segunda-feira, 1 de julho de 2024
Calendário Astrológico: Julho de 2024
sexta-feira, 28 de junho de 2024
Reflexões Astrológicas 2024: Saturno Retrógrado
Reflexões Astrológicas
Retrogradação de Saturno
Lisboa, 20h06min, 29/06/2024
Saturno
Decanato: Júpiter
Termos: Marte
Monomoiria: Lua
Saturno
inicia a sua retrogradação no signo de Peixes, no grau 20 (19º25΄), estando
Sagitário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na IV, no lugar
sob a terra (ὑπόγειον), no decanato de Júpiter, nos termos
de Marte e na monomoiria da Lua. A
retrogradação começa assim de dia, abaixo do horizonte, com o Sol a rumar para
o Poente e a Lua junto ao Ponto Subterrâneo. Em 2024, o movimento retrógrado de
Saturno estender-se-á até 15 de Novembro, onde estará no grau 13 (12º41΄), nos
termos de Júpiter e na monomoiria da
Lua. Se observarmos estas dignidades, compreendermos, por um lado, a
consistência de uma natureza lunar na monomoiria
e, por outro, o reafirmar do domicílio jupiteriano de Peixes, pois o movimento
retrógrado ocorre no seu decanato e regressa aos seus termos. Saturno semeará
os dons do feminino e colherá as acções do bem.
Saturno faz o seu movimento pelo signo de Peixes de 7 de
Março de 2023 a 25 de Maio de 2025. Esteve retrógrado de 17 de Junho de 2023 a
4 Novembro de 2023 e estará agora até 15 de Novembro. Em 2025, quando já
estiver em Carneiro, estará retrógrado a partir de 13 de Julho e até 28 de
Novembro. Ora, neste período, voltará ao signo de Peixes, onde estará de 1 de
Setembro de 2025 a 14 de Fevereiro de 2026. O planeta do tempo e da
necessidade, entre a potência e a actividade (movimento retrógrado e directo),
oscilará entre a totalidade (Peixes) e a unidade (Carneiro). Existe assim um
movimento da divisão do uno à estabilização do todo, todavia, esta efectivação
do movimento será balanceada entre a expansão e a contracção. O movimento
retrógrado apela necessariamente a um ensimesmamento da sua natureza
particular.
O estoicismo utiliza o termo οἰκείωσις,
dando-lhe o sentido filosófico de apropriação de si, da prática de actos
apropriados (καθήκοντα), isto é, de actos de acordo com a
natureza. Ora este termo, com um sentido primordial de se fazer aquilo que lhe próprio,
ou seja, de agir de acordo com o seu potencial, tem uma relação significativa
com o conceito astrológico de retrogradação. Ao dar a ilusão que recua, o
planeta regressa a si mesmo, volta à origem. Se pensarmos que οἰκείωσις se
relaciona etimologicamente com o termo οἶκος,
compreendermos que existe um carácter conceptual de regresso a casa. De um
ponto de vista astrológico, a retrogradação, conciliada com a οἰκείωσις
estóica, confere a um determinado movimento ou posição planetária um valor de
afinidade, mas também de reconciliação. Existe então uma propensão natural para
tornar familiar e íntima a experiência do passado e recolher os proveitos da
revisitação. Contudo, essa é uma viagem difícil, daí o carácter potencialmente
nefasto da retrogradação.
