terça-feira, 12 de setembro de 2023
Reflexões Astrológicas 2023: Parte I - Citação 1
quarta-feira, 6 de setembro de 2023
Reflexões Astrológicos: 5 Livros
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segunda-feira, 4 de setembro de 2023
Reflexões Astrológicas 2023: Retrogradação de Júpiter
Reflexões Astrológicas
Retrogradação de Júpiter
Lisboa, 15h11min, 04/09/2023
Júpiter
Decanato: Lua
Termos: Júpiter
Monomoiria: Mercúrio
Júpiter
inicia a sua retrogradação no signo de Touro, no 16º grau (15º34΄), estando Sagitário
a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, o lugar da Má
Fortuna (κάκη τύχη), no decanato da Lua, nos termos de Júpiter
e na monomoiria do Mercúrio. A retrogradação
começa assim de dia, abaixo do horizonte e depois do Sol passar a culminação. Em
2023, o movimento em que Júpiter nos concede a ilusão de estar a recuar
estender-se-á até 31 de Dezembro, onde estará no 6º grau (5º34΄), nos termos de
Vénus. Existirá pois um caminho de reintegração do potencial do bem entre os
termos de Júpiter e os de Vénus, oposto ao que se assistiu na retrogradação de
Vénus, quando o caminho se estendia entre os maléficos.
A
ligação entre os benéficos torna-se particularmente expressiva se pensarmos que
a retrogradação de Vénus termina quando vai começar a de Júpiter. A
potencialidade do bem afirma-se durante todo este período com uma qualidade
reflexiva, um meio de efectivação futura. Por outro lado, existe no fenómeno astrológico de
retrogradação uma certa forma de negação da acção planetária. Ora é neste
sentido que Hermann Melville, em Bartleby, o Escrivão (1853), expressou
uma categoria filosófica que pode também ser entendida como um modo último de
vida. A impotência, a não-potência, o acto de contrariar a acção impõe-se como
possibilidade, como uma permanência na possibilidade. O dizer “Prefiro não o fazer” é o baluarte
supremo da resistência, revelando que pode, mas prefere não o fazer.
Existe
aqui uma deliberação, uma escolha, que, embora impeça o acto, a realização, não
deixa de ser activa. No entanto, para a astrologia, a retrogradação vai
fixar-se entre a potencialidade, a impotência e a não-potência, não tanto por
liberdade ou negação, mas por ser uma condição sine qua non, um meio através do qual a criação e a acção geram as
suas raízes. Este processo de enraizamento contempla necessariamente a condição
nefasta ou desvantajosa, descrita por Doroteu (Carmen Astrologicum, I, 6) ou
por Paulo de Alexandria (Introdução, capítulo 14),
sem perder, todavia, o carácter de semente. Por exemplo, Hades/Plutão é tanto o
deus do submundo, dos mortos, como o deus da abundância, pois é sob a terra que
a semente germina, ou não. Na retrogradação de Vénus e Júpiter, temos de
considerar, desta forma, o enraizamento do bem e da justiça e, enquanto
semente, o seu potencial de dádiva ou bênção. Esta terá de ser, neste caso, a
matriz dos conceitos de δύναμις
e de ἐνέργεια quando aplicados à astrologia.
O
sentido da retrogradação de Júpiter pode ser apreendido, à semelhança do que
fizemos com Vénus, por uma análise
astro-mitológica. A passagem de Júpiter pelo signo de Touro está intimamente
associado ao Zeus cretense e à sua submissão à Grande Mãe, à deusa Reia.
Seguindo essa interpretação, a retrogradação de Júpiter em Touro pode ligar-se,
na teogonia cretense, ao momento em que os Curetes, os jovens guerreiros,
dançam e brandem os seus escudos em redor de Zeus recém-nascido, para que o
choro do jovem deus seja abafado e imperceptível para Cronos/Saturno, o pai
reinante que devorava os próprios filhos. A acção dos Curetes é um acto
iniciático, um que guarda o potencial de Zeus.
Por outro
lado, é a forma como Zeus se torna senhor do Olimpo, como adquire os seus
poderes (potencialidades), que melhor descreve e define a retrogradação de
Júpiter. O grande benéfico, seguindo as tradições matriarcais e matrilineares,
embora algo corrompidas pela literatura já androcêntrica, herda os seus poderes
de divindades femininas. Em termos astrológicos, este aspecto justifica, por
exemplo, o facto de Caranguejo ser o lugar de exaltação de Júpiter. A misoginia,
deliberada ou meramente ignorante, que ainda persiste em muita interpretação
astrológica pode ficar um pouco arrepiada, mas a leitura astro-mitológica
comprova esta raiz de sentido. As uniões de Zeus com outras divindades femininas
são a forma de este adquirir os seus poderes.
Ora é seguindo
essa tradição mitológica que Hesíodo afirma o seguinte: “Zeus, rei dos deuses, tomou por primeira esposa Métis,/ a que mais sabe sobre os deuses e os homens
mortais./ Mas, quando ela estava
prestes a dar à luz a deusa Atena de olhos garços,/nessa altura, ele enganou o seu espírito,/com palavras ardilosas, e engoliu-a no seu ventre,/ por conselho da Terra e do Céu coberto de
estrelas./ Ambos o aconselharam
assim, para que o poder régio/ não
pertencesse a nenhum outro dos deuses que vivem sempre, senão a Zeus./ Porque estava predestinado que dela
nascessem filhos muito inteligentes:/ a
primeira, a filha de olhos garços, a Tritogéneia,/ detentora de força e de
uma sábia vontade igual à do pai;/ depois,
seria a vez de um filho, rei dos deuses e dos homens,/ que ela daria à luz, um filho de coração soberbo./ Mas, antes, Zeus engoliu-a no seu ventre,/
para que a deusa lhe pudesse aconselhar o
que é bom e o que é mau.” (886-900, trad. A. Elias Pinheiro & J. Ribeiro
Ferreira. 2005: 74. Lisboa: IN-CM). Depois de Gaia e Reia, Métis é a primeira a
permitir a hegemonia de Zeus/Júpiter. Na verdade, Atena nasce posteriormente
com a condição de filha sem mãe, anulando o poder matrilinear. Este aspecto
determina a forma como Zeus/Júpiter adquire o seu poder através de uma
eliminação do poder feminino.
