Reflexões Astrológicas
Ingressos
Saturno em Carneiro
Lisboa, 04h36min, 25/05/2025
Saturno
Decanato: Marte
Termos: Júpiter
Monomoiria: Marte
O
primeiro ingresso de Saturno em Carneiro ocorre com o próprio Carneiro a marcar
a hora (hora de Lisboa) e, deste modo, na I, no Leme (οἴαξ)
do tema, no decanato de Marte, nos termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. O ingresso dá-se assim acima do horizonte, com
Saturno em pós-ascensão, e cerca de uma hora e trinta minutos antes do
nascer-do-sol. Saturno encontra-se, deste modo, desfavorecido por estar no segmento
de luz da Lua (αἵρεσις) e acima do horizonte.
Se
considerarmos a ordem vernal, percebemos logo a importância deste ingresso,
pois inicia-se aqui um novo ciclo de cerca de vinte e nove anos e meio. Já se
distribuirmos as posições planetárias de acordo com o Thema Mundi, Saturno fixará então o seu ingresso na X, no lugar da
Práxis (πράξις),
logo definir-se-á como particularmente activa a influência deste planeta no
signo de Carneiro, um signo que, por ser o domicílio de Marte e a exaltação do
Sol, já encerra esta significação.
Pelas
razões já abordadas na reflexão acerca do ano astrológico de 2025, Saturno terá
uma influência bastante expressiva ao longo do ano. Desta forma, devemos
sistematizar as efemérides de Saturno ao longo dos próximos tempos. O primeiro
ingresso de Saturno em Carneiro ocorre de 25 de Maio a 1 Setembro. Nesta última
data, Saturno voltará a Peixes, onde ficará até 14 de Fevereiro de 2026. O
segundo ingresso em Carneiro será até ao fim da sua passagem por este signo, ou
seja, de 14 de Fevereiro de 2026 a 13 de Abril de 2028, quando ingressará em
Touro. Vão observar-se também três períodos de retrogradação: o primeiro, de 13
de Julho a 28 de Dezembro de 2025; o segundo, de 26 de Julho a 10 de Dezembro
de 2026; e o terceiro e último, de 9 de Agosto de 24 de Dezembro de 2027. Pela
sua duração, o primeiro ingresso vai ter o sentido de promotor de um valor
primordial, mas também de integração da mensagem do ingresso anterior. Terá de
existir, neste ano de 2025 e também no início de 2026, uma ponte de
significação entre os sentidos de Saturno em Peixes e os de Saturno em
Carneiro.
Por
outro lado, a observação das dignidades permite uma consideração radical do
valor desta passagem. Em Peixes, Saturno ocupa o domicílio de Júpiter e a
exaltação de Vénus, encontra-se portanto no lugar dos benéficos. Em Carneiro,
vai ocupar o domicílio de Marte e a exaltação do Sol. A união dos maléficos
tende a ser sempre nociva, sobretudo se pensarmos que um pertence ao segmento
de luz do Sol (Saturno) e o outro, ao da Lua (Marte). Já quando se dá a união
dos benéficos a complementaridade Sol-Lua torna-se um sinal de dádiva, de
harmonia dos opostos. O facto dos primeiros termos de Carneiro pertencerem a
Júpiter é também aqui significativo, sobretudo pela análise do ingresso de
Júpiter em Caranguejo. Em síntese, com o ingresso de Saturno em Carneiro,
devemos observar com maior atenção, tendo em conta as dignidades essenciais, as
suas relações com Marte (domicílio, primeiro decanato e primeira monomoiria), com o Sol (exaltação,
sobretudo quando chegar ao grau 19) e com Júpiter (primeiros termos).
No
caso do Sol, este encontra-se em Gémeos aquando do ingresso de Saturno em
Carneiro, unindo-se assim hexagonalmente aos seus raios. Depois, convém
atentar-se ao seu grau de exaltação, tanto quando Saturno chegar a ele como
quando for a vez do Sol. No entanto, é entre Marte e Júpiter que se deve fixar
mais atentamente um olhar crítico. Ora Marte encontra-se em Leão, olhando
triangularmente para Saturno em Carneiro. Porém, lembrando a lição de Petosíris
acerca dos trígonos e das quadraturas, um trígono entre os maléficos continua a
encerrar um carácter maligno. A
força primária sobre o poder (Marte em Leão) une-se à acção retributiva (Saturno
em Carneiro). Se pensarmos nos actuais ímpetos de militarização da sociedade,
alimentando as indústrias da guerra, e a acção belicosa e desgovernada de
muitos líderes, este aspecto pode agudizar essas pulsões. Já Júpiter
encontra-se em Gémeos, olhando hexagonalmente tanto para Marte como para Saturno
e fomentando alguns esforços isolados de moderação e diálogo, todavia, será só
por alguns dias.