Saturno
retrógrado, enquanto planeta do tempo e da necessidade, assume quiçá a proposta
significativa mais adequada a essa propensão. Séneca,
no De ira, diz-nos que “Existe em cada um de nós uma mente de
monarca, esperando que seja concedida liberdade à acção, mas sem que ela se
vire contra nós.” (2.31.3: Regis quisque
intra se animum habet, ut licentiam sibi dari velit, in se nolit. Kaster, R. A., 2023, How to Do the Right Thing: An Ancient Guide
to Treating People Fairly, 94-5. Princeton/
Oxford: Princeton University Press). Ora esta mente de monarca espera que a sua acção
seja livre, no entanto, sem uma consciência de si, sem se alcançar uma afinidade
ensimesmada, ou seja, sem uma reconciliação, a mente não consegue evitar que
essa mesma liberdade se vire contra ela. A incapacidade de se aceitar a
necessidade, os ditames da providência, julgando que a liberdade de acção, o
livre-arbítrio, evita o movimento da roda do destino, revela a importância da
retrogradação de Saturno. A possibilidade de reconciliação com o destino, com
os mistérios do tempo, é uma dádiva de Saturno retrógrado.
A
forma como o poder da acção vive no tempo e como está sujeito à necessidade
revela este movimento de Saturno. A mente
de monarca teme o limite da liberdade, pois teme a perda do poder. Ora a
mitologia de Cronos (Saturno) apresenta a forma ténue e efémera de como se
alcança e se perde o poder. Apolónio de Rodes
conta-nos, na Argonáutica, que Orfeu:
“Cantava como Ofíon e a Oceânide Eurínome/
foram os primeiros a dominar o nevado
Olimpo;/ como, pela força dos braços,
cederam o seu privilégio/ a Crono e a
Reia, ao caírem nas vagas do Oceano; estes/ foram então os senhores dos Titãs, deuses bem-aventurados,/ enquanto Zeus, ainda rapaz e com um coração
de criança,/habitava na caverna de
Dicte.” (I, 503-9. Apolónio de
Rodes: Argonáutica, Livros I e II, ed. A.A.Alves de Sousa, 80-1. Coimbra,
2021: Imprensa da Universidade de Coimbra).O
Olimpo foi governado por três pares divinos: Eurínome e Ofíon, Reia e Cronos e
Hera e Zeus. No meio do caminho do poder, Saturno ganhou face ao primeiro e
perdeu para o terceiro.
De uma outra perspectiva mitológica, tecida pelo desejo
de uma linhagem patriarcal e uma forte e indiscutível significação psicológica,
Cronos (Saturno) usurpa o poder do pai, Úrano, e vê o seu poder usurpado pelo
próprio filho, Zeus (Júpiter). Úrano, o deus do céu, temendo perder o poder,
obriga a sua prole a regressar ao ventre da mãe, de Gaia. A Terra, sofrendo das
dores de ter de albergar todos os seus filhos, cria uma enorme foice de aço e
incita os seus filhos a usá-la contra o pai tirano, mas, por temor, todos
recusam, com a excepção de Cronos. O titã aproveita os ímpetos lúbricos de
Úrano e, quando este deixa cair a noite celeste sobre a terra, castra-o com a
foice. Dos testículos caídos no mar, nascerá Afrodite (Vénus), daí que a
relação astrológica de Saturno e Vénus não seja das mais tensas.
Calímaco (Aetia
frag. 43)
conta-nos que a cidade de Zankle, na Sicília, hoje Messina, foi construída em
torno de uma caverna, onde no seu interior, repousava a foice que Cronos usou
para castrar o pai, Úrano, pois em grego ζάγκλον indica o objecto cortante
utilizado. Neste mito, Úrano não é o planeta “fofinho” da astrologia new age, é um deus cruel, autoritário e
misógino, que perde a masculinidade por abusar dela. Já Cronos (Saturno) surge
como aliado do Eterno Feminino, seja com a mãe Gaia, seja com a esposa Reia,
uma Grande Mãe, ou com a primogénita Héstia. Lembremo-nos que o primeiro filho
do casal é Héstia, uma deusa, a deusa do lar, do fogo sagrado. Zeus (Júpiter) é
o último a nascer. Existem aqui estruturas matrilineares determinantes e
indicadoras de poderes matriarcais mais antigos.
