sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Penteu e Diónysos em "As Bacantes" de Eurípides

Caravaggio, Baco, c.1596, Florença: Galleria degli Uffizi.

  A tragédia de Eurípedes As Bacantes é provavelmente o melhor testemunho clássico da natureza de Diónysos e do seu culto. Segundo Kitto, "As Bacantes é, de todas as suas tragédias, a melhor construída. Muitos reivindicariam esta honra para Hipólito, talvez com razão; contudo As Bacantes tem mais unidade e um ímpeto dramático que não se sente a cada passo em Hipólito"(Kitto: 326). Esta passagem mostra que Kitto estabelece uma relativa igualdade de importância entre as duas tragédias, contudo atribui a predominância As Bacantes. Podemos afirmar a semelhança que existe entre as duas tragédias, uma vez que o tema da impiedade, ou seja, o do desrespeito aos deuses, está presente em ambas. Em Hipólito é Afrodite que é ofendida e em As Bacantes é Diónysos. A oposição entre piedade e impiedade era um aspecto fundamental para os deuses, pois estes eram exigentes nos cultos que os gregos tinham de lhes prestar, sendo possuídos pela ira quando estes os desrespeitavam e desobedeciam às ordens.

  As Bacantes começa com uma fala de Diónysos em que este se apresenta como filho de Zeus e de Sémele, "Venho aqui, a esta terra dos Tebanos, eu, que sou filho de Zeus, eu, Diónisos, a quem gerou um dia Sémele, a filha de Cadmo, assistida no seu parto pela chama do relâmpago" (Bacantes: 1-3). Diónysos continua, dizendo que "É que as irmãs de minha mãe - quem menos devia fazê-lo - costumavam afirmar que eu, Diónysos, não nasci de Zeus e que Sémele, por invenção de Cadmo, depois de subjugada por um mortal qualquer, atribui a Zeus a falta no leito cometida" (Bacantes: 25-31). Este é o primeiro acto ímpio contra Diónysos. As irmãs de sua mãe não o vêm como filho de Zeus e rejeitam a sua ascendência divina, rejeitam-no como deus. Diónysos irado com tal acto torna esta mulheres suas servidoras, faz delas ménades, e afirma "Por isso eu as sacudi para fora de suas moradas, tomadas de delírio, e, de espírito enlouquecido, habitam na montanha. E forcei-as a usar a libré das minhas orgias, e a toda a raça feminina dos Cádmios, a quantas mulheres havia, fi-las sair de casa, desvairadas" (Bacantes: 32-6). Desta forma, não só as irmãs de sua mãe foram arrastadas para as orgias como todas as mulheres de Tebas.

  Da impiedade das filhas de Cadmo, passa-se para a impiedade de Penteu, "Ora Cadmo entregou as honras da realeza a Penteu, de sua filha nascido, que declarou guerra aos deuses na minha pessoa e me expulsa das libações, sem nunca se lembrar de mim nas suas preces. É por esses motivos que eu vou demonstrar, a ele e a todos os Tebanos, que sou um deus" (Bacantes: 44-8). Segundo estas afirmações, temos de considerar, por um lado, os actos ímpios de Penteu, nos quais ele desrespeita não só Diónysos, mas todos os deuses, pois quem ofende o filho de Zeus ofende o próprio Zeus e quem ofende o Pai dos Deuses ofende todos os deuses, por outro lado, temos de considerar a ira que é despertada em Diónysos que fará com que prove que é um deus e diga "Mas se a cidade de Tebas procurar, na sua fúria, e pela força das armas, trazer as Bacantes das montanhas, entrarei em combate, lutando juntamente com as Ménades" (Bacantes: 50-3). Todavia, Cadmo e Tirésias preparam-se para se juntarem às ménades, vestem a nébride, enfeitam o tirso e estão prontos para dançar. Cadmo diz: "Com que prazer nos esquecemos da nossa velhice!" (Bacantes: 188-9), o que está de acordo com os atributos de Diónysos, pois este é um deus que experimentou a morte e voltou renascido, assim da juventude passa-se à velhice e da velhice à juventude. Penteu, no entanto, não segue o exemplo dos anciãos e continua a ofender Diónysos. Persegue as suas servas, as suas sacerdotisas, e afirma: "Estava eu acaso longe desta terra quando oiço as novas que vão por esta cidade: que as mulheres nos abandonaram as casas para irem a umas supostas bacanais, e que vagueiam pelas montanhas umbrosas, dançando em honra desse deus de última hora, esse Diónisos, ou lá quem é; e que no meio dos tíasos estão os krateres cheios e que uma a uma se refugiam num recanto isolado, para aí se submeterem à lascívia masculina. De pretexto servem-lhes, sem dúvida, os rituais das Ménades, mas à frente do culto de Baco colocam o de Afrodite."(Bacantes: 215-26). Nestes versos, encontramos traços da personalidade de Penteu que é determinada por um moralismo extremo e por um exacerbado desdém por Diónysos, " desse deus de última hora, esse Diónisos, ou lá quem é ". Penteu considera que as mulheres usaram o culto de Diónysos como pretexto para expressar a sua promiscuidade, daí que diga " mas à frente do culto de Baco colocam o de Afrodite".

  A impiedade do rei de Tebas é de tal ordem que chega até a ameaçar directamente Diónysos, "Se eu o apanho dentro destes tectos, acabarei com o seu bater do tirso e o sacudir da cabeleira: arranco-lhe o pescoço para fora do corpo"(Bacantes: 239-41). A ameaça ao homem que corporiza Diónysos é um indício da sua sorte, pois é ele que irá ficar com "o pescoço para fora do corpo". Tirésias responde a Penteu dizendo: "É que há duas coisas, ó jovem, que ocupam o primeiro lugar entre os homens: a deusa Deméter, que é a Terra, seja qual for o nome por que queiras designá-la; é essa que nutre os homens com alimentos secos; e o que chegou depois, o rebento de Sémele, o que, para completar, inventou e introduziu entre os homens o licor dos cachos, o licor que faz cessar os desgostos dos atormentados mortais, quando se enchem da torrente da videira, e proporciona o sono como olvido dos males do dia a dia - nem há outro remédio contra o sofrimento"(Bacantes: 274-83). Esta passagem faz referência a dois dos mais importantes mistérios gregos: os mistérios de Elêusis e os mistérios dionisíacos. Estes estão interligados, uma vez que dizem respeito à Terra, os seus ciclos e aos seus frutos, daí que Tirésias diga que são duas as coisas "que ocupam o primeiro lugar entre os homens", uma é a Terra que os alimenta e outra é o Vinho que os faz esquecer dos sofrimentos e das desgraças próprias da vida humana. Tirésias continua e, como resposta aos actos de Penteu, apresenta uma concepção de Sophia: "Mas obedece-me, Penteu: não te vanglories de que é a força que domina dos homens; e, se tiveres um pensamento, mas o teu pensar enfermo, não temes esse pensamento por sabedoria. Recebe o deus nesta terra, faz-lhe libações, pratica os rituais báquicos e coroa a tua cabeça"(Bacantes: 309-12). De nada servem os pensamentos daqueles que têm o "pensar enfermo" e Penteu têm-no, pois não presta culto a Diónysos.No entanto, Penteu não ouve as palavras de Tirésias e de Cadmo e manda prender Diónysos. Quando o trazem amarrado, Penteu interrogou-o e, numa das falas , Diónysos diz: "Os nossos ritos têm horror à impiedade" (Bacantes: 476). Penteu mantém-se descrente face à origem divina de Diónysos e deixa o estrangeiro preso. Porém, este liberta-se e Penteu fica desesperado e, entretanto, as ménades dirigem-se para as montanhas. Penteu quer persegui-las com os seus guardas, mas Diónysos adverte-o do perigo de tal acto. A impiedade do rei é, todavia, maior que prudência.

