sexta-feira, 31 de março de 2023
sábado, 25 de março de 2023
segunda-feira, 20 de março de 2023
Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Carneiro
Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Carneiro (Primeira)
Lisboa, 17h23min, 21/03/2023
Sol-Lua
Decanato: Marte
Termos: Júpiter
Monomoiria: Marte
A Lua Nova de Março, aquela que marca o início do ano astrológico, ocorre naturalmente no signo de Carneiro, menos de um dia após o equinócio, com Virgem a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VIII, no Lugar da Morte (θάνατος), da qualidade da morte, no decanato de Marte, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se assim acima do horizonte e cerca de uma hora e vinte minutos antes do pôr-do-sol. Convém referir-se que, em 2023, vão assinalar-se duas luas novas no signo de Carneiro: uma no primeiro grau e outra no último, sendo esta um eclipse. No actual novilúnio, o encontro dos luminares ocorre a caminho do Poente, estando a Lua desfavorecida por estar fora do seu segmento de luz (αἵρεσις), num signo masculino, o da exaltação do Sol.
Os temas do início do ano astrológico e da primeira Lua Nova de Carneiro convergem numa unidade de sentido que se estende, primordialmente, até ao segundo novilúnio, mas que marcará o ano de 2023, sobretudo até ao ingresso de Júpiter em Touro. Existem dois conceitos que marcam conceptualmente o signo de Carneiro. O primeiro é o conceito de Unidade, aquele que indica e promove o início do caminho vernal até Peixes, ou seja, da unidade à totalidade. O segundo conceito é o de πρᾶξις, a acção, e que resulta naturalmente do facto de, no Thema Mundi, Carneiro se encontrar no lugar de Culminação, no Meio do Céu, impulsionando tudo aquilo que se faz.
A via de Carneiro a Peixes ou de Peixes ao renovado Carneiro introduz, deste modo, uma outra ponte de sentido, uma que é, com frequência, difícil de conciliar, ou seja, aquela que une ou reúne a acção e a contemplação. A acção nasce da unidade e a contemplação procura a totalidade. São dois modos de ser e estar que a humanidade tem dificuldade de conciliar. No entanto, de um ponto de vista astrológico, a semente de um reside no outro. Um das mais antigas técnicas astrológicas, as dodecatemoria, cuja origem remonta à astrologia babilónica, embora naturalmente a um período posterior à criação do Zodíaco (século V AEC), apresenta a razão segundo a qual todas as propostas zodiacais criam uma harmonia de sentido.
Na modelo do micro-zodíaco, mas também de uma outra forma na distribuição da décima segunda parte (v. Fragmentos Astrológicos, 2020: 173-92), ao dividir-se os trinta graus de um signo em doze partes de dois graus e meio e ao atribuí-las a cada signo, começando pelo próprio signo, existe uma integração das diversas significações numa só unidade. Assim sendo, acção e contemplação coexistem em todos os signos, embora no início ou no fim só em Carneiro e Peixes, assinalando-se a estrutura conceptual cíclica.
Manílio, numa das suas descrições dos signos, diz-nos, no entanto, acerca de Carneiro, que os seus desejos vão conduzi-lo ao desastre (Astronomica IV, 124-39). A acção sem finalidade, sem a contemplação ou a vontade de totalidade, é esvaziada e conduz necessariamente à ruína. Xenofonte, nas Memoráveis, afirma que “Os homens possuem, por natureza, tendências para a amizade, porque precisam uns dos outros: sentem compaixão, ajudam-se trabalhando em conjunto e, conscientes dessa situação, mostram-se agradecidos uns aos outros. Mas possuem também tendências para a guerra porque, quando consideram que as mesmas coisas são belas e agradáveis, lutam por causa delas e, como divergem nas opiniões, opõem-se uns aos outros; a discórdia e a ira são também sentimentos bélicos, a obsessão pelo lucro é hostil e a inveja conduz ao ódio.” (6.21-22, trad. A. Elias Pinheiro. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009). A lição de Xenofonte, de um ponto de astrológico, revela aqui o quanto Carneiro precisa do sentido de Balança, mas também do de Peixes, ou seja, na posição diametral e no fim do ciclo, encontra-se a chave da sua própria acção.