A sua segunda esposa é Témis, a mãe
das Horas e das Moiras. Esta concede ao deus o poder da justiça que, com o
intelecto de Métis, vai estabelecer a sua omnisciência. Depois segue-se
Eurínome, com quem teve as Graças e que, segundo a teogonia pelasga, foi a
primeira a reinar no Olimpo, num tempo anterior ao de Cronos e de Zeus. Com
Mnemósine tem as Musas, com Deméter, Perséfone, e com Latona, Apolo e Ártemis. Os
poderes da memória e poderes sobre a terra, o sol e a lua são adquiridos assim
através destas deusas e passados para a sua prole. A sua última esposa, aquela
que ficou mais marcada na tradição e mais adulterada pela misoginia dos tempos,
é Hera, com quem terá tido Hebe, Ares e Ilitia. Hera era uma grande deusa,
adorada em Argos, em Samos e na Argólida e venerada em Olímpia antes do próprio
Zeus, mas que a tradição descreve apenas como a esposa ciumenta e vingativa.
A passagem
do poder, das potencialidades radicais, das antigas divindades femininas para
Zeus firma astrologicamente esse movimento que vai da retrogradação ao estado
directo. Em 2023, retrogradação acontece não de forma isolada, mas como um
acorde da música das esferas. Primeiro, inicia-se após a retrogradação de
Vénus. Quando esta começou, Gémeos marcava a hora (tema de Lisboa) e agora
quando Júpiter nos ilude com o seu retrocesso, é Sagitário que marca a hora. O
eixo do conhecimento e da sabedoria fundam a interiorização da dádiva do bem.
Paralelamente, a retrogradação de Júpiter inicia-se com cinco planetas
retrógrados (Mercúrio, Saturno, Úrano, Neptuno e Plutão), acentuando-se assim a
já descrita qualidade do estádio.
No período em que
Júpiter estará retrógrado, ou seja, de 4 de Setembro a 31 de Dezembro de 2023, devemos
destacar os seguintes movimentos planetários: Mercúrio avançará de Virgem até
Carneiro, estando retrógrado de 23 de Agosto a 15 de Setembro e de 13 de
Dezembro a 2 de Janeiro de 2024, aqui já para além do período indicado; Vénus
passará pelos signos de Leão a Sagitário; Marte transitará pelos signos de
Balança, Escorpião e Sagitário; Saturno em Peixes ficará directo a 4 de
Novembro; Neptuno também em Peixes passará a directo a 6 de Dezembro; e Plutão
em Capricórnio terminará a retrogradação a 11 de Outubro, preparando agora o
seu derradeiro périplo por esta constelação. Por fim, é preciso destacar o
eclipse solar a 14 de Outubro e o eclipse lunar a 28 de Outubro. Estes são uma
parte dos acordes celestes que nos acompanharão nos próximos tempos.
O tema do início da retrogradação
Júpiter é também um importante meio de análise do período que agora se inicia.
Primeiramente é preciso considerar aqueles que estão co-presentes. Neste caso,
Júpiter faz-se acompanhar pela Lua e por Úrano e, estando entre eles, firma-se
um caminho de luz que se afunda sob o horizonte de Úrano à Lua. Esta é deveras
importante, pois Touro é o seu lugar de exaltação. Aqui a Lua é Métis e todas
as outras deusas que deram os poderes a Zeus. O caminho luminar agora descrito
assinala também a ascensão de Zeus, pois começa com a castração de Úrano e subida
de seu pai, Cronos/Saturno, ao trono do Olimpo e estende-se até às uniões com
as deusas antigas e que permitiram a assimilação dos seus poderes.
Por outro lado, a quadratura que se
estabelece entre os benéficos é bastante significativa, senão mesmo
estruturante e, por se dar em signos cardinais, vai fundar os movimentos
colectivos e pessoais de integração dos conceitos ou ideias de verdade, de bem
e de justiça. Por se estar a falar de Júpiter, os princípios vão adquirir um
valor espacial e, por confirmação ou negação, vão espalhar-se ou afastar-se de
tudo aquilo que nos rodeia. Se pensarmos que a retrogradação de Vénus terminou
quando a de Júpiter começou, esta quadratura vê expandido o seu sentido
profundo, aquele que, segundo Petosíris, nos diz que uma tensão quadrangular
entre os benéficos não é necessariamente má. Uma tensão do bem não cria o mal.
No entanto, devemos considerar sempre o seu valor reflexivo e estruturante. Vénus
em Leão, no lugar de deus (IX), vem dizer-nos que a nobreza da alma pode
triunfar sobre a má fortuna ou a suspensão da fortuna (Júpiter retrógrado em
Touro, na VI), mas o egocentrismo e a vaidade não triunfarão.