  Diónysos oferece a Penteu uma resposta para o seu desejo de justiça: o rei deve vestir-se de ménade para que possa ver, com seus próprios olhos, os rituais que tanto repudia. O deus ajuda-o a arranjar-se, tecendo a rede que o levará ao fim desejado, a punição pela falta, pela hybris cometida, mas Diónysos avisa-o sempre: "Não vás derrubar as capelas das Ninfas e os lugares onde habita Pã e onde se escuta o tocar do siringe."(Bacantes: 951-2) ou "Serás transportado no regresso.. (…) …Nos braços da tua mãe"(Bacantes: 968-9). A curiosidade era desproporcionada, logo aventurou-se no meio das ménades. Porém, não resistiu à investida, tendo sido descoberto pelas ménades e dilacerado como um animal. Os primeiros golpes foram desferidos por sua mãe, Ágave. No entanto, Ágave, movida ainda pelo delírio, não reconheceu o seu acto, não se apercebeu que matou o próprio filho,pois julgou ter morto um leão. No entanto, quando se liberta do êxtase e olha para a cabeça que tem na mão, exclama: "O que vejo é a maior das dores, desgraçada de mim"(Bacantes: 1282). Concluiu que ela, as suas irmãs e as outras mulheres foram arrebatadas pelo deus, segundo Cadmo, "Para castigar a vossa insolência, já que não reconhecíeis nele [Diónysos] um deus"(Bacantes: 1297). Cadmo também é castigado, terá de deixar a sua terra, a pátria que construiu.

  Diónysos justifica estas sentenças, por um lado, pela impiedade cometida contra ele, por outro, pelo facto de Zeus ter aceite tal justiça, "Há muito que Zeus, meu pai, aprovou estes acontecimentos"(Bacantes: 1349). A peça termina com o coro a dizer:
"Muitas são as formas do divino
e muitas coisas os deuses fazem sem contar.
Vimos o que esperava não se realizar,
p'ra o que não se sabia o deus achar caminho.
Assim vistes o drama terminar"
(Bacantes:1388-1392).
Este desfecho apela para um desenlace de tipo deus ex machina que, segundo Aristóteles, "É, pois, evidente que também os desenlaces devem resultar da própria estrutura do mito, e não do deus ex machina(…) Ao deus ex machina, pelo contrário, não se deve recorrer senão em acontecimentos que se passam fora do drama, ou nos do passado, anteriores aos que se desenrolam em cena, ou nos que ao homem é vedado conhecer, ou nos futuros, que necessitam ser preditos ou prenunciados - pois que aos deuses atribuímos nós o poder de tudo verem."(Poética: 1454 b 1-8). A afirmação de Aristóteles permite compreender que tragédias como As Bacantes não tinham a perfeição estrutural que a tragédia devia ter, em sentido contrário está o Édipo Rei de Sófocles, um exemplo de perfeição. Porém, Eurípides, nesta peça, desenvolve um tema que iria precisar de um deus ex machina, pois ao opor a esfera humana à esfera divina, a impiedade de Penteu à ira de Diónysos, teria de avançar com desfecho regulado e sentenciado pelos ditames proferidos pela divindade, ou seja, a hybris de Penteu e de todos os que não reconheceram Diónysos como deus é punida pela própria divindade e com a concordância de Zeus. Segundo Kitto, "Dioniso não está a vingar-se de Penteu sòmente, mas de todos - Cadmo e os que se deixaram enganar por ele - que o rejeitaram."(Kitto: 330), ou seja, Diónysos pune todos os que o desrespeitaram. No entanto, Penteu foi o líder da impiedade e portanto foi o que sofreu com toda a violência a sua ira. É também de se notar que "Reflecte-se acerca da 'sabedoria', mas todas essas reflexões se originam directamente a partir do conflito de Penteu e Dioniso"(Kitto: 334-5). A discussão acerca da sabedoria resulta da oposição entre Penteu e Diónysos.

  É Polemos que se estabelece entre os dois intervenientes principais e é através de si que se desenrola todo mito e que se define o valor simbólico desta tragédia. Penteu representa o paradigma da Grécia clássica do século V a. C., mas este é um paradigma decadente. A razão já não tem força para lutar, deixa-se ir, não consegue resistir ao culto dionisíaco, os seus limites são mais extensos do que se imaginava. A curiosidade mística abarcou-se da sua alma e a moral restritiva é demasiado frágil. Pelo contrário, a religião dionisíaco atinge o universal, supera-se a si mesma, cresce, e, mesmo admitindo a hipótese de que Diónysos vinha da Trácia para a Grécia, temos de concluir que o seu culto expande-se sem restrições. Lembremos as palavras de Tirésias quando diz que duas são as coisas mais importantes na vida dos homens, por um lado, a Terra que nos nutre e nos alimenta, Deméter que semeia, cresce e colhe e, por outro, o vinho de Diónysos que ajuda a esquecer os tormentos da vida, que nos introduz nos mistérios do desconhecido e que nos deixa embriagados com a revelação. Deste modo, segundo Jaeger, "Em As Bacantes, obra da sua extrema velhice, pretendeu-se ver uma auto-descoberta do poeta, uma fuga do intelectualismo iluminista para a experiência religiosa e a embriaguez mística."(Jaeger: 410). Nesta peça, Eurípides supera o racionalismo decadente da sua época e isola-se num individualismo místico, apesar de céptico em alguns pontos, Eurípides procura a verdade religiosa, aquela que está para além dos limites da razão, e se esse tema apresenta alguns traços leves em Hipólito, é em As Bacantes que estes aspectos são mais fortes e intensos, daí que Jaeger continue e diga que "Mas em As Bacantes aparecem já profeticamente todos os sintomas: o triunfo do maravilhoso e da conversão interior sobre o intelecto, a aliança do individualismo e da religião contra o Estado, que para a Grécia tinha coincidido com a religião, a experiência imediata e libertadora da divindade na alma individual, livre das limitações de toda a ética da lei". Em suma, "Eurípedes é o criador de um tipo de arte que já não se fundamenta na cidadania, mas na própria vida"(Jaeger: 411) e , assim, a alma é liberta pela divindade e reconhece-se na própria vida. 


