas e das Moiras. Esta concede ao deus o poder da justiça que, com o intelecto de Métis, vai estabelecer a sua omnisciência. Depois segue-se Eurínome, com quem teve as Graças e que, segundo a teogonia pelasga, foi a primeira a reinar no Olimpo, num tempo anterior ao de Cronos e de Zeus. Com Mnemósine tem as Musas, com Deméter, Perséfone, e com Latona, Apolo e Ártemis. Os poderes da memória e poderes sobre a terra, o sol e a lua são adquiridos assim através destas deusas e passados para a sua prole. A sua última esposa, aquela que ficou mais marcada na tradição e mais adulterada pela misoginia dos tempos, é Hera, com quem terá tido Hebe, Ares e Ilitia. Hera era uma grande deusa, adorada em Argos, em Samos e na Argólida e venerada em Olímpia antes do próprio Zeus, mas que a tradição descreve apenas como a esposa ciumenta e vingativa.

  A passagem do poder, das potencialidades radicais, das antigas divindades femininas para Zeus firma astrologicamente esse movimento que vai da retrogradação ao estado directo. Em 2023, retrogradação acontece não de forma isolada, mas como um acorde da música das esferas. Primeiro, inicia-se após a retrogradação de Vénus. Quando esta começou, Gémeos marcava a hora (tema de Lisboa) e agora quando Júpiter nos ilude com o seu retrocesso, é Sagitário que marca a hora. O eixo do conhecimento e da sabedoria fundam a interiorização da dádiva do bem. Paralelamente, a retrogradação de Júpiter inicia-se com cinco planetas retrógrados (Mercúrio, Saturno, Úrano, Neptuno e Plutão), acentuando-se assim a já descrita qualidade do estádio.

  No período em que Júpiter estará retrógrado, ou seja, de 4 de Setembro a 31 de Dezembro de 2023, devemos destacar os seguintes movimentos planetários: Mercúrio avançará de Virgem até Carneiro, estando retrógrado de 23 de Agosto a 15 de Setembro e de 13 de Dezembro a 2 de Janeiro de 2024, aqui já para além do período indicado; Vénus passará pelos signos de Leão a Sagitário; Marte transitará pelos signos de Balança, Escorpião e Sagitário; Saturno em Peixes ficará directo a 4 de Novembro; Neptuno também em Peixes passará a directo a 6 de Dezembro; e Plutão em Capricórnio terminará a retrogradação a 11 de Outubro, preparando agora o seu derradeiro périplo por esta constelação. Por fim, é preciso destacar o eclipse solar a 14 de Outubro e o eclipse lunar a 28 de Outubro. Estes são uma parte dos acordes celestes que nos acompanharão nos próximos tempos.

  O tema do início da retrogradação Júpiter é também um importante meio de análise do período que agora se inicia. Primeiramente é preciso considerar aqueles que estão co-presentes. Neste caso, Júpiter faz-se acompanhar pela Lua e por Úrano e, estando entre eles, firma-se um caminho de luz que se afunda sob o horizonte de Úrano à Lua. Esta é deveras importante, pois Touro é o seu lugar de exaltação. Aqui a Lua é Métis e todas as outras deusas que deram os poderes a Zeus. O caminho luminar agora descrito assinala também a ascensão de Zeus, pois começa com a castração de Úrano e subida de seu pai, Cronos/Saturno, ao trono do Olimpo e estende-se até às uniões com as deusas antigas e que permitiram a assimilação dos seus poderes.

  Por outro lado, a quadratura que se estabelece entre os benéficos é bastante significativa, senão mesmo estruturante e, por se dar em signos cardinais, vai fundar os movimentos colectivos e pessoais de integração dos conceitos ou ideias de verdade, de bem e de justiça. Por se estar a falar de Júpiter, os princípios vão adquirir um valor espacial e, por confirmação ou negação, vão espalhar-se ou afastar-se de tudo aquilo que nos rodeia. Se pensarmos que a retrogradação de Vénus terminou quando a de Júpiter começou, esta quadratura vê expandido o seu sentido profundo, aquele que, segundo Petosíris, nos diz que uma tensão quadrangular entre os benéficos não é necessariamente má. Uma tensão do bem não cria o mal. No entanto, devemos considerar sempre o seu valor reflexivo e estruturante. Vénus em Leão, no lugar de deus (IX), vem dizer-nos que a nobreza da alma pode triunfar sobre a má fortuna ou a suspensão da fortuna (Júpiter retrógrado em Touro, na VI), mas o egocentrismo e a vaidade não triunfarão.