A
9 de Junho, Júpiter ingressará em Caranguejo e aí formará uma quadratura a
Saturno. Por se fixar então a angularidade em signos cardinais, este aspecto
vai tornar a relação entre Júpiter e Saturno ainda mais estrutural. Os
movimentos nacionalistas e xenófobos vão formar uma maior tensão face às
migrações voluntárias e involuntárias e face a um mundo global que querem negar.
Júpiter em Caranguejo vai mostrar que paralelemente à pátria existe uma mátria
por cumprir. A mátria acolhe todos, pois é uma expressão da Mãe-Terra, da
Grande Mãe. Já a pátria constrói-se na vontade de poder que pode ser sempre
corrompida. No entanto, quando Saturno regressar a Peixes, formará um trígono a
Júpiter em Caranguejo. Este será um momento em que a esperança na humanidade
poderá ganhar um novo fôlego, um que alimente os combates futuros. A conjunção
dos benéficos, Vénus e Júpiter, em Caranguejo, a 12 de Agosto, será o momento
mais elevado dessa expressão. O Divino Feminino concederá a bênção da origem,
da Grande Mãe, a quem a reconheça como derradeira esperança da humanidade. A barca
de Ísis cruzará de novo o firmamento.
De
um outro modo, a relação de Saturno em Carneiro com os transaturninos também
merece alguma distinção. Dos três planetas, será Neptuno aquele que exercerá
uma maior influência. A conjunção de Saturno e Neptuno em Carneiro marcará os
próximos meses e anos. Esta tende a ser uma co-presença que irá favorecer a
confusão das coisas que define o nosso tempo. Saturno cristaliza e Neptuno
dispersa são movimentos contrários. Um cria montanhas, o outro, oceanos. Em
termos mundanos, esta conjunção vai favorecer o crescimento da extrema-direita,
da intolerância, da xenofobia e do racismo, da misoginia e das ilusões que
favorecem a guerra e o belicismo. Nesta união, não se encontrará qualquer
esforço de harmonia e paz. A mensagem de que serão as armas a nossa salvação
continuará a prevalecer e para isso é necessário encontrar inimigos em todo o
lado. A ideia de inimigo comum serve sempre de impulsionador de totalitarismos.
A
relação de Saturno com Úrano só acontecerá quando este ingressar em Gémeos,
formando assim uma troca hexagonal de raios. Esta ligação favorecerá uma
transformação das estruturas e organizações através da tecnologia e da
inovação. No entanto, por ser um sextil, os resultados transportam consigo a
ambivalência da natureza humana. A inteligência artificial pode ser utilizada
como meio de transformar o acesso à informação ou pode corrompê-la,
manipulando-a e esvaziando a sua profundidade. A inteligência torna-se um meio
e não uma finalidade. De um outro modo, mas complementarmente, o sextil de
Saturno (e Neptuno) em Carneiro a Plutão em Aquário vai tentar equilibrar a
ponte de sentido entre um dever de acção e a morte no humano. O narcisismo
colectivo dos nossos dias tende a esquecer o memento mori dos estóicos, a sabedoria de que sabermos que vamos
morrer. Essa é uma fragilidade poderosa.
Depois
de analisadas as principais relações, devemos explorar a natureza deste
ingresso e o que leva consigo o planeta ao lugar, sim porque é o planeta que
faz o lugar e não contrário. Existe, por vezes, numa certa astrologia contemporânea,
a ditadura do signo sobre o planeta. Os deuses de passagem são os planetas e os
lugares (signos) são apenas as suas casas ou templos. Saturno, para além da
conhecida regência sobre o tempo e a necessidade, traz consigo o sentido de
dever que é o outro lado do poder, expresso por Júpiter. Ora o dever é, de uma
perspectiva estóica, uma forma de aprendizagem. A filosofia estóica define ἄσκησις como
um exercício, um treino ou uma prática que conduz à virtude, à excelência.
