Reflexões Astrológicas
Lua Nova em Caranguejo
Lisboa, 03h52min, 29/06/2022
Sol-Lua
Decanato: Vénus
Termos: Vénus
Monomoiria: Lua
A
Lua Nova de Junho ocorre no signo de Caranguejo, com Gémeos a marcar a hora
para o tema de Lisboa, no Lugar da Porta do Hades (Ἅιδου πύλη), no decanato e termos de Vénus e na monomoiria de Lua. A sizígia dá-se
abaixo do horizonte e a cerca de duas horas do nascer do Sol. A Lua encontra-se
favorecida por estar no seu próprio domicílio e o Sol com Júpiter está em
recepção mútua por exaltação, ou seja, um está no signo de exaltação do outro.
Esta constitui, porém, uma relação de aspecto quadrangular, o que permite que
se conclua, face a todos os critérios descritos, a prevalência do feminino
neste novilúnio.
Caranguejo
é o signo da Origem e, tal como foi referido na reflexão anterior acerca do
solstício de Verão, este é, segundo o thema
mundi, a porta de entrada do Nascimento, do acto original de criação. É
também o signo que está na origem do Verão (hemisfério Norte) ou do Inverno
(hemisfério Sul). Quanto às estações e à variação das mesmas em cada um dos
hemisférios, convém referir-se que esta distinção determinou que a maioria dos
modelos astrológicos, ao longo dos séculos, não se tenha fixado de acordo com
as estações. No entanto, existem nelas elementos astro-mitológicos que devem
ser considerados e que existem com suas especificidades em qualquer um dos
hemisférios. Devemos portanto colher esse contributo que se enraíza, tal como
Caranguejo, na tradição.
A
pluralidade de sentidos, sobretudo se procurarmos para além do superficial,
permite que se encontre uma urdidura de ligações conceptuais. Quando no tema de
Lisboa, a sizígia se fixa no segundo lugar, logo no seguinte àquele em que se
encontrava no thema mundi, o sentido
primordial de origem e nascimento do signo de Caranguejo é preservado, pois a
Porta do Hades (II) é o lugar que antecede o Nascente (I). Ora Manílio (séc. I EC) diz-nos o seguinte acerca do eixo de
lugares da II e da VIII: “E nem aquela acima do ocaso, nem a que sob a aurora
lhe é oposta/ se afirma no céu como melhor parte: esta se
afunda, aquela, inclinada, se pendura; uma teme o fim no vizinho pólo,/ a
outra, defraudada, cairá. (Astronomica II, 871-3, Goold 1985: 56: Nec
melior super occasus contraque sub ortu/ sors agitur mundi: praeceps haec, illa
supina pendens aut metuit vicino cardine finem/ aut fraudata cadet.). Para melhor se compreender esta passagem, deve-se considerar,
como aliás é comum entre os antigos e que hoje caiu em desuso, o movimento
horário no tema astrológico, aquele que determina o nascimento e a morte, a
ascensão e o declínio, mas também o dia e a noite.
A partir
da Porta do Hades, os luminares aguardam o seu nascimento, a sua subida acima
do horizonte. A luz, neste novilúnio, é uma luz uterina, que espera, entre o
silêncio da noite, o momento de irradiar, de se espalhar como uma dádiva. Por
outro lado, esta luz potencial que ainda não brilha alerta, segundo a Astrologia
Mundana, que na II os impostos, as receitas e as despesas do Estado, bem como
as taxas de juros, os bancos, todos os valores indexantes estão a aguardar o
seu nascimento, ou seja, tudo o que está em curso não pode, nem deve, ser tido
como definitivo, para o bem e para o mal. Porém, esta luz está guardada em
Caranguejo que traça até Virgem o carácter feminino de cuidar e servir. Os bens
de primeira necessidade e a dignidade do viver devem ser assegurados a todo o
custo e para além de todos os interesses.
Seguindo a
ordem vernal, o primeiro signo feminino é Touro que nos traz a Mãe-Terra, já
Caranguejo, o segundo, leva até nós a Mãe do Mundo, aquela que antecede a
criação e que nos dará a luz. Contudo, sabendo que a abundância não deve seguir
a excepção, mas sim o comum, a Grande Mãe, como estrela do amanhã, pairando
sobre a quadratura da actual sizígia a Júpiter e Marte em Carneiro, na XI, no
Lugar do Bom Espírito (ἀγαθόν
δαίμων), revela que existe uma dificuldade imensa de criar uma
sociedade mais justa. A XI representa os parlamentos, os partidos e as
organizações sociais, porém, com Marte e Júpiter, é transmitida a dificuldade de
se estabelecer uma concórdia entre estas duas forças: uma une pela bem e outra
afasta pela discórdia.
Por outro
lado, a união de Marte e Júpiter produz uma expansão das doenças
infecto-contagiosas, como, por exemplo, a monkeypox, cujos primeiros casos
foram confirmados uns dias depois do início da conjunção. A quadratura destes a
Plutão em Capricórnio vai acentuar a expressão da doença, mas também a forma
como é julgada, pois Júpiter, mal aspectado, torna-se aqui uma fonte de
preconceitos.
