segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Eclipse Solar Parcial - Lua Nova em Escorpião

 Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Solar Parcial 

(Lua Nova em Escorpião)

Lisboa, 12h00min, 25/10/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Marte   

Termos: Marte  

Monomoiria: Vénus   

 

  O Eclipse Solar Parcial de 25 de Outubro ocorre no signo de Escorpião, com Sagitário a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) do Sol, com os luminares acima do horizonte, embora na XII, também designada de Pós-Ascensão, o lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), e a cerca de quatro horas após o orto solar (hora de Lisboa), no decanato e termos de Marte e na monomoiria da Vénus. Os eclipses, no eixo nodal Escorpião-Touro, serão particularmente expressivos até ao eclipse total de 20 de Abril de 2023, já em Carneiro, embora a influência de alguns destes eclipses, como o actual, se estenderá pelos próximos anos, marcando assim essa ponte entre a morte a vida, entre as estruturas de valor que constroem a realidade e alimentam a nossa actividade.  

  A distribuição planetária pelo tema consolida a ideia – e que aliás será demonstrada pela matriz da série Saros em que este eclipse se insere – de que os elementos estruturantes (Terra e Ar) actuam agora de forma mais activa do que os elementos dinâmicos (Água e Fogo). Em primeiro lugar, deve-se estabelecer as fundações da uma nova realidade para depois colocar em movimento as novas forças criativas. Porém, metade dos astros, se considerarmos os transaturninos, encontram-se abaixo da linha do horizonte, o que potencia, no elemento Água, o princípio de sombra uterina do próprio eclipse.

  Mercúrio é a luz mais alta e a Estrela da Manhã, mas o eclipse ocultará a sua luz, bem como a de Vénus, a Estrela da Tarde, e, junto ao Poente, caindo para o reino sob a Terra, a de Marte. O número pode assim encobrir o sentido preciso e profundo deste eclipse, ou seja, Escorpião, qual timoneiro da morte, encerra em si, como um nevoeiro denso e temível, as chaves do abismo, e sem se descer ao abismo não se sobe à montanha. Essa é a dureza da verdade e do caminho da sabedoria, é como uma via iniciática que se trilha com esforço desapegado e despido de toda a vaidade.     

  Um eclipse tem o potencial extraordinário de colocar a sombra e a luz sobre o tempo e espaço, ocultando e revelando a sua dádiva. Ora, em termos geográficos e segundo as lições da astrologia antiga, Manílio refere primeiramente que Escorpião governa Cartago, a Líbia, o Egipto, Cirene, a Itália e a Sardenha (Astronomica IV, 777-82), enquanto Vétio Valente (Antologia I,2) diz-nos que Escorpião rege a Mesopotâmia, a Babilónia, a Grécia, a Acaia, Creta, as ilhas Cíclades, o Peloponeso, a Arcádia, Cirene, a Dória, a Sicília, a Pérsia, Metagonitis ou a Numídia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Mauritânia, a Getúlia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Síria, Comagena (Ásia Menor), a Capadócia, Itália, Cartago, a Líbia, Amom (Jordânia), Espanha e Roma.

  A sombra do actual eclipse cobre de facto muitas destas áreas, estendendo-se desde a Islândia até ao norte da Mongólia, entre o norte de África e o Médio Oriente e as regiões árcticas. No entanto, o centro do eclipse ocorre entre as cidades russas de Surgut e de Nizhnevartovsk, na planície siberiana ocidental. Estas são duas cidades cuja riqueza resulta especialmente do gás natural e do petróleo, alertando-nos para um agravamento da crise dos bens de primeira necessidade. Aquilo que tem valor está sob julgamento. De uma forma simplista e animada pela propaganda ocidental, dir-se-ia que a sombra da morte recairá sobre a Rússia e que a Ucrânia inverterá o ónus bélico, mas o lugar da morte pode também ser o sítio a partir do qual ela se expande, o seu actual domicílio. A guerra é sempre guerra e a humanidade perde sempre.

