quarta-feira, 7 de novembro de 2018
segunda-feira, 5 de novembro de 2018
Biblioteca II: Eduardo Gamaglia - Astrologia Hermetica
Apresento aqui algumas sugestões para uma biblioteca astrológica. Contudo, como critério de coerência, não irei apresentar nenhum livro que não tenha lido. O objectivo é sobretudo apresentar títulos que permitam aprofundar os conhecimentos astrológicos e que, por norma, não sejam os mais comuns. Um dos piores erros em que pode cair um astrólogo é cingir-se ao superficial e cair no lugar-comum e na frase-feita. Deve-se portanto procurar como se nunca nada se encontrasse. Um livro lido deve assim servir de ponte para o seguinte.
Gramaglia, Eduardo, Astrologia Hermetica: Recobrando el Sistema Helenistico.
Buenos Aires: Editorial Kier, 2007
ISBN: 9789501741131
Páginas: 400
Preço: 39€
Comentário
O livro de Eduardo Gramaglia apresenta um outro lado, não menos importante, no estudo da Astrologia Helenística: a aplicação contemporânea das técnicas antigas. Neste livro, encontramos uma renovada práxis do sistema astrológico helenista, nomeadamente o de matriz hermética, ou seja, este é um texto que, sem ignorar a abordagem teórica, foca-se na utilização astrológica dos princípios antigos. Gramaglia mostra assim, através de exemplos, como as técnicas astrológicas, expressas pelos vários autores antigos, podem e devem continuar a ser experimentadas.
A principal fonte de Gramaglia é a Antologia de Vétio Valente. Ora esta opção define a vertente hermética do texto e contrasta com o modelo exotérico de Ptolomeu. Esta distinção, que já abordámos em Para uma Leitura dos Textos Astrológicos Gregos e Latinos, apresenta aquela que seria a principal tradição astrológica na Antiguidade e a que marcou a revolução horoscópica do sistema greco-egípcio face à astromancia mesopotâmica. Foi a passagem de um sistema de manteía para um lógos astrológico que permitiu que hoje se defenda que a astrologia é uma forma de linguagem, uma representação do humano e do universo, e não uma técnica oracular. No entanto, como o próprio Gramaglia afirma, referindo-se a uma mesma opinião de Robert Schimdt, a astrologia não se desenvolveu através de séculos de observações empíricas, mas essa integridade e coerência foi obra de um homem ou de uma escola de homens (p. 16). Naturalmente, estão-se a referir a Hermes e à escola hermética. Gramaglia diz também que, no século IV AEC, o corpus astrológico já se apresentava como um sistema organizado (p.17).
Estes aspectos levantam, todavia, algumas dúvidas. Por um lado, não podemos falar de uma creatio ex nihilo, pois existem diversos factores que colaboraram para a génese da astrologia horoscópica e genetlíacal, nomeadamente, o multiculturalismo do império de Alexandre, as tradições astronómicas e mitológicas e a permeabilidade ao contexto filosófico, especialmente, ao estoicismo, platonismo e pitagorismo e, por lado outro, fixar, no século IV AEC, essa estabilidade textual e sistemática parece algo forçado, pois seria mais prudente colocar esse processo entre os séculos III AEC e I EC. No entanto, a tese principal deveria ser comummente aceite, pois tudo indica que a génese astrológica provenha de uma escola hermética. A referência constante aos antigos ou aos antigos egípcios como autoridade prova, de facto, esse mesmo legado.
No século I EC, nomes como Critodemo, Teucro ou Trasilo revelam-se, através dos testemunhos e fragmentos, como continuadores desse linhagem, que, por sua vez, passará para Vétio Valento, Fírmico Materno e Paulo de Alexandria. No entanto, depois do legado de Hermes, encontramos, entre o fim do século II e o início do I AEC, os principais transmissores dessa tradição hermética. Nechepso e Petosíris, um faraó e um sacerdote egípcios, são, depois da fundação da astrologia, a base dessa linhagem. Gramaglia, embora force um pouco a tese de uma completa formação astrológica no século IV AEC, é fiel a esta linhagem e ao sentido profundo que ela indica.