Bibliografia:
Poética - Aristóteles, Poética. Lisboa: INCM, 2000.
Bacantes - Eurípides, Bacantes. Lisboa: Edições 70, 2011.
Hipólito - Eurípides, Hipólito. Lisboa: Edições Colibri, 1993.
Kitto - Kitto, H.D.F., A Tragédia Grega - Estudo Literário, 2 Volumes, 2ª Edição. Coimbra: Arménio Amado Editora, 1990 (1970).
Jaeger - Jaeger, Werner, Paideia - A Formação do Homem Grego, 3ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1995 (1986).
Édipo - Sófocles, Édipo Rei, 2ª Edição. Lisboa: Edições 70, 1989.

sábado, 10 de setembro de 2016

Diónysos e o Culto de Dionisíaco

Dossi, Dosso, Bacchus, c.1524. Colecção Privada
Fonte: http://www.wga.hu/support/viewer/z.html

  O culto de Diónysos é considerado como sendo posterior aos cultos tradicionais, todavia uma análise mais ampla, considerando outras regiões para além da Grécia continental e um período mais antigo, revelam o contrário, pois como diz Maria Helena da Rocha Pereira: "Os Gregos tinham a noção de que era de introdução recente. No entanto, sabe-se agora que algumas tabuinhas em Linear B, do séc. XIII a.C., contêm o nome de Diónisos junto do de outros deuses. Mais ainda, conhece-se actualmente uma inscrição votiva a Diónisos num templo de Ceos, onde o culto se efectuara sem descontinuidade desde o séc. XV a.C."(Pereira, 1997: 318). A conclusão da antiguidade de Diónysos e do seu culto permite que exista uma outra percepção da sua origem e dos seus atributos. A origem do culto está intimamente relacionada com a evolução das características da divindade que o preside. Segundo Burkert, "aparentemente, Dioniso pode ser descrito como deus do vinho e do êxtase embriagante. A embriaguês provocada pelo vinho, como alteração no estado de consciência, é interpretada como intervenção de algo divino. No entanto, a experiência dionisíaca excede largamente o aspecto alcoólico e pode ser totalmente independente dele. O 'devaneio' torna-se um fim em si mesmo"(Burkert: 318). Desta forma, só de uma forma imediata e redutora é que se pode considerar Diónysos o "deus do vinho e do êxtase embriagante", pois o vinho é só um meio para um fim que é independente e distinto da embriaguez.

  O devaneio que se procura na experiência dionisíaca é expresso pela "manía, palavra grega para este estado, designa, de acordo com a sua proveniência, em ligação etimológica com ménos, o 'frenesim', não um delírio em consequência da 'loucura', mas uma intensificação da 'força espiritual' autovivenciada. Todavia, o êxtase dionisíaco não é algo que é alcançado por um indivíduo só, mas um fenómeno de massas que se propaga de modo quase contagioso"(Burkert: 318). Este devaneio, este frenesim, procura iniciar, reforçar, estimular e intensificar a experiência espiritual, não de um indivíduo apenas, mas sim da comunidade. Para compreender este aspecto colectivo, lembremos o fragmento de Heraclito: "Por isso, é necessário seguir o comum; mas, se bem que o Logos seja comum, a maioria vive como se tivesse uma compreensão particular"(DK 22 B 2 e Kirk, Raven & Schofield: 193). Este não deve ser considerado no contexto da doutrina do Logos, mas sim na oposição feita entre o comum e o particular, pois é o comum que dá a ideia da unidade, enquanto que o particular dá asas à multiplicidade. O devaneio dionisíaco tem essa finalidade, a unidade, o comum, no sentido em que une uma força colectiva que ultrapassa e supera o seu domínio particular. Daí que Burkert diga que "Quem se entrega a este deus arrisca-se a perder a sua identidade social e a ser louco"(318). O seguidor do culto de Diónysos perde o seu lugar, confortável, na sociedade dos homens e une-se à totalidade divina numa experiência mística. Esta perspectiva pode ser comparada com a loucura divina, presente no Fedro de Platão, onde se diz que "existem duas espécies de loucura: uma nascida das enfermidades humanas e a outra provocada por um impulso divino que nos leva a abandonar os costumes habituais"(265a) e "no que respeita à divina, dividimo-la em quatro categorias que atribuímos a quatro deuses: a inspiração mântica a Apolo; a mística a Dioniso; a poética, por seu lado, às Musas; e, em quarto lugar o delírio amoroso, que afirmamos ser o mais excelente, atribuímo-la a Afrodite e a Eros."(265b). A experiência dionisíaca é uma loucura divina de carácter místico. O devaneio ou a loucura mística produzem "a fusão entre o deus e o seu adorador que ocorre durante esta metamorfose não tem paralelo no resto da religião grega" e "o sinal exterior e o instrumento da metamorfose provocada pelo deus é a máscara"(Burkert: 318), isto porque o deus quebra os laços, os nós, que unem a personalidade ao corpo. Diónysos liberta o homem dos seus limites e constrangimentos, supera a personalidade humana e coloca uma máscara no homem como símbolo dessa alteração, oferece-lhe uma imagem união primordial sem o eu ou o nome.

  Se, por um lado, Walter Burkert e Maria Helena da Rocha Pereira mostram a antiguidade do culto de Diónysos, por outro, os testemunhos clássicos, como o de Erwin Rohde, classificam Diónysos como o mais jovem entre os deuses, dizendo que o seu culto tem origem na Trácia. Segundo Rohde, "os mesmos gregos tinham declarado, muitas vezes e em várias ocasiões, que a pátria originária do culto de Dioniso era a Trácia" (308). Burkert diz que "o nome [de Diónysos] é um enigma"(II: 320), pois a sua etimologia não é totalmente grega, mas segundo a mitologia ele é filho de Zeus e de Sémele, esta a pedido de Hera pede para ver Zeus em todo o seu esplendor e é fulminada como uma árvore, para salvar o filho que repousava no ventre dela Zeus coloca-o na sua coxa para terminar a gestação. Daí que, segundo este autor, "a loucura do próprio deus delirante pode ser explicada com a ira de Hera. Hera representa a ordem normal da pólis. A inversão desta ordem é a ira de Hera. Ainda assim, é nesta inversão que Dioniso realiza a sua verdadeira natureza"(324). A oposição entre Hera e Diónysos adquire um carácter simbólico, pois opõe a ordem normal da pólis à sua total transgressão, em última instância podemos dizer que opõe nómos e physis. A oposição entre estas duas divindades também está presente na acção das ménades, estas abandonam o matrimónio e os filhos, situações consagradas a Hera, para se juntarem ao culto de Diónysos.