A posição de Júpiter em Touro, com a
Lua e Úrano, insere-se num triângulo, fundado no elemento Terra, com o Sol e
Mercúrio retrógrado em Virgem e com Plutão retrógrado em Capricórnio. A
retrogradação tem o sentido que já abordámos. O potencial do valor da Terra,
como elemento de estruturação da realidade, assume agora um sentido mais
profundo, tanto pela sua expressão mais negativa, e que é observável nas várias
formas de alienação que as estruturas materiais de valor produzem, como por
tudo aquilo que ainda se pode produzir e que pode transformar beneficamente a
humanidade. Esta posição triangular traz o destino para a integração do
elemento Terra. Para a humanidade, é difícil criar estruturas colectivas,
fundadas no elemento Terra, pois a partilha de riqueza, a igualdade, a
solidariedade e a justiça social têm sempre uma qualquer forma de resistência.
Se as considerarmos a partir dos elementos Água, Ar ou Fogo, como sentimentos,
ideias ou princípios espirituais, é mais fácil, mas quando mexe com a carteira
ou o estilo de vida, aí é que as coisas se complicam.
O sextil de Júpiter, da Lua e de
Úrano em Touro a Saturno e Neptuno em Peixes e destes últimos a Plutão em
Capricórnio vai obrigar a fluir, esses dons ou penas da Terra, por entre os
sentidos de necessidade e de solidariedade, nas águas universais. Estes
aspectos vão servir de fundação da realidade, de restruturação a partir de
valores antigos, de ideias que foram desenvolvidas, mas que aguardam uma
expressão renovada. A oposição do Sol e Mercúrio retrógrado em Virgem a Saturno
e Neptuno, ambos retrógrados, em Peixes aponta para esse caminho. Existem dois
exemplos que servem esse propósito de recriação conceptual. De um lado, temos o
hermetismo e o gnosticismo e, do outro, temos o estoicismo. Estes movimentos
filosóficos e espirituais trazem assim para o nosso tempo uma expressão
renovada e, na verdade, são todos muito próximos da astrologia, sendo até as
suas maiores matrizes filosóficas.
A retrogradação de Júpiter que domina sempre uma parte considerável do ano astrológico é um período fértil em oportunidades, mesmo que nem sempre de forma explícita. É preciso encontrar os dons da verdade, do bem e da justiça nesse processo necessário de ensimesmamento individual e colectivo. Não devemos portanto temer o voltar a si, esse retorno ao potencial, à raiz, da nossa existência.
quarta-feira, 16 de agosto de 2023
Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Leão
Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Leão
Lisboa, 10h38min, 16/08/2023
Sol-Lua
Decanato: Marte
Termos: Mercúrio
Monomoiria: Mercúrio
A
Lua Nova de Agosto ocorre no signo de Leão, estando Balança a marcar a hora
para o tema de Lisboa e, deste modo, na XI, no Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), no decanato de Marte, nos termos e na
monomoiria de Mercúrio. A sizígia dá-se
assim acima do horizonte e cerca de quatro horas após o pôr-do-sol. Os
luminares, estando o Sol no seu próprio segmento, encontram-se num caminho
ascendente, onde a luz sobe e fita a culminação. Este é o novilúnio que
expressa o sentido da individualidade, em que o eu reconhece a alma e a vê como
luz. Se pensarmos no Thema Mundi,
onde Leão e o Sol ocupam a II, a origem da vida passa a ser o valor da vida,
logo um viver, um modo de vida. Ora esta é a transformação pela luz, a
revelação do mistério.
Na
ordem vernal, Leão ocupa a V, a Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη), aquele lugar que diametralmente
observa o espaço onde agora se dá a sizígia, a XI, o Bom Espírito. Na V, a luz
é a dádiva da abundância. Se recordarmos os Trabalhos de Hércules, o herói para
vencer o Leão de Nemeia, para trazer o leão até si, tem tapar uma das duas
entradas da caverna, da gruta, onde o animal vivia. A gruta é naturalmente um
lugar, um símbolo, de Caranguejo, da Lua, da origem, já as duas entradas são os
lugares onde o Sol nasce e se põe. Para vencer o leão, Hércules terá pois de
trazer a luz até si, ou seja, para que a luz viva no humano, terá de se
extinguir no animal. Esta é elevação que pede o signo de Leão.
É
um erro pensar-se a mimésis
astrológica, zodiacal e planetária, apenas na finalidade do seu sentido. No
tiro de arco e flecha, são maiores as possibilidades de falhar o alvo do que
acertar. Os sentidos astrológicos espalham-se assim mais pelas suas
possibilidades do que na sua finalidade. Desta análise ou conclusão, extrai-se,
como consequência, o cuidado em avaliar-se, pessoal ou mundanamente, um sentido
astrológico na sua finalidade. É preciso, como metodologia existencial, domar
as possibilidades, do bem e do mal, para alcançar a finalidade. Em Leão, mais
do que em qualquer outro signo, para se alcançar essa luz é preciso domar as
vaidades e vencer as paixões.
Séneca,
nas Cartas a Lucílio, descreve-nos
este caminho da luz até nós, do reconhecimento da divindade que habita em nós,
quando diz que “Os deuses não nos desprezam nem
invejam, antes nos admitem à sua presença e nos estendem a mão para ajudar-nos
a subir! Admiras-te que um homem possa ascender à presença dos deuses? A
divindade é que vem até junto dos homens e mesmo, para lhes ficar mais próxima,
penetra até ao interior dos homens, pois sem a presença divina não é possível
existir a virtude! As sementes divinas existem dispersas no corpo humano: se
foram tratadas por quem as saiba cultivar, elas crescerão à semelhança da sua
origem, desenvolver-se-ão em plano idêntico ao da divindade de que provieram;
mas se caírem nas mãos de um mau cultivador então este, tal como um terreno
estéril e pantanoso, matá-las-á, produzindo ervas daninhas em vez de searas.”