O livro está dividido essencialmente em duas partes: a primeira é uma introdução à astrologia helenística, aos seus princípios, e a segunda, a maior, consiste na exposição das técnicas interpretativas e preditivas. No primeiro capítulo, que aborda os planetas e as suas significações, Gramaglia defende que a relação entre os planetas e os deuses foi, de um ponto vista filosófico, iniciada pelos pré-socráticos e continuada por Platão. Ora essa relação, que também podemos encontrar na Astronomica de Manílio, serve de alicerce conceptual - e também metafísico - de todo o sistema astrológico. A natureza dessa fundamentação, seguindo os princípios da astrologia helenística e hermética, leva a que os planetas trans-saturninos não tenham de ser excluídos por si só, pois seguem essa uniformidade significativa entre planetas e deuses, entre elementos físicos e ideias. Deve contudo ser contextualizada a sua acção tanto pela distância face à Terra como pela duração temporal dos seus ciclos. Esta posição, expressa por Gramaglia e tendo por base os princípios da astrologia de raiz hermética, difere da posição radical de alguma astrologia tradicional.
No capítulo 2, que concerne aos signos zodiacais, Gramaglia mostra que o Zodíaco Tropical serviu mais de resumo de significados, unindo as constelações às divisões em dia e noite, estações do ano e idades do humano, do que uma adopção de um modelo alternativo e sobretudo exclusivo. Um exemplo que demonstra que a visão sideral dos astrólogos antigos era mais abrangente que o que se possa pensar é o recurso à paranatellonta. No capítulo 3, trata-se dos 5 modelos de regências: domicílio, exaltação, triplicidade, termo e decanato. Neste capítulo, faltou, no entanto, a regência por monomoiría. No quarto capítulo, estuda-se o sistema por segmento, haíresis, ou seja, a importância do dia e da noite, do Sol e da Lua, na análise das regências. Neste capítulo e no seguinte, acerca da herança babilónica e do ciclo das fases solares, Gramaglia demonstra a relevância das fases heliacais dos planetas, sobretudo as de Mercúrio e Vénus, no estudo de uma natividade, algo que hoje quase que deixou de ser utilizado, mas que serve, por exemplo, para determinar se Mercúrio assume um carácter masculino ou feminino. Os capítulos seguintes, 6, 7 e 8, apresentam, respectivamente, os aspectos, as casas e as partes. Neste último, encontramos a lista das partes utilizadas por Vétio Valente, mas também a divisão por dodekatemoira. A primeira parte termina com um capítulo sobre a Lua, que, devido à sua importância na Antiguidade, merece um tratamento mais aprofundado.
A segunda parte é, porém, a mais relevante, pois é, ao longo dos seus três capítulos, 10, 11 e 12, que, de facto, a astrologia helenística de raiz hermética se revela um sistema actual e pragmático, tanto as técnicas de interpretação como as de previsão apresentam-se como modelos teóricos e conceptuais passíveis de contribuírem para uma melhor prática astrológica. O capítulo 10 define uma metodologia interpretativa do tema natal, para tal compara, em primeiro lugar, o método de Doroteu com o de Vétio Valente. A última parte do capítulo explora um método complementar de Valente baseado em quatro partes: a Parte da Fortuna, a Parte do Espírito, a Parte de Exaltação e a Parte da Base. O capítulo seguinte, aquele a que Gramaglia dedicou um maior número de páginas, é o mais complexo. No entanto, mediante o recurso a exemplos, a mapa natais específicos, o autor conseguiu, de uma forma acessível, transmitir ao leitor contemporâneo algumas das técnicas astrológicas mais complexas. O capítulo 11 é denominado de Pronoia: o Sistema Preditivo. Ora o termo grego πρόνοια tem aqui tanto o sentido mais imediato de previsão como também o de providência. Este último aproxima, por exemplo, a astrologia da concepção estóica de destino. Gramaglia, no início do capítulo, introduz o problema clássico de conciliar o determinismo com a liberdade, referindo a opção dos astrólogos modernos em traçar tendências e não previsões. Contudo, essa alternativa depressa se torna artificial, pois a questão de fundo precisa necessariamente de uma abordagem filosófica.
O capítulo 11 inicia a sua exposição dos métodos preditivos com a análise de um conceito fundamental para o desenvolvimento das técnicas em causa, o de Chronocrator, o regente do tempo. Este conceito resulta naturalmente de uma filosofia do tempo, de uma atribuição de valor a um determinado momento, o que conduz naturalmente a uma visão espiritual e esóterica. O tempo torna-se electivo e os gregos tinham um termo para esta consciência temporal: καιρός, o tempo certo ou o momento oportuno. Gramaglia analisa, de seguida, seis técnicas preditivas. Convém antes de mais fazer a mesma ressalva que faz o autor. Os trânsitos não são para o astrólogo antigo um método independente, mas sim o complemento de outras metodologias. A razão prende-se ao facto de os trânsitos resultarem da acção dos ciclos planetários sobre a natividade e não de uma distribuição a partir dela.