Neste
mito, encontramos muitos dos elementos que justificam a atribuição do género feminino
a Saturno, aquela que encontramos em Doroteu (Carmen Astrologicum, I, 10, 18-19. Cf. Figueiredo, R. M. de, 2024, Fragmentos Astrológicos, 2ª ed. revista
e aumentada, 165-77. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo) e
que, na verdade, conferem uma certa significação ao Saturno Retrógrado. Quando
Cronos, repetindo a desmedida do pai, teme ser destronado por um dos seus
filhos, ele engole-os, guardando-os dentro de si como Gaia fizera. Esta é indiscutivelmente
uma qualidade feminina. Reia salva o bebé Zeus (Júpiter), trocando-o por uma
pedra, e esconde-o em Creta. O deus crescerá e acabará por derrotar o pai. O
sextil actual do Saturno Retrógrado em Peixes a Úrano em Touro e a quadratura
de Saturno a Júpiter em Gémeos revelam o sentido desta relação de poder entre
Úrano, Cronos (Saturno) e Zeus (Júpiter), bem como o potencial da retrogradação
de Saturno.
A
estação de retorno pelo signo de Peixes encerra em si uma dimensão escatológica
que possui também ela uma significação astro-mitológica. O planeta austero,
senhor dos grilhões da fortuna, possui também um carácter salvífico. Hesíodo, nos Trabalhos e Dias, afirma o seguinte: “Agora, se queres, contar-te-ei outra,/ com pormenor e saber; e tu recolhe em teu espírito/ que têm origem comum os deuses e os homens
mortais./ De ouro era a primeira
geração de homens mortais/ criada
pelos imortais que habitam as moradas Olímpicas./ Eram do tempo de Cronos, quando ele reinava no céu:/ como deuses viviam, com o coração liberto de
cuidados,/longe e apartados de penas
e misérias. Sem a presença da triste/ velhice,
sempre igualmente fortes de pés e braços,/ alegravam-se em festins, a recato de todos os males./ Morriam como se vencidos pelo sono. Todos os
bens/ espontaneamente, muitos e
copiosos; e eles, contentes/ e
tranquilos, partilhavam os trabalhos com alegrias infinitas,/ [ricos em rebanhos, queridos aos deuses
bem-aventurados.]/ Mas depois que a
terra cobriu os homens desta raça,/ eles
são, por vontade do grande Zeus, divindades/ benignas, subterrâneas, guardiãs para os homens mortais,/ [o que vigiam a justiça e as acções malvadas,/
vestidos de bruma, percorrendo toda a
terra,]/ distribuidores de riqueza.
Tal é a honra real que obtiveram.” (106-26. Hesíodo: Teogonia & Trabalhos e Dias, ed. A. Elias Pinheiro
& J. Ribeiro Ferreira, 97-8. Lisboa, 2014: INCM). O regresso à Idade de Ouro implica
uma transformação do humano em espírito puro ou divindade benigna e, com alguma
severidade, recuperar esse bem perdido.
Após
a prisão no Tártaro, Cronos é reabilitado pelo filho e torna-se o soberano das
Ilhas dos Bem-Aventurados (Cf. Platão, Gorgias 525a e ss, Leis 713a, Píndaro, Ode Olímpia 2.55 e ss.), as
quais poderiam incluir os Açores. No Elísio, existe uma recuperação e também
uma reconciliação com a Idade de Ouro. Não se pense porém que, com as
descrições mitológicas apresentadas, o Saturno astrológico perde o seu
carácter. A retrogradação traz sim um outro peso, uma outra gravidade. O tempo
e a necessidade revelam o que está para além do humano, das limitações, da
desmedida que ele próprio criou. Na roda da necessidade, não existe pecado
original, cada um responde pelas suas acções e é através delas que determina o
seu destino. Ora o trígono entre Saturno e Neptuno em Peixes e o Sol, Mercúrio
e Vénus em Caranguejo transporta a visão do tempo como totalidade até à sua origem,
até à fundação da realidade. O desafio desta retrogradação de Saturno é
procurar para além do esquecimento, sem a água do Letes, a raiz do destino.
