sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Virgem

 Reflexões Astrológicas


Lunações 




Lua Nova em Virgem

Lisboa, 09h16min, 27/08/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Sol

Termos: Mercúrio

Monomoiria: Marte 

 

             A Lua Nova de Setembro ocorre no signo de Virgem, com Balança a marcar a hora para o tema de Lisboa, e assim na XII, no Lugar do Mau Espírito (κακός δαίμων), no decanato de Sol, termos de Mercúrio e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se, desta forma, acima do horizonte e cerca de duas horas após o nascer-do-sol. O Sol encontra-se favorecido por estar no seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e no seu decanato, embora num lugar cadente, já a Lua colhe as bênçãos de estar num signo feminino.

            Este é o novilúnio que marca o fim da primeira metade do ano astrológico e que coloca a Deusa como a égide reinante do tempo passado e do tempo futuro, do tempo em que se semeia e do tempo em que se colhe. É a Roda da Necessidade. A sizígia dos luminares em Virgem indica, deste modo, a luz da abundância, o fruto que alimentará no Inverno (Hemisfério Norte) ou a semente que amadurecerá no Verão (Hemisfério Sul). Esta a Deusa cuja cornucópia encontraremos em Capricórnio, traçando um caminho que une os signos de Terra, um caminho que une a Natureza, a Deusa e a Abundância.   

            Na Tábua de Esmeralda, diz-se que “Todas as coisas nasceram de uma. O seu pai é o Sol e a sua mãe é a Lua.” (traduzido a partir da versão de Jabir ibn Hayyan). Esse é o sentido profundo da sizígia dos luminares numa lua nova, ou seja, o Sol e a Lua representam os elementos criadores primordiais, a luz que cria o mundo, tornando o divino, por este meio, pai e mãe. E essa luz representa o que nasce na Câmara Nupcial e que se oculta nos seus mistérios. É a génese da realidade.

            Numa Lua Nova em Virgem, este valor radical assume, por um outro lado, um carácter de justa-medida, de proporção, mas também, por outro lado, de processo, de racionalidade do caminho. Manílio, na Astronomica, atribui a Virgem a deusa Ceres (II, 442: spicifera est Virgo Cereris). Ora Ceres, ou a Deméter grega, representam os frutos da terra, aqueles que só podem ser oferecidos se Perséfone regressar do submundo, do abraço de Hades.

            A associação a Deméter (Ceres) está intimamente relacionada com a atribuição de Astreia ou Dikê (Justiça) a esta constelação. Esta é uma atribuição que pode causar estranheza ao leitor ou ao astrólogo contemporâneo que desconheça a história antiga das constelações zodiacais (cf. Fragmentos Astrológicos, 2021: 143-6). Balança é o mais recente dos signos e que originalmente era designado de Garras/Piças de Escorpião (χηλαί), pertencendo pois ao Grande Escorpião (Balança + Escorpião), aquele envenenou Órion. Gémino, matemático e astrónomo do século I AEC, terá sido o primeiro a usar a designação ζυγός, que chegará a nós como a Balança. Podemos, no entanto, encontrar também esta mudança na astrologia babilónica, embora sempre em textos posteriores à criação do Zodíaco por volta do século V AEC. Ora este facto está na génese da atribuição do princípio da Justiça a Virgem e da sua busca a Balança, o que é facilmente perceptível tanto pelas regências domiciliares (Mercúrio indica o razão da justiça e Vénus o desejo de justiça) como pelas suas exaltações (Mercúrio indica o intelecto que permeia o mundo e Saturno o tempo da justiça e da necessidade).

            Astreia ou Dikê – e, na verdade, também Deméter – trazem consigo, na riqueza dos seus mitos, um certo elemento de negação, de ausência. Hesíodo, em Os Trabalhos e os Dias, conta-nos o seguinte: “E ela segue-os, chorando pela cidade e pelas moradas dos povos, / vestida da névoa, trazendo desventura aos homens que a baniram e a não distribuem com rectidão” (222-4 / trad. A. Elias Pinheiro & J. Ribeiro Ferreira. 2005: 100. Lisboa: INCM). Esta é a mesma negação que encontramos também em Sophia, a Sabedoria (cf. com a Lição IV do meu romance A Casa da Torre Velha. 2022: 203-8), e que pode ser lida, por exemplo, no texto gnóstico O Trovão: Intelecto Perfeito, quando afirma: “Eu sou a que foi odiada e amada em todas as partes. Sou aquela a que chamam Vida e chamaste Morte, a que chamam Lei e chamaste falta de Lei, a que haveis perseguido e haveis capturado, a que haveis dispersado e haveis reunido” (16.10-20, ed. Piñero, Torrents & Bazán, Biblioteca de Nag Hammadi I, 459. 2005: Ésquilo).

            Este interlúdio explica, para o tema de lisboa, mas também para todos os locais e pessoas, como o agrilhoamento da Justiça, da sua luz, agora no lugar do Mau Espírito, revela o mal-estar da humanidade. Balança a marcar a hora revela também esse desejo, essa pulsão, de justiça, de harmonia, mas também a sua dificuldade, a sua inacessibilidade. Os luminares ocultam-se nessa pós-ascensão de névoa cingida, conduzindo para as brumas a Deusa, o Divino Feminino. Esse é um caminho de rejeição que avançará até ao termo do círculo zodiacal em Peixes e que aí contemplará o seu retorno ou se dispersará.