  A posição de Júpiter em Touro, com a Lua e Úrano, insere-se num triângulo, fundado no elemento Terra, com o Sol e Mercúrio retrógrado em Virgem e com Plutão retrógrado em Capricórnio. A retrogradação tem o sentido que já abordámos. O potencial do valor da Terra, como elemento de estruturação da realidade, assume agora um sentido mais profundo, tanto pela sua expressão mais negativa, e que é observável nas várias formas de alienação que as estruturas materiais de valor produzem, como por tudo aquilo que ainda se pode produzir e que pode transformar beneficamente a humanidade. Esta posição triangular traz o destino para a integração do elemento Terra. Para a humanidade, é difícil criar estruturas colectivas, fundadas no elemento Terra, pois a partilha de riqueza, a igualdade, a solidariedade e a justiça social têm sempre uma qualquer forma de resistência. Se as considerarmos a partir dos elementos Água, Ar ou Fogo, como sentimentos, ideias ou princípios espirituais, é mais fácil, mas quando mexe com a carteira ou o estilo de vida, aí é que as coisas se complicam.

  O sextil de Júpiter, da Lua e de Úrano em Touro a Saturno e Neptuno em Peixes e destes últimos a Plutão em Capricórnio vai obrigar a fluir, esses dons ou penas da Terra, por entre os sentidos de necessidade e de solidariedade, nas águas universais. Estes aspectos vão servir de fundação da realidade, de restruturação a partir de valores antigos, de ideias que foram desenvolvidas, mas que aguardam uma expressão renovada. A oposição do Sol e Mercúrio retrógrado em Virgem a Saturno e Neptuno, ambos retrógrados, em Peixes aponta para esse caminho. Existem dois exemplos que servem esse propósito de recriação conceptual. De um lado, temos o hermetismo e o gnosticismo e, do outro, temos o estoicismo. Estes movimentos filosóficos e espirituais trazem assim para o nosso tempo uma expressão renovada e, na verdade, são todos muito próximos da astrologia, sendo até as suas maiores matrizes filosóficas.  

  A retrogradação de Júpiter que domina sempre uma parte considerável do ano astrológico é um período fértil em oportunidades, mesmo que nem sempre de forma explícita. É preciso encontrar os dons da verdade, do bem e da justiça nesse processo necessário de ensimesmamento individual e colectivo. Não devemos portanto temer o voltar a si, esse retorno ao potencial, à raiz, da nossa existência.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Leão

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Leão

Lisboa, 10h38min, 16/08/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Marte

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Mercúrio      

 


  A Lua Nova de Agosto ocorre no signo de Leão, estando Balança a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XI, no Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), no decanato de Marte, nos termos e na monomoiria de Mercúrio. A sizígia dá-se assim acima do horizonte e cerca de quatro horas após o pôr-do-sol. Os luminares, estando o Sol no seu próprio segmento, encontram-se num caminho ascendente, onde a luz sobe e fita a culminação. Este é o novilúnio que expressa o sentido da individualidade, em que o eu reconhece a alma e a vê como luz. Se pensarmos no Thema Mundi, onde Leão e o Sol ocupam a II, a origem da vida passa a ser o valor da vida, logo um viver, um modo de vida. Ora esta é a transformação pela luz, a revelação do mistério.

  Na ordem vernal, Leão ocupa a V, a Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), aquele lugar que diametralmente observa o espaço onde agora se dá a sizígia, a XI, o Bom Espírito. Na V, a luz é a dádiva da abundância. Se recordarmos os Trabalhos de Hércules, o herói para vencer o Leão de Nemeia, para trazer o leão até si, tem tapar uma das duas entradas da caverna, da gruta, onde o animal vivia. A gruta é naturalmente um lugar, um símbolo, de Caranguejo, da Lua, da origem, já as duas entradas são os lugares onde o Sol nasce e se põe. Para vencer o leão, Hércules terá pois de trazer a luz até si, ou seja, para que a luz viva no humano, terá de se extinguir no animal. Esta é elevação que pede o signo de Leão.

  É um erro pensar-se a mimésis astrológica, zodiacal e planetária, apenas na finalidade do seu sentido. No tiro de arco e flecha, são maiores as possibilidades de falhar o alvo do que acertar. Os sentidos astrológicos espalham-se assim mais pelas suas possibilidades do que na sua finalidade. Desta análise ou conclusão, extrai-se, como consequência, o cuidado em avaliar-se, pessoal ou mundanamente, um sentido astrológico na sua finalidade. É preciso, como metodologia existencial, domar as possibilidades, do bem e do mal, para alcançar a finalidade. Em Leão, mais do que em qualquer outro signo, para se alcançar essa luz é preciso domar as vaidades e vencer as paixões.  