  Outro aspecto de Diónysos é a sua associação com as três fases da vida, respectivamente o nascimento, a morte e o renascimento. Aquando do nascimento "Hermes leva a criança divina e entrega-a às ninfas e ménades num local distante e misterioso chamado Nisa, onde Dioniso cresce para, mais tarde, regressar com poderes divinos"(Burkert: 324). Contudo, "o nascimento de Dioniso, celebrado no ditirambo, a sua primeira epifania, coincide com um 'sacrifício inefável', ao qual na realidade cultual corresponde o sacrifício do touro. Depois Dioniso desaparece no além, mas ele regressará e exigirá veneração de novo"(Burkert: 325). Diónysos experimenta a morte e sobrevive a ela, ele morre e renasce, entrega-se à morte e regressa imortal, daí que Heraclito diga que Hades e Diónysos são o mesmo, "pois se não fosse em honra de Dioniso que eles realizavam a procissão e cantavam o hino às partes pudendas, essa prática seria o acto mais vergonhoso; mas  Hades e Dioniso, por quem eles deliram e celebram as Leneias, são o mesmo"(DK 22 B 15 e Kirk, Raven & Schofield: 217). Diónysos é uma síntese da vida e da morte e o êxtase dionisíaco é o seu conhecimento, a sua experiência. 

  Este aspecto de nascer, morrer e renascer tornou-se propício à expansão dos mistérios na Grécia, daí que Burkert diga que "Dioniso é o deus da excepção. À medida que o indivíduo conquista a sua independência, o culto de Dioniso torna-se expressão da separação de grupos privados face à pólis. A par dos festivais dionisíacos públicos emergem mistérios privados em honra de Dioniso. Estes são esótericos e realizam-se durante a noite. O acesso é feito através de uma iniciação individual, teleté. A gruta ou a caverna báquica surge como um símbolo do secreto, do oculto e do transcendente"(554). Para além do aspecto já referido que diz respeito à oposição entre a ordem normativa da pólis e a sua superação e consequente libertação do indivíduo, estas afirmações apontam para mais dois aspectos de Diónysos e do seu culto, que são: o aspecto iniciático e o aspecto sexual. O primeiro inclui-se nos mistérios gregos, os de Elêusis e os Órficos, pois neste cultos a iniciação representam a morte e o renascimento do indivíduo, o que por si já está relacionado com as características do deus. O segundo surge, neste contexto, associado ao primeiro, pois a gruta representa um carácter iniciático e um simbolismo sexual, uma vez que esta é uma parte integrante da própria Terra, o feminino imanente. A associação fonética, em inglês, de womb and tomb também indica uma analogia entre os órgãos sexuais femininos e a própria Terra, tornando-os assim símbolos de nascimento, morte e renascimento. O simbolismo religioso da gruta, a par com a sua representação sexual, está presente nas religiões primitivas. Mircea Eliade diz: "Uma das primeiras teofanias da Terra, enquanto tal, enquanto sobretudo camada telúrica e profundidade ctónica, foi a sua 'maternidade', a sua inesgotável capacidade de dar fruto. Antes de ser considerada Deusa-Mãe, divindade de fertilidade, a Terra impôs-se como Mãe, Tellus Mater."(312-3).

   Diónysos é um deus com um carácter mais telúrico do que celeste, com uma expressão semelhante à de Pã, pois em muitas representações, sobretudo arcaicas, Diónysos aparece também com chifres e ambos têm como animais sagrados os animais com cornos: para Pã o bode e para Diónysos o touro. Se, por um lado, já se referiu a presença da simbologia sexual feminina, por outro lado, é o carácter fálico que se torna mais relevante neste culto, daí que "O significado do falo não é a procriação - as ménades defendem-se sempre da impertinência dos sátiros, se necessário com a ajuda do tirso. O falo é um elemento de excitação por si mesmo, e sobretudo também símbolo de algo extraordinário - uma procissão com um falo gigante faz também parte das Dionisías."(Burkert: 326-7). Desta forma, conclui-se que no culto dionisíaco existe um aspecto fálico que transmite o próprio devaneio e êxtase que lhe é inerente. O culto do falo relaciona-se com a orgia dionisíaca. Na orgia antiga e religiosa, a sexualidade tem uma natureza e expressão divinas, daí que se possa falar em hierogamos, ou seja, em casamento sagrado, no qual é celebrada a união dos dois aspectos, o masculino e o feminino, o céu e a terra. Com Diónysos, o hierogamos não têm um carácter de representação cósmica, como no culto de Hera e de Zeus, mas sim de celebração da fertilidade. Diónysos é um deus da terra e da natureza, tal como Pã, daí que a orgia seja uma celebração da fertilidade, o que pode está relacionado  com a actividade sexual. Mircea Eliade refere que "de modo geral, a orgia corresponde à hierogamia. À união do ar divino deve corresponder, na terra, o delírio genésico ilimitado. (…) A orgia faz circular a energia vital e divina"(442). Logo, na orgia dionisíaca, juntam-se sátiros e ménades num celebração da vida que oposta à realidade olímpica. Esta dimensão erótica do culto dionisíaco está presente nas palavras de Anacreonte:
Senhor, que tens os teus folguedos
com Eros dominador, as Ninfas de olhos negros
e Afrodite purpúrea,
tu vagueias pelos cumes altaneiros das montanhas.
Eu te imploro, e tu vem propício até nós,
Escuta a prece com agrado,
sê de Cleobulo o bom conselheiro, e recebe,
ó Diónisos, o meu amor 
(Frag. 2 Diehl e Pereira, 1998: 127).
Neste fragmento, encontramos a presença de um Eros dominador que demostra que a força erótica impõe-se, mesmo que de forma contrária à vontade prudente e à temperança, e exerce o seu poder ao lado das ménades,  das Ninfas de olhos negros, e da Afrodite purpúrea. O negro da noite e o vermelho do sangue unem-se nesta simbiose radical da vida e da origem.

