quarta-feira, 27 de julho de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Leão

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Leão

Lisboa, 18h54min, 28/07/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Saturno

Termos: Júpiter

Monomoiria: Júpiter   

 

   A Lua Nova de Agosto ocorre no signo de Leão, com Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa, e assim no Lugar da Morte (VIII), no decanato de Saturno, termos de Júpiter e na monomoiria de Júpiter. A sizígia dá-se, desta forma, acima do horizonte e a cerca de duas horas do pôr-do-sol. O Sol encontra-se favorecido por estar no seu próprio domicílio, bem como no seu Segmento de Luz (αἵρεσις), embora a caminho do Poente. Do Sol convém ressalvar-se primeiramente, face ao tema em análise, o caminho que se estabelecerá com o benéfico e o maléfico do seu segmento, pois a 31 de Julho estabelecerá um trígono com Júpiter e a 14 de Agosto, uma oposição com Saturno. A luz persiste no espaço e no tempo como dádiva e necessidade, ocultando e semeando, colhendo e ceifando.

   O signo de Leão como domicílio do Sol, aquele que surge da casa da Mãe Divina, do útero do Divino Feminino e do signo da origem, Caranguejo, encerra em si uma forte conexão com a luz, com o fogo recém-nascido. É Hórus, nascido de sua mãe, da Grande Ísis. É o poder que, como trono da Terra, matrilinearmente se institui. Lembremo-nos do thema mundi e de como a Lua, no Ascendente do Universo (Caranguejo), amamentará o jovem Sol – tal como a Madonna e a criança –, em Leão, no segundo lugar. Ora esse sentido profundo da luz inaugural, do Sol nascente leva, por exemplo, o filósofo estóico Cleantes de Assos a dizer que este, sendo “o maior dos astros” (τὸ μέγιστον τῶν ἄστρων), é “o princípio que governa o mundo”, ἡγεμονικόν (Ário Dídimo phys., frag. 29.25-30 = SVF I.499a).

   A ideia de Cleantes do Sol enquanto ἡγεμονικόν está em harmonia com Crisipo de Solos, embora este prefira o éter, quando afirma o seguinte: “Porque não existe nada mais perfeito que o universo, nada é melhor que a virtude. Desta forma, a virtude é própria do mundo” (Cícero, Sobre a Natureza, II, 14, 39 = SVF II, 641: Este autem mundo nihil perfectius, nihil virtute melius: ignitus mundi est própria virtus). A virtude que une a perfeição do universo e o próprio Sol não transmitem um regramento catequista, mas representam sim a excelência, a ἀρετή, uma finalidade que une no indivíduo a beleza e o bem, καλοκἀγαθία, as bênçãos de Vénus e Júpiter, e que na sua acção traduz a nobreza da alma, a antítese da vaidade de Narciso. Com os luminares no signo de Leão e para se expressar essa nobreza da alma, o reflexo no lago deve deixar de ser a sua imagem para se tornar a imagem de si. A individualidade conquista-se, transformando o “seu” em “si”, onde aquilo que nos define e dignifica passa do exterior para o interior, onde a luz habita – e a sombra também.

   Existe, neste novilúnio, um potencial de luz, mas também de sombra, pois, na sua viagem diária, os luminares, recebendo da morte a própria vida, estão caindo para a sua ocultação. O fim do horizonte já se vislumbra e existe um caminho celeste que se inicia em Mercúrio e termina no próprio Poente (δύσις). Nessa senda, Mercúrio em Leão surge como Estrela da Tarde, sob os raios solares e em posição posterior, enquanto Vénus em Caranguejo avança na dianteira para a Noite Anunciada. O feminino conduz-nos ao reino nocturno que se avizinha, trazendo consigo, como feixe de luz, o Amor da Origem.

   Essa serpente de luz poente contrasta com o facto de não existir no tema da sizígia nenhuma luz que suba ou culmine. A cauda do Dragão da Lua é a que mais se aproxima do Ponto de Culminação (MC). O Destino sobe no céu, trazendo a imagem da morte ao espírito, e, no Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), a destruição é interiorizada enquanto condição necessária não da acção humana, mas sim da ordem de valor que a Necessidade estabelece e que coloca, por consequência, sobre o colectivo (Cauda Draconis em Escorpião na XI).

   O Dragão da Lua representa, deste modo, essa ponte, esse elemento de passagem, entre o Destino e a Necessidade. Não é portanto o passado por si só, é sim a integração do destino no tempo. Ora, na actual Lua Nova, a sizígia dos luminares encontra-se em posição quadrangular ao Dragão da Lua, revelando a dificuldade da luz, bem como nobreza da alma se expressarem acima dos ditames da Providência, sem assim os integrar ou revelar o seu propósito.

   Mercúrio em Leão, seguindo atrás do Sol, adquire aqui um carácter feminino. Ele é Hermes Crióforo: o pastor astuto. A palavra brilha aqui enquanto potencial criativo, ela não é a argumentação e o discurso racional, mas a linguagem artística e cultural. Mercúrio tenta mostrar ao poder da luz (Sol e Lua) que a arte continua a transformar o mundo e que a nobreza daquilo que se faz pode também através dela ser alcançada. Naturalmente, uma Vénus em Caranguejo dignificada colabora com este Mercúrio feminino, promovendo os dons do Amor e do Harmonia e confirmando o sentido desse caminho descendente.