A malignidade de Saturno impõe-se pela fixação tripartida
da linha, do limiar e do limite. O destino tece a linha no tempo e coloca-a no
espaço, ou seja, estabelece a relação entre Saturno e Júpiter, entre o tempo e
o espaço. A necessidade funda assim, face aos ditames da providência, o limiar
e o limite da dádiva do bem. A actual quadratura entre Saturno retrógrado em
Peixes e Júpiter em Gémeos, construída em signos mutáveis, firma a
transitoriedade de uma estruturação complexa e, por vezes, dolorosa entre o
silêncio e a palavra. Eco perde-se e Narciso também. Este é o grande aspecto
astrológico de 2024 e aquele fixa os alicerces, as colunas dóricas, da nossa
realidade actual, do templo que vemos e que temos medo de entrar. A mente de monarca deixou de estar
temorosa face à liberdade que se esfuma no horizonte, diante da imagem que
projectou, ela acredita que possui uma liberdade incondicional. Precisamos pois
de regressar àquilo que nos é próprio.
O sextil entre Saturno e Neptuno em Peixes e Marte e
Úrano em Touro confere, sob a fina égide de uma certa liberdade de acção o
perigo do afastamento radical do númen feminino, trazendo consigo o medo do
feminino. A Lua em Carneiro, no lugar onde se exalta o Sol, junto da Caput Draconis, e com a Cauda junto ao Ponto de Culminação, estando
tanto a Lua como o Dragão da Lua em quadratura ao Sol, revela a dificuldade de
afirmação do feminino, da luta pela presença e pelos seus direitos. Pesam as
amarras e o preconceito. Quando a discórdia impera e não existe harmonia nos
opostos, a retribuição, que é uma lei de Saturno, exercerá a sua acção, reequilibrando
a desmedida. De um outro modo, o trígono de Ar entre Júpiter em Gémeos, Plutão
retrógrado em Aquário e a Cauda Draconis
em Balança coloca sobre o destino a restruturação do pensamento e do discurso.
Quando a humanidade se afasta do bem, da verdade e da justiça, a destruição e a
morte vão trilhar o seu caminho, pois a senda da verdade é o fio da roda da
necessidade. O irracional não nos dá hoje o sonho e a imaginação, consagra a
ilusão e defende a ignorância.
A quadratura da Lua em Carneiro ao Sol, Mercúrio e Vénus
em Caranguejo, a par do sextil da Lua a Júpiter em Gémeos e a Plutão em
Aquário, apresenta a incapacidade de interiorizar a proposta do Saturno
retrógrado, da escatologia saturnina. A identidade centrada na imagem que tem
de si mesma, mesmo trazendo o potencial de esclarecimento e transformação, é
incapaz de aceitar esse movimento radical de origem, de reconciliação com o
destino. A quadratura entre Marte e Úrano em Touro e Plutão em Aquário confere
também um clima de conflito e tensão aos nossos dias. Os tempos sombrios que
vivemos, em que a extrema-direita galga os limites da democracia, trazendo
consigo o retrocesso em direitos e valores e uma destruturação dos pilares do
estado social e dos princípios da solidariedade e da tolerância, surge daqui
com perigo inegável. A lição do tempo é um ensinamento de Saturno, bem como o
destino como retribuição, e a humanidade está assim no limiar do seu próprio
fado.