   Diónysos é também o deus do teatro, do ditirambo e da tragédia. Arquíloco descreve essa característica quando diz: "Sei entoar a bela melodia do príncipe Diónisos, / o ditirambo, quando o vinho deflagrou como o raio no meu espírito."(Frag. 77 Diehl e Pereira,1998: 109). O vinho e o ditirambo são expressões de Diónysos, já que a produção do último resulta da libertação levada a cabo pelo primeiro, daí que Burket diga: "A identificação do deus e do hino extático no 'ditirambo' também podem ser contadas entre estes elementos antigos"(319) e "Tanto mais importante é Dioniso para a lírica coral do arcaico tardio, para a qual o 'ditirambo', tal como a tragédia, pertence ao quadro das festas de Dioniso"(321). Porém, a relação de Diónysos e a tragédia será tratada noutro momento, até porque terá de se ter em consideração o desenvolvimento que Nietzsche lhe deu. Em suma, devemos considerar Diónysos como uma divindade extremamente complexa que pode ser caracterizada segundo vários aspectos e de acordo com diversos símbolos.



Bibliografia:
Burkert - Burkert, Walter, Religião Grega na Época Clássica e Arcaica, p. 318. Tradução Manuel José Simões Loureiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; 1993.
Eliade - Eliade, Mircea, Tratado de História das Religiões, p.312-3. Tradução Natália Nunes e Fernando Tomaz. Porto: Edições Asa, 1994 (1992). 
Kirk, Raven & Schofield - Kirk, G.S., J.E. Raven e M. Schofield, Os Filósofos Pré-Socráticos, 4ª Edição. Tradução Carlos Alberto Louro Fonseca. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. 
Pereira (1997) - Pereira, Maria Helena da Rocha, Estudos de Cultura Clássica, 8ª Edição, Volume I - Cultura Grega. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997(1964).
Pereira (1998) - Pereira, Maria Helena da Rocha, Helade - Antologia da Cultura Clássica, 7ª Edição, p.127. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 1998(1959).
Fedro - Platão, Fedro. Tradução José Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70, 1997.
Rohde - Rohde, Erwin, Psique - El Culto de las Almas y la Creencia en la Imortalidad entre los Griegos, 2 Volumes, Tradução Salvador Fernández Ramírez. Barcelona:Las Ediciones Liberales Editorial Labor, 1973.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

As Partes segundo al-Bīrūnī

Selo Russo 1973
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Biruni-russian.jpg

Alguns Dados Biográficos

Al-Bīrūnī, nome completo Abū al-Rayḥān Muḥammad ibn Aḥmad al-Bīrūnī, nasceu a 4 de Setembro do ano 973 da Era Comum, em Khwārezm, Khorāsān (agora Uzbequistão) e morreu cerca de 1052, em Ghazna (agora Ghaznī, Afeganistão). Foi um dos mais proeminentes cientistas muçulmanos: astrónomo, matemático, etnógrafo, antropólogo, historiador e geógrafo. A sua obra é relativamente fácil de listar, uma vez que, com cerca de sessenta anos, nos deixou uma lista das suas obras. Viveu até cerca dos setenta anos e outras obras puderam ser acrescentadas, pois não deixou de escrever. Desta forma, produziu um total de 146 títulos, divididos em 90 fólios, dos quais apenas 22 chegaram aos nossos dias. O seu livro sobre a cultura indiana é de longe a mais importante da sua obra enciclopédica. O título expressivo Taḥqīq mā li-l-hind min maqūlah maqbūlah fī al-ʿaql aw mardhūlah (Verificação de todo o Legado dos Indianos, o sensato e o que não que o é) indica tudo a que se propõe. O texto inclui toda a tradição sobre a Índia e a sua ciência, religião, literatura e costumes que al-Bīrūnī conseguiu reunir. Outra obra de mérito enciclopédico e científico é o inimitável Al-Qānūn al-Masʿūdi (O Cânone Masʿūdic), dedicado a Masʿūd, filho de Maḥmūd de Ghazna, no qual al-Bīrūnī reune toda a informação astronómica, desde de fontes como o Almagest de Ptolomeu e “Tabelas Handy”, reinterpreta-as e actualiza-as.

Explicação das Fases da Lua segundo al-Bīrūnī
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Al-Biruni
Porém, é o Kitab al-Tafhim li Awa'il Sina'at al-Tanjim (O Livro de Instruções acerca dos Elementos da Arte da Astrologia) que aqui nos interessa.  Embora al-Bīrūnī expressasse algumas reservas quanto ao uso da astrologia horária, elabora a maior síntese do conhecimento astrológica até ao fim da Alta Idade Média. A sua sistematização das Partes ou Partes da Fortuna, mais tarde conhecidas Partes Arábicas, é de suma importância e essa que aqui reproduzimos.





 As  Partes segundo al-Bīrūnī

Fonte: al-Bīrūnī, The Book of Instruction on the Elements of the Art of Astrology (Kitab al-Tafhim li Awa'il Sina'at al-Tanjim), Londres, Luzac & Co, 1934, par. 476.  

Parágrafo 476: Outras Partes para além da Parte da Fortuna

Ptolomeu reconheceu apenas a Parte da Fortuna, mas outros introduziram um número excessivo de métodos para estabelecer as partes nas natividades. Reproduzimos nas tabelas aquelas que Abu Ma'shar menciona.

Em cada uma, existem três aspectos que devem ser tidos em consideração: posição 1 - o início, 'mubdá'; posição 2 - o fim, 'muntahá'; e  posição 3 - o ponto estabelecido, 'malqá', os quais são tratadas tal como no parágrafo anterior, a posição na figura dos céus da fortuna ou parte em questão a determinar. Estes são os três pontos designados respectivamente de 'manqud' [valor subtraído], 'manqud minhu' [valor a partir do qual se subtrai] e 'muzad ralaihi' [valor somado]. Por vezes, a fórmula é usada tanto nas natividades diurnas como nas nocturnas, mas, com maior frequência, os pontos 1 e 2 são trocadas nas nocturnas.

É impossível de enumerar todas as partes que foram criadas para solucionar questões horária, e para responder a perguntas acerca de soluções prósperas e de tempo auspicioso para a acção, pois aumentam em número a cada dia, mas as 97 partes que se seguem, 7 das quais pertencem aos planetas, 80 às casa e 10 a nenhum deles, são as mais comummente utilizadas.

De seguida, indica-se as tabelas de al-Bīrūnī, já em formato de  fórmula. Quando existir variação nas fórmulas diurna e nocturna, a última é apresentada entre parênteses.

