sexta-feira, 13 de julho de 2018

Biblioteca I: Dorian Gieseler Greenbaum, The Daimon in Hellenistic Astrology

Apresento aqui algumas sugestões para uma biblioteca astrológica. Contudo, como critério de coerência, não irei apresentar nenhum livro que não tenha lido. O objectivo é sobretudo apresentar títulos que permitam aprofundar os conhecimentos astrológicos e que, por norma, não sejam os mais comuns. Um dos piores erros em que pode cair um astrólogo é cingir-se ao superficial e cair no lugar-comum e na frase-feita. Deve-se portanto procurar como se nunca nada se encontrasse. Um livro lido deve assim servir de ponte para o seguinte.


Greenbaum, Dorian Gieseler, The Daimon in Hellenistic Astrology: Origins and Influence.
Leiden e Boston: Brill, 2015.
ISBN: 978-90-04-30621-9
Páginas: 574
Preço: 190.00 €


Comentário

Este livro reproduz a tese de doutoramento da autora, apresentada ao Instituto Warburg da Universidade de Londres. O conceito de daimon (daímōn) serve de base para toda a investigação. Ora este termo, bem como o de týchē, fortuna, como demonstra Greenbaum, estão na origem de alguns dos mais relevantes conceitos astrológicos, como por exemplo as casas V, VI, XI e XII e as partes da fortuna e do espírito. Greenbaum usa em epígrafe inicial o fragmento de Heraclito que serve de mote para toda a conceptualização em torno da palavra daimon: ēthosἦanthrópōi daímōn (O carácter é para o ser humano o seu destino). O termo daímōn surge aqui como indicador do destino, o que está em sintonia com seu significado primordial de demiurgo, de ser intermediário. 

Na primeira parte do livro, Greenbaum explora os conceitos de daímōn e de týchē enquanto representações culturais, religiosas e filosóficas e, recorrendo a um vasto número de fontes antigas, com especial destaque para Plutarco e Vétio Valente, analisa a relação entre os dois termos. Ora dessa relação nascem dois princípios duais: Agathós Daímōn e Agathē Týchē, de um lado, e Kakós Daímōn e Kakē Týchē, do outro. Estes princípios estão na génese das casas V e XI e VI e XII e da sua atribuição quer aos benéficos, Vénus e Júpiter, quer aos maléficos, Marte e Saturno. Estes dois conceitos, de extrema importância sobretudo no período helenista, foram como alicerces para a criação do sistema astrológico tal como o conhecemos. A astrologia foi sobretudo uma criação egípcia de matriz grega, tendo como suporte astronómico a evolução científica em torno da herança babilónica. A divisão da eclíptica, enquanto modelo conceptual, em casas, decanatos, termos, dodecatemoria ou monomoiria e as relações geométricas e simbólicas que resultam da presença dos planetas nesse modelo são um produto do helenismo alexandrino. As concepções filosóficas e religiosas em torno das ideias de daímōn e de týchē foram acolhidas pela astrologia que, por sua vez, renovou as suas significações.

Na segundo parte, é abordada a natureza do conceito de daimon enquanto mediador. A relação com a esfera divina traduz-se numa análise do neoplatonismo, do gnosticismo e mitraísmo, passado naturalmente pela noção do daimon pessoal. Nesta parte, aborda-se também a presença da ideia de daimon nos papiros mágicos e no corpus hermeticum ou hermetica. Aquando desta última fonte, Greenbaum firma nas estrelas  o nascimento dos daimones, o que está em estreita ligação com os últimos capítulos desta parte. O estudo em torno dos decanatos mostra o sentido profundo deste conceito astrológico que deve mais aos decanos egípcios que à ideia limitada de faces. Greenbaum analisa a forma como os vários autores antigos abordam este tema. A tradição que vai Teucro de Babilónia até Heféstion de Tebas, chegando até Cosme de Jerusalém, é fundamental para que a astrologia contemporânea construa uma teoria dos decanatos que se funde para além dos períodos de dez graus e das regências planetárias. Este parte termina com a análise da obra de Porfírio, em especial, no que à noção de oikeîos daímōn (daimon pessoal) concerne. Esta ideia permite o sentido astrológico que une a individualidade ao destino.

Na terceira parte, Greenbaum estuda a relação de daimon com as partes astrológicas, klēroi. Estas são, segundas as palavras da própria autora, uma das principais técnicas da astrologia helenista. Ao ler-se esta terceira parte, ninguém voltaria a designar as partes por partes arábicas. A parte da fortuna ou roda da fortuna,  como hoje a designamos, é em grego týchē e a parte do espírito é o daímōn. Estas duas partes, como representantes do Lua e do Sol, estão na origem do cálculo das outras partes, quer seja elas a pouco conhecida parte da base ou fundação (básis), as partes herméticas ou planetárias de Paulo de Alexandria ou as partes de Eros e da Necessidade de Vétio Valente. Segundo a tradição, as partes teriam sido criados por Hermes e passadas a Nechepso e Petosíris. A razão que origina as partes é mesma que se inscreve no procura da duração da vida. Greenbaum analisa, com erudição, os vários testemunhos e teorias sobre esta profunda relação entre as partes e a vida. O leitor pode, sem esforço, perceber que as partes são um importante legado da astrologia helenista e que têm uma aplicação mais integrada na linguagem astrológica que o uso que posteriormente lhe foi concedido. 

Nos apêndices, encontramos, numa primeira parte, uma síntese dos elementos da astrologia helenista e, numa segunda, a apresentação das principais fontes e das respectivas traduções. O livro de Greenbaum é um importante contributo para a dignidade da astrologia enquanto forma de conhecimento e é também a prova de que astrologia pode e deve ser estudada em meios académicos. Para o leitor menos familiarizado com a cultura clássica, a leitura pode ser um pouco densa, mas o que se ganha compensa o esforço. Este livro será sempre uma valiosa aquisição para uma biblioteca astrológica, seja ela física ou digital.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

A Justiça que permeia o Mundo

A Justiça
Tarot Rider-Waite

A Justiça é a eterna lei do equilíbrio e da harmonia que está guardada no centro da criação, no lugar onde o intelecto tudo vigia. 

A Justiça é o princípio que une a alma do mundo, o macrocosmo, ao humano, o microcosmo, que é a sua imagem e representação.

A Justiça é aquela força primordial que tudo domina e que tanto pode ser chamada de destino como de providência.

A Justiça é a eterna lei que conjuga a Vontade com a Providência, concedendo ao humano o dilema de dar liberdade ao destino.

A Justiça é o princípio universal da justa medida que, no universo, na natureza e no humano, balanceia o potencial e a acção.

A Justiça é aquela verdade que quando não é uma abstracção, torna-se naturalmente a unidade espiritual do perdão.

A Justiça é, para o ser humano, o equilíbrio entre o dom e o esforço, o mistério que permite o casamento do céu com a terra.