Com a sizígia no Lugar da Morte, a acção que dá qualidade à morte torna-se mais significativa, sobretudo se conjugarmos esse sentido com o do Dragão da Lua. O eixo nodal passará, neste ano astrológico, do actual eixo Escorpião-Touro para o de Balança-Carneiro, ou seja, do eixo do valor (Morte e Vida) para o eixo da identidade (Dualidade e Unidade). Se considerarmos que o Dragão da Lua representa a interiorização do destino (Cauda Draconis) e da necessidade (Caput Draconis), a acção firma agora o seu sentido no peso, na gravidade do Destino e de como ele e o mundo são um e o mesmo. Nos Pensamentos, Marco Aurélio diz-nos o seguinte: “Tudo se harmoniza comigo o que contigo se harmoniza, ó mundo; nada me chega demasiado cedo ou demasiado tarde daquilo que a horas a ti acontece. Tudo quanto produzem as tuas estações, ó natureza, se volve para mim em recolhança de frutos! Tudo vem de ti, em ti se confina, a ti retorna.” (IV, 23, trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995). Desta forma, o mundo e a proposta de astrológica de unidade e totalidade constroem-se sob um princípio de concórdia, de simpatia universal.
A via de luz que ocupa, neste novilúnio, o quadrante superior feminino estende-se de Úrano até Neptuno e, de certa forma, até Saturno, embora já pós-poente. É portanto uma senda que transporta a revolução da Mãe-Terra, da Grande Mãe, a partir do Lugar de Deus, até à totalidade do amor universal e da necessidade, no lugar onde a luz fenece e a morte solar se alonga. No entanto, se concentrarmos o sentido da luz apenas no signo da sizígia, podemos encontrar um caminho que começa em Júpiter, passa por Mercúrio e termina no encontro dos luminares. Júpiter e Mercúrio são, em sentido lato, Estrelas da Tarde, tendo portanto uma visibilidade pós-poente que os torna, neste caso, expressões femininas. No entanto, numa análise mais restrita, existe uma diferença entre os dois planetas, pois Mercúrio encontra-se sob os raios solares (15 graus). A força abrasiva do Sol enfraquece assim a sua expressão.
Júpiter e Mercúrio, devida a esta posição helíaca, tornam-se dependentes da força activa da sizígia. Porém, a união da razão e da palavra e da justiça e do bem à acção da luz adquire aqui uma força reforçada. Por outro lado, por estar fora do seu segmento e consequentemente ser o grande maléfico, Marte ganha uma força destrutiva suplementar. A essa qualidade acrescenta-se também o facto de ser o astro mais alto e aquele que se encontra mais próximo da culminação.
Estes elementos posicionais concedem a Marte em Gémeos, já no fim do seu caminho por este signo, uma malignidade que contamina a acção humana. Ora, desta forma, o sextil entre Marte e a sizígia, bem como a Júpiter e Mercúrio, transporta consigo o peso da liberdade, ou seja, quando se escolhe o litígio, o confronto, as expressões de ira ou inveja, sofre-se o retorno da desmedida. A acção traz sempre consigo a reacção. A Necessidade não permite que roda do destino pare.
A retribuição da acção promovida por Marte em Gémeos expressa-se pelos raios quadrangulares entre este e Saturno e Neptuno em Peixes. De um ponto de vista astro-político, este é representa, como uma tensão, a dificuldade de se promover o Estado Social, a sua função primordial de diminuir a desigualdade e as assimetrias sociais. A conjunção de Saturno e Neptuno pedirá, ou exigirá, a refundação do socialismo como ideologia, mas também como sistema político e modelo socioeconómico.
Na verdade, quando Júpiter passar para Touro, unindo-se hexagonalmente a estes planetas, o ecosocialismo reforçará a sua expressão política. Se pensarmos que, quando Plutão ingressar em Aquário, fará uma quadratura a Úrano em Touro, agravando as consequências nefastas das alterações climáticas, percebemos então que as transformações político-ideológicas se tornam necessárias. A selvajaria do individualismo liberal e a incapacidade de mudança do conservadorismo, a par da intolerância da extrema-direita, não vão servir os tempos que se avizinham e as necessidades da humanidade.
