Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Carneiro
Lisboa, 07h24min, 01/04/2022
Sol-Lua
Decanato: Sol
Termos: Vénus
Monomoiria: Lua
A
Lua Nova de Abril, a primeira do novo ano astrológico, ocorre no signo de
Carneiro, com este a marcar também a hora, portanto no Leme da Vida (Horóscopo/Ascendente),
e ainda no Segmento de Luz (αἵρεσις)
da Lua, com os luminares abaixo do horizonte e a menos de dois minutos do
nascer-do-sol (hora de Lisboa), no decanato do Sol, nos termos de Vénus e na monomoiria da Lua. Um outro aspecto a
considerar é que todos os astros se encontram no hemisfério oriental, somente a
Cauda Draconis se fixa no hemisfério
ocidental, no Lugar da Morte (VIII), o que reforça o sentido profundo deste
novilúnio. O Outro é a morte do Eu e, caído o Eu, renasce o Si.
A
subida dos luminares junto ao horizonte, com a Primavera iniciada há menos de
duas semanas, traz consigo a imagem dos deuses ibéricos Atégina e Endovélico a
subirem do submundo para uma terra renascida, livre do peso, da gravidade
escura do Inverno. O Sombrio devolve, recém-consagrada com uma nova luz, a Senhora
do Renascimento. Da cornucópia de Amalteia, da cabra de Atégina, a abundância
da flor e do fruto são devolvidas à terra. Porém, como um segredo no centro
lar, no fogo que guarda a casa, Trebaruna relembra-nos que a morte participa da
vida e que a morte do fruto é a vida da semente.
Ora
é nessa esteira de vida, morte e renascimento, colhendo também as lições dos
mistérios de Mitra, que Fírmico Materno descreve o Thema Mundi: “[Nechepso e Petosíris] pretendiam que fosse assim a natividade do universo, seguindo Esculápio
e Anúbis, a quem o Poderosíssimo Deus Mercúrio concedeu os segredos desta
ciência. Estabeleceram o Sol no grau 15 de Leão, a Lua no grau 15 de
Caranguejo, Saturno no grau 15 de Capricórnio, Júpiter no grau 15 de Sagitário,
Marte no grau 15 de Escorpião, Vénus no grau 15 de Balança, Mercúrio no grau 15
de Virgem e a hora no grau 15 de Caranguejo.” (Mathesis, III,
I, 1, ed. W. Kroll, F. Skutsch & K.
Ziegler, 1968, vol. 1, 91: “Mundi itaque genituram hanc esse voluerunt secuti
Aesculapium et Hanubium, quibus potentissimum Mercurii numen istius scientiae
secreta commisit. Constituerunt Solem in Leonis parte XV., Lunam in Cancri
parte XV., Saturnum in Capricorni parte XV., <Iovem in Sagittarii parte XV.,
Martem in Scorpionis parte XV.>, Venerem in Librae parte XV., Mercurium in
Virginis parte XV., horam in Cancri parte XV.”). Segundo
esta descrição inaugural, Carneiro é o signo que se ergue no Lugar de
Culminação (X), regendo assim a práxis
do universo.
A
raiz de sentido do princípio de actividade que rege Carneiro não se prende
tanto ao facto de ser o primeiro signo a contar do Equinócio da Primavera
(hemisfério norte), mas sim devido à regência primordial fixada pelo Thema Mundi. Esta práxis radical determina, neste novilúnio, a actividade da luz, a
força dos luminares. Assim sendo a luz do Sol e da Lua, ligeiramente abaixo do
Ascendente, logo antes do nascer-do-sol, coloca essa acção entre a bruma e a
alvorada. Existe um potencial, uma força que se quer efectivar, que tenta
rasgar o véu das trevas, da sua própria sombra, e criar um novo mundo. Essa
acção que traz a novidade ao mesmo coloca o peso da realidade sobre o Eu, mas
potencia também o dom da criação.
Sob os raios do Sol e conjunto aos
luminares, encontra-se Mercúrio. A palavra, nascida do Silêncio, da deusa
gnóstica Sige, torna-se uma força activa. Note-se que, no caso de Mercúrio,
este já se encontra acima do horizonte sem gozar porém do espírito fulgente dos
luminares, ou seja, brilha, mas não se expande, não alastra a sua influência. A
força da palavra iluminará alguns, mas enganará outros, tornará uns apaixonados
pela palavra e fará de outros virulentas vozes de conflito. É assim uma Estrela
da Manhã que chega apenas aos que estão despertos. Porém, a co-presença dos
luminares e de Mercúrio em Carneiro lança hexagonalmente e à esquerda os seus
raios até Vénus, Marte e Saturno em Aquário.
