quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Leão

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Leão

Lisboa, 10h38min, 16/08/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Marte

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Mercúrio      

 


  A Lua Nova de Agosto ocorre no signo de Leão, estando Balança a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XI, no Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), no decanato de Marte, nos termos e na monomoiria de Mercúrio. A sizígia dá-se assim acima do horizonte e cerca de quatro horas após o pôr-do-sol. Os luminares, estando o Sol no seu próprio segmento, encontram-se num caminho ascendente, onde a luz sobe e fita a culminação. Este é o novilúnio que expressa o sentido da individualidade, em que o eu reconhece a alma e a vê como luz. Se pensarmos no Thema Mundi, onde Leão e o Sol ocupam a II, a origem da vida passa a ser o valor da vida, logo um viver, um modo de vida. Ora esta é a transformação pela luz, a revelação do mistério.

  Na ordem vernal, Leão ocupa a V, a Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), aquele lugar que diametralmente observa o espaço onde agora se dá a sizígia, a XI, o Bom Espírito. Na V, a luz é a dádiva da abundância. Se recordarmos os Trabalhos de Hércules, o herói para vencer o Leão de Nemeia, para trazer o leão até si, tem tapar uma das duas entradas da caverna, da gruta, onde o animal vivia. A gruta é naturalmente um lugar, um símbolo, de Caranguejo, da Lua, da origem, já as duas entradas são os lugares onde o Sol nasce e se põe. Para vencer o leão, Hércules terá pois de trazer a luz até si, ou seja, para que a luz viva no humano, terá de se extinguir no animal. Esta é elevação que pede o signo de Leão.

  É um erro pensar-se a mimésis astrológica, zodiacal e planetária, apenas na finalidade do seu sentido. No tiro de arco e flecha, são maiores as possibilidades de falhar o alvo do que acertar. Os sentidos astrológicos espalham-se assim mais pelas suas possibilidades do que na sua finalidade. Desta análise ou conclusão, extrai-se, como consequência, o cuidado em avaliar-se, pessoal ou mundanamente, um sentido astrológico na sua finalidade. É preciso, como metodologia existencial, domar as possibilidades, do bem e do mal, para alcançar a finalidade. Em Leão, mais do que em qualquer outro signo, para se alcançar essa luz é preciso domar as vaidades e vencer as paixões.  

  Séneca, nas Cartas a Lucílio, descreve-nos este caminho da luz até nós, do reconhecimento da divindade que habita em nós, quando diz queOs deuses não nos desprezam nem invejam, antes nos admitem à sua presença e nos estendem a mão para ajudar-nos a subir! Admiras-te que um homem possa ascender à presença dos deuses? A divindade é que vem até junto dos homens e mesmo, para lhes ficar mais próxima, penetra até ao interior dos homens, pois sem a presença divina não é possível existir a virtude! As sementes divinas existem dispersas no corpo humano: se foram tratadas por quem as saiba cultivar, elas crescerão à semelhança da sua origem, desenvolver-se-ão em plano idêntico ao da divindade de que provieram; mas se caírem nas mãos de um mau cultivador então este, tal como um terreno estéril e pantanoso, matá-las-á, produzindo ervas daninhas em vez de searas.(Ep.73.15-16; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). O Bom Espírito, o δαίμων, é agora o lugar de passagem onde a sizígia acontece, onde a luz pede caminho e o divino se vislumbra.

  É, nesse mesmo sentido, que Marco Aurélio afirma o seguinte: O meu guia interior não se perturba a si mesmo; quero dizer, nenhuma paixão o altera. (…) O guia interior, por si, de nada necessita, a menos que a si mesmo dite uma necessidade; por isso nada o pode perturbar nem entravar, se ele mesmo se não apoquenta e embaraça.(Pensamentos VII, 16, trad. J. Maia, Lisboa, Relógio D’Água, 1995). Esse guia é τὸ ἡγεμονικόν, mas podia também ser o δαίμων, um conceito tão caro à astrologia helenística. O sentido profundo da luz é, primeiramente, o do reconhecimento de si e, de seguida, o da mediação divina. A luz é o elemento de passagem, de integração da divindade na individualidade. Este é o caminho que se inicia em Leão. Marco Aurélio dá-nos a chave para essa rejeição da vaidade e das paixões leoninas, para a anulação de tudo o que impede a vitória do herói sobre o leão que atormentava as gentes. O imperador romano diz-nos que Dentro de pouco te esquecerás de tudo; dentro de pouco todos te esquecerão.” (VII, 21).

  A ordem do tempo é a derradeira forma de conflagração das vaidades e das paixões. Nesse sentido, o Dragão da Lua consume a luz, eclipsando-o. Este aviso que, em qualquer tema astrológico, coloca o peso do tempo, do destino e da necessidade sobre a luz, sobre o seu potencial ou acção. Na disposição actual, sobre o eixo Carneiro-Balança, terá uma acção de anulação da identidade, dos seus excessos, da sua desmedida. Ora esta é particularmente expressiva no novilúnio de Leão, com o eixo nodal sobre o horizonte, estendendo-se de Balança a Carneiro, do orto ao poente. Note-se também que o regente de Balança é Vénus, o planeta que apanha retrogradamente a sizígia.