É também assinalável, pela força da despedida, a quadratura de Plutão em Capricórnio à Lua, ao Sol, a Mercúrio e a Júpiter em Carneiro. O poder da morte colide com a luz da acção. Existe uma pulsão de transformação que não se efectiva. Não existe, no acto criativo que cada um pode promover, uma integração da via do abismo ao cume, daquela que, como diria Heraclito, faz com que o caminho a subir e a descer seja um e o mesmo. A revelação que ilumina esse trilho que se oculta na espuma dos dias encontra-se parcialmente em Vénus.
Em Touro, a deusa do amor encontra-se no seu domicílio e curiosamente encontra-se com aquele que, segundo o mito patriarcal, lhe deu origem. Afrodite/Vénus terá nascido da castração de Úrano. No entanto, neste signo feminino, existe uma proeminência da deusa do amor sobre o deus do céu. Aqui Vénus firma a sua expressão de amor universal, mas também de dádiva da terra, de flor e fruto.
A relação de Vénus e de Úrano em Touro, a partir do Lugar de Deus, com Saturno e Neptuno em Peixes (sextil), mas também com Plutão em Capricórnio (trígono), agregando em si a mensagem do Dragão da Lua, assinala a forma como o Sagrado Feminino marca os nossos tempos. O amor e a necessidade assumem-se como baluartes de uma nova era, um tempo em que a sabedoria se erguerá sobre as cinzas da realidade. Na Era do Espírito Santo, depois de séculos de exílio, o rosto feminino do divino revelar-se-á.
No tempo entre o actual novilúnio e a segunda Lua Nova de Carneiro, não encontraremos nenhum planeta retrógrado, promovendo-se assim, uma vez mais, a ideia de actividade. Mercúrio, Vénus e Marte avançarão para os signos seguintes: Mercúrio de Carneiro para Touro; Vénus de Touro para Gémeos; e Marte de Gémeos para Caranguejo. Já Júpiter e Saturno permanecerão nos signos actuais, ou seja, Júpiter em Carneiro e Saturno em Peixes. Nos planetas colectivos, Úrano continuará o seu ingresso por Touro e Neptuno por Peixes, enquanto Plutão chegará a Aquário.
A Lua Nova de Carneiro transporta consigo o sentido profundo de conjugar a unidade na acção e de tornar a identidade uma forma de actividade. No entanto, a acção precisa de propósito, de finalidade. Esse é o desafio que se avizinha.
domingo, 19 de março de 2023
Mercúrio em Carneiro: De 19 de Março a 3 de Abril de 2023
quinta-feira, 16 de março de 2023
segunda-feira, 13 de março de 2023
Livros - Rodolfo Miguel de Figueiredo
sexta-feira, 10 de março de 2023
Reflexões Astrológicas 2022: Parte II - Citação 2
quarta-feira, 8 de março de 2023
Lançamento: O Resto Permanece Humano: Livro II
terça-feira, 7 de março de 2023
Saturno em Peixes: De 7 de Março de 2023 a 25 de Maio de 2025 (1º Ingresso)
segunda-feira, 6 de março de 2023
Reflexões Astrológicas 2023: Saturno em Peixes
Reflexões Astrológicas
Saturno em Peixes
Lisboa, 13h35min, 07/03/2023
Sol-Lua
Decanato: Saturno
Termos: Vénus
Monomoiria: Júpiter
O
primeiro ingresso de Saturno em Peixes ocorre com Caranguejo a marcar a hora,
para o tema de Lisboa e, deste modo, na IX, no Lugar de Deus, no Lugar do Deus
Sol, no decanato de Saturno, nos termos de Vénus e na monomoiria de Júpiter. O ingresso dá-se assim acima do horizonte e
cerca de seis horas após o nascer-do-sol. Saturno encontra-se, deste modo,
favorecido por estar no seu próprio segmento (αἵρεσις) e
no lugar do regente do segmento, o Sol. O estudo deste ingresso e do seu tema é
essencial para a compreensão dos tempos que se avizinham. A chegada de Saturno
a Peixes é o acontecimento astrológico mais importante de 2023, seguido pelo
ingresso de Júpiter em Touro em Maio, criando-se, nesse momento, uma harmonia
entre os planetas e os elementos Água e Terra. No tempo (Saturno) e no espaço
(Júpiter), o Eterno Feminino tornar-se-á a dádiva da transformação.