  Séneca, nas Cartas a Lucílio, descreve-nos este caminho da luz até nós, do reconhecimento da divindade que habita em nós, quando diz queOs deuses não nos desprezam nem invejam, antes nos admitem à sua presença e nos estendem a mão para ajudar-nos a subir! Admiras-te que um homem possa ascender à presença dos deuses? A divindade é que vem até junto dos homens e mesmo, para lhes ficar mais próxima, penetra até ao interior dos homens, pois sem a presença divina não é possível existir a virtude! As sementes divinas existem dispersas no corpo humano: se foram tratadas por quem as saiba cultivar, elas crescerão à semelhança da sua origem, desenvolver-se-ão em plano idêntico ao da divindade de que provieram; mas se caírem nas mãos de um mau cultivador então este, tal como um terreno estéril e pantanoso, matá-las-á, produzindo ervas daninhas em vez de searas.(Ep.73.15-16; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). O Bom Espírito, o δαίμων, é agora o lugar de passagem onde a sizígia acontece, onde a luz pede caminho e o divino se vislumbra.

  É, nesse mesmo sentido, que Marco Aurélio afirma o seguinte: O meu guia interior não se perturba a si mesmo; quero dizer, nenhuma paixão o altera. (…) O guia interior, por si, de nada necessita, a menos que a si mesmo dite uma necessidade; por isso nada o pode perturbar nem entravar, se ele mesmo se não apoquenta e embaraça.(Pensamentos VII, 16, trad. J. Maia, Lisboa, Relógio D’Água, 1995). Esse guia é τὸ ἡγεμονικόν, mas podia também ser o δαίμων, um conceito tão caro à astrologia helenística. O sentido profundo da luz é, primeiramente, o do reconhecimento de si e, de seguida, o da mediação divina. A luz é o elemento de passagem, de integração da divindade na individualidade. Este é o caminho que se inicia em Leão. Marco Aurélio dá-nos a chave para essa rejeição da vaidade e das paixões leoninas, para a anulação de tudo o que impede a vitória do herói sobre o leão que atormentava as gentes. O imperador romano diz-nos que Dentro de pouco te esquecerás de tudo; dentro de pouco todos te esquecerão.” (VII, 21).

  A ordem do tempo é a derradeira forma de conflagração das vaidades e das paixões. Nesse sentido, o Dragão da Lua consume a luz, eclipsando-o. Este aviso que, em qualquer tema astrológico, coloca o peso do tempo, do destino e da necessidade sobre a luz, sobre o seu potencial ou acção. Na disposição actual, sobre o eixo Carneiro-Balança, terá uma acção de anulação da identidade, dos seus excessos, da sua desmedida. Ora esta é particularmente expressiva no novilúnio de Leão, com o eixo nodal sobre o horizonte, estendendo-se de Balança a Carneiro, do orto ao poente. Note-se também que o regente de Balança é Vénus, o planeta que apanha retrogradamente a sizígia.

  A Cauda Draconis em Balança consome a procura de harmonia, de equilíbrio dos contrários, diminuindo o seu potencial, já a Caput Draconis em Carneiro pede o nascimento de um novo eu, uma renovação da identidade sob a égide da Necessidade. Este aspecto encontra também um sentido que concederá valor ao lugar que, durante a viagem do Dragão da Lua por este eixo, consumirá a luz. Nos signos de Caranguejo e Capricórnio, a 90 graus da Caput e da Cauda, e segundo a lição dos astrólogos antigos, será o lugar onde a luz se extingue, ora é para um desses lugares que os luminares se encaminham, subindo até ao Ponto de Culminação em Caranguejo. A rejeição da origem devora a luz, a mesma que dela surgiu.      

  No novilúnio, o caminho luminar, a via ascendente, estende-se assim desde Marte em Virgem, o maléfico fora do seu segmento e cujo mal está exacerbado, até à Vénus Retrógrada em Leão. Encontramos também aqui uma senda onde a luz luta, combate, contra a desarmonia dos opostos, a desagregação dos contrários. Porém, o Dragão da Lua concede ainda a bênção de um bom aspecto (trígono à Caput e sextil à Cauda), permitindo que o mal anterior seja colocado em contexto, interiorizado pela aceitação do destino. Com a retrogradação, o amor é potência, palavra sussurrada que deseja unir, mas ainda não une, e a força traz agora aspereza à palavra (conjunção de Marte e Mercúrio em Virgem), a voz torna-se cruel, fere e desune, assombrada pelo peso da Necessidade e a suspensão da empatia, Saturno Retrógrado em Peixes, conjunto a Neptuno, também ele retrógrado. 