  Independentemente da perspectiva, a realidade diz-nos que será a partir deste território, seja qual for o lado das barricadas, que as hordas de falsos valores conduzirão a humanidade até às suas ruínas. A lição de uma sizígia sob corpo do Dragão da Lua e no signo de Escorpião remete-nos para uma concentração de luz e sombra num elemento destrutivo e este não é apenas a guerra, vai muito para além dela, pois coloca-nos no limiar do abismo, sem a segurança do fio de Ariadne, e obrigando-nos a centrar, ou recentrar, no essencial. Joseph Campbell, em O Poder do Mito, diz-nos: “Ama os teus inimigos porque eles são os instrumentos do teu destino.” (trad. J. F. Moisés, 174. São Paulo, 1990: Palas Athena). E, para aquele que se firma somente na vida (Touro) não existe maior inimigo que a morte (Escorpião), mas a vida e a morte, seja pela aceitação ou pelo temor, são os instrumentos originais do nosso destino.

  O tempo, face ao destino, surge assim como a cruz que se carrega por amor. O Amor de Deus vive na totalidade do tempo, na eternidade, todavia, o humano teme o instante e a eternidade, pois estes são, na verdade, um e o mesmo. A Necessidade, neste eclipse, traça os seus ditames de forma oculta. Se, de uma forma um pouco diferente do método ptolemaico, considerarmos três factores antigos, ou seja, o avanço de 10º do eixo nodal a cada eclipse de uma série Saros, a magnitude do eclipse e os tempos de ascensão para o centro do eclipse, constatámos então que a influência deste eclipse poder-se-á estender dos seis meses até aos quatro anos e meio. Este efeito funda-se num sentido que se encontra profundamente enraizado nas transferências de luz e sombra da presente série Saros.

  Bernadette Brady, em Predictive Astrology, acerca do conceito de série Saros, afirma o seguinte: “Imagine-se todo o conceito como uma floresta. Cada série Saros é uma árvore na floresta e cada eclipse é uma folha dessa árvore em particular.” (2022: 196. Newburyport: Weiser Books. Originalmente: The Eagle and the Lark, 1992). Cada série Saros produz um eclipse solar a cada 18 anos e 9 ou 11 dias, consoante os anos são bissextos, e estender-se-á por cerca de 650 anos. À medida que a série avança, cerca de 10 graus a cada eclipse, o eclipse acontece mais perto do eixo nodal, reduzindo-se a orbe entre o eixo e eclipse. Se a série começou no Pólo Norte, ela terminará no Pólo Sul, e vice-versa. Existe neste conceito não só um sentido profundo, riquíssimo para a Astrologia Mundana ou Global, mas também uma enorme beleza.

  O primeiro eclipse de uma série e o seu tema astrológico servem de matriz para toda a série, é o seu tema genetlíaco. A série Saros 124 começou com o eclipse de 3 de Março de 1049. Ora, a 12 de Fevereiro, Leão IX tornou-se papa e este será o pontífice que marcou, até 1054, o período que conduziu ao Grande Cisma, à separação entre a igreja católica e a igreja ortodoxa. Pode parecer, à primeira vista, apenas um acontecimento ou fenómeno espiritual, todavia, este cisma estabeleceu um conjunto de alterações políticas que subsistem até aos nossos dias. Por outro lado, o último eclipse da primeira fase, isto é, da primeira fase eclipses parciais, deu-se a 1 de Junho de 1193. Uma data que consolidou o desfecho da terceira cruzada: morre Saladino e o rei Ricardo I, no seu regresso, é capturado por Leopoldo V, duque da Áustria, e entregue ao imperador Henrique VI, por suspeita de envolvimento no assassinato de Conrado de Monferrato, eleito rei de Jerusalém.

  O Sol, a Lua, Vénus e Mercúrio em Peixes, no eclipse matriz (06/03/1049), em sextil a Saturno em Capricórnio e também Neptuno em Carneiro em sextil a Júpiter e Plutão em Aquário favorecem estes acontecimentos e determinam uma tendência que está presente em toda a série. De facto, no primeiro eclipse total que assinala o início da segunda fase (12/06/1229), os factos históricos prosseguem em sentido similar, pois, nesse ano, termina a sexta cruzada na Terra Santa e é assinado o Tratado de Paris que impõe o fim da cruzada albigense que, por consequência, leva a igreja católica a estabelecer permanentemente o Santo Ofício da Inquisição em Roma, chefiado pela ordem dominicana.