Primeiramente
é necessário situar, no tempo cronológico, este ingresso de Saturno em Peixes
que acontece em dois momentos. O primeiro ingresso ocorre de 7 de Março de 2023
a 25 de Maio de 2025 e o segundo, mais curto, de 1 de Setembro de 2025 a 14 de
Fevereiro de 2026. Passará por três momentos em que estará retrógrado:
o primeiro, de 17 de Junho a 4 de Novembro de 2023; o segundo, de 29 de Junho a
15 de Novembro de 2024; e o terceiro, de 13 de Julho a 28 de Novembro de 2025 e
que inclui, como é perceptível pelos períodos anteriormente mencionados, o
primeiro ingresso de Saturno em Carneiro e o retorno a Peixes. Neste dois
períodos, convém também assinalar a passagem de Júpiter pelos signos de
Carneiro a Caranguejo e o ingresso de Neptuno em Carneiro (primeiro de 30 de
Fevereiro a 22 de Outubro de 2025 e depois a partir de 26 de Janeiro de 2026),
isto para não falar do ingresso de Plutão em Aquário, a 23 de Março de 2023.
O
ingresso de Saturno, do planeta do Tempo e da Necessidade, em Peixes, no signo
da totalidade, transporta consigo um sentido natural de conclusão, de término
ou fim de ciclo. Segundo a ordem vernal, Peixes é o último signo e, assim sendo,
a chegada de Saturno a este signo tem necessariamente a significação do fim,
mas também a da repetição, da estruturação do mesmo, da criação de uma unidade
de sentido, resultante da assimilação da totalidade em torno do propósito que a
Necessidade estabelece. Ora essa ideia de propósito une tanto a regência de um
deus do tempo como a de um deus agrícola. Esse é também o sentido do aforismo
de Novalis que diz que “o fragmento é
semente”, ou seja, a singularidade de um fragmento de tempo torna-se quer o
potencial, quer a finalidade da proposta que ele próprio apresenta. A
Necessidade é portanto uma totalidade que permeia toda e qualquer parte.
Se
a respeito de Peixes já discutimos o imperativo de refundar a sua significação
(v. Reflexão Astrológica da Lua Nova de Peixes), então, no que a Saturno
concerne, confirma-se o mesmo imperativo. A questão em torno da refundação do
sentido não é exclusiva deste planeta, mas é neste caso mais evidente. A
significação planetária, e também zodiacal, tal como a conhecemos, resulta, de
um modo geral, de um modelo categórico da física aristotélica ou do eclectismo
ptolemaico. Porém, existiam, na Antiguidade, outros modelos interpretativos,
nomeadamente o de Platão e o do platonismo. Segundo Plotino, Saturno
simbolizaria o Intelecto (Νοῦς) e Zeus, a Alma (Enéadas V, I, 4). Existia pois uma glorificação de
Saturno por este não representar os poderes terrenos, mas sim o poder mais puro
do pensamento.
Klibansky, Panofsky e Saxl dizem-nos
que “Saturno possuía a dupla propriedade
de ser o antepassado de todos os outros deuses planetários e de ter o seu trono
no céu superior. Essas duas qualidades, que devem ter estado originalmente
conectadas, garantiram-lhe uma supremacia, sem qualquer contestação, no sistema
neoplatónico, que se esforçou neste caso, como em outros, por reconciliar as
visões platónicas com as aristotélicas. A hierarquia dos princípios metafísicos
que remontava a Platão, segundo a qual o genitor tinha precedência sobre o gerado, estava ligada ao princípio
aristotélico do pensamento "topológico", segundo o qual uma posição mais elevada no espaço significava
maior valor metafísico.” (Saturn and Melancholy,
1979: 152-3. Nendeln/ Liechtenstein: Kraus Reprint). Esta
proeminência de Saturno, a par da atribuição de Plotino, desperta uma outra
questão, visto que normalmente o Intelecto é o Sol.