  Embora os seus raios não incidam directamente sobre a sizígia, o olhar de frente dos maléficos continua a afectar os nossos dias. Até Marte avançar para Balança (27 de Agosto), onde verá os seus raios amenizados pelo exílio, existirá este choque, esta colisão desagregadora, entre as partes e o todo. De uma outra forma, a quadratura entre os luminares e a Vénus em Leão e Júpiter e Úrano em Touro, estando estes dois últimos no lugar da morte, da qualidade da morte, continua a ser um indicador do perigo real que o nosso planeta enfrenta. As alterações climáticas, agora potenciadas pelo calor e pelo fogo (Leão), são cada vez mais evidentes e as suas consequências irreversíveis. O sextil de Júpiter e Úrano em Touro a Saturno e Neptuno em Peixes traz consigo um outro lado: as cheias, o degelo, as inundações e a pressão sobre barragens que afectam outros pontos do mundo.

  Paralelamente, a posição de Júpiter e Úrano em Touro em trígono a Plutão em Capricórnio e a Mercúrio e Marte em Virgem coloca na urdidura do tear do destino tudo aquilo que o elemento terra produz. De um lado, temos a Mãe Terra e as suas dádivas, temos um modo de vida que alternativamente se cria, sustentável e com maior ligação à terra, mas, do outro lado, temos o capitalismo selvagem e o consumismo desenfreado. Ora as actuais posições planetárias pedem que exista um esforço, mas também um imperativo, de rever todas as estruturas materiais e sobretudo os conceitos de valor e de justiça social. A especulação imobiliária é, por exemplo, uma perversão do elemento terra, influenciada aqui pelo outro elemento estruturante, o ar. Quando a terra quer ser ar, ou vice-versa, cria-se um desequilíbrio, uma discórdia. É preciso encontrar em cada elemento o seu valor. A Harmonia é uma lição que nasce por vontade, que se cria em sabedoria, mas sempre a partir do amor e do tempo.

  O sextil de Saturno e Neptuno em Peixes a Plutão em Capricórnio, bem como a quadratura deste último ao Dragão da Lua, está a conduzir-nos, quer por nossa iniciativa, quer pela força dolorosa da necessidade, a um profundo processo de transformação. A humanidade está entre o abismo e a montanha. A morte saiu à rua e, por onde quer que ande, não é reconhecida. Quando o humano não reconhece a morte, esquecendo-se que também ele terá de morrer e de que a vida e a morte correm no mesmo rio, existe uma rejeição disruptiva do tempo e da necessidade e semeia-se a discórdia entre o humano e o divino, entre o humano e a Mãe Terra, entre os humanos, entre a natureza. É a consciência da nossa humanidade que permite a integração do humano, o reconhecimento da simpatia universal que une a alma humana à Alma do Mundo, o microcosmos ao macrocosmos.

  O novilúnio de Leão, face à actual conjuntura astrológica, mundial e humana, mas também à natureza do próprio signo, obriga-nos a repensar o sentido da luz e o seu valor entre a nobreza da alma e a soma de todas as vaidades. Entre a luz e a sombra, podemos ser quem verdadeiramente somos ou aquilo que, por erro, ilusão e ignorância ou por mera vontade, nos tornámos. A nobreza de Leão e do seu novilúnio passa necessariamente pelo reconhecimento da luz em nós.     

domingo, 23 de julho de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Retrogradação de Vénus

 Reflexões Astrológicas


Retrogradações


Retrogradação de Vénus

Lisboa, 02h33min, 23/07/2023

 

Vénus

Decanato: Marte

Termos: Marte

Monomoiria: Sol     

 

  Vénus inicia a sua retrogradação no signo de Leão, no 29º grau (28º36΄), estando Gémeos a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na III, o lugar da Deusa, no decanato de Marte, nos termos de Marte e na monomoiria do Sol. A retrogradação começa assim, de noite, abaixo do horizonte e a cerca de quatro horas do pôr-do-sol. Em 2023, o movimento em que Vénus nos concede a ilusão de estar a recuar estender-se-á até 4 de Setembro, onde estará no 13º grau (12º12΄), nos termos de Saturno. Existirá pois um caminho retrotenso entre os termos de Marte e os de Saturno.

  O amor trilhará a senda dos maléficos, o que, no tema, já está assinalado na oposição entre Marte em Virgem e Saturno em Peixes. Ora, no mesmo dia em que Vénus passará a directo, Júpiter passará a retrógrado. Esta é também uma das principais razões para uma análise mais atenta deste fenómeno astrológico. O caminho dos benéficos será o de uma procura interna, ensimesmada, da dádiva, das bênçãos que iluminam a vida e a morte, a criação e a destruição.