(Ep.73.15-16; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A.
Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). O
Bom Espírito, o δαίμων, é agora o lugar de passagem onde a
sizígia acontece, onde a luz pede caminho e o divino se vislumbra.
É, nesse mesmo sentido, que Marco
Aurélio afirma o seguinte: “O meu guia
interior não se perturba a si mesmo; quero dizer, nenhuma paixão o altera.
(…) O guia interior, por si, de nada
necessita, a menos que a si mesmo dite uma necessidade; por isso nada o pode
perturbar nem entravar, se ele mesmo se não apoquenta e embaraça.” (Pensamentos VII, 16, trad.
J. Maia, Lisboa, Relógio D’Água, 1995). Esse guia é τὸ ἡγεμονικόν, mas
podia também ser o δαίμων, um
conceito tão caro à astrologia helenística. O sentido profundo da luz é,
primeiramente, o do reconhecimento de si e, de seguida, o da mediação divina. A
luz é o elemento de passagem, de integração da divindade na individualidade. Este
é o caminho que se inicia em Leão. Marco Aurélio dá-nos a chave para essa
rejeição da vaidade e das paixões leoninas, para a anulação de tudo o que
impede a vitória do herói sobre o leão que atormentava as gentes. O imperador
romano diz-nos que “Dentro de pouco te esquecerás de
tudo; dentro de pouco todos te esquecerão.” (VII, 21).
A ordem
do tempo é a derradeira forma de conflagração das vaidades e das paixões. Nesse
sentido, o Dragão da Lua consume a luz, eclipsando-o. Este aviso que, em
qualquer tema astrológico, coloca o peso do tempo, do destino e da necessidade
sobre a luz, sobre o seu potencial ou acção. Na disposição actual, sobre o eixo
Carneiro-Balança, terá uma acção de anulação da identidade, dos seus excessos,
da sua desmedida. Ora esta é particularmente expressiva no novilúnio de Leão,
com o eixo nodal sobre o horizonte, estendendo-se de Balança a Carneiro, do orto
ao poente. Note-se também que o regente de Balança é Vénus, o planeta que
apanha retrogradamente a sizígia.
A
Cauda Draconis em Balança consome a procura de harmonia, de equilíbrio dos
contrários, diminuindo o seu potencial, já a Caput Draconis em Carneiro pede o
nascimento de um novo eu, uma renovação da identidade sob a égide da
Necessidade. Este aspecto encontra também um sentido que concederá valor ao
lugar que, durante a viagem do Dragão da Lua por este eixo, consumirá a luz.
Nos signos de Caranguejo e Capricórnio, a 90 graus da Caput e da Cauda, e
segundo a lição dos astrólogos antigos, será o lugar onde a luz se extingue,
ora é para um desses lugares que os luminares se encaminham, subindo até ao
Ponto de Culminação em Caranguejo. A rejeição da origem devora a luz, a mesma
que dela surgiu.
No
novilúnio, o caminho luminar, a via ascendente, estende-se assim desde Marte em
Virgem, o maléfico fora do seu segmento e cujo mal está exacerbado, até à Vénus
Retrógrada em Leão. Encontramos também aqui uma senda onde a luz luta, combate,
contra a desarmonia dos opostos, a desagregação dos contrários. Porém, o Dragão
da Lua concede ainda a bênção de um bom aspecto (trígono à Caput e sextil à
Cauda), permitindo que o mal anterior seja colocado em contexto, interiorizado
pela aceitação do destino. Com a retrogradação, o amor é potência, palavra
sussurrada que deseja unir, mas ainda não une, e a força traz agora aspereza à
palavra (conjunção de Marte e Mercúrio em Virgem), a voz torna-se cruel, fere e
desune, assombrada pelo peso da Necessidade e a suspensão da empatia, Saturno
Retrógrado em Peixes, conjunto a Neptuno, também ele retrógrado.
Embora
os seus raios não incidam directamente sobre a sizígia, o olhar de frente dos
maléficos continua a afectar os nossos dias. Até Marte avançar para Balança (27
de Agosto), onde verá os seus raios amenizados pelo exílio, existirá este
choque, esta colisão desagregadora, entre as partes e o todo. De uma outra
forma, a quadratura entre os luminares e a Vénus em Leão e Júpiter e Úrano em
Touro, estando estes dois últimos no lugar da morte, da qualidade da morte, continua
a ser um indicador do perigo real que o nosso planeta enfrenta. As alterações
climáticas, agora potenciadas pelo calor e pelo fogo (Leão), são cada vez mais
evidentes e as suas consequências irreversíveis. O sextil de Júpiter e Úrano em
Touro a Saturno e Neptuno em Peixes traz consigo um outro lado: as cheias, o
degelo, as inundações e a pressão sobre barragens que afectam outros pontos do
mundo.
Paralelamente,
a posição de Júpiter e Úrano em Touro em trígono a Plutão em Capricórnio e a
Mercúrio e Marte em Virgem coloca na urdidura do tear do destino tudo aquilo
que o elemento terra produz. De um lado, temos a Mãe Terra e as suas dádivas,
temos um modo de vida que alternativamente se cria, sustentável e com maior
ligação à terra, mas, do outro lado, temos o capitalismo selvagem e o
consumismo desenfreado. Ora as actuais posições planetárias pedem que exista um
esforço, mas também um imperativo, de rever todas as estruturas materiais e
sobretudo os conceitos de valor e de justiça social. A especulação imobiliária
é, por exemplo, uma perversão do elemento terra, influenciada aqui pelo outro
elemento estruturante, o ar. Quando a terra quer ser ar, ou vice-versa, cria-se
um desequilíbrio, uma discórdia. É preciso encontrar em cada elemento o seu
valor. A Harmonia é uma lição que nasce por vontade, que se cria em sabedoria,
mas sempre a partir do amor e do tempo.