A primeira técnica descrita é a profecção, cujo termo vem do latim proficiscor - avançar, marchar. Esta, bem como os outros métodos, sustenta-se numa ideia muito cara à astrologia helenista que é expressa pelo verbo grego έκβάλλω, ou seja, lançar ou liberar. No caso da profecção, por cada ano, uma determinada posição, seja ela a de um planeta, ponto na eclíptica ou parte, é lançada para o signo seguinte e não necessariamente para os 30° seguintes, pois esta fixa-se num sistema de divisão de casas de casa-signo, o que implica uma mudança de casa. O método seguinte é aquele que conjuga os ciclos planetários com os tempos de ascensão. Este, pela sua complexidade, é quiçá o método que melhor conjuga a astrologia com astronomia antiga, pois o cálculo dos tempos ascensão, baseados na obliquidade da eclíptica, mostra o quão próximas são as duas formas de conhecimento.
O terceiro método é o da aphesis e do cálculo do arco da vida. Esta técnica é a que mais mal-entendidos tem gerado, pois tem levantado questões éticas em relação a possibilidade do astrólogo calcular o termo da vida. Gramaglia defende que o fim do arco da vida ou a intercessão deste por um anareta, um destruidor, aponta mais para uma perda de vitalidade que para a morte do nativo. No entanto, a teoria afética tem uma aplicação mais abrangente que o mero cálculo da duração da vida e mesmo esta não deve ser desprezada com base num mero preconceito contemporâneo. O astrólogo não deve cair na tentação de dizer que é tudo bom, pois as crises, a destruição e a morte também fazem parte da vida.
O quarto método é designado por Gramaglia de Diairesis: A Subdivisão dos Períodos Planetários. Ora o termo grego διαίρεσις tem o sentido de divisão, distribuição ou distinção e, neste caso, indica uma divisão e distribuição dos períodos planetários, em especial, dos períodos médios. Na análise deste quarto método, encontramos duas técnicas bastante interessantes: a circunvolução e a divisão do tempo a partir das partes da fortuna e do espírito. Esta última técnica, que Gramaglia apresenta em pormenor e com exemplos práticos, pode surpreender o astrólogo que a desconheça pelo seu potencial, tanto que deve ser conjugada com o tema da fortuna. O procedimento de fazer da Parte de Fortuna o Ascendente, o que aliás pode ser feito com qualquer parte, ponto ou astro, revela que a natividade era para a astrologia helenística - e em particular para a de tradição hermética - uma estrutura dinâmica.
O quinto método, embora tenha a denominação medieval de Decénios (lat. decennium), ou seja, uma divisão em décadas, pode ser encontrado em Vétio Valente, Fírmico Materno e Heféstion de Tebas. É um método mais simples que os anteriores, mas com uma estrutura coerente e facilmente aplicável. O sexto e último método refere-se à Revolução Solar, que, na verdade, chega até nós por via da astrologia árabe, em especial, pelo contributo de Abū Ma'shar. No entanto, embora não tenhamos um texto antigo com uma metodologia para esta técnica, podemos encontrar nos textos várias indícios e referências, nomeadamente em Doroteu e em Vétio Valente. O termo grego para este método é άντιγένεσις. A Antigénesis não é, todavia, um método que seja independente, ela surge, em particular, em combinação com a profecção. Valente descreve, por exemplo, a necessidade de se produzir a Antigénesis de forma observar-se a Revolução Lunar que ocorre no mês solar natal. Esta não é, porém, uma técnica tipicamente helenística.
No último capítulo, Gramaglia explora os temas mais comuns numa consulta astrológica, seguindo as técnicas enunciadas pela tradição hermética da astrologia helenística. O primeiro tema é o do casamento, no qual podemos encontrar, por exemplo, as partes do casamento de Vétio Valente e de Paulo de Alexandria e a relação entre os amores ocultos e as fases solares. O segundo tema é o dos filhos. Neste ponto, analisa sobretudo a metodologia de Paulo de Alexandria. O terceiro tema é o da vocação ou profissão, que explora separadamente as posições de Paulo de Alexandria, Heféstio de Tebas, com referências directas a Doroteu de Sidon, e Fírmico Materno. O último tema é o da espiritualidade e do estado interno do nativo. Gramaglia esforça-se - e bem - por mostrar que, contrariamente a uma visão mais estreita que tende a persistir, a astrologia antiga, em especial, a hermética, abarca a espiritualidade. O recurso, por exemplo, à Parte do Espírito, às fases heliacais ou ao eclipse pré-natal pode revelar-se bastante elucidativo.