   No entanto, Mercúrio e os luminares estão sob o olhar dos maléficos: Marte em Touro, com Úrano, em quadratura e Saturno em Aquário em oposição. Se tivermos em consideração a noite que se aproxima, Saturno ganha um papel, não pela intensidade do seu carácter maligno, pois, segundo o Segmento de Luz, é Marte que assume o papel de Grande Maléfico, mas sim pelo facto de este ser denominado de “Sol da Noite”. Este conceito remonta à astrologia babilónica, nomeadamente a um período pré-aqueménida, e resulta de uma certa identificação de Saturno com o deus Samas, uma divindade que reúne aspectos solares e saturninos. Apesar de esta ser uma atribuição que ainda hoje intriga os académicos, o seu valor astrológico é facilmente compreensível, em especial, se Saturno (Aquário) e o Sol (Leão) se olharem de frente (diâmetro ou oposição), repetindo o sentido radical do thema mundi e o significado oculto dos mistérios de Mitra.

   Se Saturno traz ao tema do novilúnio o valor da Necessidade sobre o viver, a justiça do tempo sobre a vida humana, com uma expressão que é mais didáctica que punitiva, Marte surge com uma solidez bélica e a destruição enraíza-se nas profundezas da terra e da nossa realidade, destruindo os velhos valores e deixando queimado o solo onde os novos podem nascer. A cinza fertiliza não o tempo do humano, mas sim a natureza que, de uma forma ou de outra, encontra sempre caminho. A união de Marte e Úrano em Touro cria assim uma revolução disruptiva na abundância criadora da V, da Boa Fortuna (ἀγαθή τύχη). O tesouro da cornucópia, do corno de Amalteia, pode então passar despercebido e ser ignorado, pois olhar fixa-se nas velhas riquezas, na ostentação.

   O belicoso deus itifálico e o celeste deus eunuco da natura naturata colidem com a deusa Gaia da natura naturans e, a partir desse choque, lançam os seus raios contra os luminares e Mercúrio. O essencial da vida e do viver sofre, desta forma, uma reavalição e os novos valores nascem das novas prioridades, despidas de vaidades e reduzidas às necessidades primordais. Marte e Saturno unem-se, porém, quadrangularmente e Marte, o Grande Maléfico deste novilúnio, tende a atacar, como se fosse uma pilhagem, aquilo que consiste no minímo da dignidade humana. A crise para muitos é sempre o enriquecimento de alguns e essa é uma roda que ainda não conseguimos destruir, pois, seguindo o engano da espuma dos dias, preferimos ignorar essa roda e permitir que persistem modelos de desigualdade.  

   Por outro lado, os benéficos distribuem a sua dádiva. Júpiter, o Grande Benéfico deste novilúnio, prestes a iniciar a sua retrogradação, promovendo uma integração da fé e do bem numa futura exteriorização da justiça e da compaixão (retorno a Peixes e reingresso em Carneiro). Essa bênção surge no trígono de Júpiter em Carneiro aos luminares e a Mercúrio em Leão como a potência do fogo puro que se quer efectivar, da luz que transforma o mundo. O sextil de Júpiter e Saturno contribui para atenuar do peso da Retribuição, visto que o benéfico do Segmento de Luz atenua o carácter maligno do maléfico do mesmo segmento. Porém, a Justiça quer ser uma força em acto e tornar-se determinante para o progresso da humanidade. A dignidade humana terá de ser uma luz no tempo.

   Vénus em Caranguejo, por seu lado, exacerba a Mãe do Mundo que chega, qual Afrodite Cipriota, à costa, às margens da terra (sextil a Marte e a Úrano em Touro), lembrando que a Terra se renova pelo Feminino e que a destruição, se o humano o permitir, trará do útero de Gaia o seu renascimento. No entanto, os benéficos encontram-se em quadratura e, embora Petosíris diga que uma quadratura entre os benéficos perde a sua tensão quadrangular, existe uma aqui uma desarmonia entre a dádiva do Pai e a dádiva da Mãe, ou seja, a acção perde o potencial de origem, a Vontade desliga-se da Sabedoria. Esta é, porém, uma tensão criadora que alimentará, no futuro, a reunião na Câmara Nupcial, reafirmando a harmonia dos opostos e o nascimento do Filho/Filha.

   A partir do Leme da Vida (I), o Senhor da Morte (Plutão em Capricórnio) lança o seu olhar sobre Marte em Tour (trígono), fazendo da luta e da morte uma parte da linha que o destino tece e que conduz naturalmente à transformação. Essa verdade tão difícil de aceitar traduz-se na tensão entre Plutão e os benéficos (oposição a Vénus e quadratura a Júpiter). A dádiva dos Elísios, diferente da lição do Tártaro, é difícil de alcançar, pois segundo os antigos está reservada a poetas, sacerdotes, heróis e deuses, o que implica ver a vida com outros olhos, daí o choque entre Plutão e os benéficos.

   Existe, porém, uma outra bênção: o trígono entre Vénus em Caranguejo e Neptuno em Peixes. O desejo de cuidar e o amor ao próximo podem contribuir para a presença da luz no mundo, para a sizígia dos luminares em Leão. Nesta Lua Nova, a nobreza da alma, mais do nunca, é a luz que guia a humanidade.  

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