O sextil de Saturno e Neptuno em
Peixes a Plutão em Capricórnio, bem como a quadratura deste último ao Dragão da
Lua, está a conduzir-nos, quer por nossa iniciativa, quer pela força dolorosa da
necessidade, a um profundo processo de transformação. A humanidade está entre o
abismo e a montanha. A morte saiu à rua e, por onde quer que ande, não é
reconhecida. Quando o humano não reconhece a morte, esquecendo-se que também
ele terá de morrer e de que a vida e a morte correm no mesmo rio, existe uma
rejeição disruptiva do tempo e da necessidade e semeia-se a discórdia entre o
humano e o divino, entre o humano e a Mãe Terra, entre os humanos, entre a natureza.
É a consciência da nossa humanidade que permite a integração do humano, o
reconhecimento da simpatia universal que une a alma humana à Alma do Mundo, o
microcosmos ao macrocosmos.
O novilúnio de Leão, face à actual conjuntura astrológica, mundial e humana, mas também à natureza do próprio signo, obriga-nos a repensar o sentido da luz e o seu valor entre a nobreza da alma e a soma de todas as vaidades. Entre a luz e a sombra, podemos ser quem verdadeiramente somos ou aquilo que, por erro, ilusão e ignorância ou por mera vontade, nos tornámos. A nobreza de Leão e do seu novilúnio passa necessariamente pelo reconhecimento da luz em nós.
domingo, 23 de julho de 2023
Reflexões Astrológicas 2023: Retrogradação de Vénus
Reflexões Astrológicas
Retrogradação de Vénus
Lisboa, 02h33min, 23/07/2023
Vénus
Decanato: Marte
Termos: Marte
Monomoiria: Sol
Vénus
inicia a sua retrogradação no signo de Leão, no 29º grau (28º36΄), estando Gémeos
a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na III, o lugar da Deusa,
no decanato de Marte, nos termos de Marte e na monomoiria do Sol. A retrogradação começa assim, de noite, abaixo
do horizonte e a cerca de quatro horas do pôr-do-sol. Em 2023, o movimento em
que Vénus nos concede a ilusão de estar a recuar estender-se-á até 4 de
Setembro, onde estará no 13º grau (12º12΄), nos termos de Saturno. Existirá
pois um caminho retrotenso entre os termos de Marte e os de Saturno.
O
amor trilhará a senda dos maléficos, o que, no tema, já está assinalado na
oposição entre Marte em Virgem e Saturno em Peixes. Ora, no mesmo dia em que
Vénus passará a directo, Júpiter passará a retrógrado. Esta é também uma das
principais razões para uma análise mais atenta deste fenómeno astrológico. O
caminho dos benéficos será o de uma procura interna, ensimesmada, da dádiva,
das bênçãos que iluminam a vida e a morte, a criação e a destruição.
O
movimento retrógrado tem uma significação muito própria. Na Antiguidade, é
considerado de forma particularmente nefasta. Por exemplo, Doroteu afirma que
os planetas retrógrados causam dificuldade e infortúnio (Carmen Astrologicum, I, 6), já Paulo de Alexandria diz-nos que os planetas quando
estão a ocultar-se no Poente, matutina ou vespertinamente, ou quando estão em
declínio ou retrógrados tornam-se fracos, desvantajosos e com influências
insignificantes (Introdução, capítulo 14).
No
entanto, se considerarmos como matriz conceptual da influência planetária os conceitos
de δύναμις e
de ἐνέργεια, teremos de
acrescentar também à significação dos movimentos directos e retrógrados,
seguindo uma inspiração aristotélica, as qualidades de potencialidade e de actualidade
ou actividade. Neste sentido, a retrogradação não traduz a efectivação da
influência planetária, mas enraíza, por seu lado, a sua potencialidade. Existe
uma suspensão de um sentido activo, mas não uma ausência. Esta visão não vai
contrariar em absoluto as definições de Doroteu ou de Paulo de Alexandria, mas
também não vai condicionar a avaliação, baseando-a apenas numa significação
valorativa. O conceito de potencialidade, ou até, em certas condições, de
impotência, pode permitir que se estabeleçam outras relações de sentido. Ora é
face a essa realidade que os contributos astro-mitológicos podem ser
enriquecedores.
As
origens de Afrodite/Vénus são obscuras. A deusa olímpica pode ter a sua origem
em divindades do Próximo Oriente, como Inanna, Ishtar ou Astarte, ou pode mesmo
descender directamente de antigas divindades neolíticas, presentes nos locais
dos seus grandes santuários como Pafo ou o Chipre, ou ainda no santuário mais
antigo de Ascalon. As raízes de sentido desta origem vão fazer com que o
sentido da Vénus astrológica possa não ser apenas o tradicional e se expanda
até à sua matriz primordial.
Segundo
Hesíodo, na Teogonia, Afrodite nasceu
da seguinte forma: “Os testículos, por
sua vez, assim que cortados pelo aço/
e lançados desde a terra firme ao mar de muitas vagas / foram levados pelo mar, por longo tempo; à
sua volta, uma branca/ espuma se
libertou do órgão imortal e dela surgiu uma / rapariga. Primeiro, foi em direcção aos divinos Citérios/ que ela nadou, e de lá em seguida chegou ao
Chipre rodeada de mar;/ aí aportou a
bela e celebrada deusa que, à sua volta,/ sob os seus pés ligeiros, fazia florescer o solo, Afrodite/[a deusa nascida da espuma e Citereia de
belo toucado]/ esse é o nome que lhe deram deuses e homens,
porque na espuma/ surgira, e ainda Citereia, por ter aportado junto dos Citérios,/ e Ciprogeneia, por ter nascido em Chipre rodeada de ondas,/ou ainda Filomedeia, porque
surgida dos testículos.” (188-200, trad. A. Elias Pinheiro & J. Ribeiro
Ferreira. 2005: 50. Lisboa: IN-CM).