A retrogradação de Saturno é, em suma, um tempo para revisitarmos a lição do destino. Temos, durante este período, uma oportunidade de nos reconciliarmos com tudo aquilo que antes de bebermos do Lete aceitámos. A Necessidade não agiu sozinha. Nós somos uma parte activa do lote que nos foi entregue e essa é a liberdade que contraria a mente de monarca e distorce a relação do humano com o seu destino. Saturno retrógrado dá assim gravidade ao tempo.
segunda-feira, 17 de junho de 2024
Reflexões Astrológicas 2023: Parte II - Citação 4
segunda-feira, 3 de junho de 2024
Calendário Astrológico: Junho de 2024
terça-feira, 28 de maio de 2024
Livros de Astrologia: 7 títulos
sábado, 25 de maio de 2024
Reflexões Astrológicas 2024: Júpiter em Gémeos
Reflexões Astrológicas
Júpiter em Gémeos
Lisboa, 00h15min, 26/05/2024
Júpiter
Decanato: Júpiter
Termos: Mercúrio
Monomoiria: Mercúrio
O ingresso de Júpiter em Gémeos ocorre com Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na VI, no Lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), no decanato de Júpiter, nos termos e na monomoiria de Mercúrio. O ingresso dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de três horas e vinte minutos após o pôr-do-sol. Júpiter encontra-se, desta forma, desfavorecido por não estar no seu próprio segmento (αἵρεσις) e por estar abaixo do horizonte. Nesta posição e neste lugar, Júpiter brilha sem ser visto, não revela à luz da noite a mudança de signo, mas ela ocorre, encerrada porém na expressão negativa da Fortuna. A passagem para um signo masculino potencia, todavia, algumas das característica jupiterianas.
De
Touro para Gémeos, Júpiter vai mudar o valor da sua expressão. Em Touro,
Júpiter é o jovem Zeus sob a protecção da Grande Mãe, de Reia (Touro), mas, em
Gémeos, Castor e Pólux são os “rapazes de Zeus”, pois Διόσκοροι (Dióscoros) tem esta raiz etimológica,
alguns dizem até “filhos de Zeus”, quando, na verdade, só Pólux é que era filho
de Zeus. A tradição astro-mitológica adverte-nos disso, afirmando que, mais do
que o trabalho de Hércules, “O mito que, porém, melhor descreve o signo de Gémeos é o dos
Dióscoros (Castor e Pólux). Nasceram de Zeus e Leda e são irmãos de Helena e
Clitemnestra. Porém, Leda era casada com o rei da Lacedemónia, Tíndaro. Na
noite em que Zeus se uniu a Leda, sob a forma de Cisne, ela uniu-se também ao
marido. Destas uniões, nasceram dois pares de gémeos ou dois ovos: de Zeus,
Pólux e Helena e, de Tíndaro, Castor e Clitemnestra.” (Figueiredo,
R. M. de, 2024 (2021), Fragmentos
Astrológicos: 2ª edição, revista e aumentada, 141-2. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo).
No
entanto, a razão da dualidade geminiana não se constrói apenas a partir destes
nascimentos duais entre o humano e o divino. Numa peleja, após a morte de
Castor, Pólux vinga o irmão, matando o seu oponente, mas o irmão deste ataca-o
com uma pedra. Zeus, no entanto, intervém, fulminando-o com o seu raio. Como
Pólux rejeita a sua imortalidade enquanto o irmão, Castor, jaz com a alma vagueando
no submundo, Zeus permite que os irmãos usufruam da imortalidade em dias alternados
(cf.
Ps. Apolodoro, Biblioteca, III, 136-7). A existência dos gémeos Castor e
Pólux fixar-se-ia então entre o reino de Zeus (Júpiter) e o reino de Hades
(Plutão). Lembremo-nos da relação astrológica de Gémeos com os domicílios de
Júpiter, Sagitário (oposição/diâmetro) e Peixes (quadratura), mas também com
Plutão, Escorpião (150º). Os antigos descreveriam esta relação de aspecto como
débil e passiva. Ora a herança astro-mitológica reforça estas influências sobre
o signo de Gémeos, dizendo que Poseídon (Neptuno) recompensou Castor e Pólux
com cavalos e o poder de auxílio sobre náufragos (Ps.Higino, Astronomica 2.22). É estabelecida aqui uma outra
relação com o signo de Peixes, particularmente pertinente face à actual presença
de Saturno neste signo.