Neste sentido, é também um modo de vida, uma ascese. Saturno traz esta
aprendizagem como dever que se expressa no lugar, no signo de Carneiro, como
acção, como prática, ou seja, como uma práxis.
Para o estoicismo, esta prática pode ser alcançada com os exercícios
espirituais.
Séneca
oferece-nos este exemplo de exercício espiritual: “Tenho, aliás, tanta vontade de pôr à prova a tua firmeza de alma que,
com base nos preceitos de filósofos ilustres, forjaria este outro preceito
destinado à tua pessoa: fixa alguns dias intercalados nos quais mates a fome
com alimentos exíguos e vulgares, e te vistas com roupa o mais possível
grosseira, de modo a comentares para ti próprio: ‘era então disto que eu
tinha medo’. A alma deve preparar-se para
as dificuldades durante os períodos de tranquilidade, deve-se fortalecer contra
as injúrias da fortuna nos períodos em que ela nos sorri.” E continua,
dizendo: “Se não queres que um
homem entre em pânico perante uma situação concreta, treina-o antes que tal
situação ocorra. Este princípio foi posto em prática por aqueles que todos os
meses imitavam uma situação de pobreza a tal ponto que atingiram quase a
miséria extrema, na intenção de nunca terem de recear o que de uma vez por
todas aprendessem a suportar.” (Ep.18.5-6; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A.
Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian).
Outro exercício espiritual é a autoconsciência do erro, expresso
do seguinte modo: “Certos indivíduos há
que se gabam dos seus vícios: como imaginar que pode pensar em curar-se gente
que torna os próprios defeitos como virtudes? Por isso mesmo, tanto quanto
possas, acusa-te, move processos a ti mesmo. Começa por fazeres ante ti próprio
o papel de acusador, depois o de juiz, depois o de advogado de defesa; e uma
vez por outra aplica uma pena a ti mesmo!” (Ep.28.10;
Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa, 2004:
Fundação Calouste Gulbenkian). Os exercícios
espirituais servem o sentido saturnino de dever. No entanto, é preciso não
esquecer que este dever não é para com o exterior é um dever para consigo mesmo.
A acção proposta pelo signo de Carneiro nasce da sua
própria significação de unidade enquanto parte do eixo de identidade (Carneiro-Balança)
e, desta forma, confere a Saturno este dever para si consigo mesmo, para uma
reflexão proactiva da ponte que é a identidade, ou seja, de uma que se estende
entre a unidade e a dualidade. Os exercícios espirituais de premeditação da
adversidade e de autoconsciência do erro são exemplos da proposta de ἄσκησις de Saturno em Carneiro.
Na perspectiva da astrologia mitológica, poder-se-ia
dizer que o mito da Titanomaquia é o que melhor define o ingresso de Saturno em
Carneiro. Deve-se considerar, de início, o mito que coloca primeiramente como
soberanos do céu e da terra Eurínome e Ofião. O poder passaria depois para
Cronos (Saturno) e Reia e, por fim, para Zeus (Júpiter) e Hera. Encontramos,
por exemplo, este mito já na fase helenística na Alexandra de Licofrão de Cálcis (1191
e ss.). De uma era matriarcal, onde reinaria Eurínome,
a Grande Deusa dos pelasgos, e o seu consorte Ofião, uma grande serpente por si
criada, seguir-se-ia uma era de transição, com Cronos (Saturno) e Reia e, por
fim, a imposição do poder patriarcal, com Zeus (Júpiter) e Hera.
Cronos/Saturno é um soberano de transição, porque nos
seus mitos existe ainda uma prevalência de divindades femininas. O deus chega
ao poder com a ajuda da mãe Gaia e de esposa Reia, duas Grandes Mães da era
matriarcal. Tanto Cronos como Zeus sobem ao trono por via matrilinear, seja ela
directa ou não. No entanto, é Zeus que impõe o poder patriarcal. Por vezes,
isso acontece através de Atena e Apolo, tal como se pode ler na Oresteia de Ésquilo. De um ponto de
vista astrológico, esta é uma das razões que justifica que alguns autores
antigos tenham considerado Saturno um planeta feminino (Figueiredo, R. M., 2024, “Saturno e o Feminino na
Astrologia Antiga” in Fragmentos
Astrológicos, 2ª ed. revista e aumentada, 163-77. Lisboa: Livros – Rodolfo
Miguel de Figueiredo).