A
descrição de Hesíodo é aquela que determinou toda uma tradição e vinculou a significação
da Vénus astrológica, todavia, numa leitura atenta, podemos observar com
facilidade a predominância de um paradigma patriarcal e androcêntrico na génese
mitológica de Afrodite. Esse paradigma levará, por exemplo, a que Afrodite,
para ascender ao Olimpo, tenha de se casar. Hefesto/Vulcano, o deus da forja e
da técnica é o escolhido, pois para a conservação da harmonia dos opostos não
poderia ser Ares/Marte. O casamento é aqui uma forma de misoginia, uma
tentativa de converter a deusa ao patriarcalismo e de tornar a sua sensualidade
submissa, voltada para o masculino.
A
Afrodite olímpica é totalmente condicionada por essa visão, todavia, como Jane
Ellen Harrison diz, “As deusas
matriarcais reflectem a vida das mulheres, e não as mulheres a vida das deusas”
(Prologomena to the Study of Greek
Religion,
262. Princeton, 1991 (1903): Princeton University Press). Ora, seguindo essa premissa, as
deusas seriam a Donzela (Κόρη),
a Noiva (Νύμφη),
a Mãe (Μήτηρ) e
a Avó (Μαῖα).
Harrison afirma, a respeito de Afrodite, que “Ela é Kore na sua juventude
eterna e radiante: Kore como Virgem ela não é. Ela é, por sua vez, Nymphe, a Noiva, mas é a Noiva da velha ordem, ela
nunca é a Esposa, nem nunca tolera o laço conjugal permanente e patriarcal”
(262). Porém, Afrodite, não se vai tornar
nem a Esposa, nem a Mãe, ela é a Noiva e permanece a Donzela, porque, em certo
sentido, continua a ser a Senhora dos Animais Selvagens (Πότνια Θηρῶν) e do impulso radical que leva à união
sexual.
A
razão deste papel assenta em dois aspectos: por um lado, a virgindade não tinha
a conotação que teve mais tarde, a Donzela era aquela que não era a Mãe, era portanto
o parto e não o falo que mudava a sua condição, daí que existissem os banhos
rituais (e.g. Hera em Argos) que renovavam a “virgindade” das deusas; por outro
lado, a prostituição sagrada, presente nos cultos de Afrodite e nos das deusas
do Próxima Oriente que podem ter estado na sua origem (sobretudo Ishtar e
Astarte), revela a independência sexual da deusa. Hesíodo, mesmo anulando esta
herança, conserva certos aspectos quando diz que “Seguiu-a, sem demora, Eros e acompanhou-a o belo Desejo,/mal ela nasceu e se uniu à família dos
deuses./ E, desde o início, teve como competências e foi/ seu destino, entre os homens e dos deuses
imortais,/ as intimidades das meninas, os sorrisos, os enganos/ o prazer doce, o amor, a meiguice.” (Teogonia, 201-206).
De
um ponto de vista conceptual, Afrodite/Vénus, seja a deusa matriarcal e
primordial ou a patriarcal e olímpica, firma o seu poder, a sua influência, entre
Himeros, o desejo, e Eros, o prazer, ou seja, entre a origem
e o fim da sua natureza divina de Grande Deusa. Este elemento de passagem é
fundamental para compreender a Afrodite Pandêmia
e a Afrodite Urânia e estabelecer os
sentidos profundos da Vénus astrológica, tanto nos seus movimentos directo e
retrógrado como no seu ciclo de 8 anos e na sua fase helíaca. É nesta
alternância de sentidos que temos de analisar a fase actual. A retrogradação de
Vénus pelo signo de Leão vai trazer para a sua significação a Afrodite Pandêmia e a Afrodite matriarcal. O
poder de Leão trará então, como potencialidade radical, a força de uma Vénus
antiga.
No
tema do início da retrogradação, existe um outro elemento interpretativo que
merece a nossa atenção. Vénus (28º O 36΄)
encontra-se no ponto médio entre os luminares, ou seja, no caminho ascendente
da luz que se estende da Lua (27º
V
50΄) ao Sol (29º C 59΄), a deusa do amor encontra-se a meio
caminho. Se pensarmos que a Lua está com Marte e que Vénus está com Mercúrio e
junto ao Ponto Subterrâneo, compreendermos que a necessidade de reavaliação do
valor de Vénus, tal como o anunciámos, está reafirmada. Existe, desta forma,
uma dádiva por compreender, um valor suspenso no tempo que pede uma renovada
actividade.
As
relações de Vénus no tema são também significativas. A conjunção com Mercúrio firma
necessariamente a reflexão de que temos falado, até porque, na fase final da
retrogradação de Vénus, Mercúrio iniciará o seu movimento retrógrado no signo
de Virgem, potenciando a exaltação tanto da sua actividade como da sua
potencialidade. Por outro lado, une-se triangularmente (Caput) e hexagonalmente
(Cauda) ao Dragão da Lua no eixo Carneiro-Balança, no eixo da identidade. Esta
é uma relação que vai contrastar com a oposição entre os maléficos, Marte em
Virgem e Saturno em Peixes, considerando-se que este último é o astro mais alto,
pois se, por um lado, existe uma tensão na consciência da parte e do todo, como
se a força e o tempo não encontrassem nem sentido, nem lugar, por outro lado,
existe uma necessidade visceral de encontrar a consciência de si através da
identidade.