A
relação Júpiter-Saturno é, depois da dos luminares, a mais estruturante de
todas as relações astrológicas. Quando Júpiter estava em Touro e Saturno em
Peixes, existia uma harmonia (sextil Terra-Água) entre os senhores do espaço e
do tempo, mas com a passagem de Júpiter para Gémeos passará a existir uma
tensão (quadratura Ar-Água). Entre o elemento estruturante masculino (Ar) e o
elemento dinâmico feminino (Água), criam-se necessariamente elementos de
discórdia. No entanto, existem duas interpretações a ter aqui em consideração:
a primeira é a Necessidade, isto é, existe um sentido último em cada relação,
uma razão de ser; e a segunda é que a discórdia é a outra face da harmonia,
lembremo-nos, por exemplo, dos textos filosóficos de Heraclito ou Empédocles. De
uma perspectiva mundana, mas também genetlíaca, esta relação entre Júpiter e
Saturno conduz-nos assim a outros desafios.
Séneca,
no De Constantia Sapientis, diz-nos o seguinte: “Afirmo, pois, que o sábio não está sujeito a
nenhuma injúria; por isso, não importa que muitos dardos sejam arremessados
contra ele, porque é impenetrável a todos.” (3.5, Séneca: Sobre a Providência Divina e Sobre a
Firmeza do Homem Sábio, ed. R. da Cunha Lima, 79. São Paulo, 2000: Nova
Alexandria). Estando Júpiter e Saturno em signos mutáveis, nos quais
a dualidade é uma questão, um dos desafios passa por encontrar elementos de
constância, de permanência, e a sabedoria é o primeiro de todos eles. A dualidade geminiana constrói-se na
alternância ambivalente entre o humano e o divino. Se pensarmos na regência
domiciliar de Mercúrio, compreendemos que esta alternância procura criar um elo
entre a ignorância humana e a sabedoria divina. Dos signos duais, Gémeos é
único em que esta dicotomia permanece separada, neste caso sob o véu da
alternância. Sagitário encerra num único ser o humano e o animal e Peixes, contrariamente
à crença moderna e infundada de que os dois animais nadam em direcção oposta,
conflui numa ideia de totalidade, pois, embora um seja boreal e o outro astral,
estão unidas pela estrela Alpha Piscium
ou Alrescha, já a mitologia coloca
Afrodite e Cupido a fugirem juntos, lado a lado, de Tífon e coloca também da
mesma forma os dois peixes que trouxeram Afrodite para a costa. A constelação
de Gémeos tem uma disposição estelar semelhante, mas não converge numa única
estrela.
O ingresso de Júpiter em Gémeos
acontece de 26 de Maio de 2024 a 9 de Junho de 2025. Nesse período, estará
retrógrado de 9 de Outubro de 2024 a 4 de Fevereiro de 2025. Se observarmos as
dignidades, concluímos que, nesta passagem, os efeitos benéficos serão maiores
nos graus do primeiro decanato (1 a 10) e nos seus próprios termos (graus 7 a
12). No entanto, podemos dizer, face à adversidade domiciliar (detrimento) já
anunciada, que Júpiter só encontrará o seu maior potencial (exaltação) quando
ingressar em Caranguejo, até lá a relação com Mercúrio, sobretudo nos graus
descritos, sairá reforçada. De um outro modo, é também relevante o facto de os
dois benéficos se encontrarem conjuntos, com o Sol como parceiro. A união de
Vénus e Júpiter congrega sempre um valor de bênção, de dádiva. É como se
aquelas duas luzes brilhassem no céu como anúncio ou prenúncio do sentido
primordial do bem, da beleza e da justiça, mas também da proposta
transformadora que une amorosamente a sabedoria à fé.