Fortunas dos Sete Planetas para o Dia e para a Noite

1 - Fortuna ou Horóscopo Lunar: Asc + Lua - Sol (Asc + Sol - Lua)
2 - Daimon e Religião (Espírito): Asc + Sol - Lua (Asc + Lua - Sol)
3 - Amizade e Amor: Asc + Espírito - Fortuna (Asc + Fortuna - Espírito)
4 - Desespero, Penúria e Fraude: Asc + Fortuna - Espírito (Asc + Espírito - Fortuna)
5 - Cativeiro, Prisões e Fugas Captivity: Asc + Fortuna - Saturno (Asc + Saturno - Fortuna)
6 - Vitória, Triunfo e Auxílio: Asc + Júpiter - Espírito (Asc + Espírito - Júpiter)
7 - Valor e Bravura: Asc + Fortuna - Marte (Asc + Marte - Fortuna)

Fortunas das Doze Casas

Casa I
8 - Vida: Asc + Saturno - Júpiter (Asc + Júpiter - Saturno)
9 - Pilar do Horóscopo (Natividades, Permanência e Constância): Asc + Espírito - Fortuna  (As + Fortuna - Espírito) 
10 - Pensamento e Eloquência: Asc + Marte - Mercúrio  (Asc + Mercúrio - Marte)

Casa II
11 - Propriedade: Asc + Cúspide da Casa II - Regente da Casa II (Asc + Regente da II - II)
12 Dívida: Asc + Mercúrio - Saturno (Asc + Saturno - Mercúrio)
13 - Procura de Tesouros: Asc + Vénus - Mercúrio

Casa III
14 - Irmãos: Asc + Júpiter - Saturno
15 - Número de Irmãos: Asc + Saturno - Mercúrio
16 - Morte de Irmãos e Irmãs: Asc + 10o Gémeos  - Sol (Asc + Sol - 10o Gémeos)

Casa IV
17 - Pai: Asc + Saturno - Sol ou Júpiter  (Asc + Sol ou Júpiter - Saturno)
18 - Morte dos Pais: Asc + Júpiter - Saturno (Asc + Saturno - Júpiter)
19 - Avós: Asc + Saturno - II (Asc + II - Saturno)
20 - Ancestrais e Relações: Asc + Marte - Saturno (Asc + Saturno - Marte)
21 - Propriedade segundo Hermes: Asc + Lua - Saturno  (Asc + Saturno - Lua)
22 - Propriedade segundo alguns Persas: Asc + Júpiter - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Júpiter)
23 - Agricultura e Lavoura: Asc + Saturno - Vénus
24 - Fim de um Assunto: Asc + Regente da última Sizígia - Saturno

Casa V
25 - Crianças: Asc + Saturno - Júpiter ou Vénus (Asc + Júpiter ou Vénus - Saturno)
26 - Tempo e Número de Crianças por Género: Asc + Júpiter - Marte
27 - Condições dos Rapazes: Asc + Júpiter - Marte
28 - Condições das Raparigas: Asc + Vénus - Lua 
29 - Nascimento de um Rapaz ou Rapariga: Asc + Lua - Regente da Lua (Asc + Regente da Lua - Lua)

Casa VI
30 - Doença, Defeitos, Tempo de Começo segundo Hermes: Asc + Marte - Saturno (Asc + Saturno - Marte)
31 - Doença,  Defeitos, Tempo de Começo segundo Alguns Antigos: Asc + Marte - Mercúrio
32 - Cativeiro: Asc + Dispositor do Regente do Tempo - Regente do Tempo
33 - Escravos: Asc + Lua - Mercúrio

Casa VII
34 - Casamento de Homens segundo Hermes: Asc + Vénus- Saturno
35 - Casamento de Homens segundo Vettius Valens: Asc + Vénus - Sol
36 - Engano e Decepção de Homens e Mulheres: Asc + Vénus - Sol
37 - Relações Sexuais: Asc + Venus - Sol
38 - Casamento de Mulheres segundo Hermes: Asc + Saturno - Vénus
39 - Casamento de Mulheres segundo Vettius Valens: Asc + Marte - Lua
40 - Má Conduta das Mulheres: Asc + Marte - Lua
41 - Engano e Decepção de Homens pelas Mulheres: Asc + Marte - Lua
42 - Relações Sexuais: Asc + Marte - Lua
43 - A Não Castidade: Asc + Marte - Lua
44 - Castidade das Mulheres: Asc + Vénus - Lua
45 - Casamento de Homens e Mulheres segundo Hermes: Asc + VII - Vénus
46 - Tempo do Casamento segundo Hermes: Asc + Lua - Sol
47 - Casamento Fraudulento e sua Promoção: Asc + Vénus - Saturno
48 - Enteados: Asc + Vénus - Saturno (Asc + Saturno - Vénus)
49 - Processos Legais: Asc + Júpiter - Marte (Asc + Marte - Júpiter)

Casa VIII
50 - Morte: Grau de Saturno + VIII - Lua
51 - Anairetai: Asc + Lua - Regente do Asc (Asc + Regente do Asc - Lua)
52 - Ano para temer a Morte aquando do Nascimento, Fome:Asc + Dispositor da Último Sizígia - Saturno
53 - Lugar de Morte e Doença: Grau de Mercúrio + Marte - Saturno ( Grau de Mercúrio + Saturno - Marte)
54 - Perigo de Violência: Asc + Mercúrio - Saturno

Casa IX
55 - Viagens: Asc + IX - Regente da IX
56 - Viagens por Água: Asc + 15o Caranguejo - Saturno (Asc + Saturno - 15o Caranguejo)
57 - Timidez e Fuga: Asc + Mercúrio - Lua (Asc + Lua - Mercúrio)
58 - Reflexões Profundas: Asc + Lua - Saturno (Asc + Saturno - Lua)
59 - Entedimento e Sabedoria: Asc + Sol - Saturno (Asc + Saturno - Sol)
60 - Tradições, Conhecimento dos AssuntosTraditions: Asc + Júpiter - Sol (Asc + Sol - Júpiter)
61 - Conhecimento, tanto Verdadeiro como Falso: Asc + Lua - Mercúrio

