quinta-feira, 25 de abril de 2019

Esse elástico em pés de menina (Poesia)

Gauguin, Paul, Breton Girls Dancing, 1888. Washington: National Gallery of Art.


Esse elástico em pés de menina

Se escapares da rotina
Da autocarro atrasado
Do dinheiro que não estica
Das pessoas malignas
Que sem autorização 
Te invadem a vida
E pensares em Deus e no Tempo
Não com o cálculo do físico
Nem com a razão do filósofo 
Mas com o espírito livre de um poeta
Compreenderás não como metáfora
Mas como realidade vibrante
Visão primordial da totalidade 
Que Deus e o Tempo
São três meninas a jogar ao elástico
Qual feminina trindade
Deusa tríplice e fiandeira
Nesse jogo de criança
Ouvirás as meninas a cantar
Batendo as palmas
Dando som ao universo
E as três trauteando dirão
Salta pisa e cruza
Pisa cruza e salta
E a gravidade o espaço e o tempo
Comprimindo-se e estendendo-se
Tornar-se-ão a unidade
De uma relativa verdade
E tu do quotidiano liberto humano
Observarás o elástico sob os pés da menina
Aquela que dança entre as irmãs
E então o tempo 
Esse elástico em pés de criança
Saltado será a oportunidade 
Pisado o momento 
E cruzado e estendido 
Toda uma vida
Agora longe da rotina 
Da autocarro atrasado
Do dinheiro que não estica
Das pessoas malignas
Que sem autorização 
Te invadem a vida
Quando procurares 
A divina imagem
Não vejas pois o velho barbudo 
Vê antes três meninas a brincar
Três mulheres que voltam a jogar


25 de Março de 2019
RMdF

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Do Eu ao Todo (Poesia)

Curradi, Francesco, Narcissus, s/d.
Florença: Galleria Palatina (Palazzo Pitti).


Do Eu ao Todo


Se na vida 
Algo queres ser
Perde o eu
A que tanto te agarras
Para abraçares o todo
Que tudo te dá

Não sejas pois a repetição 
Desse eu que tudo detém 
Sem nada conseguir ser
Sê antes a profundidade 
De um poço vazio
Que paciente espera
A água as chuvas
Encher-se 
Tornar-se outro 
Cheio renovar-se

Perde pois esse eu
Que em tudo se inclui
Como Narciso 
Dizendo
Fiz sou apareci
Dilui-te na obra do agora
Na sabedoria que é semente
E sê antes a árvore
Que vê e ouve
O rio que corre 
Sem ter de ser

Se na vida 
Ou além da morte
Algo queres ser
Perde esse eu
Que só a ilusão te dá
Para vivo puderes ser
Não uma parte no todo
Mas o todo por toda a parte


24 de Março de 2019

RMdF

Humana Possibilidade (Poesia)

Allori, Alessandro, Allegory of Human Life, 1570-90.
Florença: Galleria degli Uffizi.

Humana Possibilidade

Se a humanidade pudesse ser _____________
O canto dos rouxinóis rasgando a madrugada
Ou a douta maré que solitária avança e recua
Deixando ao despido areal aquilo que fora seu

Se a humanidade pudesse ser _____________
O majestoso veado-rei senhor do árboreo reino
Que sabe que liderar é ainda estar e não ser visto
Ou aquela simples flor que reúne em si o universo

Ai se a humanidade pudesse ser ___________
A singularidade magnânima de uma nova estrela
Ou a constância luminar que o Sol e a Lua nos dá
Surgindo e escondendo-se dando de si ao outro

Se a humanidade pudesse ser _____________
Aquele riso frisado ao vento das nossas crianças
Cantando sobre os sulcos dos seus antepassados
Ou gravando a marca solitária do incerto amanhã

Se a humanidade pudesse ser _____________
A doce memória da palavra o mestre revisitante
Da lição que a história nos dá transformando
O agora sempre perdido nas páginas do futuro

Ai se a humanidade pudesse ser ___________
Tudo aquilo que não é mas que por sua dádiva
Tende a ser ou a excelência que por raridade
Ou excepção exalta o melhor do ser humano

_______________ Sim se a nossa humanidade
Pudesse ser a lei da sabedoria verdade e vida
Tornar-se-ia o que teima em não ser uma ideia
O sonho e o ideal o nascer de um novo humano



29 de Janeiro de 2019
RMdF