Na XI, o Lugar do Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), a união dos dois maléficos a Vénus torna a deusa do amor refém.
O desejo de tornar o humano em humanidade (Aquário) é reprimido por duas
forças: a discórdia (Marte) e a retribuição (Saturno). A opressão e a guerra
são uma expressão dessas forças. O lugar deste encontro concede, todavia, uma
bênção velada: aquilo que está de passagem é uma dádiva no caminho. Esta é uma
afirmação do caminho do meio. A temperança é a via eleita.
Contudo, Carneiro odeia a polaridade.
Marte teme apenas, pois é ela que o derrota, a deusa Atena, a senhora da guerra
e da sabedoria, da justiça e da prudência. Do outro lado da sizígia, guardado
pelo Poente (VII), o númen de Balança aguarda a sua hora. A impossibilidade ser
o Outro, de ver ou compreender o que está para além de nós, é compensada pela
necessidade social, indicada pelos planetas na XI, de elevação espiritual,
reafirmando assim o conceito de δαίμων.
Essa elevação continua a não ser,
porém, uma via colectiva. O carácter pessoal e electivo do caminho espiritual
preserva o seu valor de excepção. Esse é o peso do encontro de Júpiter e
Neptuno na XII. No Lugar do Mau Espírito (κακός δαίμων), a Justiça e a Compaixão, a Expansão do Bem e o Amor de Deus
encontram o Mal, a corrupção do espírito, não por via da sua radicalidade, mas
sim pela banalidade, pela liquidez daquilo que fazemos e daquilo em que
acreditamos. No entanto, Júpiter e Neptuno em Peixes preservam os dons da
bondade e da empatia, do melhor do humano. Na verdade, esta é a dádiva que pode
vencer o poder da morte (sextil de Júpiter e Neptuno a Plutão em Capricórnio e
trígono à Cauda Draconis em
Escorpião) e trazer uma revolução ao modo de vida (sextil de Júpiter e Neptuno
a Úrano e à Caput Draconis em Touro).
Neste novilúnio, Plutão é o planeta
que brilha mais alto. Do cume do céu, o poder da morte e da via radical de
transformação encadeiam a realidade (Plutão em Capricórnio). A autoridade do
Senhor do Submundo une-se à mensagem do Dragão da Lua, daquele que estende o
seu corpo entre a luz e a sombra (trígono à Caput
em Touro e sextil à Cauda em
Escorpião), anunciando o primeiro eclipse de 2022. A via entre a morte
(Escorpião) e a vida (Touro) é, desta forma, uma proposta de sentido. É pelo
conhecimento da morte que se alcança o conhecimento da vida. O Et in Arcadia Ego é uma luz no caminho. O
Ego, o Eu que em Carneiro se afirma,
é aquele que diz que também ele vive na Arcádia, ou seja, o Eu (Carneiro) e a
Morte (Escorpião) são um e o mesmo.
A simbiose das mensagens de Plutão e
do Dragão da Lua (eixo nodal) é demonstrada pela tensão que ela provoca. A
quadratura dos luminares e de Mercúrio em Carneiro a Plutão em Capricórnio e de
Vénus, Marte e Saturno em Aquário ao Dragão da Lua (eixo Escorpião - Touro), e
a Úrano Touro, fixa o modo como a luz e o humano enfrentam a morte e a viver.
Estas posições e estes aspectos são porventura a matriz de sentido do novilúnio
de Carneiro. A guerra, os extremismos, os nacionalismos, a ganância, a
indiferença, a vaidade e o perigo do pensamento único colocam a humanidade
sobre o gume de uma espada. Os tempos que nos esperam vão ser difíceis e será a
força dos nossos princípios, determinando a nossa práxis, que iluminará a Roda do Tempo e da Necessidade.
A transformação só acontece depois
de uma crise profunda e desengane-se quem pensar que uma espiritualidade,
defumada e de mãos dadas, líquida e fotogénica, pode trazer a mudança
necessária. O caminho da sabedoria é árduo e solitário e exige um esforço que não
coincide com a fama. A humanidade terá de refundar a sua matriz e, no centro, como
Mãe do Mundo, o Eterno Feminino será a glória e a graça de um novo humano.
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