A
quadratura entre Vénus retrógrada em Leão e Júpiter e Úrano em Touro destrutura
o movimento da realidade. A união quadrangular dos benéficos, seguindo a lição
de Nechepso e Petosíris, não tende a ser negativa, todavia, obriga a repensar o
valor da dádiva, a bênção do bem, da união da beleza à justiça, do amor à
verdade. Este aspecto terá também nos tempos próximos uma expressão que
colocará em maior relevo as alterações climáticas, as mudanças que afectam o
planeta, aqui não tanto como a expressão dos fenómenos naturais, mas sim como a
expressão da humanidade, das suas respostas. Será o desejo, a ânsia, de um bem
maior que poderá mudar o nosso futuro. Teremos de ver para além das nossas necessidades
primárias, das nossas vaidades.
Durante o período de retrogradação de Vénus, assistiremos às seguintes mudanças em termos astrológicos: o Sol transitará de Leão para Virgem e Mercúrio também, iniciando depois a sua própria retrogradação, e Marte passará de Virgem para Balança, onde se unirá hexagonalmente à Vénus retrógrada. As lições que, deste modo, podemos retirar é que a compreensão da Vénus, neste caso no seu movimento retrógrado, deve ser expandida para além das estruturas interpretativas mais comuns e tradicionais. A mitologia e a análise astro-mitológica podem ser um importante contributo para essa reformulação. Existe uma Vénus por descobrir e a retrogradação é excelente momento para a encontrar.
segunda-feira, 17 de julho de 2023
Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Caranguejo
Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Caranguejo
Lisboa, 19h31min, 17/07/2023
Sol-Lua
Decanato: Lua
Termos: Júpiter
Monomoiria: Marte
A
Lua Nova de Julho ocorre no signo de Caranguejo, estando Capricórnio a marcar a
hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VII, o Poente (δύσις), no decanato de Lua, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se assim
acima do horizonte e a cerca de uma hora e trinta minutos do pôr-do-sol. Os
luminares encontram-se no eixo do horizonte, do lado poente, onde a luz se
afunda e desaparece. Este é o novilúnio que expressa o sentido da origem, a
matriz radical do Eterno Feminino. Caranguejo é o domicílio da Lua e, no Thema Mundi, é partir deste lugar que a
vida emerge, marcando-se, deste modo, o Ascendente do Mundo.
A
relação entre a Lua e o Ascendente, entre o leme da vida e a própria da vida,
estabelece a fundação da realidade, a sua origem. Naturalmente, esta é a matriz
inaugural do Feminino, do Eterno Feminino. Nesta relação, encontramos,
nomeadamente, o mito pelasgo da criação, em que deusa Eurínome surge como a
senhora da origem, a criadora de tudo o que existe. De um ponto de vista
astrológico, a forte herança mitológica em torno de divindade lunares deveria
fazer-nos repensar os sentidos profundos da Lua, mas para isso tinha de se
relativizar um certo exacerbamento, por um lado, da significação lunar de cariz
psicológico e, por outro, da tendência interpretativa de sobrevalorizar o
masculino face ao feminino. A Lua astrológica deveria continuar a ser uma deusa
da origem.
Neste
novilúnio, existe, porém, uma inversão dos pólos inaugurais no eixo do horizonte,
ou seja, Capricórnio está a ascender e Caranguejo a descender. De certa forma,
a origem está no fim e o fim está na origem. Ao estender-se no tempo, como a
própria Necessidade, o Eterno Feminino faz emergir, no ocaso da realidade, a
Senhora da Nova Era. Este é o tempo do Espírito Santo. Partindo da premissa de que
o termo hebraico (ruah) para espírito
é feminino, o Evangelho de Felipe afirma o seguinte: “Alguns dizem que Maria concebeu do Espírito Santo.
Erram não sabem o que dizem. Quando é que uma mulher concebeu de mulher? ” (55.20-30, ed. Piñero, Torrents & Bazán, II,
31. Lisboa, 2005: Ésquilo). No
entanto, um Espírito Santo feminino não nasce apenas de uma significação
terminológica, ele é o herdeiro natural da deusa hebraica e da hegemonia do
Sagrado Feminino na Antiguidade mais profunda. Esta é uma expressão do numinoso
que incomoda, que ofende o androcentrismo do pensamento religioso dominante dos
dois últimos milénios, mas também muita da espiritualidade actual. No entanto,
mesmo que seguido por poucos, ela existiu e continua a existir.
Os
versículos de Marcos que dizem que “aquele que blasfemar contra o Espírito Santo, nunca mais terá perdão, mas será réu de pecado eterno” (3:29, ed. João Ferreira de Almeida actualizada), mas também de Mateus, “Se alguém disser alguma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro” (Mateus 12:32), assinalam esta associação entre o Espírito Santo
e a Mãe Divina. Numa trindade de Pai, Mãe e Filho, como, por exemplo, a de
Osíris, Ísis e Hórus, a ofensa ao feminino será sempre a mais gravosa. Hoje o que
diríamos de alguém de ofende uma mulher, nomeadamente, a sua mãe, a esposa ou a
sua filha? Teria perdão o homem que ofende a mulher? O novilúnio de Caranguejo,
colocando a luz sobre o feminino, firma também esta questão. Uma outra de forma
de a vermos é se pensarmos no fogo de Héstia, na chama do feminino que arde no
centro do lar.