Casa X
62 - Nascimentos Nobres: Asc + Grau de Exaltação do Regente do Tempo - Regente do Tempo (Asc + Regente do Tempo - Grau de Exaltação do Regente do Tempo)
63 - Reis e Sultões: Asc + Lua - Marte (Asc + Marte - Lua)
64 - Administradores e Vizires: Asc + Marte - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Marte)
65 - Conquista e Vitória do Sultão: Asc + Saturno - Sol (Asc + Sol - Saturno)
66 - Dos Sobem de Estatuto: Asc + Fortuna - Saturno (Asc + Saturno - Fortuna)
67 - Pessoas de Estatuto Reconhecido: Asc + Sol - Saturno
68 - Exércitos e Polícia: Asc + Saturno - Marte (Asc + Marte - Saturno)
69 - Sultão, respeitante à Natividade: Asc + Lua - Saturno
70 - Comerciantes e o seu Trabalho: Asc + Vénus - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Vénus)
71 - Comprar e Vender: Asc + Fortuna - Espírito (Asc + Espírito - Fortuna)
72 - Operações e Ordens em Tratamentos Médicos: Asc + Júpiter - Sol (Asc + Sol - Júpiter)
73 - Mãe: Asc + Lua - Vénus (Asc + Vénus - Lua)

Casa XI
74 - Glória: Asc + Espírito - Fortuna (Asc + Fortuna - Espírito)
75 - Amizade e Hostilidade: Asc + Espírito - Fortuna (Asc + Fortuna - Espírito)
76 - Dos que são Conhecidos pelos Homens e admirados pela forma como tratam os seus assuntos: Asc + Sol - Fortuna (Asc + Fortuna - Sol)
77 - Sucesso: Asc + Júpiter - Fortuna (Asc + Fortuna - Júpiter)
78 - Mundividência: Asc + Vénus - Fortuna (Asc + Fortuna - Vénus)
79 - Esperança: Asc + Mercúrio - Júpiter (Asc + Júpiter - Mercúrio)
80 - Amigos: Asc + Mercúrio - Lua
81 - Violência: Asc + Mercúrio - Espírito 
82 - Abundância Doméstica: Asc + Sol - Lua
83 - Liberdade Pessoal: Asc + Sol - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Sol)
84 - Louvor e Aceitação: Asc + Vénus - Júpiter (Asc + Júpiter - Vénus)

Casa XII
85 - Inimigos segundo Alguns Antigos: Asc + Marte - Saturno
86 - Inimigos segundo Hermes: Asc + XII - Regente da XII
87 - Má Sorte: Asc + Fortuna - Espírito 

Dez Fortunas que não pertencem nem aos Planetas, nem às Casas

88 - Hailaj: Asc + Lua - Grau da Última Sizígia
89 - Corpos Débeis: Asc + Lua - Fortuna (Asc + Fortuna - Lua)
90 - Cavaleiros e Bravura: Asc + Lua - Saturno (Asc + Saturno - Lua)
91 - Ousadia, Violência e Assassínio: Asc + Lua - Regente do Asc (Asc + Regente do Asc - Lua)
92 - Engano e Decepção: Asc + Espírito - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Espírito)
93 - Necessidade e Desejo: Asc + Marte - Saturno 
94 - Requisitos e Necessidades segundo os Egípcios: Asc + III - Marte
95 - Realização de Necessidades e Desejos: Asc + Mercúrio - Fortuna 
96 - Retribuição: Asc + Sol - Marte (Asc + Marte - Sol)
97 - Rectidão: Asc + Marte - Mercúrio (Asc + Mercúrio - Marte)

NOTA: Todas as traduções para português e reinterpretações astrológicas são da responsabilidade do autor.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O Tarot como Liber Mundi: Uma Introdução

   A primeira ideia que a maioria das pessoas têm sobre o Tarot é que se trata de um baralho de cartas para adivinhar o futuro. Ora a arte adivinhatória é uma ínfima parte do que é o Tarot. O Tarot é acima de tudo um livro, um livro de imagens e estas imagens são uma sugestão de  símbolos e sentidos. A leitura do Tarot não se limita a uma análise sequencial, não se começa numa primeira carta e se termina numa última, à semelhança das páginas de um livro. As cartas lêem-se como uma teia, onde cada uma se relaciona com todas. Por outro lado, o significado de uma carta não se restringe à imagem apresentada, é o sentido que se esconde que lhe confere o seu significado. Porém, é quando designamos o Tarot de Liber Mundi que revelamos a sua verdadeira natureza, ou seja, como Livro do Mundo o Tarot é um reflexo da realidade, uma síntese imagética de arquétipos criadores.

  O Tarot une o simbolismo da letra, da palavra, com o do número, apontando para um caminho que explicita simbolicamente a relação profunda entre espaço e tempo. As 78 cartas do Tarot  dividem também o universal e o particular. Os 22 Arcanos Maiores indicam as ideias universais, os grandes arquétipos, enquanto os 56 Arcanos Maiores sintetizam expressões e tipologias humanas. Estes dividem-se em 40 cartas numeradas e 16 cartas de figuras que, por sua vez, se dividem em quatro, constituindo assim os quatro elementos essenciais: terra, água, ar e fogo. 

Tarot Carlos VI
A Mansão de Deus
  A origem do Tarot tem sido também matéria de discussão. Uns apontam para um criação antiga que colocaria a sua génese em Thot, deus egípcio do conhecimento e da escrita, assim o Tarot representaria o livro do deus, uma imagem em palavra da sabedoria divina. Outros defendem que sua origem estaria relacionada com heresia medieval dos cátaros, uma vez que dois dos baralhos mais antigos apareceram em regiões com forte presença desse movimento, sul de França e norte de Itália. Embora a sua datação seja polémica, podemos situar os baralhos de Carlos VI, ou Gringonneur, e Visconti-Sforza entre os séculos XIV e XV, aliás bem como o Tarot de Marselha. Por fim, a origem também já foi atribuída aos Romani que, segundo a lenda, descendem directamente dos egípcios antigos e que, como estes, teriam uma ligação ancestral ao Tarot. Qualquer que seja a origem do Tarot, uma coisa podemos afirmar: uma análise atenta das cartas demonstra a predominância do feminino, como sentido alternativo da realidade. As imagens e os arquétipos femininos são um denominador comum no Livro Mundo, daí que alguns o tenham associado ao culto da Madalena, o qual estaria intimamente ligado aos cátaros. A carta aqui representada, a Mansão de Deus, seria uma referência à queda de Montségur.  

Tarot Visconti-Sforza
A Papisa
  O feminino é o centro do Tarot, tanto que é uma mulher que está no meio dos Arcanos Maiores. No Tarot de Marselha, é a Força que está no centro e esta carta é esotericamente designada de a vitória do espírito sobre a matéria, é a mulher que vence o leão. Na reinterpretação do Rider-Waite, o centro é entregue à Justiça, que indica o equilíbrio ou necessidade do mesmo. A associação do Tarot ao culto da Madalena apresenta, em especial, a Senhora em quatro cartas: a Sacerdotisa, a Imperatriz, a Estrela e o Mundo. Ora estas cartas sintetizam a mensagem do Tarot, pois, por um lado, nas cartas da Sacerdotisa e da Estrela revela-se a união da Sabedoria à Fé, a Pistis-Sophia, e, por outro, a Imperatriz e o Mundo indicam o regresso do Feminino ao mundo, a harmonia perdida do masculino e do feminino.