  O movimento retrógrado tem uma significação muito própria. Na Antiguidade, é considerado de forma particularmente nefasta. Por exemplo, Doroteu afirma que os planetas retrógrados causam dificuldade e infortúnio (Carmen Astrologicum, I, 6), já Paulo de Alexandria diz-nos que os planetas quando estão a ocultar-se no Poente, matutina ou vespertinamente, ou quando estão em declínio ou retrógrados tornam-se fracos, desvantajosos e com influências insignificantes (Introdução, capítulo 14).    

  No entanto, se considerarmos como matriz conceptual da influência planetária os conceitos de δύναμις e de ἐνέργεια, teremos de acrescentar também à significação dos movimentos directos e retrógrados, seguindo uma inspiração aristotélica, as qualidades de potencialidade e de actualidade ou actividade. Neste sentido, a retrogradação não traduz a efectivação da influência planetária, mas enraíza, por seu lado, a sua potencialidade. Existe uma suspensão de um sentido activo, mas não uma ausência. Esta visão não vai contrariar em absoluto as definições de Doroteu ou de Paulo de Alexandria, mas também não vai condicionar a avaliação, baseando-a apenas numa significação valorativa. O conceito de potencialidade, ou até, em certas condições, de impotência, pode permitir que se estabeleçam outras relações de sentido. Ora é face a essa realidade que os contributos astro-mitológicos podem ser enriquecedores.  

  As origens de Afrodite/Vénus são obscuras. A deusa olímpica pode ter a sua origem em divindades do Próximo Oriente, como Inanna, Ishtar ou Astarte, ou pode mesmo descender directamente de antigas divindades neolíticas, presentes nos locais dos seus grandes santuários como Pafo ou o Chipre, ou ainda no santuário mais antigo de Ascalon. As raízes de sentido desta origem vão fazer com que o sentido da Vénus astrológica possa não ser apenas o tradicional e se expanda até à sua matriz primordial.

  Segundo Hesíodo, na Teogonia, Afrodite nasceu da seguinte forma: “Os testículos, por sua vez, assim que cortados pelo aço/ e lançados desde a terra firme ao mar de muitas vagas / foram levados pelo mar, por longo tempo; à sua volta, uma branca/ espuma se libertou do órgão imortal e dela surgiu uma / rapariga. Primeiro, foi em direcção aos divinos Citérios/ que ela nadou, e de lá em seguida chegou ao Chipre rodeada de mar;/ aí aportou a bela e celebrada deusa que, à sua volta,/ sob os seus pés ligeiros, fazia florescer o solo, Afrodite/[a deusa nascida da espuma e Citereia de belo toucado]/ esse é o nome que lhe deram deuses e homens, porque na espuma/ surgira, e ainda Citereia, por ter aportado junto dos Citérios,/ e Ciprogeneia, por ter nascido em Chipre rodeada de ondas,/ou ainda Filomedeia, porque surgida dos testículos.” (188-200, trad. A. Elias Pinheiro & J. Ribeiro Ferreira. 2005: 50. Lisboa: IN-CM).

  A descrição de Hesíodo é aquela que determinou toda uma tradição e vinculou a significação da Vénus astrológica, todavia, numa leitura atenta, podemos observar com facilidade a predominância de um paradigma patriarcal e androcêntrico na génese mitológica de Afrodite. Esse paradigma levará, por exemplo, a que Afrodite, para ascender ao Olimpo, tenha de se casar. Hefesto/Vulcano, o deus da forja e da técnica é o escolhido, pois para a conservação da harmonia dos opostos não poderia ser Ares/Marte. O casamento é aqui uma forma de misoginia, uma tentativa de converter a deusa ao patriarcalismo e de tornar a sua sensualidade submissa, voltada para o masculino.  

  A Afrodite olímpica é totalmente condicionada por essa visão, todavia, como Jane Ellen Harrison diz, “As deusas matriarcais reflectem a vida das mulheres, e não as mulheres a vida das deusas” (Prologomena to the Study of Greek Religion, 262. Princeton, 1991 (1903): Princeton University Press). Ora, seguindo essa premissa, as deusas seriam a Donzela (Κόρη), a Noiva (Νύμφη), a Mãe (Μήτηρ) e a Avó (Μαῖα). Harrison afirma, a respeito de Afrodite, que “Ela é Kore na sua juventude eterna e radiante: Kore como Virgem ela não é. Ela é, por sua vez, Nymphe, a Noiva, mas é a Noiva da velha ordem, ela nunca é a Esposa, nem nunca tolera o laço conjugal permanente e patriarcal” (262). Porém, Afrodite, não se vai tornar nem a Esposa, nem a Mãe, ela é a Noiva e permanece a Donzela, porque, em certo sentido, continua a ser a Senhora dos Animais Selvagens (Πτνια Θηρῶν) e do impulso radical que leva à união sexual.