  A Cauda Draconis em Balança consome a procura de harmonia, de equilíbrio dos contrários, diminuindo o seu potencial, já a Caput Draconis em Carneiro pede o nascimento de um novo eu, uma renovação da identidade sob a égide da Necessidade. Este aspecto encontra também um sentido que concederá valor ao lugar que, durante a viagem do Dragão da Lua por este eixo, consumirá a luz. Nos signos de Caranguejo e Capricórnio, a 90 graus da Caput e da Cauda, e segundo a lição dos astrólogos antigos, será o lugar onde a luz se extingue, ora é para um desses lugares que os luminares se encaminham, subindo até ao Ponto de Culminação em Caranguejo. A rejeição da origem devora a luz, a mesma que dela surgiu.      

  No novilúnio, o caminho luminar, a via ascendente, estende-se assim desde Marte em Virgem, o maléfico fora do seu segmento e cujo mal está exacerbado, até à Vénus Retrógrada em Leão. Encontramos também aqui uma senda onde a luz luta, combate, contra a desarmonia dos opostos, a desagregação dos contrários. Porém, o Dragão da Lua concede ainda a bênção de um bom aspecto (trígono à Caput e sextil à Cauda), permitindo que o mal anterior seja colocado em contexto, interiorizado pela aceitação do destino. Com a retrogradação, o amor é potência, palavra sussurrada que deseja unir, mas ainda não une, e a força traz agora aspereza à palavra (conjunção de Marte e Mercúrio em Virgem), a voz torna-se cruel, fere e desune, assombrada pelo peso da Necessidade e a suspensão da empatia, Saturno Retrógrado em Peixes, conjunto a Neptuno, também ele retrógrado. 

  Embora os seus raios não incidam directamente sobre a sizígia, o olhar de frente dos maléficos continua a afectar os nossos dias. Até Marte avançar para Balança (27 de Agosto), onde verá os seus raios amenizados pelo exílio, existirá este choque, esta colisão desagregadora, entre as partes e o todo. De uma outra forma, a quadratura entre os luminares e a Vénus em Leão e Júpiter e Úrano em Touro, estando estes dois últimos no lugar da morte, da qualidade da morte, continua a ser um indicador do perigo real que o nosso planeta enfrenta. As alterações climáticas, agora potenciadas pelo calor e pelo fogo (Leão), são cada vez mais evidentes e as suas consequências irreversíveis. O sextil de Júpiter e Úrano em Touro a Saturno e Neptuno em Peixes traz consigo um outro lado: as cheias, o degelo, as inundações e a pressão sobre barragens que afectam outros pontos do mundo.

  Paralelamente, a posição de Júpiter e Úrano em Touro em trígono a Plutão em Capricórnio e a Mercúrio e Marte em Virgem coloca na urdidura do tear do destino tudo aquilo que o elemento terra produz. De um lado, temos a Mãe Terra e as suas dádivas, temos um modo de vida que alternativamente se cria, sustentável e com maior ligação à terra, mas, do outro lado, temos o capitalismo selvagem e o consumismo desenfreado. Ora as actuais posições planetárias pedem que exista um esforço, mas também um imperativo, de rever todas as estruturas materiais e sobretudo os conceitos de valor e de justiça social. A especulação imobiliária é, por exemplo, uma perversão do elemento terra, influenciada aqui pelo outro elemento estruturante, o ar. Quando a terra quer ser ar, ou vice-versa, cria-se um desequilíbrio, uma discórdia. É preciso encontrar em cada elemento o seu valor. A Harmonia é uma lição que nasce por vontade, que se cria em sabedoria, mas sempre a partir do amor e do tempo.

  O sextil de Saturno e Neptuno em Peixes a Plutão em Capricórnio, bem como a quadratura deste último ao Dragão da Lua, está a conduzir-nos, quer por nossa iniciativa, quer pela força dolorosa da necessidade, a um profundo processo de transformação. A humanidade está entre o abismo e a montanha. A morte saiu à rua e, por onde quer que ande, não é reconhecida. Quando o humano não reconhece a morte, esquecendo-se que também ele terá de morrer e de que a vida e a morte correm no mesmo rio, existe uma rejeição disruptiva do tempo e da necessidade e semeia-se a discórdia entre o humano e o divino, entre o humano e a Mãe Terra, entre os humanos, entre a natureza. É a consciência da nossa humanidade que permite a integração do humano, o reconhecimento da simpatia universal que une a alma humana à Alma do Mundo, o microcosmos ao macrocosmos.

  O novilúnio de Leão, face à actual conjuntura astrológica, mundial e humana, mas também à natureza do próprio signo, obriga-nos a repensar o sentido da luz e o seu valor entre a nobreza da alma e a soma de todas as vaidades. Entre a luz e a sombra, podemos ser quem verdadeiramente somos ou aquilo que, por erro, ilusão e ignorância ou por mera vontade, nos tornámos. A nobreza de Leão e do seu novilúnio passa necessariamente pelo reconhecimento da luz em nós.     

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