Tarot de Marselha
A Estrela
  A relação entre as cartas e o número é íntima e simbólica. Nos Arcanos Maiores, o número participa da identidade da própria carta, bem como do conjunto. O Louco, o Arcano 0, não se inclui directamente nos outros 21 Arcanos, embora nalguns casos lhe seja atribuído o número 22 ou a posição entre o Julgamento e o Mundo. O Louco é o zero, porque não é o caminho, é o caminhante. O zero é o peregrino que está no início e no fim. Desta forma, ficam os 21 Arcanos Maiores. Ora o número 21 é um número feminino, pois 21 mais 7 indica o ciclo lunar da mulher e, sendo estes 7 o mistério do sangue, a Lua que se esconde, fica o 21, o Feminino visível como Lua, crescente, cheia e minguante. Se o Louco é o caminhante, os 21 Arcanos Maiores são o caminho, e os Arcanos Menores são os participantes e as expressões exteriores desse mesmo caminho. Os 21 Arcanos podem-se dividir em três secções de sete, em três etapas do caminho. A primeira etapa vai do Mago ou ao Carro, a segunda da Justiça ou Força, conforme o baralho, à Temperança, e a terceira do Diabo ao Mundo, chegando o Louco ao fim o caminho começa de novo. Para além do valor e significado específico do número de carta, a sua composição tem também um sentido profundo, ou seja, por exemplo, a Morte tem o número 13 e 13 é 1+3 e 1+3 é 4, ora 4 é o Imperador, que é 1+3, o Mago e a Imperatriz. Em termos de sentido, podemos resumir da seguinte forma: a Transformação  (a Morte) e a Ordem (o Imperador) relacionam-se entre si, pois ambas resultam da mesma origem, que é a Vontade (o Mago) e o Amor (a Imperatriz). Este esquema interpretativo pode-se aplicar a todas as cartas e a todos conjuntos das mesmas.

Árvore da Vida
   O Tarot, como Liber Mundi, tem uma estreita relação com a letra, com a palavra. A cada Arcano Maior corresponde uma letra do alfabeto hebraico, uma vez que este tem vinte e duas letras. Aqui existem duas teses quanto ao início do alfabeto: uns atribuem a letra Aleph ao Louco, outros ao Mago. À semelhança de Aleister Crowley, optei por seguir atribuição de Aleph ao Louco, porém, não sigo a associação de Tsady ao Imperador e He à Estrela, pois mantenho a sequência das letras. A ligação entre o Tarot e o alfabeto hebraico revelam uma harmonia entre as cartas e a Árvore da Vida cabalística. Se a cada Arcano Maior corresponde uma letra, logo um caminho na árvore, a cada Arcano Menor corresponde uma Sephiroth, por exemplo: todos os quatro Ases são regidos por Kether, a Coroa, e todos os Dez por Malkuth, o Reino. Esta simbiose entre o Tarot e a Cabala sustenta a tese inicial de que o Tarot é um livro de sabedoria e não um mero método de adivinhação.

Tarot Rider-Waite
Ás de Copas
  A associação do Tarot à Astrologia é a sua terceira ligação esotérica. A cada Arcano maior corresponde um signo ou um planeta/luminar. O Louco é regido por Úrano, senhor da liberdade e da aprendizagem pelo colectivo, ou seja, a liberdade do peregrino implica a aceitação dos outros, do grupo que o rodeia. O Mundo é governado por Saturno, senhor do tempo e da sua relação com o espaço, isto é o peregrino quando termina a sua viagem compreende que o tempo é círculo que a si mesmo retorna e que terá de reiniciar o seu caminho. Os Arcanos Menores, que apontam para o concreto e para o pessoal, estabelecem uma correspondência mais específica. O Ás de Ouros é regido pelo elemento Terra e pelo conjunto dos três dignos deste elemento: Touro, Virgem e Capricórnio. O Dez de Copas é associado ao elemento Água, ao terceiro decanato de Peixes e a Marte em Peixes. A Rainha de Paus é denominada de Fogo de Água e é regida pelo signo de Carneiro. A natureza astrológica de cada carta é também susceptível de se relacionar, por exemplo: a Estrela, regida por Aquário, junto do Quatro de Copas, associado ao terceiro decanato de Caranguejo e à Lua em Caranguejo, pode indicar uma perda de fé, uma dúvida acerca do divino ou uma indecisão que só será superada pela confiança em si. O Tarot e a Astrologia unem-se numa harmonia de sentido. 

   O Tarot como Liber Mundi permite que se aceda à sua verdadeira natureza, a de um livro sagrado dedicado à deusa Sophia. A sabedoria é a patrona do Tarot, o que é perceptível se observamos o Arcano II: a Sacerdotisa guarda o livro que é um enigma por revelar. O Tarot guarda os segredos do Todo e fecha na sua teia de símbolos e sentidos os mistérios humanos e divinos, porém, tal como o Louco é caminhante, também o leitor é mestre de si mesmo. Procura e encontrarás.


Nota: Todas as imagens apresentadas estão em domínio público.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

O Mapa Astrológico de Álvaro de Campos

Segundo Fernando Pessoa, Álvaro de Campos terá nascido a 13 de Outubro de 1890 (ou dia 15 de Outubro na carta a Adolfo Casais Monteiro), pelas 13 horas e 17 minutos (ou 13 horas e 30 minutos de acordo com a mesma carta), em Tavira, mais tarde dirá que foi em Lisboa.


Mapa Astrológico com os Elementos da Carta a Casais Monteiro


quarta-feira, 27 de abril de 2016

O Mapa Astrológico de Ricardo Reis

Segundo Fernando Pessoa, Ricardo Reis terá nascido a 19 de Setembro de 1887, pelas 16 horas e 5 minutos, em Lisboa (ou no Porto, de acordo com a carta a Adolfo Casais Monteiro).


Mapa Astrológico com os mesmos Elementos do Manuscrito, excepto o Local que se optou pelo Porto, seguindo a Carta a Casais Monteiro.


terça-feira, 26 de abril de 2016

O Mapa Astrológico de Alberto Caeiro

Segundo Fernando Pessoa, Alberto Caeiro terá nascido a 16 de Abril de 1889 (ou Agosto de 1887 de acordo com Thomas Crosse, personagem literária de Pessoa), pelas 13 horas e 45 minutos, em Lisboa.


Mapa Astrológico com os mesmos Elementos do Manuscrito