Estes
aspectos confirmam, de um outro modo, os conflitos políticos e morais em torno
de direitos fundamentais, veja-se o caso português da aprovação da eutanásia ou
o reavivar do acesso ao direito à interrupção voluntária da gravidez. O
encontro de Marte e Júpiter em Carneiro pode também reforçar os valores
patriarcais e a misoginia. Os homicídios de mulheres em situações de violência
doméstica podem aumentar com este aspecto.
Na Aretologia
de Ísis de Cumas (séculos
I AEC – I EC),
a deusa diz: “Eu sou a que encontra o
fruto da terra para os seres humanos.” (§7,
linha 12: ἐγώ
εἰμι ἡ
καρπὸνἀνθρώποις εὑροῦσα).
Esta proclamação da Deusa dos Mil Nomes revela como o novilúnio de Caranguejo
traz consigo esse potencial de levar à humanidade o fruto da terra, o fruto
amadurecido pelo calor luminoso do Verão, ou fruto guardado no Inverno para os
que estão no hemisfério sul. O sextil de Úrano e da Caput Draconis em Touro à sizígia, bem como o trígono de Neptuno em
Peixes, produzem esse potencial de dádiva.
No
entanto, para isso é necessário transformar, tal como sugere o corpo do Dragão
da Lua, o modo de vida e criar novos valores. A humanidade pode sobreviver e
prosperar, religando-se, ecologicamente, à terra e fundando as suas dinâmicas
político-sociais na compaixão e no acto puro de partilhar, ou pode assistir,
como alerta a oposição de Plutão em Capricórnio aos luminares, à destruição de
estruturas de poder que alimentaram as bases sobre as quais a humanidade está a
ruir, tanto colectivas como individuais. O destino oculto, promovido pelo
Senhor do Hades, começará então a revelar-se. A Cauda Draconis em Escorpião vai alertar igualmente para os ditames
da Providência
Já
Vénus e Mercúrio estão no Leme da Vida (I), porém ainda não nasceram,
permanecem ocultos sob a Aurora. Vénus está peregrina, já Mercúrio encontra-se
no seu domicílio e é o regente da triplicidade do seu Segmento de Luz. Este
posicionamento de Vénus e Mercúrio em Gémeos, presente, mas não efectivado, por
nascer, contribui para uma dificuldade de expressão, sobretudo de Vénus. O
signo de Gémeos favorece aqui a criação intelectual e estética. A arte continua
a transformar o humano e o conhecimento continua a ser fonte de progresso.
Contudo, conhecimento (Gémeos) sem Sabedoria (Sagitário) favorece apenas a
superficialidade e esfuma, entre o fanatismo e o narcisismo, os limites do conhecimento,
limites estes que só a sabedoria compreende.
Vénus
não contribui, porém, com a dádiva feminina da criação, pois com Mercúrio, numa
posição anterior ao Sol, são Estrelas da Manhã, o que enfatiza o lado racional,
dedutivo, em detrimento de uma expressão criativa e intuitiva. Estes
encontram-se em quadratura a Neptuno em Peixes, logo a expressão superior de
Vénus e a própria Vénus encontram-se em conflito. Assim, nem a imaginação
criativa (Neptuno) alimenta o pensar e o sentir (Mercúrio e Vénus), nem a razão
e a sensibilidade transformam a ilusão em alta
fantasia, como diria Dante. Contudo, Vénus continua a ser o grande benéfico
do novilúnio.
O
sextil de Vénus e Mercúrio em Gémeos a Júpiter e Marte em Carneiro e o sextil
destes a Saturno e trígono deste aos primeiros formam provavelmente o mais
profundo elemento formativo deste novilúnio, sobretudo se somarmos a estes
aspecto a quadratura de Saturno a Úrano. Estão unidos aqui o benéfico e o
maléfico dignificados pelo Segmento de Luz, Vénus e Marte, e o benéfico
mitigado pelo segmento, Júpiter, e o maléfico exacerbado, Saturno. Esta é uma
estrutura de sentido que pretende dar vida ao tempo, criando um consciência
íntima da realidade.
Ora,
nesta Lua Nova, a forma como os raios se expressam vai também determinar a sua
acção e esta continua ser a palavra-chave, o timoneiro da nossa viagem. Porém,
este profundo elemento formativo coloca a acção não entre o destino e a
liberdade, mas sim entre a sabedoria e a ignorância, pois para aquele que vê o
destino é a liberdade e liberdade é o destino, enquanto aquele que vive nas
trevas quer que o julga ser a liberdade vença o seu próprio destino.
Neste
novilúnio, e tendo em consideração este elemento formativo, é curioso
observar-se a forma como a luz, como a sizígia dos luminares, tanto é a origem
desta acção que dá forma à vida e ao humano, como dela recua, deixando um manto
de sombra. A Mãe do Mundo é a fonte, a origem, mas é também o fim, a
finalidade, e para isso tem de existir caminho e caminhante.
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