Em suma, o livro Astrologia Hermetica: Recobrando el Sistema Helenistico de Eduardo Gramaglia é um importante contributo para o estudo da astrologia, pois ajuda a desmistificar alguns preconceitos, mostrando, nomeadamente, que a astrologia dita tradicional não é toda igual e que o sistema hermético é aliás bastante actual e, por outro lado, torna acessível uma forma de astrologia que tende a ser considerada erudita e académica, quando, na verdade, está ao alcance de todos.
segunda-feira, 29 de outubro de 2018
Humano Atlas (Poesia)
quarta-feira, 24 de outubro de 2018
O Sacrifício do Dependurado
O Dependurado Tarot Rider-Waite |
O Dependurado é o repouso, o regresso ao silêncio inaugural, que confere gravidade ao fim de um ciclo.
O Dependurado é a expressão humana que conduz ao entendimento de que a queda é apenas a procura do centro.
O Dependurado é aquele que entrega o medo de não ser quem julga que é ao sacrifício da sua própria vontade.
O Dependurado é a tensão da solitude, o conflito interno de encontrar o lugar do humano entre a natureza e o divino.
O Dependurado é a humana certeza, do ser espiritual, na derradeira finalidade da fé, na contemplativa esperança.
O Dependurado é aquele que, no verdadeiro caminho, não avança, nem recua, não age, nem reage, mas eleva-se, levita.
O Dependurado é a síntese humana do ser zodiacal, a revelação do espectro solar e a acção da luz sobre a alma.
quinta-feira, 4 de outubro de 2018
Sermão do Amor que Deus é
o mè agathôn ouk égnô tòn theón,
hóti o theòs agápê estín.
Primeira Epístola de São João, 4, 8.
Deus é Amor e aquele que ama, para amar verdadeiramente, terá de destruir o muro alto que torna o outro em morte. A destruição que a morte produz é sempre esse outro que avança, sem rosto, até nós. Porém, se, como um dilúvio, transbordares para além de ti o Amor que Deus é, a morte deixa de existir. O Amor que Deus é vive permanentemente.
Não te deixes enganar e julgues que transbordar o Amor que Deus é se afirma como coisa fácil, pois não o é. Transbordar de Amor implica ir para além de ti próprio e, despojado, avançar pela força do Amor que Deus é para o reino que a morte governa. A cada passo que deres, nessa alameda amorosa, perderás uma parte de ti, não o lugar Deus habita, mas sim a superfície de todas as vaidades, as camadas profundas de ignorância, erro e ilusão.
Por vezes, existem passos que são dolorosos, onde caminharás, descalço, sobre pedras aguçadas, pois não queres perder aquilo que julgas que é teu. Como tens tantas superfícies vãs sobre a pele da tua alma, não sabes que aquilo que é verdadeiramente teu é tão pouco, que é o que basta.
Aquele pequeno lume, aquela chama que, escondida, ocultas entre as tuas mãos, guardada no abismo da tua existência, é tudo aquilo que és. Esse pequeno lume, pela força do Amor que Deus é, pode conflagrar o universo e consumir tudo o que permanece apartado, fechado na confusão das coisas.
O Amor que Deus é está em ti como uma estrela no firmamento. Tu és a tua própria constelação. E, com a liberdade que emana da Providência, poderás escolher a ilusão daquilo que pensas que és ou diluíres-te na imensidão do Amor que Deus é. Na verdade, aquilo que julgas que é uma escolha não passa de uma afirmação da vontade, não daquela que move as paixões e a ignorância, mas sim aquela que é uma e a mesma.
A Vontade de Deus é também a tua vontade, mas para compreenderes esse mistério terás de te despir de todas as vaidades, da ilusão que alimenta a tua identidade, e avançar como um recém-nascido na senda do Nada, da anulação da ignorância. Quando compreenderes que o mal é apenas a força confusa da ignorância, poderás imergir na vastidão da Vontade, da Sabedoria e do Amor. Essa Trindade surge à humanidade como Pai, Mãe e Filho.
O Amor que Deus é revela-se como um dos três caminhos, aquele que surge da síntese da Vontade e da Sabedoria e que conduz ao Divino Indeterminado, o Deus que não pode ser nem palavra, nem pensamento. Somente no Nada conhecerás a totalidade de Deus. Essa é a verdade que tanto vezes negas. Sê portanto o Amor que Deus é.
RMdF
04/09/2018
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