Menandro afirma que “O verdadeiro escravo do lar é o seu senhor”
(Frag. 760 Kock: εἷς ἐστι δοῦλος οἰκίας ὁ δεσπότης). Ora o fogo de Héstia/Vesta, ardendo no centro do
lar, é a imagem quase perfeita de um novilúnio no signo de Caranguejo e desta
servidão. Hoje este fogo arde sobre o Poente, mostrando, como uma palavra que
range no caminho (Marte en Virgem), que o fogo do feminino continua eclipsado
por um modo de ser, uma ponte corrompida entre o carácter e o valor, que tende
a rejeitar este fogo primordial. O pensamento androcêntrico dos últimos
séculos, ou milénios, fez com que colocássemos nas “cadeiras de poder” (o
antigo trono de Ísis, da Terra) figuras masculinos. Zeus/Júpiter, Ares/Marte ou
Apolo são a imagem do poder ou da força, todavia, Héstia/Vesta é a primogénita
de Reia e Cronos/Saturno e tem um lugar em todos os templos. Sem o fogo de
Héstia, os deuses não receberiam as suas oferendas.
O novilúnio de Julho, não só por
ocorrer no signo de Caranguejo, mas por todas as relações que entre os astros
se estabelecem, aprofunda o valor universal do feminino. Existem, em termos
políticos, económicos e sociais, todo um caminho por trilhar no que ao feminino
concerne, porém, em termos espirituais, a senda tem sido frequentemente
negligenciado ou desprezado. Na espiritualidade contemporânea, o androcentrismo
continua a ser dominante, tocando ainda por vezes uma misoginia patriarcal,
totalmente antiquada e bolorenta. Existe, mesmo nos meios mais esotéricos, uma
grande resistência ao númen feminino em harmonia plena com o masculino, e não
um degrau abaixo. Não precisamos de uma Mãe de Deus, mas sim de um Deus-Mãe.
A presença do Dragão da Lua no
início do eixo Touro-Escorpião, grau zero e minuto zero, marcando a sua
despedida deste eixo e o facto de no tema do novilúnio não existir nenhum astro
no quadrante da ascensão à culminação, excepto a Cauda Draconis, assinala uma
forma muito específica de significação de Feminino sobre o Poente. O Destino
está nas alturas, contudo, é a memória do fim no cume da montanha. Esta não é
uma cantiga de júbilo, mas sim uma ode de inevitabilidade. Adrasteia diz-nos
apenas que o fio está tecido.
Os dois trígonos que se fundem nos
elementos Água e Terra adensam e aprofundam o sentido último de origem e o
valor universal do feminino. O Sol e a Lua em Caranguejo unem-se, desta forma,
a Saturno e a Neptuno em Peixes e à Cauda Draconis em Escorpião. No trígono de
Água, a significação assenta radicalmente na Necessidade ou no Destino como
origem. No centro da realidade, as Meras tecem o que foi, é e será. Por outro
lado, mas complementarmente, o trígono de Terra estrutura a realidade do
feminino na Natureza e no Humano. Neste elemento, unem-se assim em trígono
Júpiter, Úrano e a Caput Draconis em Touro, Marte em Virgem e Plutão em
Capricórnio.
O triângulo de Terra vai dizer-nos
como a vida e a morte, a criação e a destruição, são os meios através dos quais
a Providência se expressa. O destino funda essa passagem entre o que nasce e o
que morre, o que ascende e o que descende, o que surge e o que se oculta. Um
novilúnio em Caranguejo sobre o Ponto Poente revela, com a voz de sibila, que a
origem e o fim são uma e a mesma realidade. Tudo se une pois em um no intelecto
do mundo, na Anima Mundi, e o Eterno
Feminino é a matriz desse sentido.
Naturalmente, e de acordo com a
beleza geométrica da doutrina de aspectos, os dois triângulos de Água e Terra
fazem com que os astros que neles se enraízam se unam hexagonalmente. Convém
que se note, porém, que estas uniões resultam da doutrina antiga de aspectos
que segue o sistema de casa-signo ou signo inteiro. Segundo esta, os aspectos
são ao signo e não ao grau, a orbe traduz-se, deste modo, nos conceitos de
aplicação (συναφή) e separação (ἀπορρόη). A Deusa Primeva, senhora da Necessidade, da Vida e da Morte, surge
portanto no centro destes dois triângulos e deste grande hexágono.
Existe, todavia, um elemento
disruptivo, uma vez que a oposição da sizígia a Plutão tem um carácter mais
destruturante do que disruptivo. As quadraturas de Vénus e Mercúrio em Leão à
Caput Draconis, a Júpiter e a Úrano em Touro e dos primeiros à Cauda Draconis
em Escorpião revelam a tensão radical em torno do valor de Destino, da
Necessidade, e de como este pode colidir com o exacerbamento do eu e com a soma
de todas as vaidades. Se a alma for nobre, se brilhar como o sol, o destino não
se opõe à identidade, mas se, pelo contrário, a alma beber do lago de Narciso,
os lotes que a Necessidade distribuir, vão tornar-se motivo de revolta e
contenda. Aquele que julga que o destino lhe furtou o brilho, o reflexo, não
pode nunca ser a luz que verdadeiramente é.
O novilúnio de Julho recentra,
porém, a dinâmica nas águas uterinas da realidade, no sentido profundo da
origem e, neste lugar, o espelho de Narciso estilhaça-se, pois na radicalidade
última ele ainda não existe. No ventre do mundo e da alma, está tudo despojado,
livre das amarras que o tempo, a realidade e a vaidade tendem a forjar. O lugar
da origem é um espaço matriarcal e o seu tempo, a sua era, é a do Eterno
Feminino, a do Espírito Santo.