  A segunda fase da série Saros 124, aquela em que ocorreram os eclipses totais, estendeu-se até ao eclipse total de 22 de Setembro de 1950 ou até ao eclipse híbrido de 3 de Outubro de 1986. No primeiro, a Guerra da Coreia domina o panorama geoestratégico mundial, mas também ideológico. Deve-se destacar que, na data do próprio eclipse, começou a Segunda Batalha de Seul e, no dia seguinte, a Batalha da Colina 282. Já na data do eclipse híbrido, convém salientar o sismo de San Salvador (10/10/1986) e o encontro de Reagan e Gorbatchev, em Reiquiavique, para se discutir a redução do arsenal bélico. Este encontro falhou o seu propósito. Porém, do ponto vista astrológico, o centro do eclipse ocorreu na costa da Islândia, confirmando o seu sentido.

  A terceira e última fase da série iniciou-se com o eclipse parcial de 14 de Outubro de 2004 e terminará a 11 de Maio de 2347. No eclipse de 2004, menos de duas semanas após o mesmo, assinou-se o Tratado de Roma, a primeira constituição europeia. É assim bastante evidente que esta série está profundamente enraizada em valores espirituais e políticos, todavia, quando são colocados em acção, assumem-se, com frequência, quer como promotores de concórdia, quer como fontes de intolerância e até de totalitarismo. A intensidade maléfica do actual trígono de Ar, ou seja, Mercúrio em Balança, Marte em Gémeos e Saturno em Aquário, possui muitos dos elementos que corromperam o pensamento, as ideias e a comunicação. A superficialidade com são abordados muitos dos temas é exemplo disso mesmo, bem como o poder disruptivo da propaganda e da desinformação.

  A aversão entre o eclipse, entre a posição dos luminares e de Vénus em Escorpião, e Marte em Gémeos estabelece-se com profundidade, pois não se funda apenas na posição geométrica e na respectiva ausência de aspecto ptolemaico, mas também no facto de o regente domiciliar do eclipse se encontrar neste lugar disfuncional, onde a morte da sombra e da luz, sugerida pelo eclipse, é de facto anunciada. Existe aqui, nesta aversão, uma destruição que não é explícita, mas que se oculta no prenúncio de Hades, na sua sombra sob a terra, sob o reino de Deméter. A relação do eclipse com Júpiter em Carneiro fundamenta-se também numa aversão, contudo, quer por ser um benéfico, quer por não ter a mesmo dignidade em Escorpião ou ainda pelo trânsito futuro por Peixes e depois por Touro, não assume o mesmo carácter que Marte em Gémeos.            

  O segmento de luz intensifica também o carácter maligno de Marte, fazendo deste o grande maléfico do eclipse. Já Saturno em Aquário, apesar de atenuado pelo segmento de luz diurno, une-se quadrangularmente com os luminares e com Vénus. Este traz consigo a morte de Penteu, o rei de Tebas que casou com Harmonia, filha de Afrodite e Ares. As bacantes, adoradoras de Dioniso, confundem, no seu frenesim, Penteu com um javali e matam-no. É Dioniso quem leva as bacantes a cometer o acto, porque Penteu renegava o deus e desrespeitava o seu culto. O carácter apolíneo de Penteu, enraizado aqui em Touro, opõe-se ao dionisíaco, à expressão de Escorpião e este é o eixo nodal, o corpo do Dragão da Lua, que rege este eclipse. Saturno em Aquário concede quadrangularmente, com peso, com gravidade, a este eixo e a esta oposição entre Apolo e Dioniso, entre Touro e Escorpião, a ὕβρις, a desmedida. Existe, deste modo, uma nova tensão nas fundações da Natureza.

  A relação do eclipse com os transaturninos pode encontrar também aqui uma matriz de sentido que é mitológica e astrológica. Se Escorpião é Dioniso, então a sombra do eclipse vai levar a estes planetas o êxtase da destruição, o frenesim da separação, aquele em que o indivíduo se perde, emergindo num delírio espiritual e místico. As profundezas reservam para si esse poder. Tem de existir uma renovação pela morte. Esta é a condição necessária para o renascimento, para a chegada de uma nova luz. A sabedoria voltará a brilhar, pois morto o velho humano, o novo nascerá.