Plutarco, na obra Da
Educação das Crianças, descreve, do seguinte modo, aquilo que pode ser
considerado um bem, nomeadamente o bem conferido por Júpiter em Gémeos e que
concilia Júpiter e Mercúrio: “A boa
estirpe é, seguramente, um bem, mas é um bem herdado dos progenitores; sem
dúvida que a riqueza é preciosa, mas é um bem fruto do acaso, posto que, muitas
vezes, se afasta dos que a têm e vai ao encontro daqueles que não a esperam;
uma grande riqueza é um objectivo para aqueles que desejam alcançar as bolsas,
os criados perversos e os sicofantas, e, o pior, encontra-se também entre os
mais perversos. A glória é, seguramente, algo venerável, mas inconstante; a
beleza é desejável, mas passageira; a saúde é preciosa, mas perecível; a força
é invejável, mas diminui na doença e na velhice. Ou seja, se alguém se orgulha
da força do corpo, logo que dá conta do engano compreende a força da
inteligência. Pois, qual é o poder da força humana comparado com o dos outros
animais? Como o dos elefantes, dos touros e dos leões? A formação é o único dos
bens que temos que é imortal e divino. Na natureza humana, os dois bens mais
importantes são a inteligência e o raciocínio. A inteligência comanda o
raciocínio e o raciocínio está ao serviço da inteligência. O raciocínio, por
sua vez, não se perturba com a sorte, não se pode tirar pela calúnia, é
incorruptível na doença e não se injuria na velhice. Na verdade, apenas a
inteligência, ao envelhecer, se rejuvenesce. O tempo, que tira todas as coisas,
concede na velhice o conhecimento. A guerra, como uma torrente, arrasta toda a
justiça e leva tudo à frente, só não pode destruir a formação.” (8, 5c-f, Plutarco:
Obras Morais - Da Educação das Crianças, ed. J. Pinheiro, 44-5. Coimbra,
2008: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos).
O valor do raciocínio e da inteligência, da educação e do
conhecimento, descrito por Plutarco, resume o bem concedido por Júpiter em
Gémeos e potenciado pela co-presença do Sol, de Júpiter e de Vénus neste signo.
No Sonho de Cipião, Cícero designa
Júpiter como “aquele fulgor próspero e
salutar” (De re publica,
VI, 17: prosperus et salutares ille fulgor). Aquando
do ingresso, o Mercúrio não faz qualquer aspecto aos planetas no signo por ele
regido. Este elemento interpretativo, a par da quadratura a Saturno e Neptuno
em Peixes e do sextil à conjunção de Marte e da Caput Draconis em Carneiro, revela a dificuldade de fixar como bem,
e como apela Júpiter em Gémeos, a premissa de Plutarco de que “A formação é o único dos bens que temos que
é imortal e divino.” Esse é um potencial que pede efectivação. A
incompletude do propósito, dessa via da inteligência, pode ser também
compreendida pela astrologia. Mercúrio tem o seu domicílio em Gémeos e em
Virgem, todavia, é em Virgem que encontra a sua exaltação. Um dos lugares de
domicílio (Gémeos) e o de exaltação (Virgem), que é também domicílio, lançam entre
si raios quadrangulares, o que só acontece com os maléficos (Marte, Carneiro e
Caranguejo, e Saturno, Capricórnio e Balança). Virgem, por indicar uma deusa,
mostra essa finalidade divina: a sabedoria. Já Gémeos traduz um caminho, um que
é frequentemente rejeitado.