Este prelúdio mitológico coloca em contexto a
Titanomaquia, ou seja, a luta entre os deuses antigos, os titãs, e os deuses
olímpicos. Cronos liderava os primeiros e Zeus, os segundos. Convém
assinalar-se que os titãs são deuses elementais e os deuses olímpicos são
deuses ideais, ou seja, com o tempo tornaram-se sobretudo ideias ou conceitos.
Existe portanto uma racionalização conceptual dos poderes divinos, uma que
passa progressivamente a derivar apenas de uma divindade central, Zeus/Júpiter.
Na obra de Ésquilo Prometeu Agrilhoado,
o próprio Prometeu descreve esta oposição divina dizendo que os deuses
começaram a encolerizar-se e gerou-se uma contenda entre os apoiantes de
Cronos/Saturno e os apoiantes de Zeus/Júpiter (197-229). No entanto, convém assinalar-se que Zeus é apoiado pela
avó Gaia e pela mãe Reia, ou seja, a Grande Mãe, o Divino Feminino, continua a
ser o poder por detrás do poder, aquele gera os novos reis.
Com a derrota dos titãs, estes, e em especial Cronos, são
atirados para o Tártaro, o lugar mais profundo do submundo. Foi lá que Cronos
permaneceu acorrentado até que, segundo alguns mitógrafos, é perdoado e passa a
reinar na Ilha dos Bem Aventurados. Este último mito tem uma forte relação com
a passagem de Saturno pelo signo de Peixes, ou seja, existe um sentido de viagem,
da guerra à redenção, de Carneiro a Peixes. A derrota dos titãs conduz também a
uma diminuição do valor dos poderes elementais, da natureza. O mundo da pólis vence o mundo natural. A
religiosidade helénica é profundamente marcada por esta significação: a vitória
da civilização sobre a natureza. Hoje o nosso olhar é diferente e procuramos,
em alguns movimentos espirituais, o regresso de divindades elementais e da
natureza enquanto expressão do divino ou sendo ela mesma a divindade.
No tema do ingresso de Saturno em Carneiro, podemos
encontrar alguns dos elementos mitológicos da Titanomaquia. Os três irmãos que
dividiram o poder depois de o tomarem do pai posicionam-se agora
astrologicamente: Hades/Plutão que reina no submundo encontra-se junto ao Ponto
de Culminação, sendo este o astro mais alto do tema; Zeus/Júpiter encontra-se
junto do Ponto sob a Terra, o abismo do tema; e Posídon/Neptuno encontra-se a
marcar a hora, subindo no horizonte após a ascensão e junto ao seu pai,
Cronos/Saturno. Existe pois uma via ascendente que se estende de Júpiter até
Plutão e se expressa com maior intensidade em Touro e Carneiro, devido a uma
maior presença planetária.
De um ponto de vista simbólico é revelante o facto de
Zeus/Júpiter se encontrar ainda no ventre de sua mãe, ou seja, sob a terra.
Plutão a culminar lembra a canção de Zeca Afonso “A Morte saiu à Rua” que logo
no início diz o seguinte: “A morte saiu à
rua num dia assim / Naquele lugar sem
nome pra qualquer fim”. A morte à vista de todos lembra tanto o memento mori, a certeza de que vamos
morrer, como derradeira expressão da perfídia humana. No caso da canção de Zeca
Afonso, temos o assassinato pelas mãos da PIDE, da polícia política da ditadura
do Estado Novo. Existe um aviso que nos diz que, se o deixarmos, o mal encontra
caminho. Em certa medida é como o paradoxo da tolerância descrito por Popper: a
tolerância para com o intolerante pode levar a perda da própria tolerância.
Saturno em Carneiro é, como já se observou, um dever de acção que coloca diante
de nós a responsabilidade e a retribuição.
O ingresso de Saturno em Carneiro traz consigo um tempo de desafios. Se em Peixes existia um dever interior de aceitar, de comungar, com o destino, com as leis do tempo e da necessidade, abraçando-se assim a totalidade, agora em Carneiro, esse desafio fixa-se na própria acção. Nos tempos que vivemos, nestes tempos sombrios, Saturno em Carneiro diz-nos que não podemos ser neutros. Temos hoje um dever de acção, uma responsabilidade, ou seja, o dever que transformar o interior terá de se espelhar no exterior. Em última análise, ao nos transformarmos, transformamos o mundo.