Existiu uma tradição babilónica, sobretudo num período
de cerca de 750 a 612 AEC, que designava Saturno como “o Sol”, Šamaš, em vez da nomenclatura
astronómica mais comum (cf. van der Sluijs, M. A. & P. James,
2013, “Saturn as the Sun of Night in Ancient Near Eastern Tradition” in Aula Orientalis 31.2, 279-321). Esta
designação torna Saturno o “Sol da Noite”, em oposição ao
próprio Sol, o “Sol do Dia”, e pode ter a sua origem num dos elementos astrológicos
radicalmente babilónico: as exaltações planetárias (as outras são o aspecto de
trígono e as dodecatemoria). O lugar
de exaltação do Sol, Carneiro, opõe-se ao da exaltação de Saturno, Balança.
Esse eixo pode ser assim aquele que une o “Sol do Dia” e o “Sol da Noite” e a tradição deste
sentido de Saturno persiste, mesmo que de forma discreta, na tradição
greco-romana. Ptolomeu, por exemplo, diz que os habitantes do território entre
a Mesopotâmia e a Índia chamavam à estrela de Vénus Ísis e à de Saturno Mitra
Hélios (Apotelesmática II, 3).
Por outro lado, e seguindo também
uma interpretação que é quase oposta ao Saturno aristotélico, temos o Saturno
feminino, algo que já abordei por diversas vezes (Fragmentos Astrológicos, 2020: 167-72; Reflexões Astrológicas
2021: Parte II, 2022: 30-1). Esta é a tradição cuja referência mais antiga
pertence a Doroteu de Sídon (Carmen Astrologicum, I, 10, 18-19) e que pode ter
ainda uma matriz de sentido na proeminência do númen feminino no reinado de
Saturno. A astrologia precisa pois de uma metodologia interdisciplinar para
melhor compreender os seus conceitos. O estudo rigoroso da mitologia pode,
desta forma, contribuir para refundação desses mesmos conceitos.
No tempo de Cronos/Saturno, a sua mãe
Gaia e a sua esposa Reia eram duas deusas poderosas, que não se apresentavam com
uma submissão ao paradigma androcêntrico, como a que encontramos nos deuses
olímpicos. Ora esse factor está presente em Manílio quando coloca a Mãe dos
Deuses (Reia/Cíbele), a par de Júpiter, como regente divino do signo de Leão (Astronomica II, 447). Se pensarmos que, do outro lado do eixo, está Saturno como regente astrológico
de Aquário, encontramos então um elo de ligação com Saturno como o “Sol da
Noite”.
Compreendemos, desta forma, que as
significações não são lineares e que, ao longo dos tempos, transmitem uma
prevalência interpretativa que não é, no entanto, exclusiva. Existem outros
sentidos que podem e devem ser recuperados. De um ponto de vista mitológico ou
astro-mitológico, encontramos ainda uma outra tradição que nos concede um
elemento de passagem entre o próprio Saturno e o Saturno em Peixes. Para além
do facto de Saturno ser o regente da Idade de Ouro, ele é também o rei da Ilhas
dos Bem-Aventurados, ou Ilhas Abençoadas.
Neste mito (e.g. Hesíodo, Os Trabalhos e os
Dias 156 e ss.; Platão, Górgias
525a e ss.), após o seu destronamento e prisão no Tártaro, Cronos/Saturno terá sido
reabilitado e terá encontrado um novo trono nas Ilhas dos Bem-Aventurados que,
segundo alguns, incluiriam os nossos Açores ou toda a Macaronésia. Nestas
ilhas, onde se encontram os Campos Elísios, viveriam aqueles que não têm de
perturbar a terra com o vigor das mãos e que vivem uma existência sem lágrimas
(Píndaro, Ode
Olímpia 2.55 e ss.). Este mito indica, sem grande esforço interpretativo, Saturno em
Peixes, a Necessidade sobre a Totalidade.