  A razão deste papel assenta em dois aspectos: por um lado, a virgindade não tinha a conotação que teve mais tarde, a Donzela era aquela que não era a Mãe, era portanto o parto e não o falo que mudava a sua condição, daí que existissem os banhos rituais (e.g. Hera em Argos) que renovavam a “virgindade” das deusas; por outro lado, a prostituição sagrada, presente nos cultos de Afrodite e nos das deusas do Próxima Oriente que podem ter estado na sua origem (sobretudo Ishtar e Astarte), revela a independência sexual da deusa. Hesíodo, mesmo anulando esta herança, conserva certos aspectos quando diz que “Seguiu-a, sem demora, Eros e acompanhou-a o belo Desejo,/mal ela nasceu e se uniu à família dos deuses./ E, desde o início, teve como competências e foi/ seu destino, entre os homens e dos deuses imortais,/ as intimidades das meninas, os sorrisos, os enganos/ o prazer doce, o amor, a meiguice.” (Teogonia, 201-206).

  De um ponto de vista conceptual, Afrodite/Vénus, seja a deusa matriarcal e primordial ou a patriarcal e olímpica, firma o seu poder, a sua influência, entre Himeros, o desejo, e Eros, o prazer, ou seja, entre a origem e o fim da sua natureza divina de Grande Deusa. Este elemento de passagem é fundamental para compreender a Afrodite Pandêmia e a Afrodite Urânia e estabelecer os sentidos profundos da Vénus astrológica, tanto nos seus movimentos directo e retrógrado como no seu ciclo de 8 anos e na sua fase helíaca. É nesta alternância de sentidos que temos de analisar a fase actual. A retrogradação de Vénus pelo signo de Leão vai trazer para a sua significação a Afrodite Pandêmia e a Afrodite matriarcal. O poder de Leão trará então, como potencialidade radical, a força de uma Vénus antiga.

  No tema do início da retrogradação, existe um outro elemento interpretativo que merece a nossa atenção. Vénus (28º O 36΄) encontra-se no ponto médio entre os luminares, ou seja, no caminho ascendente da luz que se estende da Lua (27º V 50΄) ao Sol (29º C 59΄), a deusa do amor encontra-se a meio caminho. Se pensarmos que a Lua está com Marte e que Vénus está com Mercúrio e junto ao Ponto Subterrâneo, compreendermos que a necessidade de reavaliação do valor de Vénus, tal como o anunciámos, está reafirmada. Existe, desta forma, uma dádiva por compreender, um valor suspenso no tempo que pede uma renovada actividade.

  As relações de Vénus no tema são também significativas. A conjunção com Mercúrio firma necessariamente a reflexão de que temos falado, até porque, na fase final da retrogradação de Vénus, Mercúrio iniciará o seu movimento retrógrado no signo de Virgem, potenciando a exaltação tanto da sua actividade como da sua potencialidade. Por outro lado, une-se triangularmente (Caput) e hexagonalmente (Cauda) ao Dragão da Lua no eixo Carneiro-Balança, no eixo da identidade. Esta é uma relação que vai contrastar com a oposição entre os maléficos, Marte em Virgem e Saturno em Peixes, considerando-se que este último é o astro mais alto, pois se, por um lado, existe uma tensão na consciência da parte e do todo, como se a força e o tempo não encontrassem nem sentido, nem lugar, por outro lado, existe uma necessidade visceral de encontrar a consciência de si através da identidade.

  A quadratura entre Vénus retrógrada em Leão e Júpiter e Úrano em Touro destrutura o movimento da realidade. A união quadrangular dos benéficos, seguindo a lição de Nechepso e Petosíris, não tende a ser negativa, todavia, obriga a repensar o valor da dádiva, a bênção do bem, da união da beleza à justiça, do amor à verdade. Este aspecto terá também nos tempos próximos uma expressão que colocará em maior relevo as alterações climáticas, as mudanças que afectam o planeta, aqui não tanto como a expressão dos fenómenos naturais, mas sim como a expressão da humanidade, das suas respostas. Será o desejo, a ânsia, de um bem maior que poderá mudar o nosso futuro. Teremos de ver para além das nossas necessidades primárias, das nossas vaidades.