            No novilúnio, a quadratura dos luminares a Marte, bem como a oposição a Neptuno, embora com menor intensidade, uma vez que Marte, face ao Segmento de Luz, é o grande maléfico, mostra a dificuldade desta mensagem ser compreendida. A Deusa Astreia continua a ser rejeitada e os seus dons são preteridos, pois a poeira inebriante das vaidades e da ignorância permanece como a grande companheira da humanidade. A quadratura natural entre Virgem e Gémeos (os domicílios nocturno e diurno de Mercúrio) é reforçada por este aspecto. O grande maléfico, durante a sua longa estadia em Gémeos (20/08/20022 a 25/03/2023), será particularmente nocivo para à ordem mundial, sobretudo para a paz, para a justiça e para a solidariedade. A actual quadratura deste aos luminares em Virgem e a Neptuno em Peixes alerta para este facto.

            Por outro lado, o trígono da sizígia a Plutão em Capricórnio e a Úrano e à Caput Draconis em Touro assume uma matriz estruturante e um governo da Necessidade na transformação do planeta e das criações humanas. Esse aspecto está intimamente relacionado com Marte e com a sua relação com Saturno, o outro maléfico. Não se pense que a passagem de uma quadratura para um trígono amenizará as tensões mundiais, pois entre os maléficos os aspectos são sempre disruptivos. Petosíris, já no século I-II AEC, alertava-nos para este facto. 

            No caso do trígono, o destino firmará de forma inevitável os seus ditames. Em Hiroshima e Nagasaki, Marte uniu-se a Úrano em Gémeos, onde as bombas atómicas foram efectivamente lançadas. Na Crise dos Mísseis em Cuba, Marte em Leão opôs-se a Saturno em Aquário, com o poder e o seu abuso a exercer a sua força. Este não é anúncio alarmista, mas o nuclear não saiu da agenda, e as tensões e a guerra, não só na Ucrânia, pois existe mais mundo, continuarão a exercer uma pressão imensa sobre a humanidade. 

            De uma outra forma, Marte em Gémeos une-se em sextil a Júpiter em Carneiro, que, por sua vez, se une também em sextil a Saturno em Aquário. O Senhor Espaço, do Bem e da Justiça, como fogo sempre vivo, está colocado entre os braços de Ar dos maléficos. A liberdade exige sempre uma escolha e essa é acima de tudo entre o bem e o mal, entre a sabedoria e a ignorância. O ar pode alimentar, se contido, nomeadamente pela terra e pela água, o fogo de Héstia ou sozinho pode tornar o fogo num incêndio e conflagrar o mundo.

            No novilúnio de Virgem, é necessário prestar sempre atenção àquele que nela encontra o seu domicílio e exaltação. Ora é a partir de Mercúrio em Balança que se estabelece um caminho ascendente que se estende de um Hermes Psicopompo (Estrela da Tarde, posição posterior ao Sol) até ao Ponto de Culminação (MC) em Caranguejo, tendo como timoneiro uma Venus Lucifera (Estrela da Manhã), uma Vénus em Leão e que também é, na verdade, um sextil entre Mercúrio e Vénus. Desta via eleita, extrai-se um sentido profundo que indica o modo como a razão reconhece a singularidade da vida e de como a harmonia é a razão que permeia o mundo. O divino feminino é aqui, nesta senda de sentido, a rainha do céu.

            O trígono de Mercúrio ora a Marte, ora a Saturno, coloca a razão e a palavra numa posição semelhante à de Júpiter, com o qual está em oposição. O pensamento e o discurso estão sobre uma enorme pressão que tanto pode produzir esforços negociais, como no caso da ONU e do seu secretário-geral, ou pode acentuar as posições nacionais, com frequência propagandistas e nacionalistas. A quadratura de Mercúrio a Plutão traduz também a forma como a palavra pode produzir a morte ou de como o irracional pode ser a fonte da transformação, mesmo que de forma destrutiva.

            Vénus em Leão representa um binómio que indica a nobreza como bela e a beleza como nobre. Este é o desejo régio de ser e criar, de fazer do espanto um entusiamo criador. Porém, é também a apoteose da vaidade. Neste novilúnio, o trígono de Vénus a Júpiter, o grande benéfico, irá expandir a dádiva do fogo, da acção que cria e da nobreza que eleva. Júpiter, porém, está junto ao Poente, anunciando uma certa ocultação da dádiva e, por outro lado, o sextil de Vénus a Marte, bem como a oposição a Saturno, revelam também uma tensão sobre essa mesma dádiva e sobre tudo aquilo eleva a alma e o espírito.

            A relação de Vénus e de Saturno será particularmente expressiva neste novilúnio, uma vez que se unem quadrangularmente tanto a Úrano como ao corpo do Dragão da Lua. Esta é uma associação ancestral, pois estes são os deuses pré-olímpicos, anteriores à ascensão de Júpiter e à hegemonia do masculino, de Júpiter e Atena. No entanto, existe nessa associação um carácter disruptivo, uma crise de valor e a mesma negação da Justiça primordial atribuída ao signo de Virgem. A humanidade, no seu abismo, cisma em não olhar para cima.     

            Em suma, a Lua Nova em Virgem leva a luz aos frutos da terra, tornando a natureza criadora, mas acentua também o intelecto que permeia o universo e o governo discreto da Justiça e da Harmonia.


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