Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Leão
Lisboa, 10h38min, 16/08/2023
Sol-Lua
Decanato: Marte
Termos: Mercúrio
Monomoiria: Mercúrio
A
Lua Nova de Agosto ocorre no signo de Leão, estando Balança a marcar a hora
para o tema de Lisboa e, deste modo, na XI, no Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), no decanato de Marte, nos termos e na
monomoiria de Mercúrio. A sizígia dá-se
assim acima do horizonte e cerca de quatro horas após o pôr-do-sol. Os
luminares, estando o Sol no seu próprio segmento, encontram-se num caminho
ascendente, onde a luz sobe e fita a culminação. Este é o novilúnio que
expressa o sentido da individualidade, em que o eu reconhece a alma e a vê como
luz. Se pensarmos no Thema Mundi,
onde Leão e o Sol ocupam a II, a origem da vida passa a ser o valor da vida,
logo um viver, um modo de vida. Ora esta é a transformação pela luz, a
revelação do mistério.
Na
ordem vernal, Leão ocupa a V, a Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), aquele lugar que diametralmente
observa o espaço onde agora se dá a sizígia, a XI, o Bom Espírito. Na V, a luz
é a dádiva da abundância. Se recordarmos os Trabalhos de Hércules, o herói para
vencer o Leão de Nemeia, para trazer o leão até si, tem tapar uma das duas
entradas da caverna, da gruta, onde o animal vivia. A gruta é naturalmente um
lugar, um símbolo, de Caranguejo, da Lua, da origem, já as duas entradas são os
lugares onde o Sol nasce e se põe. Para vencer o leão, Hércules terá pois de
trazer a luz até si, ou seja, para que a luz viva no humano, terá de se
extinguir no animal. Esta é elevação que pede o signo de Leão.
É
um erro pensar-se a mimésis
astrológica, zodiacal e planetária, apenas na finalidade do seu sentido. No
tiro de arco e flecha, são maiores as possibilidades de falhar o alvo do que
acertar. Os sentidos astrológicos espalham-se assim mais pelas suas
possibilidades do que na sua finalidade. Desta análise ou conclusão, extrai-se,
como consequência, o cuidado em avaliar-se, pessoal ou mundanamente, um sentido
astrológico na sua finalidade. É preciso, como metodologia existencial, domar
as possibilidades, do bem e do mal, para alcançar a finalidade. Em Leão, mais
do que em qualquer outro signo, para se alcançar essa luz é preciso domar as
vaidades e vencer as paixões.
Séneca,
nas Cartas a Lucílio, descreve-nos
este caminho da luz até nós, do reconhecimento da divindade que habita em nós,
quando diz que “Os deuses não nos desprezam nem
invejam, antes nos admitem à sua presença e nos estendem a mão para ajudar-nos
a subir! Admiras-te que um homem possa ascender à presença dos deuses? A
divindade é que vem até junto dos homens e mesmo, para lhes ficar mais próxima,
penetra até ao interior dos homens, pois sem a presença divina não é possível
existir a virtude! As sementes divinas existem dispersas no corpo humano: se
foram tratadas por quem as saiba cultivar, elas crescerão à semelhança da sua
origem, desenvolver-se-ão em plano idêntico ao da divindade de que provieram;
mas se caírem nas mãos de um mau cultivador então este, tal como um terreno
estéril e pantanoso, matá-las-á, produzindo ervas daninhas em vez de searas.”
(Ep.73.15-16; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A.
Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). O
Bom Espírito, o δαίμων, é agora o lugar de passagem onde a
sizígia acontece, onde a luz pede caminho e o divino se vislumbra.
É, nesse mesmo sentido, que Marco
Aurélio afirma o seguinte: “O meu guia
interior não se perturba a si mesmo; quero dizer, nenhuma paixão o altera.
(…) O guia interior, por si, de nada
necessita, a menos que a si mesmo dite uma necessidade; por isso nada o pode
perturbar nem entravar, se ele mesmo se não apoquenta e embaraça.” (Pensamentos VII, 16, trad.
J. Maia, Lisboa, Relógio D’Água, 1995). Esse guia é τὸ ἡγεμονικόν, mas
podia também ser o δαίμων, um
conceito tão caro à astrologia helenística. O sentido profundo da luz é,
primeiramente, o do reconhecimento de si e, de seguida, o da mediação divina. A
luz é o elemento de passagem, de integração da divindade na individualidade. Este
é o caminho que se inicia em Leão. Marco Aurélio dá-nos a chave para essa
rejeição da vaidade e das paixões leoninas, para a anulação de tudo o que
impede a vitória do herói sobre o leão que atormentava as gentes. O imperador
romano diz-nos que “Dentro de pouco te esquecerás de
tudo; dentro de pouco todos te esquecerão.” (VII, 21).
A ordem
do tempo é a derradeira forma de conflagração das vaidades e das paixões. Nesse
sentido, o Dragão da Lua consume a luz, eclipsando-o. Este aviso que, em
qualquer tema astrológico, coloca o peso do tempo, do destino e da necessidade
sobre a luz, sobre o seu potencial ou acção. Na disposição actual, sobre o eixo
Carneiro-Balança, terá uma acção de anulação da identidade, dos seus excessos,
da sua desmedida. Ora esta é particularmente expressiva no novilúnio de Leão,
com o eixo nodal sobre o horizonte, estendendo-se de Balança a Carneiro, do orto
ao poente. Note-se também que o regente de Balança é Vénus, o planeta que
apanha retrogradamente a sizígia.