  Durante o período de retrogradação de Vénus, assistiremos às seguintes mudanças em termos astrológicos: o Sol transitará de Leão para Virgem e Mercúrio também, iniciando depois a sua própria retrogradação, e Marte passará de Virgem para Balança, onde se unirá hexagonalmente à Vénus retrógrada. As lições que, deste modo, podemos retirar é que a compreensão da Vénus, neste caso no seu movimento retrógrado, deve ser expandida para além das estruturas interpretativas mais comuns e tradicionais. A mitologia e a análise astro-mitológica podem ser um importante contributo para essa reformulação. Existe uma Vénus por descobrir e a retrogradação é excelente momento para a encontrar.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Caranguejo

    Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Caranguejo

Lisboa, 19h31min, 17/07/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Lua

Termos: Júpiter

Monomoiria: Marte     

 

  A Lua Nova de Julho ocorre no signo de Caranguejo, estando Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VII, o Poente (δύσις), no decanato de Lua, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se assim acima do horizonte e a cerca de uma hora e trinta minutos do pôr-do-sol. Os luminares encontram-se no eixo do horizonte, do lado poente, onde a luz se afunda e desaparece. Este é o novilúnio que expressa o sentido da origem, a matriz radical do Eterno Feminino. Caranguejo é o domicílio da Lua e, no Thema Mundi, é partir deste lugar que a vida emerge, marcando-se, deste modo, o Ascendente do Mundo.

  A relação entre a Lua e o Ascendente, entre o leme da vida e a própria da vida, estabelece a fundação da realidade, a sua origem. Naturalmente, esta é a matriz inaugural do Feminino, do Eterno Feminino. Nesta relação, encontramos, nomeadamente, o mito pelasgo da criação, em que deusa Eurínome surge como a senhora da origem, a criadora de tudo o que existe. De um ponto de vista astrológico, a forte herança mitológica em torno de divindade lunares deveria fazer-nos repensar os sentidos profundos da Lua, mas para isso tinha de se relativizar um certo exacerbamento, por um lado, da significação lunar de cariz psicológico e, por outro, da tendência interpretativa de sobrevalorizar o masculino face ao feminino. A Lua astrológica deveria continuar a ser uma deusa da origem.

  Neste novilúnio, existe, porém, uma inversão dos pólos inaugurais no eixo do horizonte, ou seja, Capricórnio está a ascender e Caranguejo a descender. De certa forma, a origem está no fim e o fim está na origem. Ao estender-se no tempo, como a própria Necessidade, o Eterno Feminino faz emergir, no ocaso da realidade, a Senhora da Nova Era. Este é o tempo do Espírito Santo. Partindo da premissa de que o termo hebraico (ruah) para espírito é feminino, o Evangelho de Felipe afirma o seguinte: “Alguns dizem que Maria concebeu do Espírito Santo. Erram não sabem o que dizem. Quando é que uma mulher concebeu de mulher? (55.20-30, ed. Piñero, Torrents & Bazán, II, 31. Lisboa, 2005: Ésquilo). No entanto, um Espírito Santo feminino não nasce apenas de uma significação terminológica, ele é o herdeiro natural da deusa hebraica e da hegemonia do Sagrado Feminino na Antiguidade mais profunda. Esta é uma expressão do numinoso que incomoda, que ofende o androcentrismo do pensamento religioso dominante dos dois últimos milénios, mas também muita da espiritualidade actual. No entanto, mesmo que seguido por poucos, ela existiu e continua a existir.

  Os versículos de Marcos que dizem que aquele que blasfemar contra o Espírito Santo, nunca mais terá perdão, mas será réu de pecado eterno” (3:29, ed. João Ferreira de Almeida actualizada), mas também de Mateus, Se alguém disser alguma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro” (Mateus 12:32), assinalam esta associação entre o Espírito Santo e a Mãe Divina. Numa trindade de Pai, Mãe e Filho, como, por exemplo, a de Osíris, Ísis e Hórus, a ofensa ao feminino será sempre a mais gravosa. Hoje o que diríamos de alguém de ofende uma mulher, nomeadamente, a sua mãe, a esposa ou a sua filha? Teria perdão o homem que ofende a mulher? O novilúnio de Caranguejo, colocando a luz sobre o feminino, firma também esta questão. Uma outra de forma de a vermos é se pensarmos no fogo de Héstia, na chama do feminino que arde no centro do lar.

  Menandro afirma que “O verdadeiro escravo do lar é o seu senhor” (Frag. 760 Kock: εἷς ἐστι δοῦλος οἰκίας δεσπότης). Ora o fogo de Héstia/Vesta, ardendo no centro do lar, é a imagem quase perfeita de um novilúnio no signo de Caranguejo e desta servidão. Hoje este fogo arde sobre o Poente, mostrando, como uma palavra que range no caminho (Marte en Virgem), que o fogo do feminino continua eclipsado por um modo de ser, uma ponte corrompida entre o carácter e o valor, que tende a rejeitar este fogo primordial. O pensamento androcêntrico dos últimos séculos, ou milénios, fez com que colocássemos nas “cadeiras de poder” (o antigo trono de Ísis, da Terra) figuras masculinos. Zeus/Júpiter, Ares/Marte ou Apolo são a imagem do poder ou da força, todavia, Héstia/Vesta é a primogénita de Reia e Cronos/Saturno e tem um lugar em todos os templos. Sem o fogo de Héstia, os deuses não receberiam as suas oferendas.