No tema do ingresso de Júpiter de Gémeos, existem outros
elementos a assinalar. O primeiro concerne ao facto de só a Lua é que está
acima do horizonte. É uma deusa solitária, ascendendo a partir de um lugar
débil. A Lua em Capricórnio oculta na noite escura a Cornucópia de Amalteia. A
fortuna espera o momento oportuno e o forçar do momento é sempre sinal de
infortúnio, daí que o ingresso ocorra no lugar da Má Fortuna (VI). Por outro
lado, e reforçando a debilidade lunar, o corpo do Dragão da Lua afunda-se na
realidade. A Caput em Carneiro
encontra-se na IV e a Cauda em
Balança na X. Cerca de dezoito horas após o ingresso, a Lua estará em
quadratura exacta ao Dragão da Lua, o que, segundo os antigos, era sempre um
sinal de desventura e adversidade. Ora o valor destas significações serve
também para afirmar que, por vezes, pode existir ou persistir o engano de que
Júpiter traz sempre a fortuna. Em certas situações, a dádiva é um valor oculto
e esse dragão de luz e sombra traz consigo uma crise na identidade, na ponte
entre a unidade e a dualidade.
O trígono entre Júpiter, Vénus e o Sol em Gémeos e Plutão
em Aquário vem confirmar e adensar o sentido da ambivalência geminiana descrita
na abordagem astro-mitológica. O eixo entre o humano e o divino que coloca os
Dióscoros entre o Hades e o Olimpo, entre o Submundo e o Céu, possibilitando
uma ponte da morte à eternidade, da corrupção à elevação. Não podemos esquecer,
contudo, que é a Necessidade, o destino, que estabelece as linhas que tecem
estes eixos. A quadratura dos planetas em Gémeos a Saturno e a Neptuno em
Peixes trazem consigo o desafio da integração do destino e da compaixão nessa
ambivalência radical. A chave-mestra para esse desafio pode ser encontrada no
sextil entre Saturno e Neptuno em Peixes e Mercúrio e Úrano em Touro. Esta é
uma chave encerrada dentro desse trígono de Júpiter e Plutão. A liberdade
humana não altera o destino, permite, como afinidade electiva, a escolha do
conhecimento e da senda da sabedoria. Ora este sextil oferece a possibilidade
de se integrar na imensidão do tempo a restruturação do conhecimento.
A anterior co-presença de Júpiter e Úrano em Touro e a actual de Mercúrio e Úrano, com Júpiter passando para o signo regido por Mercúrio, indica, entre muitas outras coisas, a revitalização do conhecimento astrológico. Este momento serviu de marco, de síntese, de uma revolução no conhecimento astrológico. Nos últimos anos, acentuando uma tendência das últimas décadas, a astrologia largou as amarras de um ciclo que se estendeu do final do século XIX até às últimas décadas do século XX. A predominância de uma astrologia dependente de movimentos espirituais, muito distante do conhecimento académico e frequentemente superficial, deu lugar a uma restruturação dos sistemas astrológicos, fundamentada sobretudo na história da astrologia e na astrologia tradicional, e deixando-se influenciar paralelamente pela psicologia e pela filosofia. A astrologia antiga ou helenística é quiçá o melhor exemplo deste novo ciclo. Com ela, temos modelos astrológicos recuperados e renovados, mas também a possibilidade de uma filosofia da astrologia. Este é um bom exemplo e um sinal dos tempos. São as centelhas de conhecimento que iluminam a escuridão da ignorância.
O ingresso de Júpiter em Gémeos recupera como bem o raciocínio e a inteligência. Porém, por muito que a dádiva seja natural, ela pede uma disposição electiva. Temos de escolher para além dos bens mais fáceis, líquidos e passageiros e, entre o humano e o divino, a palavra e a comunicação podem tanto ascender à realidade celeste e supra-humana como espalhar-se por entre a ignorância, a desinformação e a mentira, próprias da humanidade e da sua desmedida. Como senhor do espaço, Júpiter em Gémeos expande a palavra, todavia, o valor da palavra, a finalidade do seu sentido, depende do humano. Em suma, Júpiter em Gémeos é uma proposta para se encontrar a dádiva do bem numa ambivalência radical entre o que nos eleva e o que nos afunda, entre o divino e o humano.