O tema do ingresso de Saturno em
Peixes, para a hora de Lisboa, tem uma particularidade deveras interessante,
pois ao fixar a hora em Caranguejo reproduz a disposição de lugares do Thema Mundi. Ora, desta forma, Saturno
vai cair no lugar de Peixes, a IX, o Lugar de Deus. Esta posição torna mais
significativa uma certa diminuição da malignidade de Saturno, uma vez que em Peixes
está no domicílio de Júpiter, aquele mitologicamente ocupou o seu lugar, e está
também fora de seu segmento de luz e num signo feminino. A condição de Saturno
pode assim, se a humanidade permitir, conceder à totalidade a Necessidade, ou
seja, pode conferir a dádiva da aceitação do destino, a sua interiorização. Se
conhecermos o propósito, a finalidade, o sentido do todo, o caminho adquire um
outro valor e transforma toda a acção.
Este tema, considerando-se os eixos
de ascensão e culminação, apresenta uma beleza singular e uma intensa expressão
do feminino que, tendo em conta os sentidos alternativos para Saturno, alcança
uma proposta significativa profunda. Primeiro temos o eixo pós-plenilúnio que
une a Lua em Virgem a Saturno, Mercúrio, ao Sol e a Neptuno em Peixes,
estendendo esta concentração até ao Lugar da Deusa, a III, onde a Lua se
encontra.
De seguida, temos
os dois trígonos: o da Água que une o ponto que marca a Hora em Caranguejo aos
planetas em Peixes e à Cauda Draconis
em Escorpião, em que o Destino se torna a vida e a fé, a sabedoria; e o de
Terra que, por sua vez, une a Lua em Virgem a Úrano e à Cauda Draconis em Touro e a Plutão em Capricórnio, a caminho do
poente, ou seja, um triângulo que faz da Deusa, do Eterno Feminino, o espírito
que se erguerá sobre as cinzas do velho mundo e a aurora de uma Nova Era. Por
fim, face a estes dois trígonos, temos os seis sextis que resultam destas
ligações, destas harmonias.
Existem, no entanto, dois elementos
que divergem desta unidade entre a Água e a Terra. Um diverge, convergindo,
pois afirma a acção do bem sobre esta proposta de sentido. Vénus e Júpiter em
Carneiro permitem que o bem, a beleza e justiça se tornem actividade. Desde que
a humanidade queira, a efectivação da dádiva é uma possibilidade. Os benéficos
são os astros mais altos, raiando de esperança, de luz, mas colidindo com a
morte sobre o Ocaso (Plutão em Capricórnio), sobre o seu poder. A destruição é o
perigo de uma actividade movida pela desmedida. No entanto, uma vez mais, será
Marte em Gémeos a expressar uma pulsão de divergência disruptiva, firmada pelos
raios quadrangulares aos planetas em Peixes e à Lua em Virgem. A malignidade do
pensamento dual que finge querer a mudança, quando o que faz é ferir e separar,
continua a ser uma ameaça real. As teias de desinformação que alimentam o ódio,
a xenofobia, a misoginia, o racismo, a intolerância são o abismo do humano.
Porém, a acção do bem, dos actos que promovem a igualdade, a liberdade e a
fraternidade continuam a ser o outro lado da barricada (sextil de Marte em
Gémeos a Vénus e Júpiter em Carneiro).
Saturno ingressa em Peixes no momento em que, neste signo, se encontram o Sol, Mercúrio e Neptuno. Esta concentração de luz, a partir do Lugar de Deus, apresenta-se como o fogo na câmara interna, no Santo dos Santos. Desse santuário profundo, a luz e a necessidade, a palavra e o amor universal podem alcançar a humanidade, a totalidade. Se considerarmos Saturno como o Intelecto, o que não diverge da ideia estóica de Destino ou a ideia platónica de Necessidade, podemos observar então a sua acção como parte deste princípio que permeia o mundo e que tece uma harmonia, uma simpatia, entre o microcosmos e o macrocosmos. Saturno em Peixes é, em suma, a Necessidade ou o Destino na totalidade.