A
Cauda Draconis em Balança consome a procura de harmonia, de equilíbrio dos
contrários, diminuindo o seu potencial, já a Caput Draconis em Carneiro pede o
nascimento de um novo eu, uma renovação da identidade sob a égide da
Necessidade. Este aspecto encontra também um sentido que concederá valor ao
lugar que, durante a viagem do Dragão da Lua por este eixo, consumirá a luz.
Nos signos de Caranguejo e Capricórnio, a 90 graus da Caput e da Cauda, e
segundo a lição dos astrólogos antigos, será o lugar onde a luz se extingue,
ora é para um desses lugares que os luminares se encaminham, subindo até ao
Ponto de Culminação em Caranguejo. A rejeição da origem devora a luz, a mesma
que dela surgiu.
No
novilúnio, o caminho luminar, a via ascendente, estende-se assim desde Marte em
Virgem, o maléfico fora do seu segmento e cujo mal está exacerbado, até à Vénus
Retrógrada em Leão. Encontramos também aqui uma senda onde a luz luta, combate,
contra a desarmonia dos opostos, a desagregação dos contrários. Porém, o Dragão
da Lua concede ainda a bênção de um bom aspecto (trígono à Caput e sextil à
Cauda), permitindo que o mal anterior seja colocado em contexto, interiorizado
pela aceitação do destino. Com a retrogradação, o amor é potência, palavra
sussurrada que deseja unir, mas ainda não une, e a força traz agora aspereza à
palavra (conjunção de Marte e Mercúrio em Virgem), a voz torna-se cruel, fere e
desune, assombrada pelo peso da Necessidade e a suspensão da empatia, Saturno
Retrógrado em Peixes, conjunto a Neptuno, também ele retrógrado.
Embora
os seus raios não incidam directamente sobre a sizígia, o olhar de frente dos
maléficos continua a afectar os nossos dias. Até Marte avançar para Balança (27
de Agosto), onde verá os seus raios amenizados pelo exílio, existirá este
choque, esta colisão desagregadora, entre as partes e o todo. De uma outra
forma, a quadratura entre os luminares e a Vénus em Leão e Júpiter e Úrano em
Touro, estando estes dois últimos no lugar da morte, da qualidade da morte, continua
a ser um indicador do perigo real que o nosso planeta enfrenta. As alterações
climáticas, agora potenciadas pelo calor e pelo fogo (Leão), são cada vez mais
evidentes e as suas consequências irreversíveis. O sextil de Júpiter e Úrano em
Touro a Saturno e Neptuno em Peixes traz consigo um outro lado: as cheias, o
degelo, as inundações e a pressão sobre barragens que afectam outros pontos do
mundo.
Paralelamente,
a posição de Júpiter e Úrano em Touro em trígono a Plutão em Capricórnio e a
Mercúrio e Marte em Virgem coloca na urdidura do tear do destino tudo aquilo
que o elemento terra produz. De um lado, temos a Mãe Terra e as suas dádivas,
temos um modo de vida que alternativamente se cria, sustentável e com maior
ligação à terra, mas, do outro lado, temos o capitalismo selvagem e o
consumismo desenfreado. Ora as actuais posições planetárias pedem que exista um
esforço, mas também um imperativo, de rever todas as estruturas materiais e
sobretudo os conceitos de valor e de justiça social. A especulação imobiliária
é, por exemplo, uma perversão do elemento terra, influenciada aqui pelo outro
elemento estruturante, o ar. Quando a terra quer ser ar, ou vice-versa, cria-se
um desequilíbrio, uma discórdia. É preciso encontrar em cada elemento o seu
valor. A Harmonia é uma lição que nasce por vontade, que se cria em sabedoria,
mas sempre a partir do amor e do tempo.
O sextil de Saturno e Neptuno em
Peixes a Plutão em Capricórnio, bem como a quadratura deste último ao Dragão da
Lua, está a conduzir-nos, quer por nossa iniciativa, quer pela força dolorosa da
necessidade, a um profundo processo de transformação. A humanidade está entre o
abismo e a montanha. A morte saiu à rua e, por onde quer que ande, não é
reconhecida. Quando o humano não reconhece a morte, esquecendo-se que também
ele terá de morrer e de que a vida e a morte correm no mesmo rio, existe uma
rejeição disruptiva do tempo e da necessidade e semeia-se a discórdia entre o
humano e o divino, entre o humano e a Mãe Terra, entre os humanos, entre a natureza.
É a consciência da nossa humanidade que permite a integração do humano, o
reconhecimento da simpatia universal que une a alma humana à Alma do Mundo, o
microcosmos ao macrocosmos.
O novilúnio de Leão, face à actual conjuntura astrológica, mundial e humana, mas também à natureza do próprio signo, obriga-nos a repensar o sentido da luz e o seu valor entre a nobreza da alma e a soma de todas as vaidades. Entre a luz e a sombra, podemos ser quem verdadeiramente somos ou aquilo que, por erro, ilusão e ignorância ou por mera vontade, nos tornámos. A nobreza de Leão e do seu novilúnio passa necessariamente pelo reconhecimento da luz em nós.
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