  A forma como, no entanto, este princípio leva os seus raios aos planetas transaturninos obriga-nos a rever a estrutura conceptual que lhes outorgarmos, pois se analisarmos com cuidado a mitologia de Úrano, de Neptuno e de Plutão, percebemos que podemos estar a cair numa falácia. Quando, para facilitar a interpretação, a astrologia contemporânea colou o significado dos signos primeiro ao significado das casas na ordem vernal e depois destas aos seus regentes, criou-se um sentido que pode ser desadequado e exagerado. Algo que, pelo peso da tradição, não aconteceu com os restantes planetas. Contrariou-se, por exemplo, o valor conceptual do thema mundi e o significado tópico do sistema de casas, ambos criados pela matriz hermética da astrologia antiga. A mitologia pode refundar estes conceitos e trazer outros sentidos aos transaturninos.        

  A oposição entre os luminares e Vénus em Escorpião, sob o manto do eclipse, e Úrano em Touro tem, neste binómio nietzschiano de apolíneo e dionisíaco, uma hegemonia do tirso, qual deus itifálico, sobre o deus castrado emasculado. A castração de Úrano não é, de um ponto de vista astrológico, a consequência directa de uma certa androgenia de Hermes/Mercúrio. Úrano é castrado por Cronos/Saturno por se recusar a separar-se de Gaia, impedindo os seus filhos de sair do seu ventre. Na verdade, a posição de Úrano em Touro reforça este aspecto. Este é também o céu agressor e o símbolo da terra abusada, subjugada. A actual quadratura de Saturno e Úrano traduz, neste cenário mitológico, a libertação da Terra do seu jugo. Hoje o abusador é o humano e a Terra clama por liberdade.

  De uma outra forma, o trígono com Neptuno em Peixes mostra como o deus Posídon não representa de todo a ilusão ou a evasão. É um deus dominante, misógino como Zeus, que tomou o trono de Eurínome, a deusa do mar e da origem, e que sob a forma de cavalo é sexualmente prolífico, daí que represente aqui a teogamia e a fertilização divina. Já o sextil com Plutão em Capricórnio introduz, por exemplo, como o deus romano Plutão representa a abundância, pois as riquezas nascem sob a terra, no seu domínio. Ora, indicando Capricórnio o corno de Amalteia, a cornucópia da abundância, esta posição adquire assim um outro sentido. Este é o poder da semente. Os planetas transaturninos devem pois passar por uma refundada exegese que os liberte do pensamento único.

  Neste eclipse, o grande benéfico, devido ao segmento de luz, é Júpiter em Carneiro. No signo que é fogo em acto, exacerbará a dinâmica criativa, mas aquilo que cria também destrói. Essa é a regência domiciliar de Marte sobre Carneiro. A actual oposição de Júpiter e Mercúrio, estando em Balança, mas ainda sobre os raios sombrios do eclipse (15º), estende diametralmente a dádiva e a palavra. Existe uma separação entre a justiça e o pensamento. A ilusão da propaganda populista e belicista serve essa cisão. O sextil, símbolo do livre-arbítrio, entre Júpiter em Carneiro e Marte em Gémeos, entre o grande benéfico e o grande maléfico do tema do eclipse, consolida aqui, de forma negativa, esta tendência para a corrupção da justiça e do pensamento.  

  Já, por outro lado, o sextil entre Júpiter em Carneiro e Saturno em Aquário pede à liberdade humana uma integração do destino na dádiva, criando uma outra justiça. A nova era, o tempo do Espírito Santo, do Divino Feminino, cria, sob os auspícios de Júpiter e Saturno, o espaço e o tempo para a Sabedoria. Porém, existem agora três quadraturas que minam os passos que hoje temos de dar nesse sentido. São elas a quadratura de Mercúrio em Balança e Plutão em Capricórnio, a de Marte em Gémeos e Neptuno em Peixes e a de Júpiter em Carneiro e Plutão em Capricórnio. Todas revelam, tal como a mensagem do Dragão da Lua indica, os falsos valores que estão demasiados enraizados e que a humanidade teima em defender. O falso sentido de universalidade, a obstinação do pensamento único e a parcialidade da injustiça impedem a mudança necessária.

  Um eclipse solar em Escorpião, mais do que em qualquer outro signo, coloca-nos perante a Sombra, não aquela que tudo escurece, mas aquela que oculta a Luz.