  O novilúnio de Julho, não só por ocorrer no signo de Caranguejo, mas por todas as relações que entre os astros se estabelecem, aprofunda o valor universal do feminino. Existem, em termos políticos, económicos e sociais, todo um caminho por trilhar no que ao feminino concerne, porém, em termos espirituais, a senda tem sido frequentemente negligenciado ou desprezado. Na espiritualidade contemporânea, o androcentrismo continua a ser dominante, tocando ainda por vezes uma misoginia patriarcal, totalmente antiquada e bolorenta. Existe, mesmo nos meios mais esotéricos, uma grande resistência ao númen feminino em harmonia plena com o masculino, e não um degrau abaixo. Não precisamos de uma Mãe de Deus, mas sim de um Deus-Mãe.

  A presença do Dragão da Lua no início do eixo Touro-Escorpião, grau zero e minuto zero, marcando a sua despedida deste eixo e o facto de no tema do novilúnio não existir nenhum astro no quadrante da ascensão à culminação, excepto a Cauda Draconis, assinala uma forma muito específica de significação de Feminino sobre o Poente. O Destino está nas alturas, contudo, é a memória do fim no cume da montanha. Esta não é uma cantiga de júbilo, mas sim uma ode de inevitabilidade. Adrasteia diz-nos apenas que o fio está tecido.

  Os dois trígonos que se fundem nos elementos Água e Terra adensam e aprofundam o sentido último de origem e o valor universal do feminino. O Sol e a Lua em Caranguejo unem-se, desta forma, a Saturno e a Neptuno em Peixes e à Cauda Draconis em Escorpião. No trígono de Água, a significação assenta radicalmente na Necessidade ou no Destino como origem. No centro da realidade, as Meras tecem o que foi, é e será. Por outro lado, mas complementarmente, o trígono de Terra estrutura a realidade do feminino na Natureza e no Humano. Neste elemento, unem-se assim em trígono Júpiter, Úrano e a Caput Draconis em Touro, Marte em Virgem e Plutão em Capricórnio.

  O triângulo de Terra vai dizer-nos como a vida e a morte, a criação e a destruição, são os meios através dos quais a Providência se expressa. O destino funda essa passagem entre o que nasce e o que morre, o que ascende e o que descende, o que surge e o que se oculta. Um novilúnio em Caranguejo sobre o Ponto Poente revela, com a voz de sibila, que a origem e o fim são uma e a mesma realidade. Tudo se une pois em um no intelecto do mundo, na Anima Mundi, e o Eterno Feminino é a matriz desse sentido.

  Naturalmente, e de acordo com a beleza geométrica da doutrina de aspectos, os dois triângulos de Água e Terra fazem com que os astros que neles se enraízam se unam hexagonalmente. Convém que se note, porém, que estas uniões resultam da doutrina antiga de aspectos que segue o sistema de casa-signo ou signo inteiro. Segundo esta, os aspectos são ao signo e não ao grau, a orbe traduz-se, deste modo, nos conceitos de aplicação (συναφή) e separação (ἀπορρόη). A Deusa Primeva, senhora da Necessidade, da Vida e da Morte, surge portanto no centro destes dois triângulos e deste grande hexágono.

  Existe, todavia, um elemento disruptivo, uma vez que a oposição da sizígia a Plutão tem um carácter mais destruturante do que disruptivo. As quadraturas de Vénus e Mercúrio em Leão à Caput Draconis, a Júpiter e a Úrano em Touro e dos primeiros à Cauda Draconis em Escorpião revelam a tensão radical em torno do valor de Destino, da Necessidade, e de como este pode colidir com o exacerbamento do eu e com a soma de todas as vaidades. Se a alma for nobre, se brilhar como o sol, o destino não se opõe à identidade, mas se, pelo contrário, a alma beber do lago de Narciso, os lotes que a Necessidade distribuir, vão tornar-se motivo de revolta e contenda. Aquele que julga que o destino lhe furtou o brilho, o reflexo, não pode nunca ser a luz que verdadeiramente é.

  O novilúnio de Julho recentra, porém, a dinâmica nas águas uterinas da realidade, no sentido profundo da origem e, neste lugar, o espelho de Narciso estilhaça-se, pois na radicalidade última ele ainda não existe. No ventre do mundo e da alma, está tudo despojado, livre das amarras que o tempo, a realidade e a vaidade tendem a forjar. O lugar da origem é um espaço matriarcal e o seu tempo, a sua era, é a do Eterno Feminino, a do Espírito Santo.